"Nos seus olhos há um azul profundo,

Um para amar e um para se perder,

Uma doce indecisão, uma verdade pesada.

Água ou vinho, não me faça escolher".

Wolves – Selena Gomez

Naquela noite não consegui parar de pensar em tudo que tinha acontecido quando iria me deitar.
Minha mãe achou estranho o jeito que eu andava quando me viu chegar em casa, e eu inventei que tinha feito faxina e escorreguei no chão sem querer, felizmente ela acreditou na minha desculpa e não continuou o interrogatório.

Quando enfim estava em meu quarto sentia que precisava falar com alguém e certamente Cat já estava subindo pelas paredes de ansiedade em saber o que rolou na casa do meu "crush". Então decidi enviar para ela algumas mensagens.

Estela ás 22h30:  Oi, eu preciso te contar como foi na casa do Caio.

Cat ás 22h40 : Aleluia! Finalmente a bonita apareceu para me dar notícia! Vai desembucha que eu tô roendo as unhas para saber o que aconteceu.
Enviei uns gifs e uns emotions com carinha de gargalhada. E ela enviou um emotion de dois olhos como se dissesse que não aguentava mais esperar.

Estela às 22h50: Depois da escola fomos juntos para a casa dele, e o tio dele deu carona pra gente. Ele toca em uma banda de rock e é muito bacana. A casa do Caio é linda e enorme, tem dois andares, ele me contou que tem o quarto dele, o dos pais, um quarto de hóspede e também uma pequena biblioteca, e que prometeu me levar lá outro dia com mais tempo por que hoje precisávamos ensaiar.

Cat às 23h10: Caraca! Deve ser lindíssima mesmo, mas a mãe dele você conheceu?

Estela às 23h25: Sim, a mãe dele é muito legal, e me tratou muito bem. Ainda fez um bolo de chocolate pra gente que estava incrível.

Cat às 23h40: E me diz como foi o ensaio, rolou alguma coisa?

Estela às 23h50: No começo ele me ensinou técnicas de respiração para acalmar a ansiedade antes de uma apresentação. Elas foram muito úteis e vou tentar usá-las sempre que eu tiver uma nova crise de ansiedade. Aprendi técnicas de relaxamento também, pois segundo ele até os músculos ficam tensos por causa do nervosismo. E depois ele me instruiu sobre como colocar mais força na minha voz para que a plateia me escute, foi muito bom.

Cat às 00h00: Uau! Parece que esse ensaio foi bom mesmo, pelo visto. Ele tocou em você quando te ensinava essas técnicas de relaxamento?

Estela às 00h15: Ele tocou meus ombros para me ajudar com a respiração e com os movimentos corretos, e eu fiquei toda arrepiada. Mas não rolou nada além disso. Você acha que eu devo investir nele? Será que tenho alguma chance?

Cat às 00h30: Talvez sim, mas vai com calma por que você sabe a fama que ele tem.  E agora se sente mais segura para a apresentação?

Estela às 00h40: Sim, vou treinar todos os dias aqui em casa e estarei no último ensaio do grupo conforme orientaram a todos os integrantes da peça a comparecerem.  Agora preciso ir por que tenho que descansar. Acabei de tomar um remédio.

Cat às 00h55: Por que tomou remédio? Tá doente?

Estela às 01h00: Eu caí na escada dele.
Cat enviou emotions com aquela carinha parecendo aquele quadro " o grito".

Estela às 01h10: Eu tô bem, amiga. Só caí nos últimos degraus, tropecei na merda do cadarço que estava solto. Fiquei com metade da bunda vermelha e dolorida, mas tô legal.

Cat às 01h20:  Eu me esqueci o quanto você é desastrada. Vive caindo por aí, se passar um vento é capaz de você cair, né?

Estela às 01h30: Para de me zoar!  Eu tava apressada demais, e acho que não amarrei direito, só isso! Agora é sério tenho mesmo que dormir. Se não vou ficar que nem a Mayara dormindo pelos cantos da escola.

Cat às 01h40: É verdade! Você não quer concorrer a cosplay e Walking dead que nem ela, amiga. (carinha de riso).
Estela às 01h50: Tá certo! Durma bem, e até mais tarde, sua doida.
       
          ***

No dia seguinte encontrei com Caio na biblioteca quando tinha ido na hora do intervalo tirar umas cópias de umas apostilas de gestão financeira e psicologia organizacional, pois teríamos atividades extras em sala utilizando o material.
Ele estava usando o computador da biblioteca para algum trabalho e estava acompanhado de uma garota ruiva que estava em pé atrás dele e colocava a mão em seus ombros. A cena me deixou um pouco enciumada, mas não quis demonstrar, afinal de contas, ele não era meu namorado mesmo.

Caio percebeu que eu o olhava de soslaio e disfarçava, e então pediu para a menina imprimir o trabalho que ele iria tirar umas cópias de um material que um professor iria usar na sala, e lhe pedira para levar xerox suficientes para toda a turma.
Ele tirou de sua mochila uma pasta com um material que me pareceu ser de economia, e sorriu quando meus olhos encontraram os seus.

— Oi Estela! Tudo bem? — ele acenou, e eu assenti.

— Eu estou bem apesar do que houve na sua casa. —  Ele estava na mesa redonda à frente da minha na biblioteca, e por isso felizmente eu não precisava gritar para que me ouvisse.

— Que bom! Fiquei preocupado com você.

— Obrigada por se preocupar. Eu te vejo no ensaio nessa sexta-feira.

— Estarei lá, com certeza. Segue as minhas dicas, respira e não pira, ok?

— Pode deixar. Vou encarar a fila agora antes que volte para a sala sem minhas apostilas. As professoras vão me matar se eu não imprimir isso hoje.

— Eu digo o mesmo, o professor pediu para tirar cópias do material dele por que a representante de classe hoje faltou, então vou ter que substituir ela no momento.  — ele deu de ombros e se afastou indo em direção a fila que já tinha umas sete pessoas.

Eu o segui, mas a tal ruiva entrou na minha frente e o chamou, como se estivesse deixando claro que ele estava com ela e eu não deveria interferir. Eu não ia com a cara da Mônica antes, mas aquela garota também não estava facilitando e eu tive que me segurar para não a provocar, pois quando meu sangue ferve, a minha língua não tem filtro e nem freios, é capaz de ferir mais do que uma flecha, e eu não estava a fim de que ninguém estragasse meu dia como a música que eu ouvia do Charlie Brown Júnior no celular.

Faltando dez minutos para o intervalo acabar é que enfim eu fui atendida, e felizmente o material das professoras não era tão grande, cada um tinha umas cinco folhas para impressão.

Paguei o valor das cópias para a bibliotecária, a dona Nádia, uma senhora negra, já de idade e muito simpática, e depois saí voando em direção a minha sala que ficava no primeiro andar no fim do corredor.
Entrei na sala e a  professora de gestão financeira já estava fazendo chamada, ela me olhou com uma cara de poucos amigos pelo meu atraso, e eu pedi desculpas, e lhe disse que a biblioteca estava muito cheia e por isso me demorei, mas consegui seu material para atividade.

Ela acenou com a cabeça e me mandou sentar logo.  Matilde era uma professora bem durona, não dava mole para ninguém e vivia dando patada em todo mundo, ela estava na minha lista negra, mas felizmente ela não podia dizer o mesmo de mim, já que sempre mantive minhas notas no patamar em que deviam estar. Jamais tirei uma nota vermelha com ela, ao contrário da minha amiga Cat que vivia desesperada por que detestava a aula dela, e achava que números e ela eram incompatíveis como água e óleo.

Três alunos foram chamados antes de mim, e fiquei aliviada por ter chegado pelo menos a tempo de não levar falta, era bem capaz de Matilde fazer isso por que ela era chata até esse ponto. 
Depois da chamada ela nos passou alguns exercícios de juros simples e compostos, e utilizamos nossas calculadoras financeiras. Cat até tentou colar de mim, mas a professora deu uma dura nela e lhe disse que deveria consultar o seu material, pois era uma atividade individual e não hesitaria em dar zero para ela se persistisse no que estava fazendo.

A sala começou a zoar a Cat, e a professora mandou todo mundo ficar quieto e terminar sua atividade por que aquilo ajudaria na nota para a prova trimestral da disciplina dela.
Terminei a atividade após cinco alunas terem entrego suas folhas para a professora, e assim ela me liberou para fazer a lição de outra matéria se eu quisesse.

Então resolvi adiantar um resumo que eu tinha que entregar para a professora de filosofia sobre o mito da caverna de Platão, um dos assuntos que mais gostava dessa matéria.
O mito da caverna me fascinava por que segundo esse pensamento influenciado por Sócrates, as pessoas só seriam verdadeiramente livres quando abrissem mão das suas correntes que significam a ignorância das coisas, e ela poderia ser formada por ideias pré-estabelecidas criadas apenas por informações oferecidas por outras pessoas.

Sendo assim Platão nos ensina que o indivíduo que consegue se libertar das correntes e vivencia o mundo exterior vai muito além do pensamento comum, assim ele critica e questiona a sua realidade sempre que necessário por que a busca pelo saber traz o verdadeiro aprendizado por diversas formas, o que constitui um conhecimento muito mais amplo da vida e do mundo.

Foi muito fácil discorrer sobre isso por que essa alegoria do filósofo pode ser usada em várias situações das nossas vidas, pois todos nós podemos entrar em cavernas em algum momento e nos acostumarmos com aquilo, de modo que fiquemos com receio de sair novamente, mas nunca saberemos quantas coisas incríveis podemos encontrar na imensidão do mundo se ficarmos conformados com o que vemos na caverna. Essa história nos inspira a ir além do que temos e desbravar novos mundos.

Fiz um resumo com muito mais do que trinta linhas, e ainda achei que precisava de mais um pouco para falar desse assunto, contudo eu não queria ser extensa demais em minha opinião sobre o assunto.

O sinal ressoou pelo corredor e me fez voltar a realidade, já que eu estava completamente imersa no que tinha escrito durante o resto da aula.

— Já fez o resumo da professora Paula? — perguntou Milena, uma garota que costumava sentar na primeira carteira da fileira que eu estava.

— Acabei de terminar, Milena. E você já fez?

— Eu não entendo muito daquela alegoria, filosofia me deixa bem confusa.

— Não é tão complicado assim.

— Eu acho muito mais fácil fazer esses cálculos de matemática financeira ou os de química do que entender  Plãtão. — ela riu.

— É pra entregar amanhã, mas posso te explicar depois se você quiser.

— Quando você chegar na escola amanhã me procura no refeitório, e por favor, me explique isso direito por que ainda não entendi muito bem esse mito da caverna, pode ser? Agradeço muito por que filosofia não é muito a minha praia.

— Eu ajudo sim. — assenti.

— Estela você não é humana, você é um anjo! — brincou ela enquanto me enviava um beijo e guardava seu material na bolsa, já que iríamos para a sala de informática em seguida.

— Estela é uma santa, né? Ajuda todo mundo e é super inteligente. Tenho sorte de ela ser minha amiga — comentou Cat sentando em cima da minha mesa sem a menor cerimônia.

— Você não é nem um pouquinho folgada? — disse eu franzindo as sobrancelhas, e ela balançou a cabeça e deu risada.

— É pra você agilizar aí por que não quero sentar no fundão na aula de informática, do contrário vou ter que ficar ditando o que o professor escreve no quadro negro pra você, e não tô a fim hoje, beleza?

— Ai que preconceito! Só por que eu sou míope? Na hora do socorro você pede arrego para mim, mas depois não quer ajudar sua pobre amiga que não tem a sua sorte de não precisar usar essas coisas nos olhos. — coloquei minha mão no peito e fiz uma cena dramática, Cat revirou os olhos e caiu na gargalhada.

Seguimos para a sala da informática junto com a turma, e Cat me explicou a razão da sua pressa, ela queria ficar na primeira carteira para ver o bonitão do novo professor de informática.
Eu tinha me esquecido o quanto ela babava por alguns professores, e isso me dava até medo de ela acabar se envolvendo com um deles, e isso não acabaria nada bem.

Um professor de caso com uma aluna é uma situação complicada e um belo escândalo, mas não tinha tempo para meus delírios sobre o futuro, talvez fosse só coisa da minha cabeça e ela não estivesse agido tão estranho assim, afinal, muitas adolescentes admiram professores bonitos, certo?