Capítulo 36
"Desde que sua atenção foi só minha
Não estamos em busca de nenhuma promessa
Você disse que as coisas vão mudar para
melhor a partir de agora
Suas palavras podem me cortar
Desmonte-me.
Não é que eu confio em cada palavra
Eu me penduro no que você repete
Salve-me de mim mesmo".
Dismantle Repair ( Anberlim).
Minha mãe chegou naquela tarde e ficou agradecida por eu ter limpado a casa e colocado as roupas para lavar por que ela estava exausta, já que na casa da sua patroa Kátia ela teve muito trabalho para organizar a mansão, pois teve uma festa no dia anterior e a residência devia ficar impecável por a mulher receberia convidados importantes, então minha mãe e outros empregados contratados para ajudar no dia trabalharam duro para se livrar das garrafas de bebida e toda sujeira espalhada perto da piscina e na sala.
A dona Fátima assim que chegou, lavou as mãos no banheiro e depois se jogou no sofá para descansar.
— Mãe, você não vai ter que voltar para lá amanhã?
— A patroa vai viajar, e ainda bem por que ela apronta demais e sobra tudo para gente, mas o quê? Meu trabalho é limpar por que não tenho tanto estudo como as outras. Não cheguei a fazer o ensino médio, por isso pego tanto no seu pé por que eu quero que seja mais do que eu na vida.
— Eu tenho orgulho de você mesmo assim, e já te dei força pra fazer o supletivo noturno, sabe que posso te ajudar a estudar. Eu ainda vou insistir nisso até você ceder por que eu acredito na senhora, e com esforço pode até prestar um concurso um dia. Devia almejar coisas maiores para a sua vida.
— Eu tenho vergonha de estudar mesmo sendo adulta.
— Isso é besteira e sabe disso. Já vi muitas mulheres quarentonas que nem você ou mais velhas que a senhora estudando. Idade não é empecilho para o que realmente queremos. Mas mudando de assunto, tenho uma pessoa pra te apresentar e espero que goste dele. É um cara bacana e muito responsável consigo mesmo e com a família dele. Nós somos amigos e ele me convidou para conhecer a casa de praia dele em Santos, e como você não vai poder viajar comigo agora nas férias, pensei que seria uma boa ideia.
— Com um estranho? Eu não sei se é confiável.
— Ele sabia que de cara você ia desconfiar, então ele virá aqui para te conhecer e disse que pode ligar para a mãe dele e conversar com ela por que também vai com a gente.
— Bom, se a mãe dele vai eu vou ficar menos preocupada por que ao menos um adulto estará presente com vocês lá. Não quero saber de você metida em bagunças.
— Não se preocupe, faz tempo que eu quero ir para a praia e não queria perder essa oportunidade, e como você vai trabalhar em muitas casas esse mês quase não vamos ter tempo de nos ver.
— Isso é verdade, eu sinto muito, mas eu preciso do dinheiro para guardar para você e para as despesas. Ser doméstica não é fácil, mas a gente se vira na vida como pode.
— Pensa com carinho, tá?
— E as suas sessões como vai fazer?
— Eu posso fazer à distância em encontros virtuais, sabe? A minha psicóloga teve uma emergência familiar e precisou se ausentar por uns dias por causa disso. Quando tudo se resolver já tenho uma nova pessoa para me acompanhar nas sessões para que não precise tirar o dia de folga.
— A Cat não vai mais com você?
— A gente brigou e eu não sei quando ela vai parar de frescura e voltar a falar comigo, mas tudo bem. Eu que não vou ficar me humilhando à toa.
— O que aconteceu, filha? — minha mãe pegou um refrigerante da geladeira e despejou a bebida num copo de vidro para se refrescar por que o dia estava bem quente.
— Acho que é ciúmes bobo por que antes só saía com ela e o Noah e agora tenho novos amigos, ela não quer que eu seja feliz? Não existe apenas ela no mundo, mas eu cansei de chorar por causa disso. Eu vou seguir em frente e se ela prefere me deletar da vida dela, então que seja. Cada um segue seu rumo.
— Sinto muito por isso ter acontecido com vocês. Achei que a amizade das duas seria para sempre.
— Eu também pensei, mãe. Mas deixa para lá. Nem tudo na vida é como a gente quer.
Minha mãe tomou um banho e comeu um pouco do arroz de forno que eu tinha feito no dia anterior. Depois disso ela ficou comigo assistindo uma comédia romântica na tevê.
A tarde foi agradável e por algum tempo até tinha me esquecido de uma pessoa que andava querendo retomar o contato conosco há algum tempo, e isso me deixava bastante irritada.
***
Naquela mesma semana Nathan apareceu em minha casa para jantar, ele estava lindo com a sua bermuda jeans e uma camiseta polo branca, eu não entendia muito bem a razão pela qual de uns tempos para cá passei a achá-lo ainda mais atraente, mas deixaria para me preocupar com a sua atração fatal depois, porque foi divertido vê-lo se derreter com a minha mãe, e se deliciar com a maionese e o baião de dois que ela havia preparado, o que aliás, é um dos pratos que ela mais gostava de fazer.
— Isso aqui é bom demais, eu vou até repetir, pode? — perguntou ele.
— Fique à vontade, menino. — respondeu minha mãe toda orgulhosa pelos elogios.
— A senhora cozinha mesmo muito bem, parabéns. Se a Estela puxar você, o cara vai ter muita sorte de ficar com ela. Dizem por aí que dá para conquistar os homens pela barriga. — minha mãe riu e eu fiquei envergonhada, mas não protestei.
— Se o rapaz for de boa família e respeitá-la, estiver disposto a tudo por ela, se ele for amigo e não só namorado, se ele for capaz de cuidar bem dela, isso já basta para eu acreditar que ela pode ter encontrado alguém à sua altura. E aí eu vou ficar sossegada por que ela estará em boas mãos.
— Pessoal, eu ainda estou aqui, viu? Tô ouvindo tudo. — brinquei.
— Então vocês estudam juntos? — quis saber minha mãe.
— Estudamos na mesma escola, mas não somos do mesmo curso. — respondeu ele com seu jeito de sempre todo simpático e boa pinta.
— Vou mesmo poder falar com a sua mãe se eu precisar? — minha mãe ainda continuava com a pulga atrás da orelha com a história da minha viagem.
— Sim, eu vou deixar o número dela para que confirme o que dissemos, pois, entendo que tenha seus receios em deixar a Estela viajar com estranhos, mas garanto que somos boas pessoas e vai ser bom para todos, especialmente para ela. A casa em Ubatuba é do meu tio e minha mãe pediu ao seu irmão que reservasse essa semana para nós, pois na maioria das vezes outras pessoas alugam a casa para usar pela temporada.
— Ótimo, desculpa pela preocupação excessiva, mas deve entender meu lado, certo? Você conhece bem a Estela?
— Se a senhora se refere a condição dela, eu conheço, mas isso não a define, assim como o autismo não define meu irmão. Ele é muito mais do que um diagnóstico médico diz. Ele é incrível e nos surpreende a cada dia. Então não vejo por que eu teria que me afastar de alguém com transtorno de personalidade, ainda que tenha visto Estela bem e feliz, mas também já a encontrei devastada e o máximo que pude fazer por ela para ajudar foi oferecer o meu abraço por que palavras não seriam suficientes para o que ela precisava. — minha mãe se emocionou com as palavras dele. Até eu me senti tocada, Nathan consegue dizer coisas que quebram a gente, mas de um jeito bom, daqueles que te faz refletir e se tornar uma pessoa melhor.
— Por um instante achei que ela tivesse escondido de você esse assunto, mas se ela se revelou é por que realmente confia em ti. E te ouvir falar essas coisas me emociona por que percebo que gosta dela de verdade. Que não vai abandoná-la se tiver alguma crise de raiva ou de choro. O que me deixa aliviada, na verdade, sabia? A única pessoa que eu confiava dessa forma era a Catarina, que infelizmente como você sabe se afastou da minha filha, e isso me deixa chateada por que eu a conheço desde pequena e elas eram bem grudadas.
— Não tem nada nessa vida que me afaste da sua filha. Nem o tempo, nem a distância, nem as pessoas por que a gente tem uma conexão que não se rompe, entende? Não se explicar, mas essas coisas são raras na vida e espero estar ao lado dela sempre que precisar de mim, da mesma forma que ela fará o mesmo quando eu precisar. Dizem que pessoas fracas se unem a outras fracas para enfrentar as batalhas da vida, uma se fortalece na outra. Não acho que sejamos fracos, mas quando nossa alma se liga em alguém, pode acontecer o que for que o fio não vai se quebrar. Eu gosto muito dela e a respeito, fico feliz de ter podido conhecer um pouco da verdadeira Estela, a essência dela, assim como ela também conhece o lado que eu escondo de todos, afinal, nem sempre os que sorriem o tempo todo, estão de fatos felizes. As dores podem ser maquiadas, não é?
— É verdade, menino. Como você é maduro para a sua idade, estou muito surpresa e feliz por isso, minha filha vai ter mais uma boa companhia na vida. O que mais quero é que ela faça amigos que sejam boas influências. Ela precisa conhecer mais pessoas da sua idade.
— Então não se preocupe, vai ficar tudo bem, dona Fátima. Estela está fazendo novas amizades aos poucos... A gente amadurece cedo quando precisa ser forte e não tem outra opção a não ser enfrentar os problemas com coragem e fé, como diz minha tia. Ter amadurecido logo me ajudou a realizar o papel que minha família precisava de mim. — ele sorriu quando me olhou e eu meneei a cabeça positivamente concordando com o que disse.
— Você pensa em fazer alguma faculdade, Nathan? — perguntou minha mãe curiosa.
— Sim, se tudo correr bem no próximo ano e me sair bem no vestibular, quero sim fazer a minha faculdade, mas não posso dar certeza de nada por que o amanhã é sempre incerto. Eu tenho que ser muito bom para entrar em uma pública por que a faculdade particular por enquanto está fora de questão para mim, então tenho que me dedicar muito aos estudos.
— Vai correr tudo bem, não desista dos seus sonhos. Bom, vou deixar vocês à vontade na sala por que vou lavar essas coisas aqui. — minha mãe apontou para a louça que já tinha se amontoado na pia.
Nathan e eu fomos para a sala e ficamos conversando sobre algumas frases de um autor em comum que gostamos que é o Carlos Drummond de Andrade, pois ele tinha me mostrado uma postagem que tinha feito no seu perfil há algumas horas.
O tempo passou voando, aliás, a gente nem percebe ele correr quando estamos na companhia do Nathan por que ele é tão gentil, engraçado, fofo, bom de papo que dá para conversar com ele sobre qualquer assunto por horas a fio. Fiquei tão entretida o ouvindo falar sobre o que mais o atraía em Drummond e Fernando Pessoa, em como os textos desses autores refletiam um pouco da visão que ele tinha da vida que só me dei conta de que estava tarde quando olhei no relógio que fica na parede próxima do corredor em direção a cozinha, e observei que se aproximava das dez da noite.
Minha mãe tinha saído de fininho para nos dar privacidade, e pelo visto ela não tinha caído naquele papo de que ele era apenas meu amigo. Depois eu iria perguntar o que ela tinha achado daquele meu amigo meio colorido, sabe? Quem que é não tem um? Acho que os namoros deveriam começar com amizades por que só uma pessoa que conheça de verdade a tua essência pode te amar em todas as tuas nuances, fases e momentos.
— Amei conhecer tua mãe hoje, linda. — comentou ele enquanto caminhava de mãos dadas comigo até o ponto de ônibus que ficava há dez minutos da minha casa.
— Acho que ela também curtiu você. Pareceu que ficou bem tranquila contigo.
— Eu disse que não precisava de todo aquele medo, eu sou um partidão, não é? — brincou ele, e eu apertei seu nariz em resposta, ele gargalhou e me deu um beijo na bochecha.
— A sua mãe vai acostumar comigo por que não vou mais largar do seu pé.
— Oxe! É sério isso?
— Claro, alguém tem que te manter na linha, princesa.
— Preciso de segurança particular agora? — debochei.
— Eu preciso me assegurar que você fique bem, é só isso. Se estiver feliz eu também ficarei. Ah, essa frase é clichê, mas e daí? — ele deu de ombros e eu me diverti com seu jeito brincalhão e ao mesmo tempo protetor.
— Eu já disse que gosto de te ver todo preocupado comigo?
— Acha engraçado?
— Acho fofo. — beijei seus lábios que pareciam me chamar e ele retribuiu me enlaçando pela cintura sem se importar com os olhares das outras pessoas que nos viam agarrados no ponto de ônibus.
— Desse jeito não vou querer ir embora, meu anjo.
— É você que é meu anjo da guarda, precisa manter essa sua protegida aqui fora de encrencas. — sorri para ele, e ele me apertou mais contra seu peito.
— Está ouvindo meu coração? É assim que ele fica com você por perto. Até parece uma festa. — sorri e assenti. Com Nathan me sentia protegida de um jeito que nunca aconteceu antes, e por isso o que havia entre nós ficava cada vez mais forte dentro de mim, eu já não sabia mais se era só atração, se seria apenas uma relação casual ou teria evoluído para algo mais sólido, mas estava ansiosa para ter essa resposta.
O ônibus dele chegou vinte minutos depois e eu acenei para ele quando passou pela catraca. Depois disso continuei sentindo aquele frio na barriga que era costumeiro quando a gente estava junto, era um tipo de ansiedade gostosa que a gente sente quando gosta de alguém.
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