"Qualquer coisa pra domar
O peito em fogo
Algo pra justificar
Uma vida morna

O mundo acaba hoje, eu estarei dançando

Não esqueço aquela esquina

A graça da menina 

Eu só queria enxergar

Por isso eu me entrego
A um imediatismo cego
Pronta pro mundo acabar".

(Dançando – Pitty)

 Depois da aula fui para casa apressada para tomar banho e me arrumar, a Mônica me acompanhou por que combinamos de nos arrumarmos no meu quarto. O pior de tudo foi ver a cara de estranheza da Catarina quando nos viu no portão de saída da escola, fiquei com medo de ela armar um verdadeiro escândalo, mas ela apenas me encarou e puxou o Noah em direção ao lado oposto ao que eu estava caminhando.

Em casa me arrumei rápido por que tinha que liberar o banheiro para a Mônica usar, e ela me ajudou a escolher o look para o encontro que era composto por uma blusa cropped laranja com mangas longas e ombros a mostra e uma saia de couro preta com fenda na lateral, e para completar o all star preto.

— Você está uma gata! — comentou ela entusiasmada.

— Eu jamais me vestiria assim antigamente, eu nem sabia nada dessas coisas de moda, era nerd demais como você dizia, mas eu tô curtindo essa nova fase por enquanto é como se eu descobrisse uma outra pessoa dentro de mim.

— Você é bonita, só não se arrumava muito bem, nos passeios eu te via sempre de jeans e moletom, bem simplesinha mesmo. Eu só dei umas dicas pra ressaltar o mulherão que tem aí dentro.

— Quem diria que a gente iria se aproximar? A gente vivia discutindo, era farpa pra cá e pra lá quando nos víamos pelos corredores, eu te achava antipática, Mônica.

— E eu achava que você era metida a sabichona só por que sempre ficava no ranking trimestral das melhores notas, você sempre era destaque. Pensava era esnobe por causa disso.

— Nada a ver, eu esnobe? Passei a impressão errada então, que bom que de algum jeito resolvemos as nossas diferenças.

— Sim, só a sua amiga que não está muito feliz com isso né? — ela passou o delineador nos meus olhos para finalizar a maquiagem.

— Você percebeu?

— Ela só faltou me fuzilar com os olhos hoje, credo gente.

— Sinto muito por isso, Mônica.

— Tudo bem, ela não confia em mim e eu entendo isso, espero que algum dia isso mude. Eu errei com você muitas vezes, mas me ajudou quando precisei e eu tô vendo que você é bacana, a gente só conhece as pessoas um pouco melhor quando se aproxima de verdade delas. Eu deixei o que eu pensava me dominar e também o que sentia, claro, afinal Caio ficou com você e eu ainda não tinha superado o pé na bunda, mas beleza. Já passou.

— Como ele era quando vocês namoraram?

— Eu te conto no caminho por que a galera já tá chegando lá no espaço Tokyo e aguardam a gente, ok?

Mônica ajeitou os cabelos longos e negros em uma trança lateral e tirou uma selfie nossa mostrando seu novo macacão curto rosa bebê com ombros de fora e uma estampa descolada de olhos que combinou bem uma rasteirinha com detalhes prateados.

Ela postou no instagram com as legendas #prontaspararolê e #encontrocomosparças e que foi curtida rapidamente por umas cem pessoas, ela é bem admirada nas redes sociais, ela gosta de comentar filmes e séries que assiste e dicas de moda para meninas também.

Durante o trajeto de trem até a estação da barafunda ela me contou como conheceu o Caio por acaso na pista de Skate do bairro dela, ele tinha ido encontrar uns colegas que moram lá naquela tarde de sábado e desafiou um deles a fazer algumas manobras, por acaso um deles também conhecia ela e apresentou os dois, depois disso eles começaram a sair e quando entraram no primeiro ano juntos, eles namoraram por um ano, mas foi uma relação complicada e cheia de términos e novas chances até que ele terminou de vez pouco tempo antes eu me aproximar mais dele.

— Por que terminaram?

— Ele tinha muito ciúmes dos meus amigos e eu não sou mina de abaixar a cabeça pra garoto, principalmente por besteira, ele queria decidir o que eu ia ou não vestir, até tentou me afastar do pessoal algumas vezes, e eu bobona achava que pra não perder ele era melhor abrir mão de algumas coisas até que descobri que ele me traía com uma garota mais velha do terceiro ano, e aí a casa caiu, eu saí na porrada com a garota e fiz de tudo pra tornar a vida dele um inferno também por que ele acabou com a parte boa que eu tinha. Era meu primeiro namorado sério, então foi uma decepção muito grande. Eu pareço toda moderninha e tal, mas também achei que ele era o cara certo pra mim, me ferrei bonito. Ele foi muito galinha. E meus amigos são muito carinhosos comigo, mas me respeitam acima de tudo, nunca deram em cima de mim. Eu fiquei brava naquele dia que eu vi vocês na fila da cantina por muitas razões, entre elas é que eu não queria que ele também te machucasse mesmo que a gente não fosse próxima. Eu não sou soube demonstrar isso de uma forma menos bruta, digamos assim. — ela riu. — Eu sabia que ele tava interessado em você, percebi pelo jeito que ele te olhava. Mas você não ia me dar ouvidos por que estava encantada com o charme dele.

— É verdade, se você me falasse para me afastar dele, eu logo pensaria que era dor de cotovelo, ou como dizem por aí o recalque, mas a gente quebra a cara e aprende de um jeito ou de outro.

— Eu fiquei muito triste quando soube o que aconteceu com você, nenhuma garota merece ser exposta assim, isso me deixa muito inconformada. O machismo na sociedade me incomoda e não consigo ver essas coisas e ficar quieta. Lembro que eu li os recados no banheiro sobre você e fiquei revoltada, tirei foto e fiz um post nos meus perfis criticando duramente esse tipo de coisa por que isso não se faz com ninguém, é desumano. Depois da repercussão que teve nas minhas redes sociais a escola sentiu o baque e com o ativismo do grêmio encabeçado pela sua amiga a campanha anti-bullying começou e vai continuar abalando as estruturas. A gente não pode deixar algo assim se repetir e o cara que fez isso tem que ser punido.

— Pelo menos uma coisa boa aconteceu depois do que passei. Colocaram o dedo na ferida e o assunto finalmente vai ser discutido no colégio. Foi difícil lidar tudo aquilo e você soube o que aconteceu em seguida?

— Que você tentou partir dessa pra melhor? Fiquei sabendo por acaso, e não é a única que pensou nisso ao ter sua intimidade exposta virtualmente, o cyberbullying é um dos maiores causadores de tentativas de suicídio entre as meninas. Eu fiz uma pesquisa sobre isso há um tempo para uma postagem sobre o assunto que era relacionada a um filme brasileiro que eu assisti e tem a mesma temática, Ferrugem mostra a história de uma adolescente que acaba indo por esse caminho por que um vídeo íntimo foi para internet e os comentários foram pesados, até em site clandestino ele entrou, então a garota entrou em desespero e se suicidou com um tiro em frente a câmera da escola. Depois disso o garoto que era a fim dela fica bastante bolado por um tempo até que finalmente ele assume que foi o culpado pelo sumiço do celular dela, e depois por espalhar o vídeo para alguns colegas. — enquanto Mônica me contava o enredo do filme, acabei me emocionando por que eu senti na pele o desespero de passar por algo assim, mas fui desperta dos meus devaneios quando ouvi anunciarem que tínhamos chegado na Barra funda, e aí descemos na estação e caminhamos em direção ao metrô.

— Não vamos pensar mais em coisas tristes por que hoje a gente vai aproveitar muito e quem sabe você não conheça um carinha legal? Um amigo meu tá solteiro e vou apresentar ele pra você, beleza?

— Será que ele vai gostar de mim? Eu vou ter que beber pra me soltar.

— Não tem problema, ele é bem tranquilo e bom de papo, além de lindo, mas a gente nunca ficou, como ele diz eu sou como uma irmã pra ele, então pode ficar tranquila que se rolar algo entre vocês vai ser super legal.

— Ok, se você tá dizendo quem sou eu pra contrariar? — levantei as mãos em rendição e ela sorriu.

O restante do trajeto foi mais rápido por que fizemos baldeação da estação da sé para a linha vermelha para República em pouco tempo e exatamente às 15h chegamos ao local do encontro.

O espaço Tokyo fica acerca de 5 minutos a pé de onde estávamos, e quando olhei para o tamanho do prédio e notei a sua magnitude e beleza fiquei espantada.

— Uau! É muito bonito esse lugar. — comentei fascinada.

— Eu amo Tokyo, já vim aqui muitas vezes, você vai gostar muito. Eu vou te mostrar as atrações em cada andar e explicar como funciona. O pessoal tá esperando a gente no oitavo andar que é onde fica o restaurante. Vamos entrar, ok? — acompanhei a Mônica enquanto ainda me deslumbrava com tudo que via. Eu sempre quis experimentar mais comidas japonesas, o máximo que comi foi sushi e temaki com a Cat e o Noah nas poucas vezes que saímos juntos antes da minha vida virar de cabeça para baixo. E a expectativa de fazer algo diferente e novo me deixava ansiosa e esperançosa de que eu fosse embora com um sorriso no rosto e eu faria de tudo por um pouco de alegria neste momento.