Capítulo 22
"Não consigo sentir meus sentidos,
apenas sinto o frio
Todas as cores parecem sumir,
não consigo alcançar minha alma
Eu pararia de correr,
se eu soubesse que há uma chance.
Isso me despedaça, sacrificar tudo,
mas sou forçado a deixar pra lá.
Eu posso sentir sua tristeza.
Você não vai me perdoar,
mas eu sei que você ficará bem.
Isso me despedaça, que você nunca saberá."
(Frozen – Within Temptation)
Caio narra
Assim que o garoto negro dos dreds que enfrentei na competição foi embora, eu me apressei a me esconder no esconderijo no final da quadra onde estive com a Estela em meus braços pela primeira vez, e exatamente ali nos beijamos. A dor era tão forte dentro de mim que eu tinha vontade de gritar, e por sorte conhecia aquele lugar e estaria sozinho agora que a quadra estava vazia. Bati a minha cabeça na parede umas duas vezes, estava com muita raiva de mim mesmo pelo que aconteceu.
O medo de perder a única garota de quem gostei de verdade era mais forte do que eu, agora ela devia me odiar assim como sua amiga e sua mãe, ela me culpava pela história da foto vazada e com razão por que só eu tinha acesso a ela, maldita ideia que tive de tirar aquela foto!
Eu não podia chorar na frente do cara que por pouco não me deixou com sangue na boca e no nariz, não podia mostrar fragilidade, imagina que vergonha um cara como eu chorando que nem bebê na frente do oponente?
Mas eu precisava chorar e colocar para fora tudo que estava sentindo. Provavelmente naquela tarde eu beberia escondido da minha mãe como sempre fazia quando estava muito mal, ainda mais depois que a minha estrela foi embora por culpa dos meus vacilos.
Só ficando muito chapado pra dormir depois do que aconteceu. Eu não sei como algum dia poderia me perdoar por ter sido o causador daquela desgraça na vida dela. Ela tentou se matar por minha culpa, mesmo que eu não tenha vazado a foto, fui eu que tirei, então acabo sendo culpado indiretamente por isso.
Só de imaginar que Estela estivesse em uma overdose sinto mais ódio de mim mesmo, eu merecia uma surra do tal do Noah, fiquei sabendo do nome dele quando meu colega conversou comigo no final do jogo, e disse que ele realmente era muito bom jogador.
Fui trazido de volta para a realidade ao ouvir o som do sinal indicando que era hora de ir embora. Nos dias de interclasse as aulas acabavam mais cedo, então me apressei para me levantar do chão, depois fui até o banheiro lavar a cara de choro e para quem me perguntou no corredor para a sala, inventei que estava com crise alérgica outra vez.
Na sala de aula evitei comentários desagradáveis, disse que precisava ir embora por problemas pessoais e saí sem dar espaço para mais perguntas dos meus colegas.
Mamãe viera me buscar por que sentiu que não estava bem quando falou comigo por ligação de vídeo e por isso sabia que eu precisava do colo dela mais do que tudo agora.
Em meia hora ela chegou com seu carro na porta da escola e eu entrei. Ela não me fez perguntas, mas estava preocupada em me ver chorar vez ou outra no caminho para casa.
Quando entramos em nossa casa, corri para o sofá e ela foi para a cozinha preparar um suco e um sanduíche para comermos. Fiquei vendo as fotos da estrela no meu celular e fui desperto pelo toque gentil dela em meus ombros.
— Me conta o que houve, meu amor.
— Nem sei por onde começar, mãe. — minha voz ficou embargada. Ela me abraçou e me permiti chorar como menino quando me machucava e ela me acolhia.
— Foi algo sério, Caio. Você não é de chorar. Tô preocupada.
— A Estela tá no hospital, mãe. E é por minha culpa.
— Como assim?
— É que teve um rolo com uma foto comprometedora dela que foi vazada para as redes sociais, e ela ficou muito mal com isso, não é pra menos. Foi demais para ela e acabou tentando se suicidar. — mamãe colocou a mão na boca e ficou horrorizada.
— Foi você que vazou a foto por vingança? Não posso acreditar nisso! Não foi assim que te eduquei.
— Não fui eu, eu juro. Ela me fez prometer que não ia mostrar a ninguém, mas alguém pegou meu celular e achou ela. Estela teve overdose de remédios, ela já sofria de ansiedade pelo que me falou, tomava remédio pra controlar os sintomas, então pode imaginar a merda que isso causou nela, muita exposição era tudo que ela queria evitar. Não consigo deixar de me sentir culpado pelo que aconteceu.
— Ela chegou até o final? Ela morreu?
— Graças a Deus ela sobreviveu, pelo que eu soube. Vai fazer tratamento acredito eu. Mas ela nunca vai esquecer disso, sabe? Eu não consigo me perdoar, mãe. Ela não merecia isso. Eu a machuquei demais.
— Você só descobriu que realmente a ama quando ela partiu, igualzinho ao seu pai... Vem cá! — eu deitei sobre suas pernas e ela ficou fazendo cafuné nos meus cabelos. Chorei por mais um bom tempo, nem sei mensurar o quanto. A dor que sentia parecia que ia me engolir. Nunca pensei que me sentiria tão devastado assim.
— O bullying é cruel, filho. Ele destrói as suas vítimas aos poucos, mina sua alegria, sua força, sua autoestima, sua autoconfiança, te transforma em algo que não quer ser. E uma garota sofre muito por ser rechaçada, vítima de ofensas pesadas como essas que tô vendo aqui no meme que você recebeu no seu celular. Doeu demais tudo isso nela. A gente sabe que o suicídio não é a saída para enfrentar uma dor insuportável, mas algumas pessoas recorrem a ele quando não tem mais maneiras de continuar lutando, e só cabe aos sobreviventes, aqueles que ficaram ou os afetados pela tentativa, que não façam perguntas demais, que se martirizem o tempo todo em busca de respostas para o ato, algumas vezes o tempo explica ou a própria pessoa se sente preparada para falar disso com aqueles que ama, seus amigos ou família. Sei que está sofrendo muito por isso, mas vai passar. Vamos esperar que ela se recupere e siga em frente, é uma menina linda e tem um futuro brilhante pela frente.
— Eu nunca vi nossa escola falar sobre esse assunto de bullying. Mas sempre percebi o quanto as pessoas podem ser cruéis nos seus comentários e opiniões sobre alguém. Meus colegas faziam questão de tratar as meninas como meras conquistas que quando enjoassem era só se desvencilhar e partir para outra.
— A reputação de uma garota é o que ela tem de mais importante além dos seus valores e princípios. Ter sua imagem manchada para meninas como a Estela é duro demais para se lidar, eu consigo imaginar o quanto foi doloroso para ela passar por isso.
— Você passou por algo assim, mãe?
— Na minha época ninguém dava esse nome, mas eu me sentia um patinho feio sendo magrela, usando óculos e aparelho. É claro que fui muito zoada na escola e feita de idiota algumas vezes, até paguei mico como aquela garota, a Carry, a estranha do filme, sabe? A feia que saiu com um cara bonito só para que jogassem coisas nela e rissem.
— Você nunca me contou isso.
— Eu deixei isso para trás. Tinha apenas treze anos. Podia escolher passar a vida toda me lamentando por isso ou superar. Fiz terapia é claro, quando conheci seu pai na faculdade já tinha deixado isso para trás, e tinha uma aparência mais bonita. Contudo, aprendi na terapia que deveria fazer as pazes com aquela adolescente que se sentia feia só pelos comentários maldosos dos outros. Ela sempre foi parte de mim.
— Nossa! A senhora é uma guerreira mesmo. Tem me ensinado tantas coisas importantes, só posso admirá-la ainda mais, e ser grato por te ter como mãe.... E sobre a estrela, eu espero que ela tenha encontre garra para lutar agora, e vou me manter afastado dela por mais difícil que seja. A minha vontade era descobrir onde ela está e pedir perdão a ela, mas sei que ela deve me odiar agora e não vai querer me ver. Ela me acha culpado pelo que houve e tem motivos para acreditar nisso se a foto estava em meu poder. Eu tenho que levar o culpado a confessar o que ele fez e provar que não fui eu quem fiz isso, fazer com que o culpado enfrente as consequências do que fez. É o mínimo que posso fazer, e devo isso a ela.
— Acha que um dia ela será capaz de me perdoar?
— Não sei te dizer isso, Caio. Amargura é uma coisa que gruda no coração da gente e vai destruindo-nos aos poucos se deixamos espaço para isso, se alimentamos esse ressentimento ao longo do tempo. Te contei a história entre seu pai e eu, o quanto sofremos por nos magoarmos e nos separarmos por anos. Não quero o mesmo pra você. Ama Estela mesmo com todas as suas forças?
— Eu tô destruído desde que a gente terminou, não vejo mais graça em nada. Mas não é só um rolo de adolescente, e quando soube o que houve com ela me senti acabado, destroçado pelo medo de nunca mais voltar a vê-la. Nunca experimentei isso na minha vida, é assustador amar alguém tanto assim. Por isso que vou ter que esperar o tempo dela, não é? Ainda espero pela chance de continuar nossa história de onde paramos. — minha mãe sorriu ao me ouvir declarar meus sentimentos daquela forma pela Estela.
— Tenha paciência, meu filho. Vai ser difícil para ela, mas temos que ter fé que ela vai conseguir superar tudo isso e virar a página. Existem feridas dentro de nós que levam bastante tempo para se curarem, mas um dia cicatrizam. Não se desespere tanto. Ela está bem na medida do possível. Talvez ainda haja esperança para o amor entre vocês. Ela estará em minhas orações. Vai ficar tudo bem. Eu te amo, e pode contar comigo sempre que precisar, meu menino.
Ouvir minha mãe falar me acalmou um pouco, depois comemos o misto quente que ela preparou para nós e tomamos um suco de maracujá. Eu ia precisar mais do que ele para conseguir dormir naquela noite.
Meu coração sangrava pelo que aconteceu, se eu pudesse voltar no tempo talvez nem teria dado esperanças a ela por que não imaginava o quanto se envolver comigo poderia ser perigoso para uma menina pura e inocente como ela.
Eu fui um lobo mau que se passou por príncipe e corrompi a pureza dela, eu a destruí e sabe-se lá quanto tempo levaria para ela se reconstruir depois de tudo que lhe fiz.
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