Capítulo único - Akobi
Alguns anos atrás houve uma terrível batalha entre as forças do bem e do mal que levou a cidade de São Paulo à sua completa destruição. As forças do mal eram lideradas pelo terrível demônio Akoman, que com seus poderes maléficos fez com que as pessoas deixassem de praticar bons atos e só cometessem atrocidades. A legião do bem foi liderada pela detetive ocultista Pel Amana, que com a ajuda de alguns itens sagrados coletados ao redor do mundo, conseguiu expulsar o demônio dos domínios terrestres, no entanto, seu exorcismo deixou marcas profundas na sociedade e também em Pel.
A cidade foi reconstruída no decorrer de uma década por conta de acordos interestaduais e internacionais. Mas estava muito longe de voltar a ser o que era antes, São Paulo ll era um lugar de proliferação do mal, da malícia, da exploração, dos cultos obscuros, da ganância e todo tipo de mácula existente nas almas humanas.
Pel e seu assistente Hermes sentiram-se ainda mais determinados a lutarem contra as forças obscuras e intensificaram suas buscas por itens mágicos com os quais pudessem enfrentar as legiões maléficas ao redor do mundo.
***
Pel rolava pela cama resmungando incompreensivelmente, desde o encontro com as crianças com olhos negros*, suas noites nunca mais foram tranquilas. Despertou apavorada, suada e esbaforida. Sentou-se e esfregou a face para afastar as memórias ruins.
Com os dedos em pinça afastou algumas persianas e observou o exterior. A cidade estava completamente deserta, escura, fria e melancólica, a típica capital reconstruída. O cheiro de enxofre, carvão e podridão exalavam dos bueiros, local de abrigo para seres asquerosos e manipuladores, que só se escondiam por conta do ínfimo controle que Pel fazia na cidade, do contrário, eles andariam livremente praticando suas diabruras. Levantou-se e dirigiu-se ao corredor, escutou passos apressados se aproximando e aguardou seu assistente.
Hermes despontou na escada com um papel nas mãos e um largo sorriso no rosto. Aproximou-se com cautela, escondendo o papel atrás do corpo e fazendo charme, demonstrando que tinha algo que Pel queria.
"Fala logo!"
"Encontrei a espada."
"Tá me zoando!?"
"Não. Aqui está" disse ele estendendo-lhe o papel.
Pel Amana olhou o mapa, leu as anotações e sorriu antes de expressar sua costumeira cara de dúvida.
"Chappal Waddi? Tem certeza?"
"Absoluta! Por quê?"
"É que... Bem, naquele incidente na Volúpya**, eu vi uma estátua de madeira profanando a imagem de Oxum. Ela e Asmodeus dançavam ao redor de um falo gigante. E o dono da boate disse que a escultura veio do Saara, mas foi Lusbel quem deu uma palestra para o povo sobre o significado dela e acabou influenciando todo aquele disparate. Se ele a desafiou no próprio território, isso pode estar além do que imaginamos, entende?"
"Acha que ele está tentando nos atrair pra lá? Akobi é sua primogênita, ele pode estar por lá protegendo-a ou talvez um subordinado."
"Ou talvez a escultura seja só um recado dizendo que ela foi derrotada ou convertida... Não tem muito que fazer e no que pensar, vamos para a Nigéria. Apronte-se, sairemos em duas horas."
"Certo chefe!" disse Hermes prestando-lhe continência aos risos.
***
A subida era longa, o sol escaldante, os ventos fortes ao invés de dar-lhes alívio refrescante, lhes trazia um sopro tórrido semelhante aos ventos infernais do Tártaro. Hermes carregava uma mochila grande contendo suprimentos e equipamentos especiais, Pel levava suas armas e alguns itens que poderiam auxiliar na missão.
A localização da espada mágica estava próxima, numa gruta perto do topo. Hermes contou à Pel que só conseguiu encontrá-la quando invadiu o sistema de segurança internacional e fez uma varredura na região usando todos os filtros espectrográficos existentes, e então num golpe de sorte viu a maldita espada de Lúcifer.
Quando estavam na metade do caminho sentiram a atmosfera local mudar drasticamente. O ar quente passou a esfriar, o cheiro de terra se tornou cheiro de enxofre e de carne pútrida, um toque de requinte para os visitantes indesejados. Hermes sentindo a mudança, engoliu em seco e indagou:
"Precisamos mesmo dessa espada?"
Pel Amana subia a íngreme montanha com forte determinação, o suor lhe escorria pela face e os cabelos chacoalhavam com as mórbidas lufadas de vento.
"Se quisermos derrotar as legiões infernais, sim. Não seja mole, estamos quase lá."
"Mas Pel... Não seria mais fácil ir atrás da Excalibur, da Garralonga, da Ferroada ou outras assim?"
Pel o olhou de soslaio e sorriu balançando a cabeça para os lados.
A subida ficava cada vez mais difícil, o ar se tornava rarefeito, o cheiro de enxofre e podridão aumentavam gradativamente, e o frio próprio do toque da morte se agigantava ao redor deles paulatinamente. Conforme subiam, até a iluminação solar diminuía, a vegetação se escasseava e formas de vida animal se faziam inexistentes. Marchavam para a boca do inferno, para a gruta do diabo, para o cofre infernal ou como Hermes dizia: para o casulo do mal.
Quando chegaram ao topo, o clima estava frio, o céu estava escuro, o vento soprava vorazmente urrando com milhões de vozes atormentadas; para qualquer pessoa sem o devido preparo espiritual aquele evento seria o motivo certo de uma profunda loucura irremediável. Estava claro que Lúcifer não os queria ali, e ele sabia que meros truques não afugentaria a dupla de caçadores de relíquias e investigadores do sobrenatural, no entanto, por outro lado, a dupla tinha consciência que o verdadeiro desafio ainda estava por vir.
Depararam-se com uma formação rochosa côncava sem qualquer atrativo adicional, Hermes tinha certeza que o objeto estava por perto, entretanto, nada havia ali além do topo da montanha, o que proporcionava uma bela vista dos arredores, isso se eles tivessem tempo para apreciar a paisagem. Tudo dependia de agilidade, escolhas certeiras e movimentos precisos.
Hermes abriu a mochila e pegou um frasco com um líquido roxo de aspecto espesso. Tirou a rolha e derramou o líquido pegajoso na base da rocha côncava. O líquido borbulhou criando uma fumaça num tom de roxo mais claro e envolveu completamente a pedra, depois de se dissipar, o que era apenas uma pedra havia se tornado a entrada de uma caverna profunda, escura, erma e completamente aterradora.
As estalactites apontavam para o chão e pingavam sangue, que se acumulava em pequenas poças no chão ou gotejavam sobre estalagmites de carne enrijecida que gemiam ao serem tocadas pelas gotas rubras. Hermes colocou o colar de Nhanderuvuçú, calçou as luvas de Jasão e engoliu em seco antes de pisar suavemente no solo arenoso da caverna. Pel retirou o casaco e o largou no chão, não seria necessário ali. Colocou a pistola com balas ungidas nas cinzas de Jeanne d'Donremy no coldre de coxa e a com munição de ouro de Salomão no coldre de ombro, a faca feita com os pregos derretidos da santa cruz ela colocou na bainha atada à bota, estalou os dedos e adentrou corajosamente a caverna.
Conforme pisavam sobre a areia escutavam o chiado criado por conta da fricção dos grãos, mas o som era mais do que um ruído, eram sopros de dor, lamento e súplica, o cheiro de putrefação ficava cada vez mais forte, e logo perceberam que a areia não era terra, mas sim ossos moídos. Depois de caminharem por quase meio quilômetro ouvindo tantas lamurias, encontraram outro tipo de solo, mais macio, menos barulhento, contudo, não menos aterrador. O solo era mole e tinha a cor e a textura de carne esfolada, e quando pisado emitia gemidos de dor e em alguns pontos de fissura vazava sangue borbulhante.
"Pel, isso não é nada bom. Nunca enfrentamos nada assim."
"Você nunca enfrentou. Enquanto resolvia suas questões particulares eu me virei sozinha, lembra?"
Conforme caminhavam afastando-se da entrada, o local ficava mais escuro e mais inclinado para baixo, por diversas vezes tiveram se se segurar nas paredes com forro de carne para não resvalarem rampa abaixo. Pel acendeu a lanterna acoplada ao colete e caminhou na frente, Hermes segurava a pistola com munição de prata com o cano mirado para baixo, mas pronto para acertar em qualquer alvo que surgisse.
Poucos minutos depois o terreno tornou-se pedra rígida, escura como carvão e exalava cheiro de fumaça e carne queimada, depararam-se com uma cripta arredondada tão grande quanto um salão de festas de fina estirpe. O local possuía uma iluminação própria, cuja fonte era impossível de ser determinada, o teto possuía espetos de pedra apontados para baixo e de aparência muito lesiva. O chão era áspero e quase plano, trepidava constantemente, aumentando a ansiedade e medo da dupla. Além de tudo, havia uma fumaça fina pálida pairando no ar, dando ao local uma verdadeira atmosfera horripila. Distante deles, do outro lado da cripta havia um trono confeccionado com ossos, na maioria crânios e o maldito Lusbel sentado de pernas cruzadas com a espada em seu colo, os cotovelos sobre a lâmina e o queixo pousado sobre os dedos indicadores unidos.
A dupla estatuificou-se ao vê-lo, o homem de bela aparência e bem vestido, trazia no rosto um sorriso altivo e de suas têmporas projetavam-se chifres que se alongavam para trás, até a nuca, onde terminavam numa curva em formato de C com as pontas para frente.
"Ora, ora! Então finalmente nos vemos novamente Kuñaporã, Edite Muñoz, Pel Amana ou seja lá qual seu pseudônimo dessa vez." A voz doce e cativante do homem ecoou pela cripta e fez a dupla estremecer ao ouvi-la.
"Só entregue a espada Lusbel, e tudo acabará bem" afirmou Pel adiantando alguns passos.
Lusbel levantou-se girando a espada na frente de seu corpo e enlarguecendo o sorriso conforme as chamas de coloração mista entre roxo e preto cresciam ao redor da lâmina avermelhada, que emitia um forte brilho pulsante. O homem parou alguns metros depois de deixar o trono e fincou a espada no chão com um movimento rápido e gracioso.
"Venha buscar!"
"Qual é Lusbel, seja razoável! Não precisamos ter esse confronto. Estamos em dois e mais bem armados que você."
O homem gargalhou levando as mãos ao ventre. Sua risada era sombria, fazia o sangue de qualquer pessoa gelar e corações mais sensíveis pararem no primeiro instante em que a ouvissem. Ele enxugou as lágrimas roxas com o dorso da mão e disse:
"Está mesmo pedindo razoabilidade ao diabo? Você é inacreditável minha cara, inacreditável."
Após o deboche Lusbel abriu os braços e seu corpo foi tomado por labaredas negras, a roupa que vestia incinerou-se em instantes, seu corpo transmutou-se em poucos segundos e no lugar onde havia um homem de chifres surgiu um monstro colossal, preto com pelos de fogo negro, garras e presas negras, uma cauda longa com espinhos na ponta e olhos tão escuros que consumiam a luminosidade ao redor deles, deixando a face do maldito completamente embaçada. Ele bateu firme o pé no chão e urrou feito um urso prestes a atacar.
"Vocês nunca levarão a primogênita sem me derrotar antes" berrou o monstro infernal.
Pel sacou a arma do coldre de ombro e correu na direção do demônio. O solo era instável e quente, Pel sabia que tinha de ter muito cuidado se quisesse sair dali com vida. Hermes ergueu a arma e efetuou diversos disparos a fim de cobrir a aproximação da parceira.
O monstro sentiu os impactos das munições de prata e encarou Hermes com debochado sorriso no rosto. Os projéteis fincaram na pele negra, mas não a adentraram, ao invés disso derreteram e escorreram pelo corpo do demônio até se tornarem pequenas poças espelhadas no chão.
Pel aproveitou a distração e disparou três vezes contra a perna do monstro. Ele urrou por conta dos ferimentos, não que aquilo fosse suficiente para derrotá-lo, mas serviria de distração. Enquanto Lusbel olhava sua perna sangrando em roxo, sem entender como aquelas munições o feriram, Pel aproximou-se e executou uma pirueta para trás em alta velocidade, atingindo o rosto do maligno ser com um forte chute, e pouco antes de pousar no chão novamente disparou mais duas vezes, dessa vez no peito do oponente.
Lusbel cambaleou para trás e colocou a mão sobre o peito. Resmungou qualquer coisa incompreensível e olhou para a mulher com a arma apontada para ele. Rosnou por um tempo, depois calou-se e pôs-se a gargalhar guturalmente.
"Entendi. Você acha que itens benzidos podem me derrotar? Realmente me impressionei com o fato de ter ouro de Salomão, mas sabe que isso não é suficiente. E a menos que tenha algo realmente santo aí, não vai sair daqui com vida."
"Você não entendeu Lúcifer. Eu vou levar essa espada de qualquer jeito. Se você não é capaz de levá-los de volta, exterminá-los-ei da existência, e suas espadas são fundamentais para isso."
"Você é mesmo muito inocente, minha cara. Você não tem como erradicar o mal, porque o mal nunca morre. O mal é parte da vida, parte da essência humana, parte da sua realidade, e enquanto ela existir, existirá o mal."
"Pode até ser, mas existir não quer dizer que não esteja sob controle" redarguiu ela piscando um olho, o que irritou profundamente o senhor dos demônios.
"Se acha especial, não é? Quando você nasceu eu já era senhor da escuridão, já tinha meu exército no corpo do Caos, já elaborava meios de lidar com possíveis criaturas como você" berrou o demônio apontando o dedo em chamas para ela.
Hermes sentiu o colar de Nhanderuvuçú vibrar descontroladamente. Olhou ao redor e viu toda a fumaça girar e subir, acumulando-se no teto , formando uma grande esfera escura de pura energia caótica.
"Pel, cuidado!" gritou Hermes apontando para cima. A investigadora ocultista ergueu os olhos apenas por um segundo, tempo o suficiente para que o monstro se movesse e a atingisse com sua poderosa cauda.
Pel voou quase uma centena de metros, largando a arma quando fora atingida. Quando caiu no solo irregular, rolou por alguns metros sentindo o calor das pedras lhe ferirem a pele quando por ventura entrava em contato com o chão, por fim parou de peito para cima e toda dolorida. Sentia o calor emanando das pedras, mas seu traje a protegeria por algum tempo.
Hermes descarregou a arma no monstro sem obter efeito algum. O demônio encarou o rapaz e agarrou a espada fincada no chão com a cauda e a brandiu no ar tentando acertar o assistente da investigadora. O hábil Hermes esquivou-se com uma cambalhota, projetando seu corpo para frente e fora do alcance de um novo golpe. Correu em direção ao monstro, que não teve tempo de reagir ao poderoso soco que recebeu na perna direita.
Lusbel rugiu como um trovão, o ar vibrou tão fortemente que diversas estalactites se desprenderam do teto e voaram na direção do rapaz. O demônio sorridente previu que o assistente buscaria abrigo longe do ponto de impacto e moveu a cauda para o alto preparando um ataque fatal.
Mesmo com a perna dolorida e sem saber o porquê, o demônio acreditava estar acima das estatísticas. Observou atentamente os movimentos do rapaz, que olhava para cima aguardando a estalactite se aproximar. A lasca de pedra afiada descia velozmente e caso atingisse o assistente, o partiria em dois instantaneamente. Hermes não se movia, a navalha de pedra se aproximava e então Lusbel acreditou que seu adversário havia travado e contabilizou uma morte para seu placar.
No entanto, o sorriso na face demoníaca durou apenas alguns milésimos de segundo. Hermes aguardou até o último instante, e então desferiu um soco na ponta da estalactite, que se esfarelou no ar como se nunca tivesse sido rocha, mas sim poeira.
O demônio compreendeu que as luvas que o rapaz usava eram mágicas também. Fungou e brandiu a espada em direção ao insolente rapazote.
Hermes saltou por cima da cauda executando uma pirueta para trás, porém, não conseguiu evitar as chamas infernais. O fogo tocou-lhe um braço e quando ele pousou no solo, gritou enlouquecedoramente. As chamas queimavam o tecido do traje numa velocidade impressionante, alcançando a pele, carne e músculos do rapaz. Nada do que ele fazia apagavam as chamas. O desespero do rapaz divertia o demônio, que descuidou-se e não percebeu a aproximação da mulher. Ela caminhou tranquilamente pelo chão trepidando, entrou no campo visual do monstro segurando um frasco com um líquido transparente e parou ao lado do assistente quase desmaiando de dor.
Arrancou a rolha com os dentes e despejou o líquido sobre as chamas encarando o demônio com total desdém. As chamas desapareceram instantaneamente. Lusbel recuou um passo expressando grande confusão.
"Água do Jordão" afirmou Pel Amana largando o frasco no chão.
"Você é cheia de truques, mulher. Mas não o suficiente para me derrotar." Lusbel brandiu a espada mirando a detetive ocultista, no entanto, surpreendeu-se quando a mulher aparou sua lâmina usando uma pequena faca de guerra. "O que é isso?" indagou o demônio afastando-se alguns passos.
Hermes levantou-se e moveu o braço ferido, fez uma careta de dor, mas logo recuperou-se. Estalou o pescoço encarando o monstro e disse:
"Agora você entendeu, né? A espada vai conosco, quer queira, quer não."
Pel Amana lançou a faca para o rapaz e pegou a arma no coldre de coxa. O demônio urrou irritado fazendo a caverna toda tremer e diversas estalactites se desprenderem do teto. A dupla buscou refugio afastando-se do epicentro do tremor e viu as rochas afiadas fincarem no chão, o qual começou vazar magma incandescente.
Pel mirou a arma para o monstro e disparou um tiro no ombro, claramente um aviso. Assim que o projetil acertou a carne do demônio, adentrou-a sem qualquer resistência rompendo tendões, músculos, ossos e atravessando-o em apenas um segundo, deixando para trás um buraco com um dedo de espessura.
Lúcifer gritou de dor e encarou o ferimento, não estava regenerando, compreendeu de imediato que as munições eram santas, no entanto, precisaria mais que um pente delas para derrotá-lo. Girou a cauda e tentou acertar a mulher com um golpe de espada. Pel correu e executou uma pirueta dupla e giratória esquivando-se facilmente do golpe horizontal. Quando ela pousou, percebeu o solo instável, pois as estalactites o tinham rachado e naquele momento as placas estavam prestes a se soltarem por conta do movimento do magma, ou mesmo por conta de movimentos bruscos na superfície, era um cenário preocupante.
Ela mirou a arma para o monstro e efetuou diversos disparos, cada projétil que o acertava o fazia recuar um passo, e completamente desajeitado e pesado acabou rachando ainda mais o chão, veios alaranjados surgiram por toda parte, o calor aumentou exponencialmente em poucos segundos, o demônio não sentia diferença na atmosfera, mas a dupla sim.
Acuado por conta dos disparos, o demônio usou sua carta na manga, disparou contra o solo a gigantesca esfera de energia que pairava sobre eles. A esfera desceu velozmente e atingiu o chão com ruidoso som, o solo atingido afundou imediatamente e a esfera penetrou o magma elevando uma onda de matéria ígnea, que por sua vez levava pedaços de rocha do centro para as paredes.
Pel encarou a imensa onda vulcânica e engoliu em seco, teria de calcular precisamente seus movimentos, do contrário seria seu fim, ou algo perto disso.
Hermes aproveitou-se da efêmera distração de Lúcifer e correu o mais rápido que pode em direção ao oponente, fincou a faca no pé do monstro e girou o corpo para cima atingindo-o no rosto com um chute forte. O impacto fez o monstro cambalear para trás, pisando em falso numa poça magmática. Enquanto seu corpo despencava para dentro da matéria ígnea, Hermes arrancou a faca de seu pé e saltou em direção à cauda.
Com um golpe limpo e preciso o rapaz decepou o pedaço da cauda que segurava a espada primogênita do diabo, feita com seu próprio sangue e contendo parte de sua energia vital. Porém, percebendo que perderia a espada, ao menos momentaneamente, Lusbel colocou a mão por baixo de uma grande placa de rocha e a arremessou junto com uma enorme porção de lava em direção à mulher.
Pel correu em direção à onda incandescente e com alguns saltos e piruetas calculados passou de rocha para rocha em direção à crista da onda. No entanto, ao despontar sobre ela, fora atingida pela enorme placa de pedra atirada pelo demônio.
Hermes viu Pel Amana ser atingida e cair nas bordas que ainda estavam inteiras, porém, sobre sua perna esquerda havia a rocha atirada, a mulher estava inconsciente e o magma fluente a alcançaria em poucos segundos.
A risada do monstro ecoou pela cripta antes que seu corpo mergulhasse completamente no magma. Quando por fim afundou, levantou outra onda ígnea, que era ainda mais preocupante, pois esta chegaria a Pel antes do fluxo de magma que escorria pelas rochas.
Hermes cerrou os punhos, ergueu a espada exibindo seu triunfo e correu tão rápido quanto jamais havia feito antes. Seus pés tocaram a matéria alaranjada por tão pouco tempo que nem sequer era considerado um toque, não havia tempo suficiente para interação das matérias. Quando alcançou a mulher tentou erguer a pedra, mas era pesada demais para ele.
Desferiu um soco sobre a rocha, mas não surtiu efeito. A espada brilhou mais forte e Hermes entendeu que sua força vital estava sendo sugada, não tinha muito que fazer. Não tinha tempo para agir e não podia pensar, cada milissegundo era precioso.
Ouviu o som do rugido do monstro e sabia mesmo sem olhar que ele estava emergindo do magma, o tempo havia acabado.
"Desculpa Pel!"
Hermes ergueu a espada e a abaixou num golpe certeiro e carregado de dor e culpa. A lâmina do diabo cortaria qualquer coisa, até mesmo a carne de um deus.
Já distante ele ouviu o urro de ódio do demônio ecoando por toda a montanha e mais além. Nuvens negras se acumularam no céu, e naquele dia sobre toda a Nigéria choveu sangue e enxofre.
***
Pel se remexia na cama jogando para fora dela o lençol que a cobria, suava e gemia incontrolavelmente. Sentou-se subitamente na cama arfando e sentindo o coração martelar seu peito como se pudesse arrebentá-lo e fugir de sua prisão carnal.
Esfregou o rosto e girou o corpo. Tocou o pé no chão frio e encarou a prótese apoiada ao lado da cama. Encaixou-a e caminhou até o banheiro. Encarou o espelho e detestou sua decrepita aparência. Desde o episódio das crianças com olhos negros seus sonhos eram perturbadores e ela pouco conseguia dormir, porém, tudo foi intensificado depois do encontro com Lusbel, além de perder uma perna, sabia que ainda tinha muito trabalho pela frente, e seus sonhos passaram de perturbadores para infernais.
Colocou uma roupa simples e desceu em direção ao escritório. Abriu a porta de uma vez, assustando o assistente no processo. Hermes estava na frente do computador e quando a porta abriu, ele saltou da cadeira com os olhos arregalados. Ao ver Pel, colocou a mão sobre o peito e suspirou aliviado.
"Não consegue dormir também, né?"
"Não." Ele mirou a prótese e engoliu em seco. "Pel, olha, eu sinto muito mesmo. É que não tin..."
"O que importa é que temos uma das sete" disse ela olhando para o cofre de vidro que continha a espada Akobi, a primeira espada forjada por Lúcifer. A arma estava amarrada com correntes especiais, forjadas pera prender um Titã por toda a eternidade, a dupla tinha fé que poderiam segurá-la ali.
"É, temos uma das sete e pagamos um alto preço. E parece que isso te afetou muito. Parece sempre distante e confusa."
"Não é por isso. É por conta do que o maldito falou."
"Ele falou muitas coisas..."
"O mal nunca morre. Será que lutamos uma guerra perdida Hermes? E se for verdade? Uma vez aberta a caixa, tudo está perdido? Se até os deuses são vitimas do mal, o que será da realidade humana?"
"Olha, eu não sei a resposta para isso. Mas tenho certeza que se a gente não tentar, ninguém mais o fará. E eu não queria te dizer não, mas... Eu avisei."
"Avisou o quê?"
"Era melhor ter ido atrás da Excalibur, Garralonga, Ferroada e outras mais."
"Para de viajar! Essas armas nem existem fora da literatura."
Hermes sorriu e sentou-se novamente na cadeira, virou o monitor para a detetive e estalou os dedos com os braços alongados. A tela exibia o mapa-múndi com diversos pontos vermelhos piscando e somente seis azuis em destaque.
"Tá de sacanagem!?"
"Eu avisei!" disse Hermes sorrindo.
"Arrume as malas, partiremos em duas horas" declarou a mulher enveredando-se pelo corredor.
"Não, Pel... Pel espera!" Parou debaixo do portal e suspirou longamente. "Ela nunca escuta a história toda. Bem... E lá vamos nós de novo."
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E aí pessoal, o que acharam desse conto da Pel?
Espero que ele seja para vocês a porta de entrada para esse universo fantástico do qual gosto tanto.
Agradeço imensamente a leitura!
Beijos da Pri! ^^
*Para saber mais leia o conto Nigrum Oculis Meis no site clã do terror.
**Para saber mais leia o conto Volúpya na antologia Salígia, lançada pela editora Medusa.
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