Kodachi
Kodachi
Pricila Elspeth
O que sabemos é um grão de areia, o que desconhecemos é um oceano. Cara, você era realmente iluminado. Existe uma crença bastante difundida nas culturas humanas de que nos momentos finais de sua vida, uma pessoa vê passar diante de seus olhos um filme que representa toda sua vida. Bem, isso parece ser bem verídico.
Não posso confirmar se o tempo desacelera diante de nós, ou nós nos aceleramos diante dele nesses momentos, o fato é que tudo parece mesmo passar mais devagar ao nosso redor.
O vento sopra forte e álgido contra minha pele. Meus cabelos curtos e coloridos estão grudados em meu rosto por conta de todo o sangue que recaiu sobre eles, sim, estou esvaindo em sangue.
Com a aproximação de Tânato tudo ganha uma nova perspectiva. Algumas coisas ganham significado e passam a fazer sentido, outras, no entanto, perdem significado e deixam de fazer qualquer sentido. Por que estou pensando assim? Como se estivesse contando algo a alguém? Ah, foda-se!
Meu corpo está dolorido, em alguns pontos vejo feridas abertas derramando o precioso líquido vital rubro e quente, que se espalha por esse chão de cimento cru cheio de fungos e líquen. Minha pele está arrepiada, minha respiração fraca, meus músculos dormentes, meus olhos estão se turvando cada vez mais e quase não ouço mais nada.
Aquilo é uma sirene? Acho que é. Talvez seja. Mas e daí? E se for? Bem... Aqui nesse lugar ermo e escuro sinto-me solitária. O topo de um edifício... Bom lugar para morrer. O que eu sei sobre ela? Absolutamente nada, a não ser que ela me matou. Mas de que isso adianta?
Posso sentir o céu se abrindo e o odor pútrido da morte se aproximando. O ar está pesado e úmido, acho que vai chover. Será bom par limpar todo esse sangue maldito. A pior parte é esperar enquanto essa porra de filme fica se repetindo em minha mente.
***
Acordei com ele me cutucando. Estava deitada no banco de trás, a noite anterior foi intensa e completamente apagada pela quantidade exorbitante de absinto que consumi. Ao despertar senti meus olhos queimarem por conta da incidência luminosa do sol, mesmo tapando-os com as mãos, as pontadas continuavam ecoando no cérebro.
— Chegamos — informou ele como se não fosse óbvio.
Desci, coloquei os óculos escuros, acendi um cigarro de cravo e traguei profundamente. Expeli a fumaça para o lado contrário de onde ele estava e me espreguicei longa e demoradamente, foi gostoso, lembro-me de meus músculos se esticando e depois se contraindo de forma suave.
— Muito bem Watson, o que temos? — brinquei tentando quebrar o gelo que cobria a face sombria dele.
— Tem como levar essa agência à sério? Eu estou me esforçando para que isso dê certo, sabia?
— Ei...calma, tá? — Hermes tem ficado irritado comigo muito facilmente nos últimos tempos. Eu sei que tenho dado bons motivos, mas também estou tentando, só que não é fácil, não para mim. — Vamos logo, quero ver o que nos espera.
A cena de crime era bastante clara, um estrago do caralho, requintes de crueldade e muita sofisticação. O corpo estava completamente mutilado e os órgãos principais haviam sido arrancados; fígado, coração e baço...um ritual talvez. Apesar de tudo ali apontar para um homicídio com a intensão de conseguir alguns órgãos, para mim era contra intuitivo, pois, os pulmões e rins estavam lá; e cá entre nós, sabemos o quanto são valiosos, então a intenção não era só roubo de órgãos, mas sim algo muito específico... Ah, claro, os cortes limpos, finos e todos numa direção só, também me despertaram curiosidade.
Os policiais não tinham nada. Todas as câmeras das ruas haviam entrado em curto-circuito momentos antes da morte e não tinham testemunhas. O corpo era de um homem comum, frequentador de boates e clubes noturnos, tinha uma vida financeira estável e nenhum tipo de inimizade detectável. Parecia ser uma morte aleatória, mas aqueles cortes eram coisa de profissional, não poderia ser tão aleatório assim.
Eu verifiquei cada centímetro do lugar e não achei nada que me servisse de pista. Voltamos então ao escritório e caímos de cabeça nas investigações. Eu buscava nos livros e com alguns contatos, por técnicas com espadas que deixassem cortes como aqueles, enquanto isso, Hermes buscava na internet por armas capazes de cortar um corpo humano com tamanha eficiência e se alguma fora vendida por aqui recentemente.
Como era de se esperar, não encontramos nada que pudesse ser útil. A polícia estava de mãos atadas e nós estávamos travados. Contudo, desconfiei que era obra de alguém que não goza da humanidade e quando digo humanidade, refiro-me à condição de ser humano. E nunca estive tão certa.
Na manhã seguinte acordei com batidas fortes na porta do meu quarto, quando abri vi Hermes desesperado, com olhos esbugalhados, pálido e trêmulo. Estava tão assustado que não disse nada sobre minha habitual nudez.
— Você precisa descer agora — disse ele apontando para a escada.
Concordei, mais para me livrar dele que para saber do que se tratava. Quando me vesti e desci, me deparei com uma cena grotesca. Yzmah, minha melhor espiã estava deitada no meu sofá de visitas, completamente ensanguentada e inconsciente. Hermes tentava a todo custo estancar os sangramentos, mas era impossível suturar tantos cortes com precisão adequada para salvá-la.
Enregelei quando a vi desfalecida, corri para o porão e me apoderei do frasco com água do Jordão, e por mais que essa água tenha poderes curativos, não foi capaz de regenerá-la. Os ferimentos não se fecharam, continuavam vertendo sangue e mesmo os suturados se rasgavam rapidamente, era como...uma maldição de morte certa. E foi assim que aquele demônio tão prestativo morreu na minha frente.
Me senti impotente, ameaçada, violada e enganada. Alguém estava matando pessoas...bem, e demônios, sob meu nariz e eu não fazia ideia de quem era e nem porquê. Por sorte não houve funeral, não suportaria mais um. Demônios materializados se desfazem quando morrem e suas essências retornam para o limbo infernal, onde permanecem por incontáveis milênios até conseguirem adquirir novamente uma consciência; não nos veremos mais, isso é certo.
Ah cara...daria tudo por a porra de um cigarro agora, mas esses aqui estão encharcados de sangue e...nem consigo me mexer para acendê-los. Que hilário...aliás, que deprimente!
***
Os policiais nos informaram de mais um corpo em condições parecidas com o anterior e quando chegamos ao local eu duvidei da capacidade avaliativa da polícia, pois o corpo estava muito pior, só que dessa vez tratava-se de mais um conhecido; Wagner, era como chamávamos aquele pentelho. Para ser bem sincera, nunca gostei de duendes, mas Morrigan me ensinou a tolerá-los e achar utilidade para suas habilidades furtivas.
Segundo o relatório falho da polícia nada havia sido roubado do indivíduo, mas a forma como o corpo foi encontrado indicava sinais de luta, extrema crueldade e frieza por parte do assassino, o que levou aos policiais concluírem que se tratava de um acerto de contas, já que Wagner era bastante envolvido com apostas e empréstimos de dinheiro... Entende-se por agiota safado.
Porém, Hermes notou algo que nenhum perito conseguiu ver, a marca no dedo do duende, onde havia um anel que esteve ali por muitos anos. O elo mais claro na pele dele deu a Hermes uma pista fabulosa e eu...bem, estava amortecida por ter consumido uma garrafa de absinto na noite anterior. Tem sido muito difícil me manter sóbria desde que ela se foi. Eu nem mesmo sabia o que estava fazendo, não tinha certeza se queria continuar com aquilo, mas como a bomba caiu no nosso colo, era preciso terminar aquele caso.
Voltamos para o escritório e Hermes caiu de cara no computador, ficou horas de frente para a tela enquanto eu tentava curar minha ressaca. Próximo do fim da tarde, ele deu um pulo e um grito histérico que me fez despertar de um genuíno e raro sono vespertino.
— O que foi isso?
— Achei. Olha! — disse ele me mostrando uma folha impressa, quando olhei vi um anel prateado e bem trabalhado com adornado por um cinturão de cabeças de animais.
— Ãh...e isso é???
— É um antigo artefato Celta, um anel Fianna. Para ser mais preciso, o anel da transmigração das almas.
— Puta que o pariu — berrei levantando abruptamente. — Então o assassino tem um motivo, um objetivo... Espera, mas e o primeiro corpo, não tinha nada a oferecer.
— Os órgãos podem ser parte de um ritual Pel.
Pasmei com a dedução muito assertiva do meu companheiro. Não havia pensado naquela maldita hipótese, estava mesmo imprestável, pois em tempos idos, o primeiro corpo teria me dado todas as pistas necessárias para identificar o assassino...assassina... Mas estava mesmo dormente.
Tânato está tão perto, posso sentir sua presença. Ouço seus passos suaves.
— Que tipo de ritual?
— Olha, a julgar pelo que foi levado, um ritual poderoso, pois os órgãos são carregados de sangue.
Ponderei sobre aquilo durante um tempo, mas nada me veio à mente, poderia ser qualquer um e poderia ser qualquer ritual potente, desde a construção de uma visão profética até a reencarnação de um ser, ou a morte de alguém, a minha por exemplo.
— Precisamos de mais pistas. Algo que nos diga quem está fazendo isso.
— A polícia me mandou um relatório extenso há poucas horas e...
— Desembucha Hermes.
Ele sentou-se sobre a mesa com os joelhos afastados e entrelaçou os dedos no vão das pernas, engoliu em seco e só depois de alguns segundos fitando-me, disse:
— Os golpes são bastantes profundos, feitos por uma lâmina extremamente afiada e de material muito sofisticado, pois, mesmo talhando ossos, não deixou neles fragmentos de metal e...foram feitos com a mão esquerda.
Senti um tremor e um frio paralisante tomar conta do meu corpo, meu coração desacelerou, senti o mundo girar e minhas vistas escurecerem. Quando me dei por mim Hermes estava comigo no colo tentando me reanimar.
— Desculpa dizer isso, mas pode ser ele.
— Não. Ele não ousaria — disse expressando minha fúria e levantando-me. — Se Tsukuyomi estiver por trás disso, eu juro que acabo com ele. [1]
— E deixa a Lua sem um guardião?
— Foda-se! A Lua tem milhares de guardiões. — Peguei meu coldre de ombro pendurado no cabide e o afivelei apressadamente.
— Posso perguntar para onde vai?
— Preciso de algumas respostas... — Sai apressada, meio desnorteada e só conseguia pensar em como eu estouraria a cabeça daquele desgraçado.
As avenidas da capital paulista são sempre lotadas de veículos, trânsito é sinônimo de normalidade aqui, mas isso nunca me impediu de trafegar perigosamente pelas ruas e avenidas, aliás, tenho feito muito isso nos últimos meses desde que assumi essa alcunha. Pel Amana...risível minha cara, risível.
***
Derrapei e estacionei de lado bem em frente à casa de Cibele. Entrei com tudo atravessando todos os ambientes sem me importar com alunos, celebrante e o caralho a quatro, ela estava sentada com os olhos fixos na porta por onde eu entraria. Bizarro! Engoli em seco quando vi seus olhos de nebulosa e sentei-me comportadamente à sua frente.
— Oi Clio, tudo bem?
— Não veio aqui para saber de mim.
Eu sorri, gosto do jeito seco e direto dela, principalmente naquelas horas, mas isso é passado, um remoto passado. Ela mantinha suas feições rígidas e as mãos pousadas sobre as cartas espalhadas sobre a mesa.
As cartas estavam dispostas em formato de cruz com uma carta virada na horizontal bem no meio da formação. Ela já havia previsto minha chegada, minha pergunta e já tinha a resposta, só aguardava minha decisão.
— Quem estou enfrentando?
Ela moveu os cantos dos lábios de maneira tão sensual que por um segundo arrepiei-me, mas lembrei-me da minha viuvez e novamente meu coração voltou a sangrar pela recente perda. Logo não mais sofrerá.
Ela virou a carta do topo da cruz; a lua. Depois virou a da base; a roda da fortuna. Em seguida revelou a da direita; a sacerdotisa. Na sequência ela virou a carta da esquerda; o louco e então pousou a mão na carta do meio, demorou para virá-la, mas eu já podia prever qual era... A morte.
— Isso deveria me dizer alguma coisa Cibele?
— Muita coisa Afrodite, muita coisa. — Ela é a única a quem dou permissão para me chamar assim sem nenhuma represália. — A pessoa que você enfrenta, ou enfrentará é oculta, envolta em mistérios e ilusões, se esconde nas sombras ou em plena vista, é ardilosa, pretenciosa, organizada, sorrateira e carrega um grau de periculosidade e letalidade incomensurável. Posso ver que é uma mulher e que possui objetivos muito bem definidos, tem cada passo pensado e não voltará atrás de suas decisões. Por outro lado, ela sabe das consequências de suas ações, mas como um louco, não se importa com isso, desde que seus objetivos sejam alcançados. Você não tem como fugir dela nem do que ela planeja, é seu destino manifesto, você está presa à roda da fortuna, por mais que escape hoje, amanhã está diante dela e o resultado desse confronto... — Ela olhou para a carta no centro e piscou demoradamente.
— As tecelãs me devem um favor, posso mudar isso, não?
Ela sacudiu a cabeça negativamente, depois parou e fitou as cartas por um longo tempo.
— Na verdade pode, mas é isso mesmo o que você quer fazer?
— Não. Eu quero tê-la de volta, só que não sei se devo.
— O tempo passa e o rio das almas acaba num redemoinho — disse ela juntando as cartas. — Tem um cigarro?
Eu estendi o maço e ela retirou apenas um, como sempre fazia, acendeu, tragou e expeliu a fumaça para cima formando uma grande nuvem que se evanesceu logo.
— Olha Dite, eu recomendo cautela com isso. Não é algo que passe despercebido, entende? E se você fizer isso, o que impedirá os outros de fazerem o mesmo?
— As tecelãs.
— Certo... Sabe que só existem quatro entidades que são livres de verdade e excetuando você, só uma pode fazer uso da própria dádiva...
— Morfeu. Mas... Acho que não entendi.
— Quando você tem um sonho profético e muda suas ações para alcançar os eventos oníricos, você foi influenciada pelo destino que teceu o sonho, ou pelo sonho que moldou o destino?
Cibele é muito sábia, muito mais do que eu sequer posso imaginar, mas ela me dá nos nervos com as perguntas cíclicas que faz esporadicamente. Óbvio que entraria num dilema sem fim se tentasse responder tal questão, embora tenha me servido de motor para pensar sobre meu futuro a incerteza ainda reinava em minha mente.
Ainda não tenho resposta para aquela pergunta, acho que ninguém tem.
O caminho de volta foi mais rápido, porém, mais obscuro. Estava preocupada, alerta e receosa, não conseguia relaxar, não entrava em fluxo, meus pensamentos eram direcionados às palavras de Clio e cada vez mais tudo parecia uma fúnebre profecia que se concretizaria em breve.
Quando cheguei Hermes me aguardava com um sorriso no rosto e um maço de folhas impressas nas mãos. Sentei-me no sofá e escancarei-me espalhafatosamente, tudo o que eu queria era sossego, mesmo que momentâneo. Pedi que relatasse suas descobertas, mas que fosse carinhoso.
— Não é Tsukuyomi — explicou ele me fazendo sentir-me ainda mais confusa. — O corte não é compatível com uma katana, arma inseparável do samurai lunar, mas sim com uma kodachi, arma que ele só usa para defesa, isso quando usa.
— E se ele mudou o modus operandi?
— Não mudou. O corte foi feito por uma pessoa ambidestra, com a mão esquerda, mas com habilidade idêntica à direita, o que sabemos que ele não é. E antes que me pergunte se não foi uma pessoa canhota, não, não foi. Canhotos atacam num ângulo inclinado entre quarenta e cinco e sessenta graus para golpes diagonais e para golpes verticais a inclinação é entre dois e menos dois graus, no entanto, ambidestros seguem padrões aleatórios...que é o caso dos cortes encontrados.
— E por que uma ambidestra atacaria só com a mão esquerda?
— É aí que eu queria chegar. — Ele pegou uma das folhas impressas e me mostrou, havia uma espada japonesa muito bonita sobre um suporte duplo.
— Uma kodachi, okay.
— Num suporte duplo Dite, está faltando uma. — Ergui a sobrancelha tentando entender algo oculto nos detalhes, mas foi inútil, os orientais não são minha praia. — Essas são Yin e Yang, as duas espadas mais letais já criadas por Oni Hanzo. A que falta é Yang. Cada espada foi feita para ser empunhada por uma mão especifica, Yang na esquerda e Yin na direita, até os cabos delas são moldados para acomodarem perfeitamente a mão que os envolvem. E um dos principais significados dela é "defender amigos".
Eu me levantei de supetão. Não porque tinha entendido alguma coisa, mas porque meus pensamentos estavam atordoados com a ideia de vingança; contra mim. Hermes sentou-se na cadeira giratória e disse:
— A outra espada é Yin e foi roubada do museu da imigração japonesa nessa madrugada. Suponho que as primeiras mortes tenham sido um aviso... Você colocou Yzmah para vigiar os seres lunares, Wagner te passava informação do submundo e teve o anel da transmigração das almas subtraído, o que pode significar um plano ardiloso de possessão. E o cara aleatório que morreu não era tão aleatório, era um dos lacaios de Lusbel, que era encarregado de vigiar o museu, justamente por conta dessa espada.
— Espera! — Girei ao redor do meu próprio eixo buscando qualquer referência mental. — Lusbel forjou essas espadas quando lutou no Japão encarnado num samurai, e essa pessoa estava me avisando que iria defender um amigo e que posteriormente irá atacar um inimigo, que no caso sou eu. É isso?
— Possivelmente.
— E a porra dos órgãos?
— Pode ser que essa pessoa queira trazer Tsukuyomi para a Terra, encarnado tal como Lúcifer fez na guerra japonesa.
— Dessa forma eu cruzaria com ele, mas dificilmente o detectaria e ele poderia se vingar. — Senti meu corpo gelar novamente quando Hermes concordou com a cabeça.
***
Sou tão idiota. Tão previsível e manipulável. Por que decidimos imitá-los? Por que não ficamos com nossas essências puras apenas os observando? Por que tínhamos de provar dos anseios e das sensações humanas?
Estava tentando juntar as peças do quebra-cabeça enquanto Hermes pesquisava profundamente as propriedades do anel Fianna. Eu não conseguia entender o porquê alguém me colocaria numa lista de morte por silenciar aquele crápula que matava pessoas inocentes sem pestanejar. Uma amante talvez?
Recebi um telefonema de um número restrito e meu erro foi atender.
"Quer saber quem sou? Me encontre no telhado do farol." Foi tudo o que disse antes de desligar. Não podia envolver Hermes nisso, ele queria tanto quanto eu chegar ao fundo disso, mas diferente dele eu tenho um encontro marcado com meu nobre amigo Tânato.
Esperei que dormisse para sair. Pilotei apressadamente pelas ruas da cidade e poucos minutos depois de partir estava no local marcado. Para Hermes eram apenas alguns passos de casa, mas não o invocaria, ele não pode sofrer com isso.
Quando cheguei ao telhado, deparei-me com uma jovem de aparência asiática, vestida em couro, cabelos vermelhos e amarrados para trás, óculos escuros sobre os olhos e as duas espadas nas mãos.
— Estamos aqui. Quem é v... — A lâmina atravessou meu abdômen. Não senti dor, o corte foi limpo e indetectável, a velocidade de ataque dela é impressionante, ela girou o cabo com a lâmina ainda dentro de mim, senti o sangue subir pela garganta juntamente com o urro que emiti.
O golpe seguinte veio na diagonal, ela girou o corpo em torno de seu próprio eixo, retirando a lâmina da minha barriga e desferindo o segundo ataque, que cortou-me do ombro ao peito, na sequência ela empurrou-me com a sola da bota e lançou-me a alguns metros de distância, parei por conta do choque com a parede.
Quando levantei o olhar para encará-la a vi no outro extremo do telhado, furiosa, sua respiração estava pesada e seu corpo tensionado. Era como a corda de um arco esticada pronta para disparar. Pisquei por um centésimo de segundo, isso foi suficiente para uma nova investida.
Um corte na horizontal na minha coxa direita, depois um vertical no meu braço esquerdo, ela girou novamente e chutou-me atrás do joelho, assim que dobrei-me, ela riscou minhas costas com um x, e em seguida, virou uma pirueta para trás chutando meu queixo no processo.
Era uma exímia lutadora. Fria, calculista, decidida e enfurecida. Eu não conseguia prever seus ataques, ela movia-se mais rápido que Tusukuyomi, era uma fortaleza impenetrável.
Estiquei minha mão e peguei a arma no coldre de coxa, quando consegui erguer o braço a arma já havia sido cortada por uma lâmina impiedosa. Ela estava diante de mim, apenas a alguns passos, mas eu não conseguia ataca-la, estava impotente diante dela.
— Quem é...
Ambas as lâminas enterraram-se em meu peito, ela girou uma para cada lado e as arrancou com um movimento rápido e cruel. Cai no chão respirando sobre meu próprio sangue, as bolotas de ar içavam uma fina camada rubra que explodia rapidamente como bolhas de sabão.
Ela não queria conversar. A voz no telefone era rouca, calma e baixa, mas pessoalmente ela não emitia som algum, nem mesmo quando se movia. O que mais me impressionou foi o fato de não sentir nenhum resquício de amor nela, era basicamente um corpo vazio. Uma sombra assassina.
Antes que eu pudesse levantar vieram mais quatro cortes, três na vertical e um na diagonal. Eu não sou boa com enigmas desse tipo, mas percebi que ela estava usando meu corpo como uma folha de papel sobre a qual deixava seus kanjis, e só então me dei conta de que todos os corpos que encontramos possuíam cortes parecidos, porém, em ângulos diferentes, nenhum se repetia.
— Vaca! — proferi antes de cuspir o sangue que se acumulava na minha boca. — Por que está...
Barriga, peito, pernas, braços, costas e ombro; essa foi a sequência dos golpes. Tão rápidos que nem mesmo Hermes seria capaz de vê-los, ou seria? Meu corpo estava talhado, sangrando, paralisado e frio. Ela estatuificou-se diante da lua e eu pude ver o vento sacudir seus cabelos rubros, vi nascer em seu rosto um macabro e demoníaco sorriso e logo ela desapareceu como se nunca tivesse existido.
Tudo se repete exatamente igual, sem a perda de nenhum detalhe. Ah, ele chegou, já posso sentir.
É ele quem se aproxima vestindo sua túnica de veludo azul, aquele rosto pálido sorridente é inconfundível, Tânato veio me buscar. Porque está ajoelhando diante de mim quando deveria estender a mão e me levar?
— Seria muita sacanagem se perguntasse como está?
— Acho que sim...
— É, seria mesmo. Já faz um tempo que não nos vemos.
— É sempre um prazer revê-lo, no entanto, é sempre uma lástima ver seu trabalho, principalmente quando envolve pessoas a quem amo.
— Como você disse, é só o meu trabalho. Mas me diga, quais são seus planos para o futuro?
— Que futuro? Se você está aqui é porque não existe futuro para mim. Clio estava certa quando disse que o único destino possível para mim era um encontro com a morte.
— E a roda da fortuna gira sem parar, não é? Um encontro, minha cara, não o último encontro.
— Mas por quê? Ela não me matou?
— Somente um humano pode matar um Deus, vampiros não.
Vaca desgraçada!
— Uma vampira? Mas... Sabe de alguma coisa?
— Sei que ela está recolhendo artefatos e que agora parece querer te ferir, ou matar, sei lá.
— Quem é ela?
— Não sei. Ninguém sabe.
— Sabe ler kanjis?
— Sei... e se está pedindo para ler... Acho que não vai gostar do que ela escreveu aí.
— O que diz?
— O amor é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas.
— Vagabunda!
Eu sei quem você é.
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Olá pessoas, como estão?
Saiu finalmente mais um conto da Pel Amana, espero que gostem, esse está recheado de mistérios que envolverão contos futuros.
Lembrem-se que cada comentário e voto salva um unicórnio dos maus tratos.
Beijos e até a próxima! ^^
[1] - Referência ao arco As aventuras de Pel Amana – A última Sinfonia, link para aquisição está disponível logo abaixo.
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