O Porta voz do Rei
6. O Porta voz do Rei
O som do cavalo arisco cortou os sonhos do homem que estava dormindo. E então as figuras tensas pareceram de repente se retrair. Grunhidos poderosos despertaram Piter e George. uma voz aguda bradava colericamente em algum ponto próximo dos viajantes.
A voz caminhava para perto dos dois, que enrijeceram ao ver um homem atarracado e deformado, que caminhou arrastando os pés até o bafo nauseabundo chegar às narinas de George, que instantemente sentiu náuseas. Os ombros se projetavam em um ângulo grotesco.
O ancião e seu amigo engoliram em seco.
— Quem são vocês? — George indagou ruborizando.
Lanças estavam dispersando e aglomerando em um círculo, empurrando George e Piter para o centro.
— O que querem conosco? — o ancião vociferou, mas o tom de voz perdeu o poder ao ver um homem estranho surgindo e ficando ao lado do ser que estava em sua frente.
Os rostos estavam tomados de pânico, e o senhor se deu conta de que qualquer movimento brusco poderia ser catastrófico.
O homem a sua frente levantou a mão, todos pararam com seus olhares confusos e temerosos. Eram a maioria, mas a confusão em suas expressões mostrava o quanto estavam perdidos.
Ao abaixar a destra, as vozes clamaram por diversas coisas, nenhuma em particular ganhava força. As figuras se empolgavam, e via-se novamente o braço erguido.
As vozes foram se calando.
— Ancião, vejo que está em nossa terras e nem sabemos o que buscas, então os questionamentos serão iniciados por nós. — o homem parecia mais calmo, os olhos fitaram os detalhes das vestimentas de George, e ao perceber o pequeno ser em seu ombro, abriu um franco sorrio.
— Meu bom senhor, estou apenas de passagem, o meu destino não está tão distante. — George falou. — infelizmente perdi grande parte da minha memória, o tempo não tem sido generoso comigo, por isso peço que o sejam.
— Tudo bem, mas antes, alguns cavaleiros do rei gostariam de fazer algumas perguntas, venham para a nossa vila, ela está muito perto, e lá eles o aguardam.
George e Piter não estavam confiantes, ainda mais com a criatura que estava em sua frente, George estava se acostumando com o cheiro de excremento animal e humano, mas aquilo passava dos limites do tolerável.
Ao chegarem, nossos viajantes perceberam que a vila estava animada, não tinham apreciado esse momento em toda a viagem, que já estava longa. Os passos de uma jovem com um rapaz, a cantoria de um menestrel e a rabeca. Era cedo, mas bebiam como se fosse noite.
Eles seguiram o líder do grupo até chegarem em uma casa, que embora fosse muito parecido com as outras, era maior e ficava separada das demais.
A construção parecia ser um amontoado de madeira e barro, claro que outros materiais estavam ali, mas alguns eram retorcidos, os olhos dos viajantes passeavam pela grande sala e ao inclinar o olhar, observavam um homem de armadura, a insígnia real em seu peito, uma espada de mais de um metro ao seu lado. O homem os fitara, sem esboçar gentileza ou rigor, apenas admirava o ancião que estava em sua frente.
— É este o ancião que anda por nossos campos. — disse o líder. —vem mantendo uma alimentação com as nossas sementes, frutos e deitado e contemplado o nosso céu estrelado.
— Entendo. — o cavaleiro falou. — mas se não formos bons anfitriões o que as vilas vizinhas dirão ao nosso respeito? Avarentos? Pederastas?
— E esse ancião diz que sofre do mesmo mal que os senhores, as lembranças fugiram de sua cabeça. — o líder tomou a voz novamente.
— Ele soube vos dizer algo sobre esse mal? — o cavaleio se ergueu de seu assento e se aproximou de George.
— Exigimos que nos seguissem, dissemos que os senhores gostariam de interrogá-los.
— Por que está falando no plural? — o homem alto que ao andar fazia um barulho, indagava.
— Tem um brincalhão em seu ombro, senhor. — o líder apontou e depois fez uma mesura e saiu.
— Vou deixar que conversem, com licença, senhores.
— Vá, se precisar de seus serviços, eu direi a um dos meu homens para que te encontre.
— Como desejar. — o líder saiu com os pouco homens que o acompanhavam.
Um tempo se passou e o cavaleiro se apresentou.
— O pouco que me lembro é o que vocês podem observar, sou um cavaleiro, meu bom rei me deu ordens, mas essas ordens não me contemplam. Bebi das ervas da Catieira e comi dos frutos do saber, mas apenas me preocupo sem a orientação do meu senhor.
— Lamento por isso, meu jovem, as lembranças têm sido um tesouro muito procurado por essas terras. Eu e meu amigo pequenino estamos em uma jornada, preciso encontrar o amor.
— O amor? — questionou incrédulo. — mas... — pensou em dizer; um o senhor é tão velho, tem como encontrar o amor agora? Acredito que o momento passou. Mas engoliu as palavras inoportunas e sorriu.
— Sei que parece uma piada, um disparate à minha idade, mas me convenci de que preciso encontrar a mulher que amei, antes que seja tarde. — disse com os olhos marejados, o ancião não havia dito isso alto, em todo caminho se autoconvencia de que era o certo a ser feito, porém, ao escutar as suas palavras em alto e bom tom, se sentia envergonhado.
— Não se sinta assim, meu bom senhor, o amor é um tesouro ao nível em que as lembranças também são. Dou valor a essas riquezas que não podemos colocar em nossos baús de madeira. — o homem se aproximou um pouco mais. As pedras vibraram e George sentiu que poderia confiar no justo que estava em sua frente.
O líder entrou pisando forte e arfando. Sentou-se na cadeira larga coberta de peles de animais , deixou seu cajado cair com estrepito no chão, perto dos seus pés. O momento assustou quem estava presente. O ancião da vila estava com os olhos estranhos.
— O idiota de um rapaz disse ter visto um demônio escalar o lado de fora da nossa cerca, falou com força que o ser ainda estava lá. Pedi aos homens que verificassem e estão todos mortos.
Foi um reboliço tremendo, o cavaleiro e seus homens pegaram as espadas, George observava com apreensão, indagando aos deuses pelo motivo de tal criatura estar ali.
Um grupo de crianças com pás e enxadas se formaram atras dos homens do cavaleiro. O caminho estava aberto e com muita dificuldade perceberam o vulto escuro no cercado. Era um demônio magro, se fosse humano diria que estava perecendo em inanição, mas o sorriso apresentando as suas bocarras dispersou a grande maioria das crianças. O guincho agudo apunhalou os ouvidos de todos. E a voz foi sucinta em indagar.
— O que vocês fizeram com as minhas lembranças? — o demônio estava coberto de sangue. Os homens que tentaram o dispersar a pouco, estavam estendidos sob seus pês.
O líder saiu andando do seu jeito claudicante, fincado seu cajado, ao lado da criatura que tratava muitíssimo bem. Parecia distraído demais para notar que os hospedes estavam distantes.
O grupo de vizinhos se expressavam, cada qual, do jeito que podia, alguns com escândalos, outros tementes pedindo por orientação do altíssimo, curiosos esperando pelo salto mortal da criatura e os cavaleiros que ergueram as suas armas.
O demônio passou pela cerca e entrou. A avalanche de sentimentos percorreu por cada corpo de vizinhos que fugiram como bestas selvagens ao ver o caçador.
A criatura, amiga do líder, pulou em cima do demônio. A criatura tentou derrotar o ser maligno, mas a força do ser das trevas era desmedido, deu quarto socos no que seria o rosto da criatura bondosa da vila. Os olhos do amigo as vizinhança olhavam para o ar, as pupilas tremulas, seus lábios se moviam silenciosamente, sem que nenhuma palavras escapasse. O pescoço dele foi completamente esmagado, e havia um enorme talho ao lado, expondo vertebras, vísceras e traqueia. A criatura tentava respirar, mas sem sucesso, até que seu corpo ficasse inerte e sem vida aos pés do demônio.
— Me devolvam as minhas lembranças, malditos!
Os cavaleiros estavam assustados com a demonstração de poder. Foi então que George apareceu, andando calorosamente, os joelhos pediam por um descanso e a barba volumosa cheia de pó e os olhos verdadeiros, que abriram para si um espaço para se aproximar do demônio.
— Ele não tem medo da morte? — questionou um dos homens.
— Velhos não tem medo da morte. — respondeu o cavaleiro ao lado.
As pedras vibravam.
O líder estava envolto de toda loucura, a estrada da mente fora cruel com aquele homem, que se lançou ao chão, sem esperanças, não havia oração em seus lábios, apenas múrmuros de lamentação. O peso do opróbrio sobre os seus ombros assustou aqueles que estavam ao derredor.
— Demônio, sei que está confuso, que perdestes as suas preciosas lembranças, mas sei que não há maldade em seu coração, deixe esse povo. Já há baixas demais, um ancião louco e cavaleiros sem honra. — George continuou. — Perdi minhas memorias por causa de uma bruxa, uma asquerosa mulher de olhar intrépido e desnecessário. Reivindicou algo que não lhe era de direito, assustou crianças e nos apunhalou com trevas. Creio que tenha sido ela a responsável.
Todos observavam o ancião se aproximar cada vez mais, sem medo, sem receio e confiante. Um dos homens armados estendeu a espada pesada para George, que elegantemente negou. Sentia que não era necessário.
A mansidão daquele gentil humano assustou o demônio, que suspirou em seu idioma, um humano que não era frívolo, os seus olhos não tinham escarnio e o seu semblante era leve.
— Como posso confiar em alguém que é apenas o simulacro de ódio? — as palavras não exibiam o que o pensamento reverberava.
— Fique com isso. — tirou uma de suas pedras do bolso, era a amarela. Brilhava e vibrava em frenesi. — ela é preciosa para mim. Me orientou sobre a energia de quem cruzou o meu caminho. Vá para Carmeon, demônio, encontrará essa bruxa infame. Digna de pena e pesar, mas evite-a, abrace o tronco da arvore que há atras da vila, lembre-se do que foi e seja agradecido pelo que é.
O burburinho ganhou força pelo silencio do demônio, que estendeu as mãos e recebeu a pedra.
— Não mate mais quem sofre do mesmo mal que você. — George sorriu. — Sei que encontrará conforto nessa jornada, assim como eu.
— Vejo que é um homem digno de confiança. — o demônio falou sem escarnio. — confiarei em suas palavras e partirei ainda hoje.
O burburinho continuou.
Ela era encantadora do seu jeito sinuoso.
E vertigens abraçaram o homem que caiu.
O povo ali não tinha memorias de seu passado, não sabiam quem eram as suas famílias, então a união sugeria que todos eram irmãos. Por vezes uma mulher gritava até cansar, pedindo ajuda, suplicando por piedade, implorando para que os deuses a lembrassem de quem era. Aranhava os portões das casas, as unhas deixavam marcas na fina camada de lodo. A pobre sacudia em soluços ocasionais.
Os homens enrijeciam os sentimentos, por medo de se inclinar para a sua irmã, ou alguém de seu sangue. Os deuses eram cruéis com quem fizesse isso. Um rapaz sempre chorava perto do grande lago no centro da vila. Os românticos suspiravam pelo amor esquecido.
O esquecimento não respeitava classes sociais, tomou à todos igualmente.
— Do que adianta tantos livros se o passado que busco é o meu? — a voz roubava o silencio, um cavaleiro aflito conversava com outro quando George despertava.
— O que houve... — a cabeça latejava. — o demônio se foi?
— Sim, o senhor se compadeceu de nós, desconhecidos, nos ajudou com algo que nos aterrorizava. — o jovem falou.
— Nos dias que vivemos, todos somos desconhecidos, meu amigo. — George buscou Piter, e, ao vê-lo se sentiu mais confortável.
— Preciso conversar com o cavaleiro real, com o líder da vila e necessito de água. — O viajante pediu. — por obsequio.
O homem mais novo foi chamar o líder que estava perto e o cavaleiro. Todos com os olhos apreensivos, e junto deles a jarra com água que não poderia faltar.
— Nos chamou, senhor? — disse o cavaleiro.
— Sim, preciso de um mapa. — disse cobrindo a boca ao tossir. — marcar algo para vocês.
O mapa chegou em suas mãos e com ele um pedaço de carvão. George marcou Carmeon, sorriu e disse;
— Aqui estão as repostas, cortem pedaços da madeira de Carmeon e entregue ao povo, ou vençam a bruxa e tenham suas lembranças de volta. — George torceu para que a segunda opção se tornasse a prioridade.
— Iremos matar essa mulher! — disseram o líder e o cavaleiro.
O ancião sorriu junto ao seu amigo pequenino.
A noite estava ali presente e os anfitriões fizeram questão de instalar com conforto o seu salvador. George aceito de bom grado e agradeceu veementemente.
Os viajantes repousaram, a jornada estava cobrando muito deles. Uma resiliência que George não sabia que tinha. E foi grato por tê-la.
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