Cuidado com o Tolo
3. Cuidado com o tolo
George e Piter acordaram, os dias quentes entorpeciam e desidratavam, o cantil que deveria durar mais, estava pela metade. Os dois viajantes deitados no escombro daquilo que julgavam ser belo durante a noite, mas que se revelava triste e desalentador quando o sol se colocava poderoso sobre a abobada celeste.
Cada superfície das paredes dos edifícios às rachaduras nos calçamentos. A fagulha do nojo crescia, ao ver que sua capa estava repleta de fuligem. Uma substância viscosa, oleosa e densa tornava as cores à sua frente indistintas, misturando tudo em uma tonalidade cruel, o negro daquilo que George não conhecia, com o verde sofrível da camada de grama e o marrom daquilo que era incerteza aos olhos.
— Temos que parar de dormir em qualquer lugar, isso pode custar a nossa cabeça. — disse o senhor, que se esforçava em limpar a sua capa.
O pequeno brincalhão estava quieto, a áurea daquele lugar era estranha, não sabia ao certo o que dizer. Um silencio sepulcral se estabeleceu.
Os dias corriam pelos olhos, mas aquele em especial estava demorando. Ambos em silencio, guardando em suas memorias as ruas que se estendiam, corpos estranhos no chão; leões, javalis, cervos e coelhos. Jaziam espalhados pelos fétidos paralelepípedos daquilo que em algum momento fora um pátio. A cada pequeno metro que caminhavam, um poço de água escura aparecia. O fedor era quase insuportável.
Eu não me lembrava disso feder tanto.
Parecia que o que encontraram no dia anterior era apenas uma ilusão, e que ilusão.
A sujeira presente cheirava a putrefação, como fungos mortos. Um corpo estranho estava retorcido há poucos metros de George, se a imagem não lhe embrulhasse o estomago, decerto pisaria nela.
O senhor praguejou, e colocou a mão nas narinas. Aquilo não tinha fedido tanto ontem, não conseguiriam dormir ali, julgou que aquela carnificina tinha se dado naquele mesmo dia. Algo dizia que um vento sombrio o esperava. Enrijeceu os ombros e carinhosamente disse ao brincalhão para saírem rápido dali.
— Não penso duas vezes. — disse, agitado. Parecia que nenhum dos dois estavam acostumados com aquilo.
Uma vertigem cortou a mente do pobre homem, que se inclinou. Via uma espada em suas mãos e um homem grande como um rochedo gritando algo à ele. Só não sabia o que poderia ser, porém entre tudo, as lembranças do sorriso da mulher aliviaram a sua tensão.
Pegou ar, deu leves batidas nos joelhos, praguejou e correu.
Até que se sentiu aliviado por estar distante o suficiente aquela cidade morta.
Sentia que se tivesse demorado mais um pouco para se levantar e sair daqueles escombros, algo de muito grave aconteceria com eles.
— Primeira regra; não dormiremos em qualquer lugar. — disse o pequenino.
— Não há relutância quanto à isso. — e um sorriso ofegante se fez valer entre os dentes de George.
Uma figura engraçada vinha de longe, com roupas coloridas, uma confecção a parti de retalhos, tinha um ar nobre, embora fosse burlesco, em sua cabeça havia um chapéu pontudo e colorido, era um bobo.
— Que as pedras falem sobre o camponês viajante, de roupa escura e ar radiante. — falou o bobo em uma rima empolgada.
— Muito obrigado pela generosidade. — o senhor estava ainda ofegante, radiante era algo exagerado, mas bobos eram assim.
— Vim de terras distantes, procurando pelas memorias que se espalharam para longe. — cantou o bobo, dançado e fazendo sons estranhos.
— Calma, você está sem memórias? — questionou o ancião.
— Sim, algo aconteceu, não sei ao certo, nada há de concreto, mas algo nessa mente morreu. — disse pegando bolinhas coloridas de debaixo de suas mangas.
— Posso falar sobre a arvore de Carmeon? — sussurrou George para seu pequeno amigo.
— Espere. — e viu o amiguinho pulando sobre os ombros do bobo, que não o notou. Saltitante voltou e fez um não poderoso com a cabeça.
— Espero que o senhor encontre essa parte que morreu de sua mente.
— Muito obrigado, meu caro Senhor. Um bobo não é um tolo sem valor. — disse e saltou para longe dos viajantes. Fazendo uma mensura, se portava como um cavalheiro, com os olhos bondosos e a silhueta que dançava ativamente. Era algo atípico, ver um bobo numa jornada, o sorriso do senhor se formou com o jogo de palavras do homem.
— Por que eu não poderia falar sobre a arvore de Carmeon?
— Ele é mau, sem escrúpulos, um tolo. Bateu a cabeça quando andava a cavalo com as sobrinhas do rei. Ele estava pensando em raptá-las e extorquir à majestade.
— Mas que... — o palavrão veio rasante. — filho da puta.
— Eu não sou uma criança, relaxe. — disse entre os risos o pequenino. George corava.
— Ele teve a consequência de seus atos, as criança que estavam juntas dele, foram salvas e entregues ao rei. O bobo tem um coração perverso. Se esqueça dele, George.
— De quem?
— Boa, meu sábio senhor.
Não reparavam, mas o caminho do bobo era para a cidade morta, o que esperava o homem colorido estava ao fim daquela estrada larga.
O dia ainda estava claro, George não sabia porquê e como, mas tinha um mapa em sua mente, ele caminhava com facilidade entre os caminhos, a relva, a planície. Corria dos vales e encontrava com facilidade poços de águas limpas, era como se as lembranças estivessem voltando aos poucos.
A caminhada exigia muito de cada parte do corpo do ancião, os tornozelos queimavam, fazendo com que parasse. Não gostava de se sentir interrompido, ainda mais por si mesmo, mas era necessário. Seu corpo não era jovial, embora a sua alma fosse. Sentia falta de ar nas subidas e os sulcos do seu rosto não reagiam com alegria ao sol escaldante, mas se sentia bem ao saber que tinha um céu azul para observar. O coração ficou desolado ao se lembrar de seus vizinhos, mas sentia que tudo se resolveria nessa jornada.
— Essa mulher te ama? — perguntou Piter, um sobressalto foi sentido e o pequeno desiquilibrou.
— Como assim? — disse com a voz perturbada.
— Eu sei que você a amou, que ela foi importante e marcante. A sua primeira lembrança, mas me diga. Se ela ao te ver, não demonstrasse reciprocidade, como agiria?
— Nunca... — a perturbação era pelo fato de nunca ter pensado naquilo, não havia trabalhado com fracassos. — eu não sei. — completou.
O silencio gritante foi a música daquela tarde que estava sendo envolvida pela penumbre.
— Mas não posso desistir, porque sinto que se pensasse nisso, seria um tolo. Não quero trilhar por esses caminhos na minha velhice, meu amigo.
— Eu sei disso. — disse sorrindo. — por isso é meu parceiro nessa viagem.
George sentira algo na saída de sua casa, mas que agora estava muito mais forte, que está seria a sua última viagem. O começo de um fim. E que queria ser a inspiração das canções pelo amor que sentia.
As pedras que o senhor havia levado tremeram, um movimento leve, nada que despertasse à atenção dos viajantes... por enquanto.
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