Dia 5
— VOCÊ SÓ PODE ESTAR BRINCANDO! — acordei, gritando.
Danny, do outro lado, se sobressaltou e quase derrubou a sua salada verde.
— O que diabos deu em você?
— EU NÃO CONSIGO ENTENDER. QUAL É O PONTO DE TUDO ISSO? — Continuei berrando, sem me importar com Danny, afinal de contas, ele esqueceria isso amanhã.
Eu não consigo acreditar em tudo que aconteceu. Eu estava com Nathan, ele estava comigo. Ele gostava de mim... digo, ele deve gostar se tomou a iniciativa no estacionamento...
Por cinco anos, sonhei com isso. Com esse momento. Apenas para ser estragado por esse maldito loop.
— Eu devo chamar alguém do hospício? Nosso convênio cobre a medicação se você estiver preocupada com isso — Danny falou.
— Eu preciso de Nathan — respondi, caçando o celular na minha bolsa, devia ter uma mensagem dele como em todos os outros sábados.
— Você quer dizer o cantor por quem você é obcecada? — Danny disse. Eu parei no meio da sala e me virei para encará-lo.
— Eu não-
— Fala sério, eu estou aqui há pouco tempo e toda vez que você fala desse cara é como se estivesse citando o nome sagrado de algum deus — ele continuou, me encarando com aqueles olhos esverdeados, tão esverdeados que pareciam penetrar cada centímetro da minha alma. Desde quando ele tinha olhos assim?
Não sabia que Danny podia ser tão ácido. Ele enchia meu saco todo dia, só que nunca desse jeito e nunca para me machucar de verdade.
— Não é assim. Você não o conhece — respondi, tentando defender o pouco de dignidade que eu ainda tinha.
— Não é preciso, Rosalie — Danny olhou para a própria salada — Você o idolatra. Ele te trata como um nada, você tenta se irritar, mas basta uma "desculpa" e você volta rastejando para ele.
— Você não tem o direito de falar assim comigo-
— Mas imagino — ele me ignorou e prosseguiu, remexendo na sua salada — que todo cara como ele precise do seu animal de estimação.
Arregalei os olhos. Danny havia acabado de insinuar que eu era, nada menos, que um vira-lata para Nathan?
Não era assim. Nunca foi assim. Eu sabia disso. Por que aquelas palavras estavam me afetando tanto? Havia um fundo de verdade naquilo que eu não era capaz de enxergar?
— Vai pro inferno, Danny — disse. Ele não respondeu.
— Não quero te ofender, Rosie. Só acho que você merece melhor.
— Como quem? Você? — soltei uma risada amarga.
— Eu...
Danny não terminou sua frase, porque Helena entrou nesse momento.
— Helena, pelo amor de Deus, apenas dê a droga dos filmes da segunda guerra para eles! — falei, pegando minha bolsa e passando por ela pela porta.
— Como você sabia...? — Helena franziu o cenho.
— Acredite, eu já passei por essa mesma situação quatro vezes.
Eu fui embora.
Comecei a andar até o bar de Nathan. Podia ter pegado um Uber e usado meu cartão de crédito, já que a fatura não seria cobrada de qualquer forma. Mas eu precisava pensar em uma forma de acabar com isso.
Nos filmes, parecia fácil viver num loop. Você tinha uma chance nova de acertar todos os dias, mas a realidade? Era péssimo, exceto pelo dia de ontem (que não aconteceu), era como andar em círculos.
Eu sabia que os loops nos filmes funcionavam como uma forma de fazer o protagonista entender uma situação ou mudar um comportamento. No quarto dia, pensei que isso podia estar ligado a Nathan, aos meus sentimentos por ele, no entanto nós nos beijamos, dormimos juntos e, mesmo assim, eu voltei para a sala de descanso.
Deus. Só lembrar daquela noite, deixou meus pelos arrepiados. Tudo que sonhei não chegou nem aos pés do que era estar com Nathan Church, eu entendia o apelo que as mulheres tinham por ele agora. Não era nem pelo sexo (apesar de também ser), mas pelo seu jeito doce e afetivo, a forma como me olhou quando chegamos lá.
Eu queria aquilo de novo. Mas não fragmentado dessa forma. Eu queria para sempre. Todos os dias, não só aos sábados.
Então, me toquei. Eu nunca revelei meus sentimentos a Nathan, apenas disse que queria dormir com ele. E se o loop fosse sobre isso? Sobre revelar o que eu sentia?
Apertei minha bolsa contra o corpo e corri.
Ele terminou sua última música quando cheguei. Eu passei no banheiro para ajeitar meu rosto, mas eu continuava com cara de quem não dormia há um bom tempo e o cabelo que foi lavado há três dias, ainda que eu tenha lavado ele nos quatro sábados que vivi.
Nathan agradeceu e saiu do palco. Não esperei, praticamente corri até ele. Ele mostrou aquele mesmo sorriso que abriu depois de termos transado pela primeira vez.
Senti um frio no estômago.
— Aí está, minha garota predileta.
— Preciso falar com você — disse decidida.
— O que houve, Rosie? Está tudo bem? Você parece... — ele começou, mas eu ergui a mão.
— Um lixo. Eu sei, não é esse o ponto, veja, eu... — respirei fundo, encarando o rosto de Nathan.
Como eu queria que ele se lembrasse do sábado passado, tudo seria mais fácil, porque Nathan entenderia com um simples olhar o que está entalado na minha garganta todos esses anos. Ele seria gentil e acolhedor.
— Oi, Nathan, vim te salvar de uma conversa chata — Jenna surgiu, colocando a mão no peito de Nathan e me encarando pelo canto do olho como se eu fosse um mosquito, zumbindo no seu ouvido.
Suspirei. Em dias normais, eu diria algo como "Vou te esperar lá fora, Nate" e cairia fora. Mas esse não era um dia normal.
— Jenna, sinceramente falando? Você deveria se valorizar mais — disse. Ela franziu o cenho.
— Como você sabe meu nome?
— Não importa. Você é bonita, você quer se casar de vermelho com um cantor e o imbecil do seu lado vai, no máximo, dormir com você e te largar por uma loira que faz panquecas com morango! — disse com a voz acelerada, apontando para Nate que me olhava como se eu estivesse louca.
Jenna abriu a boca e fechou no mesmo instante.
— Nós nos falamos depois — ela disse para Nate, me olhando de canto.
Esperei ela se afastar para me virar para Nathan.
— O que foi isso?
— Nate, eu amo você — soltei, sentindo meu coração acelerar na caixa torácica — Eu amo você. Acho que desde o primeiro dia que te vi na Universidade e, por mais que ser sua amiga todos esses anos tenha sido o melhor acontecimento da minha vida, eu não sei se sou mais capaz de guardar esse sentimento apenas para mim ou continuar sendo apenas uma amiga — falei, enfiando as unhas contra a palma da mão.
Nathan me olhou com suas íris castanhas. Pela primeira vez, não pude ler sua expressão. Por alguns segundos, ele não disse nada e eu pensei que tinha estragado tudo.
Abri a boca para dizer que era uma brincadeira, qualquer coisa que tirasse aquela expressão do rosto de Nathan.
Mas ele me beijou.
Da mesma forma que fez no dia da caminhonete. Abracei seu pescoço e retribui seu beijo com o desespero de cinco anos. De todos os sábados que vivi, esse foi o primeiro que senti que era eu mesma.
— Por que está rindo? — Nathan perguntou, diminuindo o som da rádio. Tocava uma música do Waterparks. Eu lembro de Danny escutando a mesma música no primeiro sábado e provavelmente nos outros também...? Depois do segundo sábado, eu já estava em completo desespero.
Nós estávamos indo para meu apartamento. Não sabia se Nathan ficaria para a noite, mas torcia que sim.
Eu fechei o sorriso. Nem reparei que estava sorrindo. Minha cabeça pensava sobre esses cinco dias e como tudo terminaria hoje, não só o loop, mas todos os dias que me senti um zero à esquerda, uma outra pessoa vivendo num corpo estranho. Eu finalmente era eu mesma e tudo isso por causa de Nathan.
Sempre foi ele. A razão disso tudo era ele.
— Nada. Apenas tive um dia péssimo e estou feliz, finalmente — disse com um sorriso.
Ele dirigia pelas ruas da cidade, parecendo algo etéreo na luz fraca que vinha das iluminações nas ruas.
— Não consigo imaginar um dia ruim numa casa de repouso.
— Você não conhece a Theresa — falei, me lembrando da velha de olhos leitosos. A marca que ela deixou no pulso ardeu com o pensamento.
Aquela conversa esquisita faz tanto tempo pra mim e foi apenas há três horas. Como ela estava? Tive uma vaga memória de Helena informando que Theresa queria falar comigo.
Por outro lado, não estava afim de ouvir mais conversas sobre deuses idiotas.
— O que acha de mergulharmos? — Nathan me tirou dos meus pensamentos, e apontou para a praia do outro lado.
— Está vazia — disse, ao observar a água do mar e o céu encontrando-se no horizonte e formando uma escuridão só.
— E daí? — ele sorriu.
Nós chegamos na areia e Nathan começou a se despir. Eu observei a linha dos seus ombros, a forma como os músculos dos seus braços retraíram quando ele começou a tirar as calças.
Abracei meus braços contra o peito. A brisa marítima estava provocando arrepios pelo meu corpo.
— Vamos, Rosie. Eu garanto que a água está mais quente.
Suspirei. A antiga Rosalie diria que preferia ficar na areia, observando, mas essa garota ficou no primeiro sábado.
Puxei a abertura do uniforme pela cabeça e arranquei as calças, junto com os sapatos.
Quando ergui a cabeça, Nathan me olhava. Seus olhos viajavam pelo meu rosto, meus ombros descobertos, meu estômago e minhas pernas. Senti meu corpo esquentar e ansiar por aquilo.
— Vamos? — ele sorriu, oferecendo a mão.
Eu peguei e nós corremos para o mar.
O mar estava morno e caminhamos juntos até a água bater em nossos ombros.
Nathan deu um mergulho e voltou para cima com os cachos pingando água no rosto. Seus lábios estavam mais vermelhos que o normal pelo frio.
Mordi o lábio inferior. Sem saber o que fazer, me sentia mais exposta que o normal apenas com as roupas debaixo.
Nathan se virou. Ele veio até mim e colocou a mão no meu queixo, eu ergui o rosto, pronta para receber mais um beijo, mas ele apenas ergueu a outra mão e passou o dedo pelo meu maxilar, pela minha bochechas e então, meus lábios. Eu fechei os olhos, aproveitando cada segundo daquele toque como se fosse o último.
— Rosie — sua voz saiu sussurrada.
— Hum?
— Aquilo que me disse no bar — Seu rosto estava ainda mais próximo de modo que sentia o cheiro de uísque da boca — Você realmente se apaixonou por mim no primeiro ano da faculdade?
Abri os olhos para vê-lo melhor. Suas pupilas estavam dilatadas e os olhos mais escuros que o normal.
— Apaixonada é um termo forte — falei, passando as mãos pelos seus ombros. Sua pele estava quente. Nathan riu —, mas eu gostava de você... Todas as garotas gostavam.
— Sério?
— Não venha dar uma de humilde.
Nathan sorriu, seus dedos foram até os meus cabelos molhados.
— Por que não me disse nada? — Nathan disse enquanto esfregava a minha nuca. Era difícil me concentrar desse jeito.
— Você, ao menos, me conhece? — balancei a cabeça — Achei que você nunca me olharia mais de duas vezes, digo, olhe para mim, eu não sou o que as pessoas chamam de "padrão"... Quando você falou comigo pela primeira vez, eu não tinha esperanças que fosse durar. Quando viramos melhores amigos, já era tarde demais para confessar, você me considerava uma irmã mais nova.
Nathan assentiu.
— Não gosto de saber que você sofreu por minha causa — ele murmurou.
— Está tudo bem, eu sempre tive sua amizade.
Ele sorriu e me beijou de novo daquele mesmo jeito.
Eu puxei-o para mais perto, passei minhas pernas pela sua cintura e senti sua mão subir pela minha coxa. Fiquei satisfeita em saber que Nathan já estava lá, que ele me desejava.
Nós nos beijamos ainda mais acelerados, nossas línguas se encontraram e a mão de Nathan estava dentro da minha calcinha. Eu gemi contra seus lábios, Nate passou a língua pelo meu maxilar e, depois, pelo meu pescoço, fazendo mil e umas sensações passarem pelo meu corpo.
— O que acha de sairmos daqui? — ele me olhou, a respiração acelerada assim como a minha.
— Eu adoraria — murmurei, porque sua mão ainda estava me tocando. Nathan parou e sorriu. Ele pegou minha mão e voltamos para a areia — Podemos comprar algum vinho e ir para casa — sugeri quando nossos pés alcançaram a areia.
Temi que Nathan dissesse que não, que tinha mudado de ideia e não queria mais dormir comigo. Ao invés disso, ele me olhou e disse:
— É claro — ele soltou minha mão para pegar sua calça preta — Só vamos tentar não lascar o dente dessa vez.
Eu ri, espremendo meus cabelos molhados.
Então, parei. Olhei para Nathan, que sacudia a areia da calça.
— O que foi? — ele riu — Meu cabelo está tão feio assim?
Um arrepio passou pelo meu corpo, senti a marca no meu pulso arder. Não, eu estava delirando. Eu esperava que sim. Isso não podia ser real... A não ser que... Muitas coisas irreais estavam acontecendo comigo nos últimos dias.
— Eu lasquei meu dente no terceiro sábado — murmurei, mas minha voz saiu alta no silêncio da praia — Você estava comigo, mas... não deveria lembrar disso.
Nathan fechou o sorriso. Ele abriu e fechou os lábios duas vezes seguidas, e riu.
— Do que está falando, Rosie?
— Há quanto tempo...? — dei um passo na sua direção.
— Eu não faço ideia do que você está dizendo...
— Não me faça de idiota! — Me surpreendi com meu próprio grito — Por que todo mundo pensa que pode brincar comigo e achar que eu estou bem com isso?!
— Eu não estou... Rosie... O que deu em você? — ele ergueu a mão e pousou na minha cintura, mas meu olhar se manteve firme.
Nathan se afastou, fechou os olhos e apertou a ponta do nariz como se estivesse pensando de que maneira diria o que estava prestes a dizer.
— Isso está acontecendo há cinco dias. À princípio, não conseguia entender, eu estava dormindo no meu carro antes do show... Tive um sábado normal, mas à meia noite, eu voltei ao carro — Nathan explicou, conforme as palavras saíam da sua boca, meu coração acelerou — Eu achei que estava louco, e, depois pensei que era divertido transar por aí e não precisar ligar para a garota no dia seguinte — ele riu, mas sua risada morreu ao ver minha expressão — Não sabia que você também estava revivendo os sábados até encaixar as peças ontem.
Eu quis rir e chorar.
Como eu fui tão idiota em não perceber os sinais? Nathan parecia agir como o mesmo. Todas as vezes, fui eu que fiz a mudança no roteiro. Na verdade se pararmos para pensar, ele era o idiota por demorar tanto para encaixar as peças.
— E você não pensou em me dizer nada? Meu Deus, Nathan, eu disse todas aquelas coisas pra você e nós dormimos juntos e você não pensou...? — Minha voz tremia, meu coração estava prestes a romper o meu peito — A não ser que você esperasse que eu não me lembrasse de nada disso.
Esperei que Nathan dissesse que não. Eu torci para que ele dissesse não. Mas sua expressão continuou impassível.
Coloquei a mão na boca, sentindo meus olhos lacrimejarem. Nessa noite, pensei que ele também me amasse.
Mas pensando sobre as horas antes, Nathan não disse nada quando me declarei, ele apenas me beijou. E na água, ele perguntou sobre meus sentimentos, porém também não disse nada sobre os seus próprios.
Me lembrei do que Danny me disse: Imagino que todo cara como ele precise do seu animal de estimação.
— Digo... — ele passou a mão pelos cabelos — Ontem foi incrível. Eu nunca imaginei que gostaria tanto de fazer isso com você, mas... Não sou o cara de uma mulher, eu não consigo... E, você... Eu não consigo imaginar nós dois juntos... Cacete. Desculpe, Rosie, eu não quis dizer isso — ele se aproximou ao ver meu rosto quando ele disse as últimas palavras. Sua mão tentou pegar meu pulso e eu afastei.
— É óbvio que não — disse, sentindo minha garganta fechar e uma lágrima quente escorrer pela minha bochecha.
Comecei a pegar minhas roupas no chão para que Nathan não me visse daquele jeito. Mesmo depois de tudo que ouvi, ainda me importava com a porra da opinião dele.
Como eu era estúpida.
Apaixonada e estúpida.
— Rosie — Nathan disse — Vamos esquecer isso. Estávamos indo tão bem.
— Não! Eu não sou a porra do seu vira-lata que você pode dizer o que quiser e eu vou perdoar no minuto seguinte! — berrei, sem me importar em tropeçar nas palavras — Eu estou cansada, Nathan, estou realmente cansada! — gritei, as lágrimas desciam pelo meu rosto, meu nariz escorria, mas eu não ligava.
— Rosie...
— Me esqueça, Nathan. Você tem razão, eu não chego aos seus pés — falei e dei as costas.
— Rosie, ao menos me deixe te levar pra casa! — ele gritou.
Eu continuei andando até alcançar a calçada, ainda com minhas roupas íntimas. Pensei que Nathan viria atrás de mim, uma parte torceu para que ele viesse como a idiota que eu era.
Eu chorei, parei para vestir minha roupa e chorei ainda mais enquanto andava de volta para casa, mas eu não me importava mais.
Não vi o dia passar, chorei no meu travesseiro durante a noite, não fui ao orfanato, não saí de casa. E, mal percebi quando o relógio indicou meia noite.
Então, era assim. O fim do loop.
No domingo, eu vesti meu uniforme, ele ainda cheirava ao mar, mas tentei ignorar a noite retrasada e fui para a casa de repouso. Não sei exatamente como cheguei lá, meus pés apenas me levaram. Minha consciência estava em outro lugar.
Assim que entrei no Lugar Feliz, passei o cartão, marcando minha chegada. E percebi, no balcão, uma caixa velha com uma cruz preta que eu reconhecia de um lugar.
Theresa.
Eu me aproximei. Tudo que estava no quarto de Theresa foi transferido para aquela caixa. Franzi o cenho. Por que fariam isso...? Se conhecesse bem Theresa, ela mataria qualquer um que ousasse pegar suas coisas.
— São os pertences de Theresa. Íamos mandar para os filhos dela, mas ninguém atendeu — Era a voz de Danny.
Eu me virei na sua direção. Ele estava com os cabelos pretos jogados para trás com gel e os olhos verdes pareciam enxergar dentro de mim.
Danny era magro, mas, hoje, seus músculos foram ressaltados pelo uniforme. Ele estava bonito. Ele sempre tinha sido tão bonito assim? Se sim, como eu e Helena não tínhamos visto antes?
— O que houve? — franzi o cenho.
— Ela morreu no sábado — falou.
Apertei o meu pulso.
— Que horas foi isso?
— Acho que meia noite — ele deu de ombros — Não me lembro bem.
Theresa morreu todo sábado que eu reiniciei? Mas se me lembrava bem, Helena disse que a Theresa queria falar comigo e isso foi depois da meia-noite. Algo parecia errado nessa história.
— Você está bem, Triggs?
Balancei a cabeça para espantar aqueles pensamentos.
— Você não parece bem. Seus olhos estão inchados.
— É, bem, foi um dia difícil — engoli em seco — Pode me criticar à vontade.
— Você tem uma péssima opinião sobre mim — ele riu fraco — Na verdade, eu vim aqui para te pedir desculpas.... — Danny ajeitou os óculos no rosto. Eu ergui as sobrancelhas — Por ontem, por dizer aquelas coisas sobre Nathan. Eu percebi como aquilo te magoou e me senti um lixo.
Fiquei sem fala. Definitivamente não esperava isso e, no mesmo momento, quis chorar, porque Danny se importou comigo quando nem meu melhor amigo se importou.
— Esqueça, Danny. Não foi nada — sorri de lado, mexendo na cruz de Theresa na caixa.
— Não, foi alguma coisa — ele deu um passo para frente. Éramos quase da mesma altura — Rosie... Eu estava pensando... — ele coçou a nuca — Podíamos... não sei... sair qualquer dia? Se você quiser, é claro... Não quero que faça nada que...
— Ok — disse, de repente, sentindo vontade de rir. Nunca tinha visto Danny tão decomposto —, mas por que agora? Pensei que me odiasse.
— Longe disso — ele sorriu e percebi que seus dentes da frente eram maiores que os outros, o que o deixava mais charmoso ainda — Eu sempre fui afim de você.
— Não me pareceu isso.
— É, eu lido de forma engraçada com emoções.
Eu ri.
— Eu sei que sou esquisito e que as mulheres como você preferem caras como Nathan. A única forma de fazer você prestar atenção em mim era te irritar até você enlouquecer — admitiu, mordendo o lábio inferior — Ah, merda. Desculpe, isso é idiotice, não é? Deveria ter ido falar com você no momento em que te vi pela primeira vez, comendo yakissoba na sala de descanso e com a boca suja de molho shoyo.
Eu ri. Não me lembrava disso. Na verdade, nem me lembrava de quando Danny chegou na casa de repouso. Sabia que não fazia muito tempo, mas não conseguia pensar numa data exata.
Que esquisito. Não sabia nem dizer se foi antes ou depois de Theresa chegar.
Não importava.
Danny e eu éramos mais parecidos do que eu pensava e não fazia ideia de como nunca tinha reparado bem nele. Ele era bonito, fofo e não jogaria na minha cara minha maior insegurança.
— Eu também não sou boa com sentimentos — falei. Percebi que ainda estava com a mão na cruz e eu tirei — Quinta-feira é minha folga.
— A minha também — ele enfiou as mãos nos bolsos da calça — O que acha de um piquenique no parque do centro?
— Ótimo — sorri — Te vejo lá, Danny — Virei as costas e estava prestes a me afastar, mas girei os calcanhares.
Danny ainda estava parado me encarando. Eu fui até ele, agarrei seu rosto e o beijei. Ele pareceu surpreso por alguns segundos, mas retribuiu o beijo.
— Se eu soubesse que era assim, teria te chamado para sair com o shoyo e tudo.
Eu ri, me sentindo mais leve de tudo que aconteceu no sábado. Danny colocou a mão no meu rosto e me olhou no fundo dos olhos, suas íris verdes pareciam brilhar de tão claras que estavam.
Um arrepio desceu pelo meu corpo e o meu pulso ardeu.
— Já era tempo de você perceber com quem realmente pertence, Rosie — ele acariciou minha bochecha — E você só precisou repetir o mesmo dia cinco vezes.
— O quê?! — gaguejei, tentando me afastar, mas Danny apertou minha cintura, segurando meu corpo contra o dele — Como você...?
— Ah, droga. Terei que me explicar agora — ele suspirou.
Arregalei os olhos, sem entender o que Danny dizia. Seu rosto assumiu uma expressão medonha que nunca tinha visto antes.
— Eu cheguei nesse mundo de forma engraçada, sabe? Confuso e assustado. Coisas horríveis acontecem o tempo inteiro aqui. Eu sou filho dessas coisas, mas elas não me agradam do jeito que agradam os outros — disse, pensativo — Então, eu me senti atraído até esse lugar. Eu vi você e soube no mesmo momento que você pertencia a mim e eu pertencia a você, mas você insistia em estar com Nathan!
— Quem é você? — murmurei, mas, no fundo, acho que sabia a resposta.
— Não importa, Rosie, eu posso te dar tudo agora — ele passou o dedo pela minha bochecha. Seu toque era diferente de Nathan, sua pele era fria e áspera — Eu fiz tudo isso por você. Eu queria que você visse a verdade sobre Nathan, mas não queria te manipular. Queria que descobrisse sozinha... Até sujei minhas mãos com Theresa por você.
— Você matou Theresa? — perguntei, sentindo o ar escapar dos meus pulmões. Queria sair dos seus braços, mas não conseguia, uma força maior me segurava ali, perto de Danny.
Mas ele não era Danny. Era uma outra pessoa. Uma coisa. Acho que Danny nunca existiu e todo esse tempo algo maligno estava convivendo comigo e Helena.
As palavras de Theresa voltaram com violência a minha mente: Os verdadeiros deuses são imortais e comem, trabalham, convivem com a gente sem sabermos. Eles nascem dos piores sentimentos humanos, da tristeza, da vingança, da fúria... E são poderosos. Como são poderosos! Eles controlam esse universo como o titereiro controla a marionete e nós somos os brinquedos favoritos deles.
Eu não dei bola para as palavras dela no começo. Ela estava tentando me avisar, não era? Todo esse tempo, Danny era uma dessas criaturas e ele estava me perseguindo. Agora, a Theresa estava morta, porque tentou me ajudar.
— Ela soube quem eu era no mesmo instante. Algumas pessoas têm sensibilidade para ver coisas místicas, eu não consigo entender... — ele estalou a língua.
— Me solte — murmurei, tentando mexer minhas mãos para acertá-lo ou quebrar aquela força invisível que continuava me segurando. Me senti impotente, desesperada.
— Rosie, você não está cansada? — ele disse com a voz tão doce que poderia parecer humano. Seu dedo frio escorregou pelo meu pescoço — A vida inteira, você se sentiu deslocada. Nunca foi aceita de verdade na sua família adotiva, nunca sentiu prazer no trabalho, mesmo seu melhor amigo não te aceitava de verdade... Você não vê, querida? Esse tempo todo, é a mim que você pertence. Eu a vi como ninguém jamais viu e ninguém jamais verá.
Algo nas suas palavras me confortou. E eu não sabia dizer se era seu poder agindo sobre mim ou apenas o cansaço de fingir ser alguém que eu não era por tanto tempo.
— Me largue — repeti com a voz trêmula.
— Um dia você irá entender. Até lá, vamos fingir que nada aconteceu — ele falou, então me beijou de novo.
Senti minhas memórias sendo arrancadas de mim, como o sonho que eu nunca conseguia lembrar...
O que eu estava fazendo aqui?
Eu abri os olhos e me afastei de Danny. Seus olhos brilhavam. Senti uma dor na lateral da minha cabeça, a sensação estranha de que esqueci uma coisa importante como a porta aberta em casa ou de trancar Chandler no quarto.
— Tudo bem, Rose?
— Sim... — murmurei, balançando a cabeça para espantar a estranheza — O que eu estava dizendo mesmo?
— Que deveríamos nos beijar outra vez — ele sorriu.
Eu ri e me afastei.
— Quinta-feira — disse, sentindo a ansiedade crescer no meu corpo — Obrigada por me salvar de uma semana ruim.
— Sempre.
Parecia exagero. Mas, de alguma forma, tive a sensação de que Danny tinha acabado de me salvar.
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