Capítulo 10
Importante: esse capítulo a partir do toque do * é sensível. Cuidado com o possível gatilho!
Obrigada por terem chego até aqui,
Adoro vocês ♡
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Louis não dormiu direito aquela noite, ele se sentia agitado. Acordou mais cedo do que deveria na casa de Mark e antes que fosse visto por ela em casa e fosse obrigado a juntar-se para o café da manhã - Louis estava completamente sem apetite e não há má intenção em fugir, ele só não quer ver gente no momento e ser obrigado a falar mais do que as paranóias que rondam seus pensamentos - o garoto foi embora e dirigiu até o dormitório para guardar o carro, dar comida a Olivia, pegar material para as aulas daquela manhã e seguir sua rotina.
Louis não sabe que agonia é essa. Ele não entende. Desde que Harry saiu do carro na noite anterior, depois do momento compartilhado no Vondelpark, Louis carrega essa ansiedade que é algo como se ele precisasse muito de algo que nem sabe o que é. Essa falta, essa necessidade, está mais para uma espécie de abstinência do que tristeza. Embora o deixe visivelmente cabisbaixo.
Quando chegou no bloco dois, não havia ninguém na sua cobertura. Ele achou estranho que nem Bleta estivesse por lá, considerando os planos para a noite anterior, mas não haviam sequer indícios de sua amiga pelo apartamento. Louis caminha tropeçando em Olívia que fica se esfregando em seus tornozelos e o seguindo manhosa e brincalhona como é. O jantar romântico que Bleta preparou ontem estava intocado e embalado dentro da geladeira. Louis juntou as sobrancelhas confuso quando descobriu também que o registro dos filmes da Netflix continuam os mesmos, o quarto de Sam está aberto pela primeira vez e limpo.
São sete da manhã e Tomlinson não acha que Samuel saiu mais cedo que isso para o treino ou que conseguiu arrumar tão bem o quarto em pouco tempo. O amigo obviamente não dormiu ali, não há ninguém em casa além da gata. Louis vai para o próprio quarto pegar suas coisas para tomar banho antes de sair e envia mensagens para os dois amigos, perguntando se estavam bem.
Samuel não responde e nem atende o telefone. Bleta responde um "Nada bem, mas eu te conto mais tarde, não estou com cabeça para isso agora."
Aparentemente o jantar foi um fracasso.
Depois do banho ele alimenta Olivia, se veste e pega um moletom com touca para cobrir os fones de ouvido. Saiu do dormitório, passando pelo lobby lotado de alunos com menos pressa do que ele, que atravessa os blocos olhando para baixo. Assim como Bleta, Louis também não está com cabeça para nada. Ele não quer falar com ninguém e assim, evita contato visual e senta distante de todos durante a aula.
Isso tudo é um pouco de mau humor por dormir pouco e também frustração, misturado nesse sentimento que ele nem consegue distinguir.
Se ao menos pudesse entender a bagunça em sua cabeça, poderia ser mais fácil. Que coisa é essa de sentir vontade de estar num outro lugar onde nem sabe qual é? De ter algo que ele não consegue especificar, de sentir que talvez toda aquela dor que vinha sentindo no peito seja algo arrancado à força dali?
Há um pedaço seu, não identificado, faltando.
Ele deseja esse pedaço de volta.
O problema é que ao mesmo tempo a sensação é de que esse sentimento vazio sempre esteve vazio sem ser notado. Sempre esteve oco a vida toda até se tornar comum e ele não reconhecia a falta. Agora é como se ele tivesse um vislumbre do que precisa e não consegue recuperar totalmente, não consegue tocar e encaixar dentro de si novamente.
Foi meio patético quando não aguentou mais e durante a aula se desdobrou para não parecer mal educado ou desinteressado na aula da professora empolgada, apenas para pesquisar em seu celular a palavra na língua portuguesa que viu em algum momento da vida, talvez num documentário ou num livro, que tem um significado mais amplo e útil. A palavra que só existe naquele idioma e que só tem definição exata quando se é sentida. Ele morde o polegar enquanto a pesquisa carrega na internet lenta e vez ou outra Louis olha para frente disfarçando e fingindo interesse na aula.
Saudade.
É isso aí, Louis Tomlinson tem saudade enraizada na pele, no peito, no ser.
Mas saudade do quê?
Ele se sente louco, acha que está surtando e não sabendo lidar consigo mesmo, com os próprios sentimentos.
Sem pensar muito, durante a troca dessa aula, Louis envia uma mensagem a Harry. Só para falar com ele de alguma forma. Só para saber se ele está bem. Só para ter algum contato, um pouco dele, um pouco de alívio.
Harry responde que está bem, está dando aula para outra turma e depois de conferir se Louis também está bem, eles combinam de se falarem mais tarde para agora voltar a suas tarefas. Tomlinson se sente meio bobo só porque Styles usou emoji de coração azul ao fim da conversa. Ele devolveu com um verde, porque... porque sim. E o resto da aula foi um pouco mais do mesmo, sobre estar agitado, confuso, ansioso, com saudade e agoniado. Só que agora ele está ansioso a ponto de chacoalhar as pernas num ritmo de pressa o restante da manhã, porque mais tarde ele combinou de trocar mensagens com Harry e ele queria que "mais tarde" significasse agora.
Durante o almoço Louis combina de encontrar Bleta para eles conversarem e estranha quando chega na extensa mesa de sempre e não há ninguém lá além dela. O casal dez está ausente, Zaki e Gemma também não estão ali e Samuel não está nem mesmo na mesa do time da universidade.
Louis sentou de frente para Bebe e ela nem retira os fones ou lhe cumprimenta. Continua revirando a comida no prato até que o garoto repare a nuvem negra pairando ali.
- O que tá rolando? - ele debruça na mesa e tira os fones do ouvido dela, mas ela recupera ainda lhe ouvindo e respondendo com um tapa em sua mão além da voz irritada.
- O problema é não ter rolado nada. Por que não me ligou ontem a noite?
- Queria deixar você e Sam aproveitarem o suficiente.
- Aproveitar - ela riu sarcástica - aquele imbecil me deu um fora.
- O quê? Ele não-
- Sei lá, ele entrou em pânico e eu também?
- Explica direito.
- Quando o Sam percebeu a intenção do jantar já me interrompeu para avisar que não poderíamos ser outra coisa além de amigos, para não estragar tudo, depois foi para o quarto dele e me deixou sozinha até eu absorver e ir embora. Isso é tudo. Gemma até perdeu aula hoje porque madrugou me ouvindo desabafar. Só que, você sabe que eu não corro atrás de homens, você sabe que eu não vou me abalar por um cara outra vez!
Ela tagarelou e usou uma entonação divertida, como se não fosse nada demais, mas é claro que é. Bleta não sai com alguém desde o ensino médio quando o pior dia deles aconteceu.
Foi a primeira festa que os dois foram juntos, na casa de um dos alunos da escola. Bleta estava saindo com Adam, o típico popular com o nariz enfiado no próprio umbigo. A garota estava super animada, alegre e também cega pelo deslumbre da paixão. Louis nunca gostou de Adam, porque desconfiava da índole do idiota. O cara embebedou ela, levou Bebe para o quarto e tentou forçar sexo, mas Louis chegou a tempo. Houve briga, socos, palavras ruins, confusão. Ainda que Louis tenha evitado o pior o trauma ficou para a melhor amiga. Para não se ferrar diante a escola toda, Adam foi esperto espalhando fotos íntimas de Bebe e também boatos sexuais dela - embora os dois nem sequer tenham transado em algum momento do breve relacionamento - O pior é que ela realmente estivera apaixonada. Foi um processo difícil se recuperar dessa desilusão e ainda conviver com a vergonha da mentira com os colegas de escola rindo pelos ombros dela e acima disso tudo, lidar com o trauma do assédio.
Dói em Louis lembrar a dor de sua melhor amiga, que também refletiu nele porque seu amor por Bleta faz coisas desse tipo: um pouquinho do que ela sente, dói nele de jeito diferente, mas quase tanto quanto insuportável.
Rexha se fechou para relações e não deu mais chances para si mesma, mas agora que finalmente deixou-se levar deu errado e vai fingir que não afetou, como um mecanismo de defesa bruto.
Louis nunca esteve em um relacionamento, mas ele é admirador deles e acha que entende o suficiente para saber identificar uma defensiva acontecendo. Assim como a defensiva de Harry, que tenta se proteger de magoar ou ser magoado. Embora a razão disso Louis não saiba, a ação de defesa ele reconhece.
Tomlinson respira fundo e Rexha oferece a comida intocada para ele, que nega com um gesto de cabeça. O único segundo que ela não conseguiu manter contato visual, Louis percebeu ter algo a mais de errado na história.
- Você está me escondendo alguma coisa?
- Você não acha que ele é estranho?
- Em que sentido?
- Vive trancado naquele quarto e quase não fala sobre si mesmo, está sempre ouvindo demais e falando de menos.
- O que você acha?
- Que tem um grito de socorro escondido debaixo daquele silêncio.
Louis une as sobrancelhas e os dois não falam muito pelos próximos minutos, cada um pensando sobre os detalhes que deixaram escapar.
- Eu acho que eu estou me apaixonando por ele por me identificar, você sabe. Acho que nós dois estamos tentando sobreviver debaixo de escombros, eu posso o sentir, mas não sei se tenho forças para tirar Sam de lá porque eu nem tenho certeza se consegui sair completamente daqui debaixo, Lou.
Ele fez um gesto de cabeça em compreensão e brincou com os próprios dedos, pensando nisso tudo, sobre traumas, sobre pedidos de socorro mudos, sobre a força que existe nisso e que não é efêmera, não é besteira. É incrível como essas pessoas podem sorrir no dia a dia e esconder suas dores nas curvas dos lábios e comentários alegres, em como elas ainda tentam serem boas e ainda continuar ali para ver o próximo nascer de sol amarelo.
Essas pessoas estão cansadas de tantas rasteiras, de tentar e tentar vencer o mal incansável e persistente. Mesmo assim, elas nem percebem que há uma fagulha de esperança queimando em seus corações, sustentando outro dia nascido.
Esperança.
A lembrança que assume o controle do subconsciente de Louis, dessa vez, o deixa nauseado.
Os cabelos de Harry são compridos e cacheados e Louis não consegue reparar em mais nada além disso e dos olhos verdes brilhando em lágrimas. Harry está sussurrando com um sorriso triste enquanto segura seu rosto com carinho "O nome do amanhecer será o mesmo nome que o dela, para a humanidade não se esquecer que graças ao nosso amor ela é um lembrete para que ninguém desista, mesmo que inconscientemente e mesmo que se negue a fé, ela é um presente infinito do amor a nós dois e aos humanos. Ainda que em seu último suspiro de vida, a esperança não vai morrer, Lou, nós iremos protegê-la. Eu te prometo."
A miragem daquela cena rodopia sem parar em sua cabeça e ele repassa uma, duas, três, dez vezes as mesmas palavras sem entender o sentido. Sem entender que porra era aquela.
Ele está louco, ele está ficando cada vez mais maluco. Isso não existe! Ele não pode relembrar tão nitidamente de um momento que não existiu. Essas coisas são absurdas!
Louis está com os punhos cerrados, olhos submergido em lágrimas e a respiração descompassada. Bleta nem repara, ela continua olhando para baixo e brincando com o prato e os fones de ouvido de volta encaixados, soando alto até para Louis que não os veste.
É tempo para inclinar a cabeça contra a mesa e respirar fundo até que ele pare de tremer e o surto desapareça, mas não acontece totalmente. Passou tempo o suficiente para conter as lágrimas e parecer menos esquisito, mas os pensamentos ainda estão impregnados em si.
Se ele for enlouquecer, que seja sozinho, sem preocupar Bebe que já está péssima e sem que pareça como um desesperado por contatos naturais e sobrenaturais com Harry Styles.
Quando ergue a cabeça o restaurante universitário está quase vazio e Bleta afastou o prato há tempos, só está mexendo no próprio celular até ler algo na tela que a fez lembrar da fofoca para contar a Louis.
- Você não sabe o que aconteceu!
- Não saberei mesmo se você não me contar.
Ele não contém o mau humor, mas é que está difícil pensar e respirar durante o dia todo. A cabeça parece prestes a explodir.
- Vai saber porque na universidade não se fala de outra coisa.
- Do quê?
- Lembra de falarmos no almoço de ontem sobre aquela instituição que Aruna e Zaki estavam tentando arrecadar uma grana? - ele afirmou num gesto de cabeça já suspeitando onde a conversa ia dar - Grafitaram os muros daqueles empresários que negaram doação com acusações diretas sobre eles recusarem doações por xenofobia e racismo.
- Como sabem que foi alguém de dentro da Universidade? - Louis engoliu em seco, tentando não se entregar.
- Deixaram para trás o cartão eletrônico da porta do bloco três dos dormitórios e sabe quem ocupa um quarto daquele bloco?
- Zayn Malik?
- Sim, mas além dele, também o Zaki Ahmed - o modo de falar dela é só curioso, como se estivesse dando uma de detetive. Na verdade essa impressão embrulha o estômago de Louis. O coração dele dispara na culpa.
- Não.
- Sim e essa não é a pior parte. Dizem que na fuga um dos policiais por acidente atirou no braço do colega, o que torna a ação toda ainda mais escandalosa - Louis soltou um palavrão e ela continuou explicando sem perceber o desespero dele - o policial está bem, mas agora estão investigando quem foi o aluno e ele corre risco de ser processado e expulso da Universidade. Alguns dos empresários também eram patrocinadores do time da uni e eles irão cortar a relação se for provado que o vândalo era aluno daqui.
Louis repassa a noite anterior na cabeça bagunçada. Ele esteve tão ocupado flertando com Harry e tentando transformar a noite deles em algo a mais que esqueceu completamente da gravidade, de Zayn Malik lá. O pior não é só isso, é sobre alguém sair ferido e resultar num desastre oposto ao efeito que ele gostaria de ter causado com o protesto e além de tudo, um inocente sendo acusado injustamente em seu lugar.
- Por que você suspeita de Zaki? Pode ser qualquer outra pessoa!
- Ele é quem estava interessado nessa coisa de doações junto com Aruna e ele também é aluno de Artes Plásticas, porque cara olha esses desenhos!
Bleta estende o celular para Louis ver o desenho que ele sabe bem qual é. Um sombreado ligeiro de refugiados em um barco navegando entre prédios da cidade e os tubarões são engravatados. No barco frágil está gravado com as palavras "xenofobia" e "racismo" onde os povos navegam na tentativa de sobreviver dos predadores naquela cidade e ao invés de assinaturas há uma hashtag com #AllWeHaveIsUs em branco e vermelho sangue.
Louis devolve o celular e grunhe.
- E daí? Ele não pode ser o primeiro suspeito!
- Quem mais seria? - ela pergunta genuinamente interessada na opinião dele, mas conforme a feição de Louis desmancha e o entrega, quem xinga é Bleta ao se dar conta do óbvio - Eu não acredito que foi você, Louis Tomlinson!
- Shiiiu - ele balança as mãos no ar para calar os gritos e gargalhadas dela. O pouco de gente restante no restaurante não parece ter notado, ele está quase aliviado se não fosse a culpa o sufocando - Não tem graça, eu preciso consertar essa merda antes que alguém se ferre por minha culpa.
- Eu tô rindo de desespero, porque a coisa é séria! Os garotos do time estão na mesa deles agora mesmo, jurando que se caso perderem o patrocínio irão acabar com a vida de quem grafitou o muro.
- Eu tenho que fazer alguma coisa!
Louis passa as pernas por cima do banco comprido, se levanta num salto e praticamente corre na direção da reitoria com Bleta indo atrás dele carregando a bolsa dela e o caderno de desenho dele. No caminho, Tomlinson percebe que o ritmo rotineiro continua o mesmo para os outros. O vai e vem nos blocos, a movimentação do estacionamento, os corredores lotados, uma fila de espera para atendimento na coordenação. Ele precisa sim esperar como qualquer outro, mas usa do desespero e a vantagem de ser filho da reitora para avançar e entrar na sala novamente sem bater. Bleta vem junto, porque sabe que Louis vai precisar dela.
Mark está de costas, com a mão na cabeça e respondendo profissionalmente ao telefone. Ela diz um nome, responde sempre em concordância rendida ao agrado e Louis descobre segundos depois que isso é porque a conversa é com o chefe de polícia. Mark está desesperada para resolver o problema sem causar alarde em manchetes. Quando termina, ela respira fundo com a feição cansada e mal olha para seu filho paralisado pelo medo no canto da sala.
- Louis, você precisa esperar e avisar como todo mundo, eu já te disse isso mil vezes.
- Tenho algo extremamente urgente a confessar.
A reitora se interessa e estreita os olhos, sem esperar pelo pior. Louis é do tipo que apronta, mas sempre por uma boa causa e no fim das contas ela só fica irritada por ele ser desobediente. Só que agora é diferente. Louis tem noção da proporção de seu erro e o quanto ela ficará irritada. Alguém saiu ferido, pessoas foram prejudicadas, ele cometeu um crime sem nem medir as consequências. Ele passou dos limites. Esse olhar de Mark que sabe que o filho aprontou, mas não espera muito, deixa Louis desesperado porque ele não sabe o que virá depois. Bleta sussurra o nome dele para o incentivar e Louis diz não tão logo de uma vez, tomando coragem.
Sua melhor amiga está tensa como ele e Mark se inclina esperando que o filho continue o que tem a dizer. Quando termina de contar sua participação, sem citar o nome de Zayn e assumindo toda a culpa sozinho, Mark respira fundo com o rosto entre as palmas das mãos. Ela leva um longo tempo raciocinando desse jeito, com os cotovelos apoiados na mesa e tentando manter a calma para não gritar com o filho.
Louis sente o peso na consciência esvair, apesar de ainda carregar a culpa, mas ele está relaxando mais porque o pior de tudo que é admitir seu erro, já passou. As consequências viriam de um jeito ou de outro.
- Me dê as chaves do seu carro, agora.
As pulseiras nos braços dela fazem barulho quando a reitora estende a mão e apesar de esperar um castigo, ter o carro confiscado é o único que Louis não esperava.
- Mas eu preciso do carro, pai - ele choramingou.
- Você mora em Amsterdã, vai sobreviver de bicicleta. Além disso, me devolva os cartões de crédito - ela bate a palma sobre a mesa para ele deixar lá e Louis entrega os três - fique com um, você precisa comer. Agora tanto você quanto o cúmplice que cometeu esse absurdo e que o mocinho não quer dizer quem é, vão ter que pensar num meio não ilegal de arrecadar dinheiro para o time de futebol da universidade, já que perdemos os principais patrocinadores e aqueles garotos estão me cobrando soluções urgentes. Isso é o que eu estou te fazendo como pai, Tomlinson, porque as consequências dos seus atos na lei e na instituição eu vou tentar contornar como reitora e não sei se posso fazer muito para te proteger.
- Me desculpa - ele já está chorando e Mark se mantém séria, sendo sempre rígida como é.
- Estou muito decepcionada com você, filho.
- O que vai acontecer agora?
- Mais tarde você vai depor na delegacia, por enquanto eu acho que o conselho irá concordar com uma semana de suspensão.
- Uma semana?!
Ela o ignora categoricamente e encerra a conversa, voltando aos papéis e telefone e Louis saiu da sala de ombros caídos e cabeça baixa. Bleta o segue segurando sua mão.
Se Mark tivesse gritado com Louis teria sido melhor, mas ignorar é ainda mais doloroso. Ele sabe que ela não está ignorando de verdade, que no fundo está tão chateada que só não suportará olhar para ele até que a decepção seja dissipada. Apesar de ser rígida, de lhe dar uma educação meticulosa e de ser uma excelente profissional, Mark tem um coração gentil e sensível. Sair daquela sala de mãos dadas com a melhor amiga sem uma reação que alivie a raiva de Mark de uma vez ao invés de acumular no silêncio, deixa Louis tão agoniado quanto quando ali entrou. Ele acha que merece isso.
Não foi antes de deixar o prédio que Bleta e Louis pararam no caminho e se entreolharam, ouvindo risadas maldosas e o barulho de madeira partindo.
- Você também ouviu?
- É o Zaki - Louis encontrou o garoto no início do corredor, dividido entre parar de tremer e pegar a tela de uma pintura quebrada no chão - o que aconteceu, cara?
- Você não ouviu os boatos? Todos pensam que eu fui o responsável por arruinar o patrocínio do time da Universidade e por fazer o policial ter se ferido, então eu pintei esse quadro e ia pedir para a reitora entregar ao policial como uma forma de desculpas da instituição, mas- ele ofegou e não demonstrou fragilidade. Muito pelo contrário.
Zaki é um garoto forte e depois de todas as coisas que viu antes de se refugiar na Holanda, todas as crianças traumatizadas que ele ainda vê diariamente na instituição, o fez bem mais forte do que isso. Além de todo o preconceito, o racismo, a xenofobia diária numa universidade onde quase 90% dos alunos são brancos, que é óbvio que dói e machuca, mas também o deixa indignado e dá para ver isso estampado em seus olhos. Não é fragilidade, é a dor e a indignação que estão refletidas.
- Deixa pra lá, hoje foi um longo dia.
- Nós não deixaremos para lá - Louis garantiu - eles tentaram te intimidar e isso não pode ficar assim!
- Eu tropecei e o quadro caiu.
- Mas você tropeçou por que? - Bleta já ligou os pontos.
- Eles me encontraram de longe e insinuaram que as coisas não ficariam fáceis para mim depois de eles se prejudicarem pelo o que eles pensam ser culpa minha. Eu só me assustei e fui atrapalhado, mas eles não encostaram em mim. Do quê vocês querem que eu os acusem? Eles são filhos de gente importante, vocês não podem me entender.
- Você sabe melhor do que eu o quê foi que eles fizeram.
- Racismo velado, mas que provas eu tenho? - a feição de Zaki muda para uma mágoa raivosa, ele deixa o quadro nas mãos de Tomlinson, acena brevemente com a cabeça uma despedida e se afasta o mais rápido possível, antes mesmo de Louis poder pedir desculpas e assumir a culpa do protesto da noite anterior para Zaki.
Louis olha para o quadro quebrado e passa levemente o dedo sobre a pintura ainda molhada. Apesar do barulho do impacto que ele não viu, só a moldura quebrou, embora parte do desenho perfeito tenha borrado.
Era um retrato abstrato, algo que um artista sensível pode metaforizar de maneira tão linda e significativa, mas como Harry disse a Louis um dia, a interpretação de uma obra é bem ampla. Ele vê amarelo ali, mas vê vermelho e laranja. Cores fortes, como um desejo de força ou como um lembrete dessa força. Louis talvez consiga restaurar, mas ele acha que esse é um direito de Zaki, por isso decide que guardará em seu apartamento para o devolver mais tarde, quando estiver mais calmo.
Agora Bleta vai para a aula e Louis ao bloco dois, já que está suspenso pela próxima semana.
Ele deixa o quadro de Zaki protegido no tripé que há em seu quarto, tira o All Star com os calcanhares e se joga na cama de barriga para baixo. O cabelo dele está uma bagunça, mas não mais do que o seu coração.
Dá para fazer uma lista agora e ainda assim ele acha que irá se esquecer de algo nela: Mark está decepcionada, Zaki está se ferrando por sua culpa, Bleta e Sam estão infelizes, ele foi suspenso e perderá matéria, Zayn sumiu, Louis está obcecado pelo professor de história que domina seus pensamentos, sonhos e que tira sua sobriedade, lhe causando a sensação de... saudade.
Ele nem sabe quanto tempo ficou ali de olhos fechados pensando nisso tudo, mas dormiu. Um barulho de porta batendo e Olivia miando o acorda em algum momento, só que grogue é impossível dar atenção àquilo e Louis cochilou de novo. Ele tem certeza que dormiu pouco até acordar de novo babando e enjoado, num milésimo de segundo a primeira coisa que ele pensa quando desperta é enviar mensagem a Harry como prometido, mas o motivo real de acordar é descoberto no grito de Niall e Aruna pedindo ajuda.
O coração dele acelera assustado e pelo barulho alto de porta batendo, o choro desesperado de Aruna e Niall gritando, Louis nem pensou e correu descalço e deslizando pelo quarto até o corredor.
Aruna está ajudando Niall a arrombar a porta do banheiro. Ela diz coisas estranhas como "eu posso sentir que ele está lá, ainda há tempo" ou "chama o meu pai para dar tempo!"
Quando Tomlinson reage para ajudar eles ao entender a situação, Niall já derrubou a porta do banheiro que entorta para o lado de dentro e grita um palavrão. A poça de sangue não cessa e a luz está apagada. Aruna manda Niall chamar uma ambulância e ela corre estancar o sangue escorrendo dos pulsos brancos feito uma torneira, sabendo bem como fazer.
Tudo se torna só um borrão. Louis está desesperado e não aguenta sequer ouvir Aruna chorar ou Niall gritando para a emergência no telefone. Como ele não viu ou ouviu antes? Ele poderia ter impedido? De tanto tremer a sua visão embaça e Louis cai de joelhos ao lado do corpo de Samuel, imóvel e aparentemente sem vida na banheira.
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