28
Winter's pov:
"Meu único desejo no mundo é que seus olhos tragam a luz para mim."
Alguém chama meu nome. Tento abrir os olhos. Eles estão pesados e parecem irritados. Eu me lembro vagamente de estar em um lago. Mas que cheiro é esse?
— Ela está acordada — ouço minha tia dizer. Finalmente consigo abrir os olhos, mas preciso fechá-los por conta da claridade. Depois de alguns instantes torno a abri-los.
Olho em volta. Yongsun parece exausta. Minha mãe está ali com ela. Os olhos dela estão vermelhos. O cabelo da minha tia está despenteado. Minha mãe está com a postura rígida.
— Vocês duas estão com uma aparência horrível.
Minha tia solta uma das suas risadas tristes. Minha mãe aperta a minha mão. Respiro fundo, chega a ser irônico que nosso reencontro seja em um hospital. Mas infelizmente parece que somente com situações desagradáveis posso conseguir esse feito.
Estou lutando para dissipar a névoa na minha cabeça, tentando me lembrar das coisas. Então, a maioria das lembranças volta. Ouço o sinal sonoro de uma máquina no mesmo compasso do meu coração. Olho em volta. Estou na UTI. Reconheço a decoração asséptica do hospital.
Olho para minha tia.
— Estou rejeitando o coração… — digo, reticente.
Ela balança a cabeça.
— Você estava. Mas está se recuperando. A febre está cedendo. A pressão sanguínea está mais alta. A dra. Moon disse que isso é um bom sinal.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Dois dias — diz minha mãe. Vejo de novo seus olhos injetados.
— Vocês precisam dormir.
— Estamos bem. — Ela sorri, mas nós duas sabemos que isso é mentira.
— Vocês não me parecem bem — digo.
— Por quê? — Yongsun pergunta. — Não gostou do meu novo penteado? — Ela passa a mão no cabelo e endireita as costas. — Pensei que você tinha dito que eu continuo atraente até em situações desagradáveis.
Tento sorrir, mas não consigo.
— Posso beber água?
— Lascas de gelo. Trouxeram apenas para o caso de você acordar.
Minha mãe coloca uma lasca na minha língua. Está molhada e é maravilhosa.
— Onde está meu pai?
— Precisou voltar para Busan, porque não podíamos os dois se ausentar do escritório por muito tempo. Mas tenho o mentido informado sobre tudo.
Abro a boca, mas me sinto fraca como a muito tempo não me sentia. Não tenho energia para fazer mais nada. Minha mãe coloca outra lasca de gelo na minha língua.
— Jimin e Yizhuo estão aqui. — Yongsun comenta.
Eu assinto com a cabeça e então me lembro. Ergo os olhos.
— Faça irem embora.
— O quê? — Ela pergunta, confusa.
— Diga para irem embora. Não quero ver ninguém.
— Mas querida…
— Estou falando sério. Não quero elas aqui. Elas não têm de passar por isso.
— Passar pelo quê? — Pergunta minha mãe.
— Isso! — sibilo, porque minha garganta dói. Meu coração dói. Minha alma dói.
— Fique calma.
Olho para minha tia.
— Faça irem embora, Solar. Por favor. — Insisto, sentindo as lágrimas começando a rolar pelo meu rosto. — Já é horrível que vocês duas tenham que ver isso. Por favor, faça elas irem embora! — Ouço o monitor cardíaco bipando mais rápido.
— Querida, não chore — pede minha mãe.
— Vou falar com elas — diz minha tia. — Fique tranquila, ok? Vou mandá-las embora. Prometo.
Depois que ela sai, respiro fundo, fecho os olhos e imploro para dormir e esquecer tudo outra vez. O cansaço e os remédios garantem que eu durma pesadamente. Tanto que quando abro os olhos a dra. Moon está parada ali, olhando fixamente para mim.
— Não é culpa sua. — Digo quase em um sussurro.
— O que não é culpa minha? — Ela pergunta.
— Você se desculpou quando eu estava na emergência. E estava dando ordens como uma comandante do exército.
Ela sorri.
— Tenho certeza de que imaginou isso.
Tento sorrir de volta, mas não consigo.
— Estou perdendo o coração?
— Tudo indica que não — a dra. Moon diz. — Sim, antes você o estava rejeitando. Mas nós cuidamos disso, e você parece estar respondendo aos antibióticos e aos corticoides. Administramos outro tipo de imunossupressor. — Ela pega a caneta, começa a clicar e sorri. — Não quero ser otimista demais, mas tenho que dizer que seu coração parece forte agora.
— Ele não é meu — corrijo-a. Ela levanta outra sobrancelha.
— Você nunca ouviu uma frase que diz: a posse constitui um direito real? — Ela toca meu ombro. — Detesto ter que arruinar o seu mau humor, mas estou me sentindo muito positiva.
Ela pega o estetoscópio e me faz respirar fundo. Quando afasta o aparelho, pergunta:
— O que está incomodando você?
Fico em silêncio por alguns instantes, mas então admito.
— Estou cansada de fazer as pessoas sofrerem. De sugar a vida delas.
— Quem você está fazendo sofrer?
— Minha tia e meus pais. Ningning e… Jimin. — Eu engulo em seco e olho para ela. — E você, também. Não negue. Eu vi sua reação quando cheguei na emergência.
Ela guarda o estetoscópio de volta no bolso e pega a caneta para fazer mais anotações em seu bloco.
— Não deu para evitar… — murmura. Então olha para mim. — Infelizmente, faz parte da condição humana. Se preocupar. Eu gostaria de poder oferecer algumas palavras de sabedoria. Mas o melhor que posso dizer é… vá se acostumando. As pessoas não vão parar de se preocupar, Minjeong.
Sinto uma lágrima rolar pela minha bochecha e a enxugo.
— Mas é horrível. Ver as pessoas. Saber o que estou fazendo a elas.
— Sim. Mas sabe o que você não está vendo? Aqueles que perderam um filho. Ou um amigo. Ou a namorada. Essa dor é pior, Minjeong.
Ela coloca a prancheta de lado e cruza os braços.
— Você não morreu. Nos deu um susto, mas, para minha surpresa, seu prognóstico parece bom. Vou mantê-la no hospital por mais um tempo. Você vai fazer exames periodicamente. Não vou mandá-la para casa até ter certeza de que não há nada errado com o seu coração. Mas acho que você vai ficar bem.
— Até acontecer de novo — murmuro.
Seus olhos se apertam e encontram os meus.
— Você tem razão. Não posso prometer a você que não acontecerá outra vez. Mas o que você vai fazer no intervalo entre todas essas vezes é o que faz diferença. Porque assim é a vida, Minjeong. Sem promessas. Sem garantias. Mas, com sorte, você poderá usar esse tempo para fazer alguns sonhos se tornarem realidade.
Ela aperta meu ombro e sai. Sei que as palavras dela, lá no fundo, podem me trazer conforto, mas não estou no clima para encontrar conforto nelas agora. Estou fazendo as pessoas que me amam sofrerem. Não mereço nenhum conforto.
Eles me transferem para um dos quartos. Os dias passam. Não quero saber o que está acontecendo lá fora. Leio meus livros até a última página — seja noite ou dia. Então durmo e repito o mesmo no dia seguinte. Isso funciona para mim.
Mas sinto tanta falta de Jimin que é impossível negar. Também sinto falta de Ningning. Quase caio em tentação e digo à minha tia para deixá-la subir, mas depois me lembro do olhar no rosto dela no dia em que contei sobre o transplante. Que tipo de amiga eu seria se a fizesse se sentir daquele jeito outra vez? E outra. E mais outra. Nunca vou ser uma pessoa normal.
[…]
Minha mãe e Yongsun se alternam nas visitas. Elas tentam me encorajar a seguir uma rotina de atividades. Tento explicar que não tenho muito o que fazer aqui no hospital e passar horas lendo me faz esquecer meus problemas.
Ainda assim, não estou feliz. Quando entro no meu quarto depois de uma das minhas caminhadas habituais pelo jardim, encontro minha mãe me esperando. Ela está sentada no sofá com as pernas cruzadas. Está empertigada e séria. Agora que o pior parece ter passado, acredito que ela tenha voltado ao eu que discorda das minhas escolhas.
Tudo que eu quero é abraçá-la e dizer que, apesar de seu jeito frio, eu senti saudade dela.
— Como você está? — Pergunto, arrastando os pés até minha cama. Ela olha para mim com seus olhos castanhos tão parecidos com os meus. Inclino-me para a frente, unindo as mãos. — Porque não retornou minhas ligações?
Ela se levanta lentamente e caminha até a janela.
— Não precisamos ter essa conversa agora, Minjeong.
— E quando vamos ter? Eu só quero entender porque aos seus olhos eu sempre vou ser uma decepção. Tudo o que fiz foi tentar fazer com que sentisse orgulho de mim.
— Estou vendo que você não mudou nada durante esses meses.
Sinto um aperto no peito ao ouvir essas palavras, mas seus golpes não magoam tanto como costumavam magoar — eu estou ficando mais forte.
— Porque você demonstra se preocupar tanto comigo quando tenho alguma crise de saúde? Parece meio sem sentindo já que depois as coisas voltam a ser como antes. Talvez fosse melhor se eu não tivesse resistido — O lábio inferior dela estremece. Eu sei que atingi um ponto fraco, mas se provocá-la for a única forma de fazer com que se abra, estou disposta a fazê-lo.
— Nunca mais repita uma coisa dessas. — A voz dela falha, mas ela não derrama nenhuma lágrima, porque isso seria um sinal de fraqueza.
— Eu sinto muito, mãe. Sinto muito por tudo o que causei a você e ao meu pai. Por nunca ter correspondido a altura. Sinto muito por ser o seu fracasso, mas…
— Você não é o meu fracasso! — Ela exclama, caminhando até mim. — Tudo que você fez até aqui é motivo de orgulho para mim. Você é minha razão de viver desde o dia em que nasceu, dando a mim a chance de ser alguém melhor. Então, o que foi que eu fiz? Te afastei por causa das minhas atitudes egoístas. Tudo porque acreditava saber o que era melhor para você. Mas eu não sabia! Você é uma pessoa incrível, e juro por Deus que sou abençoada por tê-la como minha filha — ela completa, cheia de emoção.
Respiro fundo e, pela primeira vez na vida, finalmente percebo o quanto deveríamos ter tido essa conversa antes. O processo é lento, mas eu sei que, com a dor, vem a cura. Com o tempo, as coisas vão melhorar. E eu posso respirar cada vez mais tranquila. Pelo menos agora eu posso seguir em frente sabendo que fiz o certo.
— Me desculpe. É só que senti tanta saudade de você.
— Eu também senti saudade. Depois que foi embora, eu comecei a perceber o quanto tinha errado com você. Ainda assim… meu orgulho me impedia de se reaproximar.
Minha mãe faz uma pausa, passando a mão nos cabelos.
— Então Yongsun me liga e diz o que está a contecendo. — Ela continua, as palavras cada vez mais carregadas de emoção. — E se você não tivesse resistido? Como eu iria lidar com isso? Sei que eu me culparia. É o instinto materno. A gente fica pensando em tudo desde o primeiro dia do filho no mundo. Você se sente culpada por tudo. Se o pior tivesse acontecido com você… Se eu nunca mais pudesse abraçá-la, eu me sentiria aprisionada pelo resto da vida.
Não comento nada. Me aproximo e a seguro. Eu a seguro próximo o bastante para que ela envolva os braços em meu corpo, para que me abrace como há muito tempo não fazia.
Depois daquela dia, passamos a conversar sobre muitas coisas e fomos ficando cada vez mais próximas. Quanto mais eu conhecia minha mãe, mais motivos tinha para amá-la.
[…]
Na tarde de quarta-feira — oito dias desde a internação — acordo depois de um cochilo de tédio e encontro minha tia parada próxima a janela do quarto. A julgar pelas suas roupas sociais, ela veio direto do trabalho para o hospital.
— Porque você não foi para casa? — Pergunto. Ela e minha mãe continuam marcando presença constante no hospital, mesmo que eu tenha insistido que não há necessidade para isso.
— Resolvi passar no hospital antes. E foi bom porque acabei de encontrar com Jimin na recepção.
Sinto um aperto no peito com a menção do seu nome.
— Pensei que tivesse deixado claro que não queria ver ninguém. Você disse que ia resolver essa questão para mim.
Yongsun respira fundo e passa a mão nos cabelos.
— Eu tentei — ela rebate. — Mas Jimin não vai embora. Aquela garota tem vindo aqui todos os dias, Minjeong. Todo dia ela se senta naquela sala de espera. E todo dia pergunta se pode te ver. Está partindo meu coração.
— Então faça ela ir embora. Diga que eu não quero vê-la ou algo assim. — Meu peito está sufocado.
Minha tia cruza os braços na frente do corpo. Seus olhos se semicerram. Através das fendas em que se transformam seus olhos, juro que eles ficam de uma cor néon, como se ela estivesse se preparando para uma batalha.
— Não posso obrigá-la a namorar com ela — sibila. Nunca ouvi minha tia sibilar.
Ela dá um passo na direção da minha cama.
— Eu nunca te forçaria a reatar. Mas você definitivamente não é assim, Minjeong. E Jimin merece algumas respostas. Então vou sair do quarto e dizer a ela que pode entrar.
Abro a boca para argumentar, mas acabo ficando em silêncio. Essa é umas das coisas que eu aprendi nesses anos de convívio com minha tia. É preciso escolher o tipo de discussão em que se vai entrar.
Ela não espera por uma resposta minha, apenas sai do quarto.
Minutos depois escuto a porta ser aberta, mas não ergo o olhar em sua direção.
— Minjeong — Jimin sussurra, suas palavras parecendo tão próximas que eu tenho quase certeza de que vem de dentro da minha própria alma.
Não consigo olhar. Não quero olhar. Tudo que eu quero no mundo é que seus olhos tragam a luz para mim. Quero que seus lábios me digam que tudo vai ficar bem.
Minha vontade de chorar está de volta, mas nenhuma lágrima cai.
— Eu estou bem — falo finalmente, sentindo em todos os ossos do meu corpo que isso não é verdade.
Quando ergo o olhar, encontro aqueles lindos olhos castanhos me encarando. Ela está com boa aparência. Mas parece cansada também. Não abatida como meus pais ficam às vezes, mas cansada.
Meu coração vai continuar sofrendo.
— Eu sei por que você fez isso — Ela diz.
— Fiz o quê? — Pergunto.
— Me manteve longe. Você está tentando me proteger.
Fico em silêncio.
— O problema é que não quero ser protegida. E me deixa furiosa que você tenha feito isso. Porque me magoa!
Ergo os olhos. Minha garganta está tão apertada que não tenho certeza se posso falar, mas falo mesmo assim:
— Não é fácil pra mim. — Aperto os lençóis nas mãos em punho. — Estou doente, Jimin. Preciso seguir sem exceção as restrições médicas. Tenho que tomar remédios todo dia, duas vezes por dia porque se eu não tomar, meu coração – o coração de Somi – vai morrer. Porque meu corpo realmente quer matá-lo. Nunca vou ser uma pessoa normal. Não sei se vou conseguir planejar o futuro em anos.
Ela está me encarando. Há lágrimas em seus olhos.
— Estou sugando a vida de todo mundo que se importa comigo. E não posso evitar. Então vá embora, Jimin. Pode acreditar, você não vai querer passar por isso! E eu não quero ver isso acontecendo. — Aponto para a porta, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Por favor, apenas vá embora.
Ela dá um passo na minha direção.
— Eu nunca disse que a sua condição era um problema. Sempre deixei claro que enfrentaria o que fosse preciso para permanecer ao seu lado. Eu pensei que você faria o mesmo. Mas você nem me deu uma chance! Desistiu de mim!
Coloco a mão na boca.
— Você já perdeu pessoas demais.
Eu me sinto vazia por dentro. Minha luz parece ter desaparecido. Tudo é muito avassalador; nada me treinou para isso. Nada me disse como seria passar por essa situação. Estou sofrendo. Estou sofrendo muito.
As mãos de Jimin param no meu ombro antes que ela sente na cama do hospital e me abrace. Estremeço quando sinto seus dedos em minha pele pela primeira vez em muito tempo, enquanto seus braços me envolvem.
— Sim, perdi muitas pessoas — Ela diz. — Mas você acha que, se alguém me dissesse que eu iria perder Somi, eu teria dito que não queria que ela fizesse parte da minha vida? Você acha que eu teria dito que não queria conhecê-la? Amá-la? Eu quero fazer parte da sua vida, Minjeong.
— Por quê? — Pergunto. — Por que você quer isso? Ficar perto de mim é o jeito que encontrou de ficar perto de Somi?
Ela balança a cabeça, negando.
— Você é a pessoa inteligente mais burra que já conheci. Pensei que já tivesse deixado claro que não quero fazer parte da sua vida porque você está com o coração de Somi. — Ela coloca a mão sobre o meu peito, sobre o meu coração. Depois se inclina, os lábios muito próximos. — Quero fazer parte da sua vida porque você tem o meu coração, Kim Minjeong.
Ela me beija. Então me beija novamente. E de novo.
— Jimin, eu…
— Shhh — Ela faz, me abraçando ainda mais. — Amo você, Minjeong. Amo tanto você. Deixe eu ser forte por nós duas.
Seu toque é tão caloroso dentro desse abraço firme, que não quer me soltar. Ficamos assim por cinco minutos inteiros, talvez até dez.
— Eu também te amo — confesso.
Jimin analisa meu rosto, como se estivesse se perguntando para onde tinham ido meus pensamentos. Ela abre um dos seus sorrisos singelos.
— Que bom.
— Não vai ser fácil — sussurro.
— Quem quer coisas fáceis aqui? — Seus lábios ficam firmes, e ela os pressiona na minha testa enquanto fala. — Eu te amo e apenas isso importa.
Nós duas sorrimos, o tipo de sorriso que faz a vida parecer mais doce. E ela é… doce.
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