15
Karina's pov:
"O mundo costuma ser doloroso, cheio de incertezas e desespero. Mas você? Você faz sentido no meu mundo sem sentido."
Às 2hrs da manhã, eu estou acordada, olhando para o teto e lembrando do pior momento da minha vida. Esfrego meus braços tantas vezes, que fico surpresa por minha pele não ficar esfolada. Os sonhos desagradáveis tinham dado uma trégua, mas as vezes eles ainda lembram de mim.
Eu ainda acredito que em algum momento vou me livrar dessas lembranças, mas isso não vai acontecer hoje.
Acordei no hospital no dia seguinte, mas a situação em si não era tão agradável quanto eu imaginava. Meu braço estava imobilizado, fiquei sabendo que tive que passar por uma cirurgia, mas tudo tinha corrido bem. Se me perguntassem a verdade, eu diria que bem era a última coisa que eu estava. Meu mundo tinha virado de cabeça para baixo, e aquilo era apenas o começo.
Minha mãe entrou no quarto depois de conversar com minha médica. Ela não tinha saído do hospital nem por um momento. Nunca na minha vida vi minha mãe tão devastada.
— Jimin — ela sussurrou, suas palavras parecendo tão próximas e ao mesmo tempo tão distantes.
Não disse nada. Minha garganta estava seca, áspera. Minha vontade de chorar aumentou enquanto meu corpo tremia, mas nenhuma lágrima caiu.
— Eu estou bem — falei finalmente, sentindo em todos os ossos do meu corpo que isso não era verdade.
Eu me sentia vazia por dentro. Minha luz tinha desaparecido. Tudo era muito avassalador; nenhuma experiência da vida tinha me preparado para aquilo. Nenhum ensinamento me dissera como seria deixá-la ir.
Minha mãe me puxou para um abraço. Estremeci quando senti seus dedos em minha pele.
— Você não precisa mentir para mim — ela disse, me abraçando ainda mais. — Deixe eu ser forte por nós duas? Deixe eu abraçá-la enquanto você desmorona.
Seu toque era tão caloroso. As lágrimas caíram.
Meu corpo tremia descontroladamente dentro daquele abraço firme, que não queria me soltar. Ficamos assim por cinco minutos inteiros, talvez até dez.
— Sinto muito, filha… — minha mãe murmurou, antes de se afastar de mim.
— Eu também — falei.
Escutei ela explicar o que tinha acontecido. Tudo se tornou um borrão quando me passou algumas informações que eu desconhecia — a última atitude de Somi antes do fim.
Sua voz ecoou pelo quarto. Sua voz ecoou em minha alma.
Pisco e tento afastar minha mente de tudo isso. Saindo do quarto, sigo pelo corredor e entro em um cômodo que geralmente fica fechado. Me aproximando de um tripé, puxo um cobertor branco de cima de uma tela e fico encarando a pintura inacabada presente nela.
Quando mudei para a casa da minha mãe, descobri que ela havia convertido um dos quartos em um estúdio de arte. Alguns dos meus trabalhos estavam ali na esperança de que em algum momento eu fosse finalizá-los. Mas apesar de saber que mesmo com minha limitação posso fazer isso, eu não me dediquei uma única vez.
Desde o que aconteceu, eu não permitia meu cérebro pensar em arte como uma opção, como um caminho que podia me salvar. Não importava o quanto eu tentasse, não importava quantas vezes me falassem isso, a arte aos meus olhos era sempre sinônimo de dor e sofrimento.
Mas então aconteceu. Em uma questão de instantes alguém me fez entender isso, me fez olhar as coisas por outra perspectiva.
Meus olhos se fecham, e a vejo: Kim Minjeong. Ela nem sabe quantos sentimentos desperta em mim. Palavras nem sequer podem expressar isso. O mundo costuma ser feio e doloroso, cheio de ódio, tristeza e desespero. Mas Minjeong? Ela faz sentido no meu mundo sem sentido.
[…]
Escuto o familiar barulho do salto da dra. Kim, então ela entra no consultório. Respondo a Minjeong rapidamente, “Te encontro no café. Bj.”, e guardo o celular no bolso. Estou com pressa de ir embora, quero conversar com ela sobre a viagem que as garotas estão planejando para o fim de semana.
Não sei bem o que pensar sobre isso. Não tenho certeza se foi uma boa ideia aceitar o convite. Não tenho certeza… Não tenho certeza se Minjeong e eu temos chance de ter alguma coisa mais séria. Estou com receio do rumo que nosso relacionamento vai levar. Com receio de… ter esperança.
— Vejo que não se perdeu no caminho até o hospital hoje — O sorriso de Jisoo é contagiante.
No estado de espírito em que estou, fico surpresa que ela consiga arrancar um sorriso de mim.
— Lembrei de usar o GPS dessa vez — digo, recostando-me na cadeira.
Ela se senta atrás da sua impressionante mesa de escritório. Jisoo é o oposto de qualquer outro médico que eu tenha conhecido até o momento. Sempre parece realmente feliz por me ver. Nunca está com pressa. E não fala apenas da minha saúde. Fala da minha vida.
Provavelmente porque ela me conhece desde sempre.
— Como você está? — Pergunta.
— Tudo bem, eu acho.
O sorriso dela desaparece.
— O que aconteceu?
A dra. Kim é uma traumatologista de renome e membro da diretoria do Seoul Hospital. Costuma ver seus pacientes como indivíduos únicos em todas as consultas, sem exceções. Para que eles se sintam confortáveis em expressar suas preocupações ou fazer perguntas que não fariam a um especialista mais indiferente.
Nunca tive interesse em fazer perguntas mais detalhadas sobre o meu caso.
Agora eu tenho.
Se eu conseguir reunir coragem para fazê-las.
— Diga logo, Jimin. — Ela levanta uma sobrancelha.
Passo a mão nos cabelos e cruzo os braços na frente do corpo.
— Gostaria de uma visão geral sobre o meu quadro clínico.
Ela fica em silêncio enquanto verifica meus exames mais recentes.
— Como te expliquei antes, conseguimos reverter parcialmente a lesão do seu braço com a cirurgia. A recuperação completa viria com a fisioterapia. Mas você está progredindo muito bem. Os resultados do último mês mostram estabilidade, então vamos manter o ritmo do tratamento.
Isso me leva a minha outra pergunta. Inclino-me para a frente.
— Voltar a pintar agora seria um problema?
— Se você quiser trabalhar com isso, está liberada. É mais saudável permanecer em atividade, tanto para o corpo como para a mente. — Ela folheia os documentos em cima da mesa e faz algumas anotações, então olha para mim. — É claro que você não deve exagerar, mas acredito que reconheça seus próprios limites, certo?
— Sim, eu sei.
Ela me analisa e tenho a nítida impressão de que está lendo minha mente.
— Certo, quem fez você repensar o conceito da arte na sua vida?
Sim, ela com certeza lê mentes. O fato de saber que estou cogitando voltar a pintar por que alguém está me trazendo de volta a vida deixa-me sem reação.
— O que levou você a deduzir que tem outra pessoa envolvida nisso?
— Não? — Ela diz, dando de ombros e voltando a focar nas suas anotações. — Então devo ter tido uma impressão errada.
— Eu duvido que isso seja verdade. — Observo enquanto ela digita em seu computador, então decido confessar um pouco mais: — Mas talvez não esteja tão errada em seu palpite.
Ela sorri com minha reposta.
— E então? – Pergunta.
— Estamos nos conhecendo, mas ela me dá a sensação de algo tão sólido. Tenho sentido tanta vontade de permanecer ao lado dela, e ela parece compartilhar desse sentimento, mas não tenho certeza do rumo que isso pode levar.
— Por que?
— Porque ela é uma pessoa tão especial e eu sou…
— Uma pessoa incrível — ela diz.
— Você diz isso só porque sou sua paciente.
— Ah, por favor. Tenho muitos pacientes que não são incríveis. — Ela parece totalmente sincera. — Acredite no que eu digo, Jimin. Não tenha medo de se arriscar. De ganhar ou de perder. É disto que é feita a vida: escolhas.
— Você está falando como a minha avó.
— Desde que eu não pareça uma… – ela diz, brincando.
Sorrio.
— Mais perguntas ou preocupações?
Hesito por um instante.
— Às vezes… Ainda tenho alguns sonhos…
Ela coloca um dedo no queixo.
— São os mesmos de antes? O incidente? Depois as dores de cabeça?
Assinto com a cabeça. Parte de mim quer contar tudo a ela, mas…
— Quantas vezes você tem os sonhos? Eles te mantêm acordada?
— Não tenho mais com frequência. No máximo uma ou duas vezes por semana, mas normalmente volto a dormir.
— Eu poderia receitar algo para ajudá-la a dormir…
— Não há necessidade. Remédio para dormir me deixa grogue. — E em comparação a como as coisas eram há um ano, hoje consigo lidar muito bem com isso.
— Estou surpresa que sua mãe não tenha me ligado para comentar essa sua nova decisão. — Jisoo diz, mudando de assunto. Agradeço por isso.
Dou de os ombros.
— Não contei a ela. Eu… Você sabe como ela é. Ia criar muita expectativa em cima disso. Acho melhor esperar um pouco mais.
Ela me lança um olhar compreensível antes de voltar sua atenção para a tela do computador.
Fico ali refletindo sobre suas palavras de sabedoria: Não tenha medo de se arriscar. De ganhar ou de perder. É disto que é feita a vida: escolhas.
[…]
Depois que saio do hospital, mando mensagem para Minjeong, e como a neve deu uma trégua hoje, acabamos optando por dar uma volta do Yongsan Park.
Não sei por que, mas começamos a compartilhar algumas histórias sobre nossas vidas. Minjeong me conta um pouco sobre o início da sua vida acadêmica, como as coisas não eram fáceis por conta de algumas questões, mas não entra em detalhes sobre isso. Ela para por um momento e respira fundo. Não falo nada, porque o pesar de sua linguagem corporal está dizendo tudo o que precisa ser dito.
Fico me perguntando como Minjeong reagiria se eu dissesse que não precisa omitir nada, porque sinto que ela ainda não compartilhou algo importante comigo. E que isso não vai muda em absolutamente nada a garota incrível que ela é.
Pouco depois, conto a ela sobre minha adolescência, e ela parece bem interessada em saber mais sobre essa fase da minha vida. Vejo seus olhos se arregalarem de surpresa quando falo sobre as aventuras loucas nas quais Aeri me envolvia.
— Ela fez mesmo bambolê em uma loja de departamentos? — Ela pergunta, erguendo uma sobrancelha.
Sorrio, confirmando com a cabeça.
— Dá para acreditar? Ela chegou a criar uma lista de coisas que deveríamos fazer antes de entrar na fase adulta cheia de responsabilidades — respondo.
Ela sorri, balançando a cabeça antes de olhar para mim. Então me pergunta quantos itens nós tínhamos conseguido realizar, fazendo-me suspirar.
— Acho que vou deixar essas histórias vergonhosas para outro momento. Não quero te dar nenhuma munição que possa ser usada contra mim no futuro.
— Então posso deduzir que vocês realizaram todos os itens?
— Na verdade, não. E Aeri reclama sobre isso até hoje. — Dou um passo em sua direção. Em seguida coloco a mão em seu rosto e me inclino em sua direção, baixando o olhar para seus lábios. — Parece que você tem um talento nato para me fazer falar.
Por um minuto penso que ela vá ficar sem graça. Mas não é isso o que acontece. Minjeong baixa a cabeça daquele seu jeito tímido e sorri.
Passo os dedos em seu queixo e solto o ar pela boca, roçando meus lábios nos dela. Não demora para que nossas bocas se conectem, e o prazer invada meu coração, se espalhando pelo meu corpo.
Inclinando sua cabeça, intensifico o beijo. Uma vez. Duas vezes. Até que Minjeong suspire e relaxe em meus braços, enfiando os dedos entre seus cabelos. Domino sua boca de uma forma que me é ao mesmo tempo nova e familiar. Ela retribui com tudo o que tem, tentando comunicar o que sente através desse gesto.
Afasto minha boca da sua, respirando fundo e absorvendo a enorme quantidade de emoções que atravessa meu corpo. Eu posso sentir seu coração batendo por baixo da camisa, e ela coloca a mão sobre o meu. Palavras não são necessárias, porque sentimos tudo dentro de nós.
— Ainda não acredito que você aceitou ir nessa viagem — sussurro, querendo poder beijá-la mais e mais.
Ela se afasta um pouco e me olha, sorrindo.
— Já te disse. Ningning usou de todos os argumentos que tinha a disposição para me convencer. — Minjeong diz em tom de brincadeira. — Além disso, ela acredita que essa vai ser uma ótima experiência para nós duas.
— Como assim? — Questiono, olhando para ela.
— Você sabe. Ela disse que se criarmos lembranças juntas, podemos realmente dar certo. Acho que Ningning tomou para si a missão de cupido.
Sorrio. Sei que é estranho, e alguns nem se importariam com o que ela disse, mas sorrio porque, caramba… foi engraçado. Eu sinto falta de momentos engraçados na minha vida.
— É a cara dela fazer isso — digo, enquanto voltamos a andar. — Esse era um programa quase anual nosso, mas não vou lá há um bom tempo.
Ela olha para mim, interessada.
— Porque?
— Eu estava sempre ocupada por conta da faculdade e do meu trabalho no estúdio de arte. Além disso, depois do que aconteceu eu não via mais sentido em ir até lá.
Ela faz uma pausa, repassando meu comentário em seu cérebro. Suspiro quando a vejo seus olhos perderem um pouco do brilho.
— Você ia com Somi, né? Tem certeza que está tudo bem eu fazer essa viagem com vocês?
— Minjeong…
— Ah! Tudo bem. — Ela balança o corpo de leve para a frente e para trás. — Você pode me dizer, sabe. Se não estiver muito afim de fazer essa viagem. Quer dizer, isso é algo bem pessoal para você e não é porque estamos tendo um lance que não vou entender ser for sincera. Quer dizer…
Meus dedos pousam em seus lábios.
— Você não está dizendo coisa com coisa.
Ela balanço a cabeça.
— Estou nervosa. Ainda não tinha parado para pensar nesse detalhe.
Chego mais perto, nossos narizes se tocando. Acaricio seu cabelo e olho nos seus olhos.
— Eu não vejo você como uma substituta. Às vezes, você pode pensar que eu te vejo assim, mas quero que você saiba que não vejo. Acho que você é perfeita exatamente como a pessoa única que é. Nunca duvide disso, Minjeong.
Ela sorri e assente com a cabeça. Mas vejo em seus olhos o quanto ainda parece se preocupar com algo. O mesmo tipo de sentimento que tenho quando penso que posso fazer algo de errado e colocar tudo o que estamos criando a perder.
Afago seus ombros por um momento. Então aproximo meus lábios dos seus, beijado o canto da sua boca.
— Escute, eu tenho uma história com Somi e confesso que por um tempo não conseguia pensar em ir adiante. Mas por ironia ou não, ela sempre dizia “Deixe o passado para trás para que o futuro possa encontrar você.” Na época não dava muita atenção a essa frase, mas quando você entrou na minha vida eu enfim entendi todo o significado dela.
O suspiro dela é quase inaudível.
— Somi parece ter sido uma pessoa maravilhosa.
— E era — respondo baixinho. — Não me admira que ela quisesse manter esse status mesmo depois de deixar esse mundo.
— Como assim? — Ela pergunta, confusa.
Passo a mão nos cabelos e olho para o céu nublado. Sua pergunta não me deixa surpresa. Eu só não comento sobre esse assunto com as pessoas, mas com ela é diferente. Eu definitivamente me sinto mais livre quando estou ao seu lado. Minjeong mexe comigo de tantas formas diferentes.
— Ah, só a família e pessoas mais próximas sabem disso — paro e lembro da conversa que tive com minha mãe —, mas Somi era doadora de órgãos. Ela quis salvar algumas vidas mesmo depois de perder a sua.
— Isso é verdade? — Minjeong pergunta, arregalando os olhos. Ela parece chocada com o que acabei de dizer. No entanto, eu não faço ideia do que está acontecendo.
— Bem, sim. Eu descobri isso logo depois do incidente. Somi já tinha conversando a respeito comigo, mas eu não sabia que tinha oficializado tudo. Acho que ela não via muita necessidade em ficar falando sobre isso, afinal o que realmente importava era a atitude.
Vejo a confusão em seu olhar ser substituída por tristeza enquanto Minjeong parece perdida em pensamentos. Ela abre a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas então para.
— O que foi? — Pergunto, encarando-a.
— Nada. É só que essa é uma atitude tão incrível… Você por acaso conhece algum dos receptores?
Sorrio, balançando a cabeça.
— Não. Confesso que no início quis saber, mas o hospital tem uma política de privacidade sobre essas questões, e eu não estava com cabeça para aquilo no momento. Como disse, o que importava era o bem maior que foi feito.
— É, acho que você tem razão — Ela diz, colocando o cabelo atrás da orelha.
Estendo a mão para ela.
— Acho melhor irmos embora — Digo, apontando para o céu cada vez mais pesado.
Percebo que Minjeong fica quieta na volta para o carro. Muito quieta. Suponho que tenha sido por conta da nossa conversa, mas não entendo o porquê. Várias vezes, vejo ela olhar para mim como se fosse dizer alguma coisa. Então ela apenas sorri e desvia o olhar.
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