07
Karina's pov:
"Um, posso apreciar um pouco de arte com você? Dois, posso ver o seu sorriso? Três, quer ficar um pouco mais?"
Fazia tempo desde minha última visita ao Seul Hospital, e posso afirmar que não estava nenhum pouco ansiosa para fazer isso. Digamos que todas as minhas lembranças nesse tipo de ambiente não são nada agradáveis.
Meu fisioterapeuta me acomoda numa sala reservada, igual a tantas outras nesse andar, e me prepara para a sessão de exercícios funcionais que devem aliviar minha dor. Ele me passa as informações de sempre sobre o tratamento, mas eu não presto muito atenção. Fico sentada ali e me pergunto se isso está funcionando, se essa simples rotina vai de alguma forma resolver minha situação. Então lembro o que Jisoo me disse sobre o meu caso, e tento manter a paciência.
Eu gosto do fato da dra. Kim ter sido sincera comigo, mas me dado esperança ao mesmo tempo.
Quando estou de saída, um garoto chega acompanhado pela mãe dele. Quando vejo as muletas debaixo dos seus braços, imagino que estamos em situações semelhantes. Mas quando ele começa a fazer alguns exercícios funcionais para a perna, percebo que somos totalmente diferentes.
Sua expressão está cansada, mas ele não parece triste. Nem desmotivado. Já a mãe é o oposto. Seus olhos parecem perdidos enquanto ela olha para o filho.
— Está tudo bem, mãe — diz o garoto, com um grande sorriso nos lábios. — Depois disso tudo vou melhorar.
Ele está tentando consolar a mãe durante os dias mais difíceis da sua vida.
Tento não prestar atenção nele, mas antes de sair da sala dou uma última olhada.
Meu caso não é tão grave quanto o dele, mas ainda assim não consigo encontrar toda essa motivação. Talvez eu esteja sendo meio melodramática. Ainda tenho meu braço. Mas, pela funcionalidade que tem agora, não posso afirmar que estou em vantagem. E mesmo que eu tente me reinventar… não é tão simples assim.
Sempre que as lembranças se fazem presentes a angústia ameaça me sufocar. Faz um ano que isso aconteceu, mas não sinto que tenha diminuído.
Depois que saio do setor de fisioterapia vou até a cantina do hospital, então sento a uma mesa, observando o céu fechado através das janelas.
— Café? — Pergunta uma voz, chamando minha atenção. — Já tem açúcar.
Ergo o olhar e vejo a Dra. Kim me oferecendo um copo. Ela é uma mulher jovem e atraente. Eu gosto dela. Como não poderia? Ela é a responsável pelo tratamento que está me permitindo uma vida relativamente normal.
— Como você está? — Jisoo pergunta enquanto se acomoda na cadeira a minha frente.
— Estou bem.
— Jimin…
— Além da dor que os analgésicos não parecem aliviar, eu realmente estou bem. — Respondo, bebericando meu café.
Ela não parece acreditar em mim. E quando nossos olhares se encontram, eu sei que ela pode ver a verdade — não minha reação indiferente, mas a tristeza que faço o possível para esconder.
Jisoo abre a boca para falar, mas desiste. Seu olhar sério deixa claro que não estou mais falando com uma amiga da família, mas com minha médica. Não sei o que fazer. Meus pensamentos ficam confusos.
— É exatamente por isso que você não pode abandonar a fisioterapia — Ela se inclina para a frente, cruzando as mãos sobre a mesa. — Mas estou vendo que a conversa com Joohyun deu resultados.
— Você melhor do que ninguém conhece minha mãe. Ela praticamente me intimou a fazer isso.
Ela me encara com um sorriso compreensivo.
— Lembre-me de agradecê-la depois. — Diz, bebendo um gole do seu café. — E quanto aos pesadelos, eles diminuíram?
Olho para ela e franzo a testa. O sonho que me faz lembrar do que aconteceu naquele dia continua, mas com uma frequência bem menor. São poucas as noites em que eu ainda acordo assustada. Cada vez, vejo um pouco menos. Tenho certeza de que em algum momento, com muita sorte, eles vão parar de me fazer companhia.
— Sim — respondo. — Mas ainda acredito que com o tempo essa questão melhore de forma mais considerável.
— Bom, você sabe onde encontrar alguém para conversar se precisar. E aproveito para avisar que vou marcar uma consulta avaliativa para você. Fora isso, alguma reclamação ou elogio? Eu prefiro elogios.
Balanço a cabeça, mas um pequeno sorriso é perceptível em meus lábios.
— Todo mundo é muito gentil aqui. Minha única reclamação é ter que vir para essas sessões infinitas de fisioterapia. Ah, e a comida. Eu ainda lembro da comida. Eles por acaso estavam tentando me matar?
— Isso era o que você mereceria agindo de forma tão indiferente — Ela sorri de forma descontraída. — As enfermeiras queriam se vingar de você de alguma forma.
— Posso tentar agir de uma forma melhor agora. — Digo, dando de ombros. Embora saiba que ela tem razão sobre esse detalhe. — Mas isso não significa que quero voltar a ter estadia no hospital.
— Eu tenho certeza de que isso não vai ser necessário.
Conversamos por mais algum tempo antes de Jisoo ser requisitada de volta ao trabalho no setor de traumatologia. Depois de um tempo sentada ali, eu me levanto, pego minhas coisas e vou embora.
Por volta das duas da tarde, estou na galeria. Paro no corredor quando vejo Minjeong em uma das salas de exposição.
Eu não tenho necessidade de ficar ali, e deveria seguir meu caminho, mas não faço isso. Algo nessa garota me impele a se aproximar. Eu senti a mesma coisa quando a vi na livraria. Senti uma atração ainda maior quando a vi no Yongsan Park. Porém, nada parece mais certo do que agora. O que eu me deixa confusa. Minha situação atual é confusa.
Sinto-me uma idiota quando me aproximo. Ela vira na minha direção, parecendo confusa com o fato de eu estar ali, mas depois abre um dos seus sorrisos.
— Eu já deveria ter voltado para o laboratório, né? — Ela faz uma pausa e ri. — Não me entenda mal. Eu não estou sendo relapsa com o meu trabalho, mas é só que… ainda não tinha visto essa exposição.
— Tudo bem, então me diga o que é que estou vendo — sussurro, me aproximando dela, mas dando espaço suficiente para que ela fique confortável.
— Não posso dizer isso. Acho que você sabe muito bem que precisa descobrir sozinha. É esse o objetivo da arte abstrata, ela é diferente para cada pessoa que vê.
Assinto com a cabeça, encarando os azuis, amarelos e verdes na minha frente. Para muitas pessoas essas telas não passam de uma enorme bagunça, como se uma criança de 2 anos tivesse entrado num quarto cheio de tinta e a derramado por toda parte. Mas para quem sabe apreciar, para quem consegue entender o significado que o artista quis expressar, isso é arte.
— Por quanto tempo você gostaria de ficar aqui? — Pergunto.
— O tempo necessário para enxergar todo o significado nessas pinturas — ela responde.
— Tudo bem, sua vez — falo, ainda olhando para a tela a minha frente. — Me conte o que você está vendo.
Minjeong suspira aliviada, como se estivesse esperando eu perguntar. Ela passa as mãos nos cabelos e sorri, não um dos seus sorrisos gentis, mas um sorriso confiante.
A pintura é Artofit de Zin Lim, e Minjeong a encara como se fizesse parte dela. Balança o corpo levemente para a frente e para trás, e seus lábios se abrem. Fico encarando-a por mais tempo do que devia, mas essa visão quase faz algo despertar dentro de mim. Então me obrigo a desviar o olhar e quando finalmente nossos olhos se encontram, eu já me esqueci completamente qual meu objetivo ali.
Fazia tempo que eu não via os olhos de alguém sorrirem assim, fazia tempo que meus olhos não sorriam assim. Mas nesse momento, enquanto Minjeong se funde à pintura abstrata, é como se sua alma se libertasse da realidade, quase esquecendo desse mundo terreno. Ela não diz nada, nem precisa. Eu vejo o que ela está vendo enquanto a observo. Parte de mim quer perguntar como ela faz isso, como ela entra na arte, parte de mim quer perguntar como posso me reconectar dessa forma com a arte.
Ficamos ali por minutos que parecem horas de tranquilidade. Ela continua olhando para a tela, eu continuo olhando para ela. Não importa o quanto eu queria negar isso, eu quero saber mais sobre ela.
— Está vendo? — ela sussurra, com as pontas dos dedos tamborilando a boca.
— Sim — murmuro.
— Eu estava pensando… — Ela faz uma pausa e sorri. Imagino que esteja rindo de si mesma, pois eu não fiz nada engraçado. — Esquece. Foi muito bom apreciar um pouco de arte com você.
— Você é mesmo apaixonada por arte, né?
— Eu sou meio louca por arte — ela sussurra, batendo um dedo na cabeça. Parte de mim ainda sabe como é isso.
— Há quanto tempo você pinta? — Pergunto, quase nem me reconhecendo.
— Desde a adolescência — ela responde, me puxando de volta para a conversa. — Meio que comecei a pintar para fugir, mas em pouco tempo me encontrei no mundo das telas e das tintas.
— Fugir de quê? — Pergunto.
Minjeong me encara, e nossos olhares se cruzam, então ela sorri e se vira. A mensagem é clara: ela não quer conversar sobre isso. Eu entendo o sinal e não insisto.
— Acho que todos nós fugimos de alguma coisa na vida. Eu por exemplo gostaria de fugir de… — As palavras morrem na minha boca, e eu franzo o cenho. — Deixa pra lá. Foi só um devaneio.
— Duvido que isso seja verdade — ela diz, olhando para mim. — Enfim, acho melhor eu voltar para o trabalho. Você deve querer ficar sozinha.
— Tudo bem. Eu não tirava um tempo para apreciar uma obra de arte desde que desisti da pintura. — Minha resposta é simples e muito mais reveladora do que eu gostaria.
Fico esperando que ela comece a pedir detalhes de como aconteceu. Que diga que a situação poderia ter sido bem pior, ou que me tranquilize afirmando que tem outras coisas interessantes que eu posso fazer além de pintar.
Mas não é isso o que acontece.
Na verdade vejo seu olhar encher-se de desespero. O que eu lhe disse provavelmente foi registrado em sua mente, provocando essa expressão de dor. Eu me sinto mal por tê-la feito se sentir mal. Uma pessoa como ela deve sempre se sentir bem.
E é por isso que eu prefiro não compartilhar o que sinto com ninguém. A história vai ficando velha para todo mundo ao meu redor. As pessoas se cansam de ouvir sempre a mesma coisa. Ficam oprimidas pela minha situação, pela minha tristeza. Então, agir como se não doesse mais é a única forma de fazer com que elas parem de se preocupar. Só assim não vou incomodar ninguém com o meu sofrimento.
— Está tudo bem — sussurro. — Eu estou bem.
Ela transfere o peso do corpo de um pé para o outro.
— Às vezes me pergunto como eu lidaria se tivesse que abrir mão de tudo que amo de uma hora para a outra.
Silenciamos nossos pensamentos por um momento. Coloco as mãos nos bolsos e dou um passo para trás. Olhando em seus olhos castanhos, digo:
— Se um dia eu descobrir a reposta, compartilho com você.
Ficamos em silêncio novamente. Nunca achei que o silêncio pudesse ser tão aconchegante. Ela dá um passo para trás.
— Tudo bem, então. Vou parar de te prender aqui e voltar para o trabalho.
— Nos vemos por aí. — Digo com um sorriso singelo.
Ela abra um sorriso e vejo que seus olhos também se iluminarem. Então se vira e começa a caminhar em outra direção.
[…]
Quando chego a casa da minha mãe, vou direto para o meu quarto e entro debaixo do chuveiro para tentar me livrar da névoa que cobre meus pensamentos. A água escorre pelo meu corpo por vários minutos. Ao sair do banho, o espelho na minha frente parece rir da minha cara. Apoio às mãos na pia e abaixo a cabeça, tentando entender como é possível ser a mesma pessoa, mas me sentir tão diferente.
Troco de roupa e saio do meu quarto. Então, ignorando o jantar, vou até a sala e me jogo no sofá. Normalmente não faço esse tipo de coisa, mas hoje não estou me importando muito em quebrar minha "rotina". Por causa das minha divagações, claro.
Olho para meu braço direito, coberto na maioria do tempo por uma bandagem preta. Sei que poderia me esforçar mais e aceitar de bom grado a fisioterapia, mas isso só vai servir para me lembrar de como as coisas eram e nunca mais vão ser. Então nada de criar falsas expectativas.
Procuro afastar esse pensamento e fico deitada olhando para o teto.
Talvez eu devesse me afastar. Isso foi sempre tão fácil para mim, mas com Minjeong é diferente.
Quando comentei sobre os dilemas da minha vida, eu vi a confusão em seu olhar. Então, quando fiquei esperando que ela fizesse algum comentário, vi a tristeza em seu rosto.
— O que você faz aí largada no sofá?
A voz é inesperada, e eu sento tão rápido que quase fico tonta.
Aeri.
Ela está usando uma calça jeans e uma camisa social. Segura um casaco no braço e o celular na mão. É óbvio que acabou de chegar do trabalho.
— Você está bem? — Ela pergunta, sentando-se na poltrona ao lado do sofá. Minha prima é uma pessoa preocupada por natureza — e com razão. Tendo vivido um passado difícil e com a formação em psicologia, Aeri pode ser um pouco mais preocupada com o bem estar do que todo mundo.
— Só estou cansada — respondo, sem querer incomodá-la.
— Como estão as coisas na galeria?
— Bem.
— Nossa, acho que você precisa reaprender o hábito da comunicação. — ela diz em tom de sarcasmo, mas de um jeito extraordinariamente meigo
— E você precisa entregar a chave do nosso apartamento se planeja morar aqui comigo — rebato no mesmo tom. — Me diga quando posso ir pegar minhas coisas que ainda estão por lá.
Ela abre um sorriso.
— Você deveria me agradecer por vir te ver sempre que estou livre, sabia? Além disso, nosso apartamento anda bem solitário ultimamente, então… — Pelo tom de voz, ela parece estar se divertindo, mas eu sei por que sempre tira um tempo para ficar comigo.
— Depois eu quem tenho que lidar com a fúria da Yzhuo — murmuro, me jogando de volta no sofá.
— Você deveria sair com a gente qualquer dia desses.
Olho para Aeri, levantando uma sobrancelha.
— Obrigada, mas não vou segurar vela para vocês duas.
— Claro, isso é compreensivo. — Ela diz levantando. Dando um tapinha nas minhas pernas para que eu libere espaço, ela senta ao meu lado. — Mas você precisa de um pouco de vida social, Karina.
Eu me encolho.
— Por favor não comece com isso.
Aeri suspira, passando as mãos nos cabelos.
— Sério Jimin. Quando foi a última vez que você saiu para se divertir? Nem tenho certeza se você ainda está viva. Estou dizendo, não é saudável. Você precisa voltar a sair, conhecer pessoas…
— Pare. Apenas… pare de falar. Por favor. Nós duas sabemos como isso terminou da última vez.
Cerca de oito meses depois da morte de Somi, eu acabei conhecendo uma pessoa. Não deu certo, como era de se imaginar. Quem suportaria estar em um relacionamento com alguém incapaz de se abrir… de estar presente fisicamente e emocionalmente?
— Tudo bem… Olhe… — Ela segura minhas mãos e vejo sua expressão suavizar. — Eu sei o quanto você amava a Somi. Eu sei que tudo o que viveu com ela foi verdadeiro, mas você precisa deixá-la ir. A razão pela qual as coisas não deram certo antes é porque você não se abre por completo para outro alguém. Eu entendo que é difícil, mas você precisa se permitir tentar.
— Eu sei, é só que… — Minha voz some, mas Aeri ainda parece engajada na conversa, sem demonstrar tédio pelos meus pensamentos. — Eu nunca consegui nem mesmo voltar ao estúdio de arte.
No fundo, eu gostaria de fazer isso, mas não consigo. Eu sei que preciso virar essa página da minha vida, mas desde o incidente com Somi, eu não coloquei mais os pés lá. Tenho quase certeza de que jamais vou voltar àquele lugar.
— Você não precisa fazer isso sozinha, Jimin — Aeri sussurra. — Eu poderia te acompanhar.
— Não. Está tudo bem… — Dou um sorriso singelo para ela e me levanto. — Estou indo dormir.
— Mas ainda está cedo — argumenta Aeri.
— É, mas você pode usar esse tempo com sua garota — comento enquanto caminho para meu quarto.
— Ah, tá. Claro. Bem, se acontecer de você precisar de alguém para conversar, basta mandar uma mensagem!
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