💫Jinjin → O Equilíbrio entre a Dor e a Felicidade |3
RUÍNA
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Em uma rua mal iluminada com lâmpadas alaranjadas, um adolescente observava uma casa amarela, escondido por detrás de uma amendoeira grande e de tronco grosso. Eram 19:00 de uma noite de domingo, e na rua deserta só se ouvia a voz de um apresentador de TV vinda de uma casa próxima e a respiração ofegante e acelerada do garoto que se esgueirava no escuro: Jinjin. Ele balançava a perna veementemente e roía as unhas enquanto observava qualquer movimentação vinda daquela casa térrea com janelas de madeira todas fechadas, tendo a presença de pessoas denunciada somente pela luz que escapava por algumas frestas.
Jinjin olhava para o relógio a todo momento e limpava o suor frio que escorregava pelo seu rosto. Tinha numa mão um papel com escritos que pareciam um roteiro de teatro, duas folhas frente e verso com textos e diálogos: uma adaptação do início de seu livro. Olhou mais uma vez para o seu relógio e passou um raio x ao redor temendo ser assaltado. Seus pensamentos oscilavam entre a sua mãe e os acontecimentos do dia anterior no shopping, não conseguia manter o foco no que estava prestes a fazer. Se esforçou para se concentrar nas descobertas feitas no grupo que havia entrado no facebook e condicionar sua energia para o ato que viria.
Seu conflito interno foi interrompido quando um pedaço de uma das janelas da frente se abriu e ele finalmente pôde constatar que ela estava em casa. Os cabelos cacheados de Rebecca estavam secos como palha, presos em um coque desajeitado. Sua aparência duvidosa aumentou em muito a repulsa que Jinjin passou a nutrir por ela desde o dia anterior. Ela sumiu da frente da janela deixando-a aberta, enquanto alguém parecia movimentar a fechadura da porta. Logo saiu a mãe de Rebecca, carregando duas caixas empilhadas, com a filha vindo logo atrás trazendo mais uma. A senhora tinha uma mancha arroxeada estampada em seu rosto e olheiras profundas com a de um zumbi.
Jinjin se acomodou atrás da amendoeira e focou somente em ouvir os sons, o coração quase saindo pela boca. Passou a mão por um objeto que trazia na sua cintura para se controlar e se manter no presente. Do lado de fora, mãe e filha não conversaram mais, somente pôde ouvir a voz arrastada e embargada da mãe dizendo:
— Só vou levar isso aqui e já volto. Tranca a porta.
O carro saiu deixando para trás um pouco de fumaça e o rastro do cheiro de gasolina. Jinjin se moveu com cuidado e viu a porta se fechando mais uma vez. Tinha de ser agora. Se esforçou para manter o controle sobre os seus membros que ameaçavam tremer, percebendo que o suor que saía freneticamente de suas mãos já começava a molhar o papel. Um som de música alta passou a vir da casa que agora só tinha acesa a luz de um cômodo nos fundos, o quarto de Rebecca. Jinjin limpou o suor, reuniu a sede de vingança que tinha guiado seus passos até ali e se dirigiu para o outro lado da rua sem nem mesmo olhar para os lados.
Ao tocar a fechadura, percebeu que Rebecca não havia trancado a porta, mesmo com ordens expressas de sua mãe. Essa constatação o deixou ainda mais feliz, "um trabalho a menos", pensou. Ao adentrar a sala iluminada somente por feixes da luz da rua e do quarto de Rebecca nos fundos, Jinjin deu de cara com um ambiente que mais aprecia ter sido invadido por um furacão. Quadros caídos no chão, uma estante que parecia ter sido revirada, uma poltrona tombada e cacos de objetos decorativos espalhados por todos os cantos. De fundo, tocava "Love To Hate Me" do Blackpink no último volume, fazendo um arranjo caótico e meio cinematográfico com o estado em que a casa se encontrava.
Sem precisar tomar cuidado com a possibilidade de fazer muito barulho já que a música estava muito alta, Jinjin atravessou o caos da sala se esforçando para conter a euforia que o atacou com a facilidade de entrada. Passou por uma cozinha igualmente caótica, mas não pior do que a sala. Seus movimentos quase que acompanhavam as batidas da música e seguiam a trilha musical composta pela voz das cantoras e a voz de Rebecca, como um cão de caça perseguindo um animal pelo faro.
Estava cada vez mais perto do quarto, que deixava escapar um pouco de luz da sua porta entreaberta. Era como se seus passos seguissem um instinto inato, apenas indo em frente. Não pensava mais no medo de dar errado nem no seu coração acelerado, naquele momento ele era apenas uma flecha seguindo na direção do alvo a toda velocidade.
Antes de olhar para dentro do quarto, deteve-se por um momento, sem pensar em nada, apenas se recordando da necessidade de cautela. Parou por um instante para se adaptar à altura do som e chegou levemente para frente, vendo que era possível ver o reflexo de Rebecca no espelho do quarto. Ela estava de pijamas e tinha os olhos muito inchados e água escorrendo pelo seu rosto, como quem acabou de lavá-lo. A sua visão causou um misto de sentimento que Jinjin nunca entenderia. Queria beijá-la na mesma intensidade com que queria cravar uma faca nas costas dela e vê-la definhar.
De repente suas mãos voltaram a suar e seu coração acelerou em muitas vezes, sem pedir licença. Sentiu a mesma raiva do dia anterior percorrendo sua corrente sanguínea como um veneno letal matando em poucos segundos. Quando deu por si, estava parado na soleira da porta do quarto de paredes rosa bebê, contendo apenas uma cama, um guarda-roupa, uma mesinha de cabeceira e uma mesa de estudos.
Rebecca, chorando enquanto cantava de olhos fechados de frente para o espelho, deu um pulo para trás ao abrir os olhos e se deparar com a figura de cabelos coloridos e postura de assombração na porta de seu quarto. A música foi pausada de repente e os dois se olharam por breves segundos até o coração da garota desacelerar e ela conseguir dizer:
— O que é isso? Como você entrou? O que está acontecendo aqui.
Jinjin não estava com paciência para responder perguntas e nem sequer sabia o que dizer. Sua mente estava compenetrada em apenas uma coisa, sem espaço para questões que fugissem do roteiro que ele criou em sua cabeça.
— Você foi embora cedo ontem.
Ele entrou no quarto e começou a passar a mão nos objetos que estavam em cima da mesa de estudos.
— Cara, como você entrou aqui? Por que você tá aqui? Eu não tô entendendo.
O olhar de Jinjin se deteve em um porta-retrato com a foto de uma criança de aparentemente 4 anos e dois adultos, todos muito felizes. Tomou-o em suas mãos para dizer:
— Sua casa tá meio bagunçada.
— Jinjin, o que tá rolando?
— Olha, eu esperava um pouco mais de organização da estagiária da biblioteca, isso aqui tá horrível.
— Mano eu não sei como você entrou aqui e nem porquê e eu sinceramente não me importo. Tá tudo horrível por aqui então, se for pelo que aconteceu ontem, me perdoa de verdade. Mas não quero falar sobre isso agora.
Pela primeira vez desde a sua prostração na soleira da porta Jinjin olhou Rebecca nos olhos, e suas mãos suadas e tremidas levaram o porta-retrato a ganhar o chão, fazendo a garota se encolher. O olhar dele agora era voraz, selvagem como de uma fera que desperta de um sono ou de um transe momentâneo. Este aumentou um pouco o tom de voz:
— Realmente parece que está tudo horrível por aqui. Para mim também tá tudo horrível, a coisa tá feia mesmo. Sabe minha mãe? Acho que você não sabe né? A chata quer se aproximar de mim depois de ter traído meu pai. Tá lá na Coreia esperando minha visita. Nunca mais vai me ver.
Rebecca não conseguia entender qual era daquele papel na mão direita de Jinjin após finalmente se dar conta dele. Mas, quando as mãos suadas dele ajeitaram um objeto que se acomodava no lado esquerdo da sua cintura, ela pôde sentir sua garganta trancar.
Apenas a cama, posicionada no meio do quarto, os separava.
— Cara eu sinto muito pela sua mãe, muito mesmo. E sinto muito também pelo que eu fiz ontem, eu não estava bem e não foi minha intenção. Então por favor me dê licença.
Mais uma injeção de raiva atravessou o corpo de Park Jin-Woo. Ele não foi capaz de emitir nenhuma palavra, apenas de agir. Atirou o papel meio manchado de suor na cama.
— O que é isso? — Ela perguntou, sentindo seu corpo ser preenchido por um nervosismo desconhecido.
— Você vai ler isso para mim.
Rebecca aparentou confusão.
— Como é que é?
— Você ouve bem, não é? Leia isso para mim, agora.
Ela pegou o papel com as suas mãos travando pela incógnita e confusão. Passou um olho rápido e desatento, em silêncio, não conseguia tirar os olhos dele.
— Ainda estou esperando.
— Isso é só a sua história. Eu já li e só tem umas coisinhas para melhorar, eu posso explicar depois...
— Eu disse para você ler.
— Cara, eu não tô entendendo nada. O que é isso? Você tá tão estranho hoje, o que tá acontecendo? Eu já pedi descul... AI MEU DEUS.
E ele puxou o objeto enigmático que se encontrava em sua cintura. A arma do seu pai, que foi do seu avô, bisavô e alguns outros, perdida na garagem. Estava velha, mas com certeza iria servir. Numa voz sussurrada como a de reptiliano ele avisou:
— Não devo estar sendo claro — respirou fundo — eu te pedi para ler o papel.
— Abaixo isso, Jinjin, abaixe isso. Você não é assim, me desculpa, desculpa, desculpa.
— Você só está demorando demais, por favor, leia.
A raiva e a tristeza lancinantes que preencheram seu íntimo desde o dia anterior haviam congelado a sua voz e endurecido momentaneamente as suas ações. Mas o fantasma da ansiedade e da dúvida ainda estavam ali. Era como um barril de óleo diesel, ela era o fósforo e tudo poderia ir pelos ares a qualquer momento.
— Isso tudo não faz sentido nenhum, nenhum mesmo.
Gatilho puxado.
— Ai meu Deus, se acalme por favor, pelo amor de Deus.
— É um pedido muito simples, leia em voz alta. Não vou pedir de novo
Ela pegou o papel com movimentos comedidos e o apertou até quase amassar, enquanto lágrimas jorravam de seus olhos castanhos. Fechou os olhos com força e engoliu em seco as suas lágrimas, se esforçando para produzir sons.
— É... — Limpou a garganta — A muitos anos-luz de distância, em uma galáxia desconhecida...
— Eu não estou ouvindo — ele apoiou os joelhos na cama e chegou mais perto dela. — Repita.
— A muitos anos-luz de distância, em uma galáxia desconhecida... — ela olhou para a arma — não, eu não consigo, não consigo, me desculpa.
— Vocês são assim? Umas ridículas quebradoras de coração.
A expressão facial de Rebecca rapidamente denunciou um acréscimo de indignação ao seu desespero.
— Todas vocês? Tá falando de mulheres? E com esse tom?
— Quem fala sou eu, e eu tô te mandando ler. Nem isso vocês fazem bem?
Rebecca foi invadida pela raiva.
— Nem isso fazemos bem. O que é que você quer de verdade? Meus pais brigaram como dois animais ontem, ele traiu ela, se separaram hoje e mesmo assim eu fui até lá porque você sempre foi sozinho, não quis te chatear, e você me vem com essa?
— Como você é baixa. Tem pena de mim, é? Não preciso da sua caridade.
— Acho que você precisa de ajuda sim, todo mundo vê isso, menos você. Você é o quê agora? Incel? Cara, procure se tratar.
Ele não esperava aquela colocação. Seu braço foi abaixando lentamente até que a arma estivesse voltada para o chão e sua expressão, antes impenetrável, se desfez feito sal se dissolvendo na água do mar. O que estava fazendo ali? O que tudo aquilo significava? Sentiu as águas tomarem seus olhos enquanto seu corpo se encolhia e ele se abaixava lentamente. Não foi capaz de notar, mas murmurava baixinho enquanto se fechava feito borboleta no casulo: "incel, eu sou incel? Incel". Quando deu por si estava no chão do quarto de Rebecca encolhido como um feto e sussurrando palavras agora sem sentido nenhum. E chorava, chorava como não fazia há muito tempo, ainda que sentisse tal necessidade.
Rebecca se encontrava parada como uma estátua, o coração quase saindo pela boca não ousando se mexer. Agora de fato sentia pena dele e dos sofrimentos que também o perseguiam. Jinjin jazia lá, sua mente sendo invadida por flashbacks intensos de uma abandono materno e duas rejeições amorosas. Era como um corredor cheio de quadros pintados com as maiores chacotas da sua vida, e a palavra proibida dita por Rebecca estava gravada no final. Eram mais parecidos do que imaginavam.
Porém, a sua repentina empatia foi interrompida pela constatação da vulnerabilidade de Jinjin e da consequente facilidade em poder tomar-lhe o objeto que lhe ameaçava a vida. Mas, o impulso dela de se proteger tirou-lhe toda cautela e prudência. Se atirou para cima dele. O movimento abrupto ativou o sistema de defesa de Jinjin e os dois entraram, quase que de forma instantânea, em luta corporal.
Braços sendo contidos, arma rolando para longe, cabelos sendo puxados, corpos sendo esticados, arma sendo pega por uma mão, outra mão tentou afastá-la, a arma foi trazida para o centro da luta... E pow. A pólvora foi acionada e expelida.
Viu-se respirações ofegantes e grunhidos de dor, até Jinjin perceber o estrago. Um sangue muito vermelho ensopava a camisa branca de Rebecca. Parecia cena de filme, seus olhos arregalados, sua mão também já suja e sua voz doce murmurando pequenos pedidos de desculpa para o garoto que também se encontrava de olhos arregalados e apertando sua cabeça com ambas as mãos. Jinjin se soltou de umas das mãos dela e se afastou, soltando gemidos e murmúrios atônitos. Suas mãos tremiam como nunca antes, enquanto observava o chão do quarto tomar uma nova tonalidade. Como foi capaz? Ele realmente a amava? Talvez nunca saberia.
As cartas estavam postas na mesa e os problemas garantidos. Enquanto isso, via-se mais uma curiosa cena, talvez tão curiosa quanto um livro sobre uma princesa intergaláctica e sua busca pelo amor verdadeiro e pelo poder. Não eram lutas entres naves alienígenas no meio de uma galáxia, mas um garoto de 17 anos com as mãos sujas de sangue aferindo o pulso de uma adolescente sem nem mesmo saber como.
Ele gritou, se mordeu, se desesperou. Andou para um lado e para o outro, olhou para a porta de entrada. Se fugisse seria pego de todo jeito. O que fazer? Para onde ir? O garoto pôs as mãos no bolso e sentiu um vidrinho esquecido. Era a única forma de resolver aquilo. Nunca havia tomado mais do que um comprimido por dia, apenas o necessário para regular suas crises de pânico. Mas o que o vidro inteiro poderia fazer? Pensou nos pais, eles não ligariam mesmo.
Virou o conteúdo goela abaixo e viu pela primeira vez materializado na sua frente uma nebulosa em seus tons de lilás, rosa e azul e a sua protagonista em seu planeta esverdeado. Ela não olhava para o nada, somente admirava o fracasso de seu criador. Doía muito tudo aquilo, não só no seu emocional, mas também no seu corpo físico. O sangue vermelhão e as paredes cor de rosa agora pareciam anuviados e cobertos por uma película ou filtro. A imagem se embaçou um pouco mais, depois mais um pouco, e depois... Nada. Talvez Rebecca tivesse mexido um dedo, antes de tudo escurecer.
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