💫Eunwoo → Suave como Creme de Avelã |3
CAPÍTULO FINAL
Como creme de avelã
O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
1 Coríntios 13:6-7
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𝖣𝗈𝗋𝖺
A primeira sensação que tive ao abrir os olhos tinha cheiro de ovos fritos, panquecas, café quentinho e biscoitos amanteigados. Estiquei a cabeça para cima do sofá e encontrei você na frente do fogão, estava tão concentrado que não percebeu que eu havia acordado.
O aroma gostoso fez minha boca salivar e, em instantes, eu já estava de pé. Como se fosse atraída em sua direção, caminhei leve e quase saltitando pelo caminho, não sabia dizer como fizera, mas me sentia leve como uma pluma — quase como se pudesse sair flutuando pelo caminho. Você usava um avental de cor azul, bem clarinho, e estava lindo com o cabelo cobrindo o início de sua testa.
Quando me sentei à mesa, você se virou em minha direção e abriu um sorriso largo. Suas mãos seguravam uma bandeja com o café da manhã mais gostoso que eu havia visto na vida.
Lambi os lábios e você deixou uma risada alta escapar enquanto me observava encarar o bolo de chocolate com indecência.
— Nem pense nisso, Dora — alertou, com os cantinhos das pálpebras encolhidos e um sorriso fino nos lábios de quem parecia ter a habilidade extra-humana de ler meus pensamentos. — Esse aqui vai para a geladeira, é para uma encomenda pro final da tarde.
— Qual o sabor? — perguntei, ignorando completamente o seu aviso e focando no bolo redondo de massa preta, parecia extremamente fofinho e saboroso.
— Floresta negra. — Antes de responder, você soltou um suspiro um tanto incrédulo e brincalhão, mas mesmo assim decidiu deixar a bandeja de café da manhã na bancada de mármore à minha frente e seguir caminho até a geladeira com o delicioso bolo nas mãos.
— Isso é covardia! — reclamei, quase gritando. — É meu sabor preferido!
— Eu sei — com a serenidade de um vilão maquiavélico de dorama, você respondeu contente, parecia se divertir. — Você nunca muda! — sua última fala saiu baixinha e entre dentes e eu até poderia ter reclamado, é só que aquele bolo de chocolate era muito mais atrativo para mim.
— Você é muito cruel, Eunwoo! Vai mesmo tirar o doce da boca de uma criança assim, sem nenhum remorso?
— Primeiro... — Você levantou o dedo indicador para o alto, mas logo teve que baixá-lo para usar a mão vazia para abrir a porta prateada da geladeira. — Você não é uma criança... — A mão que carregava o bolo aproveitou para colocá-lo na primeira prateleira, enquanto seus dedos ágeis deram conta de apertar as duas maçanetas para fechar a porta. E a luz da geladeira foi apagando conforme era fechada, levando consigo o brilho dos meus olhos e a esperança de saborear o bolo que eu tanto queria. — Segundo, deixe de ser tão dramática, Dora. Você só deseja o que não pode ter!
— Não é verdade! — protestei, mas você nem ligou.
— Eu fiz pra você esses biscoitos, mas você nem deu bola para os coitadinhos... — Os poucos segundos que usou para dizer essa frase foram mais que suficientes para carregar meus pensamentos para bem longe.
"Você depende de mim, não pode fugir." Ouvi aquela voz insuportável sussurrando em meus ouvidos, um pouco mais baixo do que antes, e senti um pequeno calafrio. Tinha medo de que ela voltasse a gritar, por isso nem ousei me mexer.
"Tudo o que deu errado, é culpa sua! Você sabe que não há nada bom em você." Quando dei atenção à voz, seu tom se tornou mais convincente, deixou de apenas sussurrar e me trouxe lembranças. De repente, comecei a pensar nas coisas que desejei, mas deixei escapar de meu alcance durante a minha vida, como o meu sonho de formar uma família feliz ou o emprego promissor que abandonei. "Você não vai a lugar nenhum, é por isso que fica parada enquanto todos evoluem ao seu redor." A voz parecia estar certa mais uma vez. Quando meus pensamentos começaram a me entristecer, ouvir você erguendo a voz para chamar a minha atenção, Eunwoo, de alguma forma me resgatou para a realidade de novo.
— Dora, você está me ouvindo?
Senti vontade de coçar os ouvidos, mas não fiz, parecia que dois tampões haviam sido retirados deles. Eu conseguia ouvir você, enquanto a voz que me entristecia se calou no mesmo instante, foi a primeira vez que isso aconteceu.
Era impressionante como você conseguia sobrepor ao zumbido que já morava em minha mente e ditava as leis, mas se dissipava completamente num simples gesto seu, e você não precisava muito esforço. No meio da tempestade, você era minha calmaria. Sua mansidão conseguia acalmar as águas salgadas revoltas que engoliam meu coração. Mas como você poderia ter o controle sobre o mar? Como conseguia me acalmar só com sua doce voz?
— Hum? — balbuciei e nem percebi que você havia se aproximado de mim em meio ao meu momento de distração. Ao dizer, os poucos centímetros que separaram meus lábios foram suficientes para permitir que você colocasse um biscoito em minha boca.
Arregalei bem os olhos, você estava perto, muito, muito perto.
Meu coração pulou no peito como uma criança alegre salta do trampolim até a piscina. Eu juro que senti minhas mãos perdendo os sentidos como se águas geladas cobrissem o meu corpo inteiro, estava submersa e congelada.
— Está gostoso? — perguntou, olhando em meus olhos.
— Gos-t-o-soo...
Quase engasguei. Você riu sem se afastar.
Céus! Eu tinha mesmo perdido a habilidade de falar?
A única coisa que meu cérebro conseguia fazer direito naquele momento era me ajudar a mastigar. Por isso, decidi me concentrar na textura do biscoito desmanchando em minha boca e no sabor que, primeiro, parecia adocicado, depois vinha um gostinho amanteigado e, por último, sentia um pouquinho de sal no final da língua. Delicioso! Bem feito como tudo o que você cozinhava.
— Dá pra ver que tá gostoso — ressaltou, inclinando as costas e esticando as mãos até tocar o seu dedo polegar na parte de baixo dos meus lábios. — Está se melecando toda!
Eu nem ouvi o que disse depois, só conseguia reparar no formigamento que começou no lugar que senti seus dedos me tocando, mas logo se espalhou por todo o meu corpo. Respirar se tornou mais difícil, era como se meus pulmões parassem de funcionar como deveriam e a temperatura subisse mais uns dez graus Celsius. A gola da minha blusa começou a me incomodar, como se apertasse meu pescoço e abafasse minha pele, meu corpo inteiro estava inebriado por sua causa.
Que calor!
De gelado, comecei a me sentir calorenta como se estivesse numa banheira de água quente. De repente, meus pés e mãos começaram a suar e pronto, já estava achando que ia ter um treco ali mesmo.
Você descolou a mão dos meus lábios e, em seguida, usou-a para apoiar o dorso do rosto, enquanto continuava me encarando como se eu fosse uma peça de arte exposta num museu.
Reparei em seus olhos escuros, como o bolo de chocolate de mais cedo, eles estavam concentrados e olhavam em minha direção sem medo. Eu me senti presa àquele olhar, como se perdesse o controle do meu próprio corpo.
Um olhar tão sereno, mas tão profundo. Eu não me lembrava de ter sido olhada por alguém com tanta intensidade, nem mesmo por você. Mas, se tinha uma coisa a qual conseguia me lembrar era daquele brilho limpo e verdadeiro que refletia em suas íris e me fazia sentir confiante. Um sentimento que dava aquela estranha sensação de que o mundo poderia desmoronar ali mesmo, porque a certeza de que você permaneceria ao meu lado era tão gritante que poderia ser ouvida pelos quatro cantos do universo inteiro.
É verdade, Eunwoo, parece que eu mantinha aquele costume ruim de sempre desejar aquilo que não podia ter. E seus dois olhos brilhantes pareciam-me como duas estrelas longínquas, ou como as luzes de um farol que apontam para uma ilha a qual jamais conseguirei pisar: totalmente fora da minha realidade, mesmo tão perto.
Meus olhos pareceram perder o controle quando desceram descaradamente na direção dos seus lábios. Eu sei, parecia que eu estava louca, mas não pude conter a vontade que crescia e crescia. Eu queria tocá-lo, como daquela vez na pracinha com os sorvetes derretendo em nossas mãos por causa do sol. A verdade é que sempre quis romper a linha que dividia a amizade que permanecia como uma cerca farpada entre nós dois, mas sempre recuava porque sabia que você sempre foi além de tudo o eu poderia desejar. Profundo e sereno demais para alguém tão rasa e confusa quanto eu. Superabundante, além do que eu podia merecer.
Uma tossida leve e desengonçada que veio de sua garganta me alertou da loucura que eu estava prestes a fazer e me puxou de volta à realidade. Um pouco depois, você se afastou e virou o rosto na direção oposta. Permaneceu com o olhar longínquo, olhando para as prateleiras acima da pia da cozinha. Os próximos segundos de silêncio pesaram como uma tonelada de culpa, que mais parecia uma muralha de chumbo, nas minhas costas. Em seguida, da sua boca um suspiro pesado escapou, antes de você falar num tom meio exagerado:
— Não acredito! Creme de avelã, preciso comprar creme de avelã!
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𝖤𝗎𝗇𝗐𝗈𝗈
Se me contassem que algum dia eu sentiria suas duas mãozinhas rodeando minha cintura com força, enquanto seu busto inteiro ficava colado em minhas costas assim, certamente eu não acreditaria. Mas aqui estávamos nós. Você estava abraçada a mim, sentada no banco da bicicleta.
— Eu não acredito que você não tem um carro, Eunwoo... — Você resmungou com as palavras emendadas umas nas outras e a voz arrastada, meu coração quase derreteu. — Sério, quem não tem um carro hoje em dia?
— Eu não tenho — rebati, minha voz soou um pouco emocionada. — Carros não fazem bem pra atmosfera e, se tenho pernas, então posso pedalar.
Seus dedinhos apertaram com mais força a minha barriga e isso me fez arrepiar e perder um pouco da noção de espaço-tempo. Tudo ainda parecia como um sonho difícil de acreditar. Na última vez que andamos de bicicleta assim, juntinhos, ainda éramos dois adolescentes no ensino médio. Quando sua respiração morna foi de encontro à região um pouco abaixo da minha nuca, meu coração acelerou, era tudo tão estranho porque parecia que viajamos para o passado numa máquina tempo.
— Ah, claro, a atmosfera... — disse você, em tom baixo. — Eu quase me esqueci que você é todo ambientalista.
A calçada de paralelepípedos fazia a bicicleta pular a todo instante, minha mente estava um pouco distante e meus pensamentos voavam como pássaros em direção às fronteiras do planeta Terra. Eu estava pedalando de pé, enquanto você estava atrás de mim, sentada no banco. Por um momento, tentei acalmar meus pensamentos e me desconectei de tudo, concentrando-me apenas na brisa que esvoaçava meus cabelos, ou no cheiro fresco da manhã.
Notei ali que fazia muito tempo desde que não via uma manhã tão radiante como aquela, mas também não é como se todas as manhãs tivessem se tornado feias antes daquele dia. Como se um fardo saísse de minhas costas, como se o ar tivesse se tornado mais leve e puro.
Eu sabia que não era o dia que estava diferente, eu estava diferente.
Era a mesma calçada de paralelepípedos que dava naquela lojinha de conveniência de fachada vermelha. O caminho que me acostumei a fazer diversas vezes quando esquecia de comprar algum material importante para os meus bolos e doces. Todavia, ainda que fosse tudo igual, meu coração batia numa frequência diferente.
Era como sair de um poço escuro. Como ver a luz no fim do túnel e perceber que ainda é possível encontrar a felicidade, que é possível levar a vida de um jeito mais leve.
Eu estava contemplativo quando sua voz me chamou a atenção para a realidade:
— É por isso que você mora aqui?
— Hum? — murmurei.
— A calmaria, a natureza... É realmente muito bonito.
— É sim — concordei, mesmo sem saber onde você queria chegar.
— É isso que me impressiona em você, Eunwoo. O que sempre me impressionou... — Sua bochecha encostou na parte de trás dos meus ombros, antes de prosseguir. — Você sempre disse que moraria no interior, perto da natureza. Você sabia o que queria desde o início e correu atrás disso. — Um suspiro alongado separou sua fala. — Você nunca desistiu de si mesmo. Conquistou tudo o que quis... Eu tenho inveja disso.
Senti algo semelhante a um aperto no peito, como se uma faca fosse enfiada bem na direção do meu coração. De repente, respirar se tornou mais difícil e áspero, como se o ar estivesse contaminado com pequenas partículas espinhentas e pontudas.
— Não é verdade... — tentei dizer, mas as palavras não saíram.
— Não minta para mim por pena! — Sua voz estava alterada. — Eu lembro dos dias naquele quintal, na casa da sua família, quando deitávamos sobre a mesa de madeira no jardim dos fundos e contávamos o que faríamos de nossas vidas. Eu vejo que você fez tudo exatamente como disse que faria e conseguiu realizar tudo o que quis. Diferente de mim, você não deve ter nenhum arrependimento.
— Não é bem assim... — Por mais que eu abrisse a boca para falar, era como se perdesse a habilidade de formar frases com sentido. Me faltava coragem para dizer o que estava entalado na garganta, mas você continuou falando.
— Eu deixei meus sonhos irem embora. Quando olho para trás vejo que nada conquistei. Você sabe como é acordar todos os dias querendo voltar no tempo para mudar sua vida inteira? É corrosivo, às vezes não consigo nem dormir. Mas você não deve entender...
Ah, Dora... Se você soubesse.
— É como tomar uma gota de veneno por dia — interrompi sua fala quando a minha voz finalmente escapou, mais emocionada do que eu gostaria. — Não é o suficiente para matar, mas nunca deixa de queimar suas entranhas.
O toque que você tinha em minha cintura ficou mais frouxo, quase imperceptível. Minha mente começou a esquentar, como se eu finalmente tivesse me dado conta do que havia dito.
— Então você me entende? — sua voz parecia incrédula.
De repente, aquela cor vermelha ofuscante saltou em meus olhos, cor que normalmente eu detestava e achava de muito mal gosto. Não entendia como haviam escolhido algo tão exagerado e extravagante para estampar a entrada de uma lojinha de conveniência, mas foi a primeira vez que fiquei verdadeiramente feliz ao ver aquela pequena lojinha vermelha.
— Chegamos — falei com uma dor estranha na garganta, era como se as palavras rasgassem tudo antes de sair. Não queria me explicar, não queria que fosse daquele jeito, pois ainda doía muito e eu não conseguia pensar numa forma de dizer sem parecer que estava completamente descontrolado. Não queria verbalizar que passei os últimos anos com a culpa entranhada em meu estômago, sem nunca digerir.
Ainda em silêncio, desci da bicicleta e ofereci minha mão para ajudá-la a descer também. Você me olhou com os dois olhos esbugalhados e permaneceu quieta, parecia esperar por alguma explicação minha, mas eu apenas desviei o olhar e entrei na lojinha assim que seus pés pisaram no chão cinzento. Mais uma vez fugi de você, desejando que assim pudesse encerrar aquele assunto doloroso.
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𝖣𝗈𝗋𝖺
"Eu avisei que não conseguiria sem mim. Porque não é digna de amor." Aquela maldita voz havia voltado com tudo para a minha cabeça, e o pior de tudo é que ela parecia estar cada vez mais certa. Meus pés batiam no piso freneticamente e sem que eu pudesse ter controle, estava ficando cada vez mais nervosa.
Era como voltar aos dias ruins, porque eles sempre começavam com uma brisa calma e, em segundos, me engoliam inteira num furacão de ar e poeira que não necessitava de muito tempo para fazer um baita estrago. No fim, a culpa era sempre minha: por não fechar a boca, por não abaixar a cabeça, por não dobrar as pernas, motivos nunca faltaram. Só de pensar que um furacão pudesse levar você de mim, calafrios percorriam minha espinha do início ao fim. Eu não podia perdê-lo, ou não me restaria mais nada.
Enquanto meu cérebro fritava como ovo na frigideira, Eunwoo soltava alguns sorrisos forçados em minha direção toda vez que eu tentava puxar algum assunto, mas a conversa não durava mais que um minuto e você logo voltava, do outro lado do balcão, a encarar o bendito bolo de chocolate. Isso já foi suficiente para encher minha cabeça com paranoias.
Espremia meus dedos uns contra os outros, totalmente arrependida por ter sido tão insensível. De repente, me dei conta de que pouco sabia sobre você, Eunwoo. Foram longos anos de distância, era bobagem acreditar que continuava o mesmo de antes. Se eu não era mais a mesma garotinha sonhadora, por que você seria?
Uma friagem despontou no fundo do meu peito, porque a ideia de ter perdido o melhor amigo que já tive se concretizou como o iceberg gelado que afundou o Titanic.
O que será que passava em sua cabeça, naquele momento? Seus olhos quase nunca iam em direção a mim, Eunwoo. Você não me encararia nem se eu tivesse com piscas-piscas envoltos pelo corpo inteiro, ou se fosse um outdoor extravagante. Parecia fugir de mim a todo custo, exatamente como eu fiz depois de beijá-lo naquele dia.
— Pra que é o bolo? — perguntei, me esforçando para que minha voz não soasse angustiada demais.
— Uma ocasião especial. — Permaneceu sem me olhar, quando respondeu.
— Tipo um aniversário? — continuei puxando assunto, porque se tem uma coisa que nunca me faltou na vida foi a habilidade de ser cara de pau.
— Tipo uma festa de boas-vindas — desta vez, seu olhar se concentrou em mim, mas durou um milésimo de segundo até que voltasse para o bolo.
— Pra quem?
— Uma garota.
Você ainda parecia desinteressado, mas eu não desistiria tão fácil assim.
— Ela é bonita? — Tá, eu assumo que essa pergunta escapou sem pensar. Em minha defesa, me arrependi de ter feito no instante em que você acenou a cabeça positivamente, mas sem abrir a boca.
Qual o problema de ela ser bonita, Dora? Você não está mais no ensino médio para ter inveja do seu melhor amigo. Na verdade, não tinha nem o ensino médio e nem o melhor amigo de antes, tudo estava tão diferente.
— É sua namorada? — Eu poderia ter parado as perguntas no momento que meu peito ardeu de ciúme bobo, mas, como não tinha nada melhor para fazer, resolvi continuar torturando a mim mesma.
Notei quando Eunwoo suspirou pesado, depois largou a manga de confeiteiro e fechou os olhos. Por alguns segundos, ficou em silêncio. Olhou para mim depois, parecia que eu havia finalmente conseguido sua atenção.
— Por que a pergunta? — após perguntar, você arqueou a sobrancelha levemente, mas sua voz era serena e até um pouco preocupada.
— Não somos amigos, uai?
"Diz que somos amigos! Diz que somos amigos" Eu pensava, repetidas vezes.
Minha mente estava uma confusão, naquele momento eu não tinha mais certeza se a pessoa que me abrigou em sua casa era ou não meu amigo.
— Somos amigos. — A última fala saiu num tom ríspido, meu coração congelou.
Por algum motivo, ouvir sair aquela palavra "amigos" sair de sua boca para se referir à nossa relação, não parecia mais suficiente. Porque, se encontro uma senhorinha na padaria e a acompanho até sua casa, então posso dizer: "somos amigas". O cobrador do ônibus pode ser meu amigo, o motorista do táxi também, muitas pessoas podem ser meus amigos sem sequer me conhecer de verdade. Era isso que eu significava para você?
Como o ácido destrói toda a superfície a qual entra em contato, senti meu coração se despedaçar com a possibilidade de não ser alguém importante para você.
Será que eu era a louca que você acolheu em sua casa por pena e depois chamava de amiga? Então foi por isso que nem me perguntou o que aconteceu comigo para aparecer em sua casa numa noite fria, como uma sem-teto arruinada?
Meu humor murchou no mesmo instante. Você sempre foi muito educado para rejeitar ajudar alguém. Eu poderia ser um inconveniente em sua vida agitada, talvez nem me quisesse em sua casa.
— Ela é bonita, inteligente e tem um sorriso muito meigo. Eu gosto da cor dos seus cabelos, do cheiro, da voz doce que ela tem até mesmo quando me irrita. Gosto da companhia e sinto saudades quando não estou com ela.
Enquanto Eunwoo falava, meu coração disparava no peito sem nenhuma explicação. Parecia que eu estava ouvindo uma declaração apaixonada e, por algum motivo, não gostei de ouvir.
— Então é sua namorada... — Levantei da cadeira, minhas mãos suavam e tremiam, uma tristeza estranha tomou conta de meus pensamentos. Era uma sensação de vazio e abandono.
— Não é minha namorada... ainda.
Senti que uma facada doeria menos que sua última palavra.
Saber que você estava apaixonado por outra garota doeu de um jeito diferente, um jeito que nunca imaginei que iria doer porque nunca tinha imaginado que um dia aconteceria. Porque preferi me manter ocupada no meu casamento fracassado e nos meus problemas até esquecer que você também tinha sua própria vida.
Afinal, o que eu estava esperando?
Esperava voltar e que as coisas se tornassem como antes?
Bobagem. Tolice.
Estava à frente de um Eunwoo maduro e diferente do que cheguei a conhecer algum dia. Pois, o tempo passou e eu deixei que levasse consigo as melhores fases da minha vida.
Enquanto eu estava perdida nas consequências catastróficas de minhas próprias escolhas, as pessoas ao redor construíram suas vidas com muito mais sabedoria. Era como se todos estivessem indo a um lugar muito mais promissor e eu fosse a única parada no tempo, sozinha.
Era solitário demais viver assim.
— Eu sinto muito, muito mesmo. — Com passos pequenos e tímidos, me aproximei da bancada que você estava. — Me desculpa ter falado aquelas coisas pra você, mais cedo. Não sei o que estava pensando, interpretei tudo como quis...
Você arregalou os olhos em minha direção, parecia surpreso.
— Dora... — tentou falar, mas não esperei.
— Claro, você tem a sua vida. Está apaixonado por uma garota e não é culpa sua que a minha vida tenha deslanchado completamente. Me desculpe por ser egoísta e, às vezes, só pensar em mim. — As palavras pareciam navalhas em minha boca e logo senti as lágrimas ameaçando escorrer em meu rosto. Não conseguia entender como podia doer tanto. — Você sempre foi muito bom, Eunwoo, bom demais para mim...
Minha última fala foi uma confissão de desespero que esteve entalada por todos esses anos. Desde o ensino médio, eu sabia que aquele beijo fez tudo mudar entre a gente porque eu nunca consegui me achar boa o suficiente para você. Porque viver recebendo migalhas em relacionamentos rasos pareceu, para mim, o mais justo para alguém como eu.
— Me desculpa, eu não deveria ter voltado...
Já tinha desistido de controlar o choro, as lágrimas já desciam sem parar. Estava perto de você, quando decidi recuar com o rosto molhado e o saldo de dignidade negativo na conta, mas suas mãos me impediram.
Você me segurou pelos ombros e me puxou, ainda que tentasse me impedir de fugir, seu toque era atencioso para não me machucar. Apoiou-me de costas contra o balcão e colou sua cintura grudada na minha, depois subiu as mãos para os dois lados das minhas bochechas para erguer meu rosto.
Quando encontrei seus olhos escuros, mesmo de roupas, senti-me despida da forma mais avassaladora da minha vida. Pela primeira vez, eu não estava me escondendo atrás de uma desculpa ou relacionamento. No fundo, a primeira pessoa que passava em minha cabeça nos piores e nos melhores momentos sempre foi você, foi por isso que resolvi voltar, porque nunca fui capaz de lhe esquecer.
— Não faça esse rostinho de filhote abandonado, eu não estou bravo com você — respondeu às minhas dúvidas que não tive coragem de pronunciar em voz alta, como se lesse meus pensamentos.
— Não está bravo com o que eu disse? — Funguei o nariz, olhando para você com os dois olhos apertados.
— Você não é pouco, Dora, é tudo o que eu quero, sem tirar nem pôr — dizia com toda a paciência do mundo, enquanto eu continuava a encarar você. Mas, por mais que observasse, eu não conseguia descobrir o que te tornava tão diferente de tudo o que havia conhecido. Era cuidadoso até quando eu estava errada, se preocupava comigo até quando eu estava sendo egoísta e o pior de tudo é que nunca pedia nada em troca!
Meu peito se encheu de uma quentura que me trouxe conforto, era impressionante como você não precisava de palavras para dissipar as minhas confusões. Enquanto estávamos parados, seus olhos permaneceram concentrados em mim e me passavam tanta ternura que eu jurei que fosse capaz de derreter como manteiga em seus braços.
— Dora, é você! — disse, ainda olhando firmemente em meus olhos. — Você, sempre foi você.
— O quê? — Minha mente estava tão confusa que se alguém me mandasse dizer quanto é um mais um, eu provavelmente diria que o resultado é onze.
— É você quem amo... — Eunwoo tinha uma voz tão aveludada que juro que senti-la acariciando meus ouvidos. — Por isso, não chore, por favor... — Escorregou os polegares ao longo das minhas bochechas, enxugando minhas lágrimas. — Me desculpe, Dora. Por não ter lutado por você, por não ter me confessado quando tive tempo, por desistir assim que outra pessoa apareceu em sua vida. Me desculpe por nunca, sequer, ter dito como você é importante para mim. É culpa minha, por causa da minha covardia, e me desculpe também por contar tudo isso tarde demais.
Alguns soluços perdidos escaparam de minha boca. Você parou sua confissão e me olhou com ainda mais ternura enquanto enxugava as lágrimas que desciam por meu rosto.
— Você fica bonita até quando está chorando... — O sorriso fraco que tinha nos lábios se desmanchou rapidamente. — Ver você voltar tão arrasada me deixou preocupado, mas eu preciso dizer que ter você comigo de novo me deixou muito feliz. Eu não me importo com nada do que você fez, eu também não quero que fique aqui só porque agora sabe que eu amo você.
— Me ama? — repeti, pois ainda era difícil de acreditar no que estava acontecendo.
— Muito. — Continuou acariciando minhas bochechas e me deu um leve sorriso que foi o suficiente para me fazer sorrir também. — Mas o meu amor não deve ser uma prisão para você. Está tudo bem para mim se não puder me retribuir, mas saiba que estarei aqui para você sempre que precisar. E você não é um desastre, Dora, é a garota mais incrível que já conheci.
— Você está me deixando sem graça... — Imaginei que minhas bochechas estivessem vermelhas como tomate maduro e você riu fraquinho como resposta.
— Eu pretendia fazer uma surpresa bonitinha, com seu sabor de bolo favorito, para contar isso de um jeito melhor... — Esticou as palavras, como se estivesse pensando. — Mas, agora o que eu queria mesmo era pedir desculpa.
— Pedir desculpa? — Franzi o cenho. — Por quê?
— Por isso.
Mal terminei minha pergunta e você já aproximou o seu rosto do meu. Em meu peito, meu coração pulava como louco. Nossas bocas se tocaram sutilmente e permaneceram assim por um momento. Não foi o maior beijo do mundo, nem o mais ousado, foi como um selinho lento, mas não deixou de ser muito bom.
Minha respiração descontrolada daquele jeito gostoso que deixa o estômago embrulhado foi a confirmação que faltava para eu descobrir que o que sentia por você sempre foi muito mais que simples amor, apesar de ter demorado bastante tempo para aceitar isso. Após um tempo, um flash de lucidez me fez recobrar a consciência.
— Isso tá muito rápido. — Me separei de você, empurrando levemente seu peito, mas permaneci sorrindo.
— Certo, me desculpa. — Você tossiu algumas vezes, um pouco envergonhado e tentando conter o sorriso, mas estava tão bobo e feliz quanto eu. — Vamos com calma, ainda temos muito tempo...
Era como me livrar de um grande peso, como desamarrar dois quilos de cimento em cada um dos pés. Me sentia mais leve e as minhas inseguranças pareciam ter evaporado como num truque de mágica, até aquele barulho insuportável sumiu de meus pensamentos.
— Então esse bolo é meu? — Apontei para o bolo de chocolate que, naquela altura, já estava coberto com o creme de avelã que compramos na vendinha.
Você não me respondeu, mas pegou um pouco de creme que havia sobrado na manga de confeitar e sujou meu rosto. Começamos uma pequena guerra de creme até que nossos rostos ficassem da cor marrom, como uma máscara de chocolate.
— Tá uma delícia — você disse, lambendo os dedos após partir o bolo e me servir um pedaço. — Está tão...
— Suave — completei, como se pudesse adivinhar a sua fala.
Sabíamos que ainda havia um grande percurso pela frente. Confesso que ainda não entendia direito como ia ser o nosso processo até o fim, mas estava cansada de andar me preocupando com coisas que sempre fugiam do meu controle. Não tínhamos a resposta para todas as perguntas e nem podíamos voltar ao passado para consertar nossos maiores erros. Mas, naquela tarde, nada disso importava. Porque o que realmente queríamos era aproveitar aquele momento gostoso, deixando o passado no passado e entregando o futuro à possibilidade de viver do melhor jeito.
Desta vez, juntos.
Se tem uma coisa que aprendi ao estar do seu lado depois disso tudo é que o tempo é uma preciosidade que deve ser bem aproveitada. Sem comparações, sem viver de passado, sem carregar pesos desnecessários. Caminhar ao seu lado é como acalmar as batidas do coração e abandonar tudo o que me impede de andar ou dormir tranquilamente, é parar de dar ouvido às vozes pessimistas que só servem para me paralisar e impedir de iniciar uma jornada rumo ao horizonte ensolarado.
Dar as mãos a você é reconhecer que não vale a pena viver sem aquilo que espanta meus medos e torna a vida tão doce e suave como creme de avelã.
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No amor não há medo; pelo contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor.
1 João 4:18
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