Instalações da Libra, Hong Kong 22º 17' 07'' N 114º 09' 21'' E

Tempo transcorrido após o primeiro contato: 62 dias

O comboio - composto por três SUVs pretas blindadas e de vidros escuros - se desloca de forma apressada pelo asfalto da ponte que corta o Canal de Ma Wan. Erika, sentada logo ao lado de Janet, no banco de trás de um dos carros, admira a extraordinária vista da Baía de Victoria que o percurso do aeroporto até a base da Libra proporciona a todos que desembarcam na cidade. O trajeto tinha menos de 30 km entre o aeroporto e o prédio militar, no centro de Hong Kong, mas a primeira coisa que seu motorista havia lhe dito ao começar a viagem era que, devido aos protestos separatistas, o trânsito logo na entrada da cidade continental iria piorar, o que acabaria somando algum tempo extra de viagem ao cronograma.

Uma hora após terem pousado no Aeroporto Internacional de Hong Kong, as três caminhonetes estacionam na frente de um arranha-céu envidraçado em uma das mais movimentadas avenidas da cidade. A construção possui um pouco mais de cinquenta andares, sendo considerado um dos edifícios mais modernos da Ásia. Em suas quatro faces, quatro gigantescos emblemas da Organização Libra podem ser avistados de quase toda a cidade.

O edifício militar se localiza à frente da Baía de Victoria e é um dos muitos pontos de segurança máxima do planeta, com seguranças à paisana resguardando o perímetro 24 horas por dia, auxiliados pelo mais intrínseco sistema de vigilância eletrônica que existe.

Do segundo veículo, dois homens vestindo ternos pretos, óculos escuros e com cara de poucos amigos descem apressadamente e abrem as portas traseiras para as Engenheiras Erika Barnett e Janet White. Logo, as duas são escoltadas para o interior do arranha céu. Seu lobby, com piso e colunas inteiramente revestidos de mármore branco de altíssima qualidade, juntamente com poltronas de couro preto italiano, dão aos visitantes a sensação de estarem entrando não em uma instalação militar, mas sim em um condomínio empresarial de luxo. O fluxo intenso de pessoas que transitam pelo hall de entrada é composto, em sua maioria, pelos próprios agentes e trabalhadores terceirizados que ali atuam.

Com apenas um aceno em direção ao balcão da recepção, aquele que parece ser o chefe dos seguranças libera a entrada das duas convidadas que, sem muita delonga, tomam um elevador.

No 23º andar, o elevador para e abre a sua porta. Se a recepção não dava a impressão de pertencer a uma instalação militar em razão de sua rica decoração, esse andar traz os visitantes de volta à realidade. Uma grande sala abriga dezenas de mesas separadas apenas por divisórias de um metro e meio de altura. As estações de trabalho são ocupadas por membros da inteligência da Libra que operam e auxiliam missões de todos os tipos e níveis de complexibilidade a partir dali. No canto leste do salão, dividindo o espaço com as mesas, se encontra uma sala de reunião envidraçada. Logo vem à mente de Erika o quanto aquelas pessoas que se encontram em reunião ali se parecem com peixes em um imenso aquário.

Completando o ambiente, bem no canto oposto à sala de reuniões, uma pequena área de serviços, onde os oficiais podem aquecer e comer suas refeições em um dos três fornos de micro-ondas, ou apenas relaxar e tomar um café em uma das mesas redondas disponíveis ali.

As duas jovens são escoltadas através do salão até uma porta, na extremidade oposta por onde entraram. Uma confirmação biométrica por parte de um dos seguranças foi necessária para que elas tivessem acesso a um corredor muito bem iluminado. Os pisos de porcelanato brancos, assim como as paredes e até o teto, de onde luminárias com lâmpadas de led pendem, lembram os corredores de uma ala hospitalar. De fato, ali se encontrava o centro médico do complexo. Cerca de uma dúzia de fuzileiros muito bem armados conversam em pequenos grupos espalhados ao longo de todo o comprimento do corredor. Todos, além de estarem fardados com típico traje negro tático da Libra portam fuzis de assalto, modelo Sig Sauer MCX Rattler, em suas mãos.

- Algo me leva a crer que Berserker está bem atrás de uma dessas portas. - Janet cochicha no pé do ouvido de Erika, enquanto avançam em direção a uma porta dupla no meio do corredor.

De uma porta lateral, um homem de meia idade adentra o corredor e caminha em direção às engenheiras do C.O.D.A. Logo atrás dele, analisando alguns dados em um tablet sem prestar muita atenção no que ocorre a sua volta, vem um homem asiático de idade um pouco mais avançada, com seu jaleco aberto esvoaçando na altura das pernas.

- Finalmente vocês chegaram! - O homem de terno preto e sapatos de couro muito bem lustrados se encontra com Erika e Janet bem em frente à porta dupla com travas eletrônicas de segurança. - Sou Alexander Borissov, Diretor da Divisão Asiática da Libra.

- Prazer. Sou a Engenheira Chefe do C.O.D.A., Erika Barnett. E essa é minha Engenheira Assistente, Janet White. - As duas cumprimentam o Diretor local com um aperto de mão formal. - Onde está o alienígena?

- Vocês são bem diretas. Gosto disso. - Com sua mão, Alexander indica a porta dupla. - Ele tem sido mantido aqui dentro, garotas. - Doutor Zhao, se importa?

Doutor Quon Zhao, o chefe do departamento de pesquisas médicas de Hong Kong retira seus óculos enquanto aproxima seu rosto de um leitor óptico que, após alguns instantes, libera as travas eletrônicas que se abrem.

- Depois das senhoras. - Com uma leve reverência e um sorriso satírico no rosto, Borissov convida as duas engenheiras a entrar. Erika não gosta do jeito que aquele homem olha para elas. É um olhar abusado e desrespeitoso.

Assim que Erika e Janet se aproximam da porta ela se abre automaticamente, revelando uma sala de monitoramento em seu interior. Uma bancada em forma de U acomoda vários monitores e equipamentos de leitura. Nas telas, informações como batimentos cardíacos, níveis de oxigênio, pressão sanguínea e ondas cerebrais são transmitidas incessantemente, sendo atualizadas a cada segundo.

Logo que entram, os sensores de presença acendem as luzes da sala, revelando uma grande janela de vidro na parede oposta à entrada. Do outro lado do vidro, um quarto hospitalar pode ser avistado, com uma cama cercada por equipamentos médicos, emitindo os mais variados sons e conectados a um corpo desacordado.

Erika e Janet se assustam, deixando escapar um leve grito de surpresa, quando as luzes desse segundo aposento também são acesas. Após falhar ao tentar segurar a reação, Erika se amaldiçoa por ter dado esse gostinho ao Diretor Borissov. Ela não precisava nem se virar para saber que o olhar daquele homem não saíra de cima de si desde que adentraram a sala.

Agora, com a iluminação, é possível identificar a pessoa acamada.

- Vocês estão mantendo-o em coma induzido? - Janet se aproxima mais do vidro.

- Não exatamente, Engenheira White. - Dr. Zhao puxa a cadeira em frente à estação de monitoramento e senta, digitando alguns comandos no teclado. Logo, uma simples simulação em 3D começa a ser apresentada em um dos monitores. - Introduzimos um bloqueador de movimentos espinhal na medula do Sr. Dalmas, bem aqui entre as vértebras de sua região cervical. Atualmente ele está paralisado do pescoço para baixo, mas não está em coma. No momento ele está apenas dormindo.

- E isso é seguro? Por quanto tempo seus movimentos serão bloqueados?

- Não se preocupe, Engenheira Barnett. Enquanto o dispositivo estiver introduzido em sua espinha, ele não poderá se mover. - Dr. Zhao tira uma caixa de acrílico do bolso de seu jaleco e entrega à Erika. Dentro da caixinha, ela nota um segundo inibidor espinhal, exatamente igual àquele que foi inserido no pescoço de Dalmas, muito semelhante à um microchip com uma agulha em um de seus lados. - Esse ai será inserido após vocês chegarem na Sibéria. Ele possui uma vida útil, digamos, mais prolongada.

- Doutora Barnett, quero iniciar o deslocamento do espécime o quanto antes. - Em um tom mais alto de voz, o Diretor Alexander Borassov dirige a palavra à Erika, em uma clara tentativa de dar-lhe outro susto.

"- Que homem infantil e nojento!". - Erika revira os olhos e puxa seu smartphone do bolso. Com movimentos precisos dos dedos ela projeta de forma holográfica na sala o plano de voo de Hong Kong até a base militar na Sibéria. - Temos 6.500 km pela frente. Só quero me certificar de que no meio do vôo esse brutamontes não vá levantar e acabar com tudo e com todos.

- Como eu já lhe disse, Engenheira Barnett, a menos que esse dispositivo seja inadvertidamente arrancado de seu pescoço, vocês podem levar o tempo que for para chegarem até a Sibéria, o Sr. Dalmas não será capaz de levantar dessa cama.

- Você já assistiu a aqueles filmes de terror, onde eles tem que carregar um caixão ou sarcófogo, de um local para outro, e, no meio do trajeto a criatura desperta e arranca o coração de todo mundo? - Janet, puxando Erika de lado, cochichando novamente para a sua colega. Erika concorda - Então. Parece que é exatamente numa dessas situações que estamos nos metendo.

- Ei, garotas. Vocês não precisam se preocupar. Quatro caças de última geração estarão escoltando o avião de vocês. Uma equipe de agentes da Libra voará com vocês também. Se por qualquer motivo que seja, esse cara causar qualquer tipo de problemas mandamos ele pelos ares.

- Isso não funcionou muito bem da última vez! Como exatamente deveríamos nos sentir melhor, com essa informação?

- Fique calma, Jan. Não vamos piorar a situação. Vamos torcer para que tudo dê certo.

Ao perceber as duas cochichando, o Diretor Borissov fecha sua expressão e deixa a sala de monitoramento. - Vamos partir em duas horas, com ou sem vocês.

Após respirarem aliviadas com a partida do Diretor local, Erika se dirige ao Dr. Zhao.

- Será que podemos conversar com Dalmas antes de partirmos?

- Eu não sei se isso seria o mais sensato a se fazer, Dra. Barnett. Veja bem, quanto mais agitado ele ficar, mais o nosso dispositivo Inibidor precisará atuar para bloquear os seus movimentos. E mesmo que sua vida útil seja de 48h, eu preferiria não abusar da sorte. Prefiro mantê-lo dormindo pelo máximo de tempo poss...

- Ei. Veja, Erika. Acho queestamos com sorte. Ele acabou de acordar!