• PETROS || DOIS
As formas diante de mim se tornam um borrão. Meus olhos ardem assim como todo o meu corpo. Minha cabeça parece que vai explodir em pedaços, um grunhido rasga minha garganta tamanha a dor. Ouço sussurros ao meu redor, risadas de deboche e entre cinco segundos um apito alto que ameaça ferir meus tímpanos.
Meus pés estão instáveis, sinto como se eles tivessem se tornado gelatina. Um arfar deixa meus lábios quando me foco na besta diante de mim. Ele é mais alto que eu, seus chifres se elevam sobre nossas cabeças, de suas narinas algo parecido com chamas incandescentes saem por elas, sua pele cinzenta e extremamente quente solta fumaça. Ele dá um passo em minha direção quando rosnados saem dos seus lábios partidos em dois. O som machuca meus ouvidos, os sinto sangrar.
Ataco a besta quando ela tenta me tocar, ela grita quando minha espada forjada no mar subterrâneo tocado pelos deuses, lhe cortam a carne de seu abdômen. Animado em eliminar essa ameaça, sem perder tempo começo uma luta que parece desigual para mim pois a besta simplesmente não ataca. Quando ela está fraca demais para estar de pé, subo sobre seu tórax para terminar o trabalho. Seus olhos brilham amarelados por um instante e tenho a sensação de que conheço esses olhos mas logo a escuridão característica de seus olhos retorna e eu cravo minha lâmina tocada pelos próprios deuses em seu coração. Seu último batimento cardíaco é música para meus ouvidos.
Mas então há um grito de pavor que nunca vou me esquecer. Esse som me persegue até hoje. Um grito de dor misturado ao ódio. Um grito que destruiu toda a minha já planejada vida que se tornou miserável quando me dei conta do que havia feito.
- O que você fez Petros?
Respirando entre arfadas agonizantes, toco a superfície da mesa ao lado de minha cama, encontro lá a pequena adaga negra e cintilante que brilha no escuro mórbido de meu quarto. A aperto entre meus dedos assim que noto uma presença no quarto. Em questão de minutos estou de pé, meu corpo nú não é novidade para alguém que cresceu junto comigo.
Ainda está um breu entre nós. Não vou acender as luzes, não com meu estado atual de desordem emocional. Ícaro já viu demais e se eu gritei como nas outras vezes, ele sabe o motivo de eu não conseguir regular minha maldita respiração. Vou até as janelas de vidro cor de esmeraldas que tomam toda a extensão das paredes do meu quarto. Paredes essas que dão de encontro ao abismo negrume que cercam essa propriedade.
O calor de seu corpo igualmente grande e musculoso ao meu lado me põe em alerta. Ele sabe que não gosto de tanta proximidade desde que....pisco algumas vezes tentando expulsar as imagens repulsivas de minha mente quase turbulenta. Ainda com o cabo da adaga apertada em minhas mãos, aperto tanto que sinto a dormência dominar meus dedos, grunhido, passo - a para minha outra mão em um piscar de olhos, relaxando meus dedos danificados há muito tempo mais que me são muito úteis.
Uma, duas e três respirações depois, sinto sua mão agarrar meu ombro esquerdo. A frieza de seu membro causa um pequeno atrito em relação a minha pele quente e úmida de suor. Olhando - o de lado, vejo todo o seu perfil tão parecido com o meu, me lembro que muitos anos atrás quando nosso povo vivia na Grécia, eles afirmavam que nós parecíamos irmãos tamanha a semelhança entre nós. E as vezes pegava o rosto rígido dele toda vez que essa afirmação vinha a tona.
- Outro pesadelo primo?
- Nada de muito diferente do habitual!
- Sabe que posso te ajudar com isso.
- Não, eu já disse: sem magia!
- É o certo a se fazer, você não tem paz nem para dormir. E seu lugar está esperando por você...- me viro com uma velocidade absurda, ficamos nariz a nariz. Nossas respirações se misturaram em meio a madrugada gélida. Os olhos cor de caramelo estão brilhantes na noite escura.
- Não dormir ou ter paz é o mínimo que mereço por ter feito aquilo. Eu merecia mais....a morte talvez? - dou de ombros realmente não me importando com minha vida. Mas lá no fundo, uma parte pequena de mim deseja viver. Viver com...
- Sabe que aquilo foi um ataque dos nossos inimigos. Ele te drogaram...
- Não tem desculpa. Eu cometi um crime, tenho que pagar por ele.
- Se isolando? Você não vê sua família tem mais de duzentos anos. Sua mãe...
- Basta!
- Ela sente falta de você Petros. E seu pai...- ergui a adaga e ataquei, ele pisca algumas vezes, medo nadando em suas íris mas logo se recompõe. A ponta de minha arma paira a centímetros de sua bochecha esquerda. Ele engole em seco.
- Eu disse: Basta! Fui claro?
- Sim!
- Agora me deixe! Preciso de um momento só para mim.
- Mas....
- Só vá fazer o que tem que fazer Ícaro!
Com um aceno rígido de cabeça, se vira sob seus pés descalços e some corredor a dentro. Com raiva jogo a adaga contra uma pilastra a alguns metros de distância de mim, sua ponta afiada se fixa assim que atinge sua superfície lisa. Com uma respiração profunda, coloco somente uma cueca boxer azul marinho e corro. O ar frio da noite estrelada me atinge com força, aspiro - o sentimento meus pulmões apreciarem o gesto. Havia prendido minha respiração e não fazia ideia. A floresta que para muitos seria sombria, apenas remete a um passado onde eu era feliz em tudo.
Já livre do tecido opressor, deixo meus membros o mais relaxados possível. As pequenas pedras que estão no chão enlameado machucam meus pés mas a dor é bem vinda. Ela é sempre bem vinda. Fecho meus olhos durante a corrida, meus sentidos em alerta máximo. Me concentro e tento traze - lo a tona. Nada de músculos ondulando, ossos se partindo e se refazendo, nada de mais quatro membros ou minha crina.
Me deixo cair no tronco cheio de musgos a frente, a frustração me tomando inteiro. Ao mesmo tempo que tenho raiva, um sentimento de revanche me preenche. Pois foi na minha forma original que fiz aquilo. Cometi um dos meus maiores crimes. O outro foi me afastar dele, usando da maldita magia. Os pares de membros inferiores, malhados e firmes me lembram que não costumava usar minha forma humana com tanta frequência do que hoje. Faz tanto tempo que bani meu centauro para dentro de mim que nem sei mais como é estar sob quatro e potentes patas.
Ergo minha cabeça e fito o céu. Ele está escuro e repleto de estrelas. De cores e tamanhos diferentes. Com minha visão aguçada posso visualiza - las de perto. Um cometa passa por sobre minha cabeça, rasgando o céu com toda a sua potência. Sua calda deixando um rastro luminoso para trás. Me lembro que a última vez que vi um, eu havia conhecido - o. E minha vida nunca mais foi a mesma.
Com o coração tranquilo na medida do possível, volto para casa. Não encontro Ícaro ou qualquer um dos servos por perto, o que agradeci mentalmente. Vou até meu quarto, abro uma porta adjacente a do meu banheiro e mergulho na fonte. A temperatura morna da água, acaricia meus músculos lentamente. Mergulho e fico debaixo d'água por algum tempo. Quando meus pulmões protestam, subo para a superfície e me permito boiar até que o sono perdido anteriormente venha com tudo. Dessa vez eu não sonho com nada, a não ser um estranho vazio branco.
[....]
Conferindo as horas, termino de me arrumar. O terno de corte limpo e feito sob medida para mim se aperta em meu corpo, um sinal de que tenho que comprar roupas novas. Na certa ganhei mais massa corporal nesses meses. Vou até às portas duplas que há em meu quarto, abrindo - a, meus olhos vão em direção ao enorme painel que ocupa toda a parede. Há notícias antigas e atuais do que vem acontecendo há algum tempo. A enorme TV que ocupa outra parede pisca, tomo uma respiração profunda me preparando para o que virá. Pois quando algo ocorre, a notícia chega diretamente nela.
Me sento na mesa de frente a ela, minha atenção exclusivamente lá. A imagem que se abre diante dos meus olhos me faz estremecer. Há patrulhas humanas juntamente com alguns caçadores especializados em combater criaturas mágicas em uma cidade perto daqui. Ao fundo da imagem, há casas destruídas, pessoas que tentam se salvar das chamas, há terror, tristeza e raiva em seus rostos. Observo a data do o ocorrido, quase quarto dias atrás. Raiva me sobe. Quase espanco os botões do maldito telefone enquanto realizo a ligação, chama algumas vezes mas ele atende.
- Pri...
- Me diga por que estou sabendo desse outro atentado somente agora? Quatro dias depois?
- Petros, eu posso explicar!
- Pode e vai! Em meu escritório agora!
- Chego aí em vinte!
- Eu disse agora Ícaro! - desligo o telefone. Contrariando minhas ordens, meu primo entra em meu escritório quase trinta minutos depois. Ele me cumprimenta com um bom dia, que respondo grunhindo. Ele inteligentemente recua um passo ou dois. - Comece a falar!
- O ataque aconteceu realmente quatro dias antes...
- Disso eu sei.
- Eu queria esperar um pouco. Você anda um pouco estressado e tem seus pesadelos...
- Minha vida pessoal não lhe desrespeito. Se tenho pesadelos ou não, isso é problema meu. Minha liderança não pode ser influenciada por nada.
- Você me passou o cargo da liderança...- ele desafia. Me ergo dando a volta na mesa de vidro escuro.
- Não! Eu te coloquei como meu porta voz ou assessor. Você se reporta a mim qualquer coisa que saia do controle. Quando chegamos aqui os humanos não confiavam em nós. Eu não tirava a razão deles, nossa história não nega o quão selvagens somos ou éramos. Depois de anos tentando, consegui fazer um tratado com as autoridades daqui. Prometi manter meu povo na linha em troca de moradia aqui. Fomos banidos você pelo motivo que você sabe muito bem...
- Eu sei! Não preciso de aulas de história agora! Eu errei tudo bem! Na próxima vez...
- Não vai ter uma próxima vez! Amanhã encontrarei com Fabián em seu gabinete!
- Está disposto a sair daqui só para falar com aquele humano fraco?
- Estou perdendo alguma coisa aqui Ícaro? Estou te sentindo muito nervoso.
- Não...- ele se cala assim que recebi uma mensagem em seu celular. - Oh merda!
- O que houve?
- Você tem visitas, posso lidar com elas se quiser. - ele diz simplesmente. Tenta manter a calma mas o suor descendo por seu rosto indica o contrário.
- Quem?
- J - Jhex e Ahril!
- Os receba seja para o que for! - murmuro distraidamente. Há muito tempo eu não ouvia esse nome. E proibi qualquer um de menciona - lo em minha presença nos primeiros dias depois do acontecido.
Acenando afirmativamente, Ícaro praticamente corre até a sala onde eles estão. Vou até a minha mesa e abro meu notebook, digito alguns comandos, logo a imagem da sala de expande diante de mim. Meu coração frio se expande em um bater profundo, é quase caótico a mistura de emoções dentro de mim. Ele não mudou nada desde a última vez que o vi. Os mesmos cabelos curtos e loiro escuros, os mesmos olhos azuis esverdeados, a mesma barba cerrada, o maxilar esculpido a perfeição e o corpo que me lembro muito bem.
Meu!
Meu interior grita, mas pisco algumas vezes tentando silencia - lo. Ajusto o volume do áudio e aguardo.
Ícaro aperta sua mão firmemente, Jhex fita o aperto com um olhar fixo e perdido por uns segundos. Sua atenção se volta para o rosto de meu primo, sua boca fechada em uma linha. Se sentindo em casa, se joga no sofá, Ícaro não esconde sua cara de desdém. Um sorriso debochado cruza seu rosto. Esse sorriso, como senti falta dele.
- Vamos cortar o papo furado! Onde está seu digníssimo chefe?
- Quem comanda tudo agora sou eu! - o primeiro sinal de irritação surge e fico pasmo pois meu primo realmente se auto intitulou o líder.
- Isso não significa nada não é? Vou perguntar novamente: onde ele está? É covarde demais para aparecer? - Jhex rosna as palavras, sua calma indo para o espaço. A passos largos vou até a sala, meu coração estagnado em meu peito. A ansiedade em compartilhar um mesmo espaço com ele, me consumindo.
- Como usa seu....
- Eu posso falar por mim mesmo Ícaro, querido primo!
Jhex se torna tenso em meu sofá. As costas antes relaxadas estão eretas. Sua respiração engata em seus pulmões e me pergunto se ele respira. Os olhos faiscantes em direção a mim. Sua atenção se fixa em minhas pernas depois de passear por todo o meu corpo. Escondi um sorrisinho.
- Mas Petros... - a voz de Ícaro me tira do meu...meu o que? Pisco algumas vezes, noto Ahril com os braços cruzados, ele me observa sem expressão alguma marcando seu rosto.
- Arhil, tempo que não o vejo! - resolvo ignorar meu primo. Arhil me dá um aceno rígido de cabeça. Aperta seu ombro ombro e sai da sala. - Nos dê licença Ícaro!
- O que? Não!
- Não?- agora quem cruza os braços sou eu. Uma sobrancelha erguida. Dando um passo para trás, Ícaro deixa a sala. Então o espaço escandalosamente grande se torna pequeno demais para nós dois. - Jhex!
- Hum...- ele grunhe as palavras, apertando suas mãos em punhos.
Como ele está de pé e não se move em minha direção, resolvo dar o primeiro passo. Me aproximo dele, minha boca salivando de desejo e sinto meu olhos queimarem, escuros brilhantes de desejo. Engolindo em seco, recua um para trás. Assim que estou suficientemente perto dele, minhas narinas se alargam, pego seu cheiro e meu Centauro interior grita com raiva ao pegar um cheiro que não é dele adicionado ao seu
Macho! Grunhe meu animal interior aprisionado por mim há anos. O desejo é substituído pela raiva pura e simples. Uma gama de sensações me acertam em cheio, o de traição é o pior deles. E o mais devastador.
- Você...como pode?
- Eu o que? Seja mais claro Sr. Katsaros! - diz de forma petulante.
- Você cheira a outro! - sinto minha pele ondular, meus músculos querem se partir para dar início a transformação mas tento me segurar. Se meu Centauro sair agora, não virá boa coisa. Posso machuca - lo. Suas patas batem com as grades de minha mente, tento encontrar o foco.
- Ainda não entendo! - faz pouco caso. Um grunhido horrível deixa meu peito. Me afasto rapidamente dele quebrando um lindo vaso a minha esquerda.
- Você é meu companheiro! - minhas narinas se dilatam na mesma medida que ele gargalha, uma carranca toma seu rosto. Dando um passo a frente, ficamos nariz a nariz. Vejo - o prender a respiração, eu ao contrário aspiro seu cheiro mesmo contaminado por outro.
- E? - diz casualmente, estou por um fio de romper minha pele. Um rosnado deixa meus lábios, sinto o músculo de minha mandíbula saltar. Ele pisca algumas vezes. - Só por que somos companheiros não significa que tenho que te dar satisfações. - diz de fora gélida. Recuo como se tivesse levado um soco.
- Não me teste!
- O que? Vai me bater?
- Talvez você esteja merecendo umas palmadas! - minha cabeça tomba para o lado. Alguns de meus cachos caem sobre meus olhos, uma imagem minha com minhas mãos sobre ele tomam minha mente.
- Vá se foder! Em mim você não encosta! - recua um pouco mais, colocando outro espaço entre nós. Nossas respirações altas preenchem o ar. Meu peito retumba, meu Centauro pedindo para sair.
- Eu posso e vou! É meu direito! - digo as palavras que disse anos antes.
- Não vai! Pois quem me deixou foi você! - grita a plenos pulmões. A ira estava dominando seu ser, assim como o meu. Eu recuo mais uma vez, vejo que a vontade dele é me agredir, o que não estava longe de acontecer se eu levasse em consideração sua expressão assassina. Solta o ar com força, seu rosto está escarlate, com sua postura ereta, me lança seu melhor sorriso frio. - De qualquer maneira, o motivo de minha vinda aqui não está relacionada a nossa relação fracassada. Seu povo tem feito estragos, pessoas inocentes estão morrendo Sr. Katsaros. O governador Fabián está em nosso enlaço, pois ele não quer nenhum confronto. Por isso estou aqui. Fale com seu povo e mande recuarem. Assim o tratado entre os dois mundos permanece intacto.
Fecho a distância entre nós novamente. Minha cabeça indo a mil, eu quero estar mais com ele nem se for por mais algumas horas. Me lembro do meu escritório que fica em meu quarto, um plano se forma em minha mente. Um sorriso luminoso obsceno surge em meu rosto, ele quase se divide mediante o gesto. Vejo - o engolir em seco novamente.
- Bem, então me siga! Meu escritório é em meu quarto!
07/09/20
O surto gente
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