• JHEX || UM
Houve um tempo onde a paz era unânime entre nós. Fato que nunca acreditei ser verdade. Desde o momento que cheguei a Arkalon, país criado centenas de anos atrás com suas próprias políticas e leis, nunca acreditei que estivéssemos realmente em paz. Para mim paz era apenas utopia, que os governantes acima de nós usavam para nos controlar. Limitar nossa liberdade. Um exemplo disso é o toque de recolher que se inicia as onze da noite.
Como nunca gostei de seguir as regras, as onze e um estou nas ruas. As vezes fumando, outras com minha inseparável garrafa de cerveja ou somente para irritar os guardas de merda e dormir uma noite ou duas na prisão municipal. Meu superior, Ahril me odeia pois eu o faço deixar sua confortável cama para me tirar de lá. Eu somente gargalho enquanto estou tendo as algemas tiradas de meus pulsos.
Meu trabalho juntamente com meus colegas presentes nessa sala é garantir que a paz que tanto prezam seja mantida. A paz entre o mundo mágico e humano. Como guerreiros treinados, temos nossas especialidades e usamos delas em batalha. Mesmo odiando ser eu mesmo, eu luto para proteger as pessoas. Arkalon é o núcleo onde operamos. Mas há outros espalhados pelo mundo: Niehrger, Cjothil, Whehril e Mysthol. Em cada um deles, há um líder como eu com um superior que responde a um governador. Nós prezamos pela segurança acima de tudo. E por isso que três semanas atrás, quando meu comunicador tocou as cinco da manhã, eu sabia que as coisas estavam fodidas além da conta.
A situação está saindo do controle. Arhil está infeliz em sua sala, gritando com sua secretária quando ela respira muito perto dele. A economia está decaindo, muitas rebeliões para conter, o governador cheirando nossos cangotes e tem ele...Petros Katsaros. Líder dos centauros. O homem com que tenho tentado fazer contato mas não obtive nenhuma resposta em retorno. Tudo está por um fio e creio que isso é só o começo de tudo.
Suspirando, olho ao redor. A tensão na sala de reuniões é grande. Homens e mulheres com expressões fechadas, raiva irradiando de seus corpos e adrenalina percorrendo suas veias, loucos para irem para a luta. Eu os entendo, assim como eles também perdi pessoas queridas, as quais hoje nem ao menos me lembro de seus rostos mas ainda tenho em mim o sentimento horrível de que algo falta em mim. Não tenho família há muito tempo, tudo por causa de uma maldita maldição. Mas ao longo de minha eterna vida eu fiz amigos, e eles agora estão mortos. Seus sangues derramados por criaturas sanguinárias. Mas havia uma trégua, maldito tratado entre humanos e centauros. Um que está prestes a ir pelos ares.
- Eu digo que devemos ir com tudo contra esses filhos da putas de quatro patas! - Gion diz, raiva pura brilhando em seus olhos completamente negros.
- Caça - los e torturar cada um deles é minha alternativa! - Freya diz calmamente enquanto gira a ponta de sua adaga sobre a mesa feita de aço puro.
- Arrancar as cabeças e pendura - las em nossos muros! Eles verão que não se pode contra nós. - Urion brada socando a mesa. Seus punhos enormes e feitos especialmente para bater e quebrar ossos, estão brancos tamanha a força empregada no ato.
- Acreditem, essa também é minha vontade. Mas temos o tratado...- eles bufam em conjunto.
- Foda - se o tratado Jhex! Você mais do que ninguém não acredita nele. Por que a relutância em invadir a caverna onde o maldito centauro está e mata - lo de uma vez? - Freya cospe as palavras.
- Não sabe do que está falando Freya! Estou tentando contato...
- Ele não quer saber se seus colegas estão matando pessoas sem controle algum.
- Claro que não! Com toda a sua riqueza, ele quer mais é que todos se fodam!
- Filho da puta asqueroso.
- Sei que estão com raiva! Eu também estou porra! Mas como o Governador Fabián disse para tentarmos contato novamente. Deus rostos mostram o quão frustrados estão.
Há uma batida na porta. O silêncio voltando a imperar entre nós. Mas a raiva ainda é latente flutuando entre nós. Fecho meus olhos firmemente sentindo uma dor de cabeça chegar para tornar minha vida mais difícil, se isso for possível. Arhil entra na sala e instantaneamente o clima muda. A raiva antes sentida é sobreposta pelo respeito dirigido ao homem diante de nós.
Os braços musculosos, as mãos grandes assim como suas pernas longas, fazem um bom conjunto com sua pele negra. A íris amarelas cintilantes evidenciam prontamente sua origem. Mesmo sendo o último de sua espécie existente hoje. Os longos cabelos vermelhos vivos causa um contraste nítido em relação a sua pele.
Seus lábios carnudos e avermelhados se elevam em um sorriso mínimo de lado. Os braços se cruzam em frente ao seu amplo tórax revestido por uma camisa de mangas curtas azul. Em sua cintura estreita, há armas e facas das mais diversas formas e tamanhos. Caminha até a mesa onde estamos sentados inclinando o quadril contra ela.
- Por que pararam? Eu podia ouvir suas vozes altas e sentir a raiva de vocês, acreditem eu também estou com muita raiva. Mas como nosso amigo Jhex aqui disse: tudo depende do comando do Governador Fabián. O homem é intragável mas ainda paga nossos malditos salários.
- Odeio esse tratado assim como essa forma de governo. - resmunga Freya em um sussurro fraco mas Arhil ouve no entanto nada diz.
A quietude se instala em nosso meio. Cada um se permite perder - se em pensamentos tumultuados. A enorme TV diante de nós ainda exibe imagens do local onde aconteceu o último e recente ataque. Há tanto fogo e escombros lá. Alguns sobreviventes ainda estão deixando o local, em seus rostos há tanta dor, tristeza e raiva. Humanos indefesos, que assim como a maior parte da população se agarrou a segurança da existência de maldito tratado feito há centenas de anos antes. Um acordo que por algum motivo foi quebrado.
Passo tanto tempo preso em minha própria mente que não noto a sala se esvaziar, restando somente eu e meu chefe além de ser um amigo de longa data. Sinto sua mão em meu ombro, os dedos firmes se enrolam na carne tensa. A dificuldade e dureza da situação não me permite relaxar desde que o primeiro ataque aconteceu. Não era algo esperado por nenhum de nós. A surpresa do primeiro atentado em si, resultou na morte de uma cidade inteira.
Exalo lentamente, meus pulmões queimando indicam que eu detia o ar sem ao menos me dar conta. Quando eu permaneço mudo, escuto o som das rodas da cadeira ao meu lado rasparem contra o piso liso e escuro da sala. O perfume moscado de Arhil invade minhas narinas, mas eu consigo pegar seu cheiro natural.
- Nem todo o perfume do mundo vai mascarar seu cheiro de cachorro molhado amigo! - sua mão pesada ao extremo me atinge com força. Meu ombro, o local acertado literalmente se desloca. A dor é imediata, mas não demonstro. Ele ri baixinho enquanto eu com destreza coloco o membro no lugar. O estalo do ato se ouve de forma audível.
- Vejo que seu bom humor não morreu! Isso é bom!
- Não há mais o que fazer não é? Gritar como uma garotinha não vai resolver nossos problemas e muito menos descontar minha raiva contra ele.
- Tem razão! Mas eu posso sentir sua tensão há quilômetros de distância. Precisa resolver isso. - cruza os dedos sobre a mesa.
- Eu não entendo!
- O que não entende? Como o tratado funciona? Tenho todo o tempo do mundo para lhe explicar. - devolve a última parte com humor.
- Não!
- Então o que? - alguns segundos se passam onde somente nossas respirações eram ouvidas. Eu finalmente me viro em relação a ele.
- O silêncio dele.
- Petros Katsaros não é uma pessoa muito sociável. - a dor que sinto toda vez que escuto seu nome é nauseante. É como se uma parte minha adormecida há tempos voltasse a viver para depois entorpecer - se novamente. Uma parte que... o suspiro de Arhil me arranca de minhas divagações desnecessárias. Eu não posso me lembrar disso. Ele fez a escolha dele.
- Eu sei! Provei em primeira mão desse fato. Você sabe.
- Eu sei e sinto muito.
- Não sinta! Você não tem culpa de nada. O covarde foi ele.
- Como foi falar com ele depois de tantos anos?
- Foi...- aperto o cabo de minha espada, os nós dos meus dedos se tornando alvos com minha ação. Minha garganta se aperta dolorosamente.
- Bem...
- Não nos encontramos se é isso que quer saber.
- O que? Como? Fabián ordenou que sua conversa com ele fosse individualmente. Para não acontecer erros.
- Ele não quis. Preferiu fazer tudo via Skype. Tudo por uma maldita tela de computador. A minha vontade foi de ter entrado no maldito dispositivo e desfigurar a cara dele! - falo entre dentes. - Ele ao menos me olhou nos olhos. Tudo feito como se....- escuto a madeira rachar mediante minha força. Desço meu olhar até a fonte do som. O cabo de minha espada está destruído.
- Fique calmo Jhex! Se quiser posso mandar Naahil em seu lugar. A cidade dele foi a mais prejudicada nisso tudo.
- Não! - praticamente cuspi as palavras que saíram atravessadas de minha garganta, queimando tudo o que vinha pelo caminho. - Eu vou! Aquele filho da puta não me afeta mais!
- Tem certeza? Você parece prestes a explodir cara!
Fecho minhas mãos em punhos sobre minhas coxas, meus olhos viajando para minhas botas militares pretas e gastas. Tenho que troca - las. Depois de regular minha respiração, arrumar meus cabelos que caíram por sobre meu rosto, acaricio a cicatriz que pega abaixo do meu pescoço por inteiro. Com os ânimos calmos, volto meu olhar para Arhil. A cor amarela de seus olhos, me fitam intensamente.
- Tenho! Como está Cesthuyn? Ainda tendo enjoos pela manhã? - a nuvem que cobria seus olhos foi totalmente dispersada. Ele abre um sorriso tão grande que chega a ser medonho pois o homem não sorri. Mas é só falar de sua companheira que o cara amolece.
- Não! Graças aos deuses essa fase ficou para trás tem uma semana. - reviro meus olhos quando ele agradece aos deuses. Ele bufa alto. - Ok, não vou citar os deuses, está bom assim?
- Não imagina o quanto! Esses deuses de merda não fizeram nada a não ser foder com minha miserável existência. Quando vão saber o sexo? Há um padrinho aqui muito ansioso para encher esse mini lobinho de presentes.
- Não! A pequenina coisa não está cooperando conosco. Na última ultrassonografia estava de costas o danadinho.
- Bem, então o negócio é esperar não é? Ou talvez um de seus malditos deuses pode relevar o sexo do bebê não é? Eles são muito poderosos afinal de contas! - despejo sem me conter, sarcasmo puro irradiando de mim. Arhil ignora.
- Nem todos os deuses...
- Nem termine essa porra cara! Acha que o bebê será totalmente igual a você ou terá algumas características de Cesthuyn?
- Não sabemos! Mesmo sendo o último de minha espécie, não ligo de como o bebê virá a ser!
- Você merece cara! Cem anos tentando engravidar Cesthuyn e finalmente conseguiu. Eu pensei que seu pau não funcionava mais!
- Vá se foder Jhex! - me soca novamente, agora o golpe acerta minhas costelas. Me curvo mediante a dor, o estalido me indicando que o desgraçado quebrou uma ou duas.
- Porra cara! Minhas costelas, mão pesada do caralho! - ele dá de ombros, o sorriso abusado enfeitando o rosto. Arrumo minha postura e segundos depois sinto que estou bem e minhas costelas voltaram ao normal.
- Não consigo me acostumar com essa parte sua cara! Nós podemos curar se nos machucamos mas isso leva alguns minutos ou dependendo do ferimento até horas. E você, pisca está tudo no lugar.
- Agradeça a maldita bruxa mal amada por isso! - imagens de Antina me enviando adagas através de seus olhos cinzentos me arrepia inteiro, mas afasto essas lembranças de minha mente. Um simples "não", me trouxe até aqui.
- Você desviou o assunto você sabe sim?
- Sei! Foi de propósito, estou com dor de cabeça e pensar naquele fodido faz isso comigo.
- E você dizendo que ele não o afetava!
- Olha estou com fome! Cesthuyn fez aquele prato que gosto? - me coloco de pé. Arhil suspira longamente imitando meu ato.
- Fez, mas não se acostume!
- Impossível depois de trezentos anos! Fui enfeitiçado por sua esposa com aquela comida!
Deixamos a sala depois de desligar a TV e apagar as luzes rindo como loucos. Arhil passa seu cartão de identificação em frente ao leitor amarelo, a luz ficando lilás por um instante sinaliza nossa autorização para sair. Seu carro está estacionado em frente a minha bebê, minha moto. Ele olha para ela balançando a cabeça negativamente.
- É só uma moto cara! Por que tem tanto medo?
- Não tenho medo! - rosna desviando os olhos.
- Confessa! Ninguém vai saber que o grande Arhil tem medo de andar de moto!
- Não me teste Jhex!
- Não está mais aqui quem falou! - coloco minha jaqueta e capacete. Guardo minha espada no alforge.
- Jhex?
- Sim!?
- Você tem até amanhã a tarde para nos dar uma resposta!
- Sabia que sua visita tinha algo mais!
- Sinto muito amigo!
- Eu também! - dei partida na moto, ele entra e logo saímos comigo o seguindo. Meu coração batendo freneticamente sabendo que não posso mais adiar o inevitável.
Terei de ver Petros Katsaros pessoalmente!
07/09/20
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