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Capítulo III - Na calamidade



Cabo da Roca - 1846

- Senhor, peço que retire sua bagagem, chegamos ao nosso destino. – disse o cocheiro.

- Obrigado.

A brisa vinda do oceano foi a primeira coisa que chamou atenção de Franz Schmitz. A bela paisagem lusitana era algo bom para os olhos, mesmo ele estando enterrado em um sofrimento que o acompanhava desde o nascimento. Franz sofria de dismetria em uma das pernas e a mão esquerda era ressequida. Por ser de uma família rica, Franz procurou vários médicos na Alemanha e Grã-bretanha, mas nenhum deles ofereceu uma cura.

A dor de ser diferente era algo que ficara cravado no mais profundo de seu ser. Sua infância fora marcada pela solidão. Nem mesmo os seus pais o viam com bons olhos. Ele era o quinto filho entre dez. O único que saíra defeituoso. Ele cresceu se sentindo uma aberração.

- Agradeço a ajuda.

- Não precisa agradecer, sei que deve ser difícil para o senhor carregar tanto peso – o cocheiro ajudou Franz a levar a bagagem para uma estalagem na cidade de Colares. O olhar de pena do cocheiro incomodou Franz, ele odiava que sentisse pena dele.

Quando Franz completara dez anos, começou a se interessar por filosofia. Ele que era natural de Osnabruque, Alemanha, gostava de ler como seus compatriotas pensavam sobre a existência humana. Foi assim que conheceu Arthur Schopenhauer. Franz ficou deslumbrando com os pensamentos do filosofo pessimista. Era como se Arthur o conhecesse.

Por anos, o jovem deficiente se agarrou nos ideais de Schopenhauer. "A vida é um sonho, somente um sonho. Não é real e sim uma ilusão". " Não posso prender-me a algo somente pela vontade, mas devo buscar a saber o que é a coisa-em-si." – Franz metalizava essas interpretações para tentar fugir do sofrimento que a vida lhe proporcionava. O próprio filosofo dissertou sobre o sofrimento, a infelicidade.

"[...] Aquilo que se conhece como felicidade seria apenas a interrupção temporária de um processo de infelicidade e somente a lembrança de um sofrimento passado criaria a ilusão de um bem presente." Arthur Schopenhauer.

- Viver é o mesmo que sofrer – Franz disse por alto. Por mais absurdo que parecesse, essa frase o acalmava e fazia com ele aceitasse um pouco a sua condição.

Apesar da deficiência física Franz possuía uma inteligência extraordinária. Aos vinte anos se formou em história e dois anos mais tarde em filosofia na Universidade de Berlim. Teve a oportunidade de conhece o seu guia, o próprio Arthur Schopenhauer quando viajou para Frankurt. Franz o idolatrava.

- Um quarto, por favor. – Franz entrara na estalagem de médio porte, porém bem cuidada.

- São 1800 réis, senhor.

- Só tenho libras, você aceita? – Franz tirou quinze libras do bolso. A dona da estalagem arregalou os olhos e concordou com a cabeça – acho que isso paga uns dois dias.

Franz era fluente em várias línguas e uma delas era o português. Como não podia trabalhar devida sua condição física, ele se entregou à vida acadêmica.

- Gostaria de lhe pedir um favor. Amanhã precisarei de uma carruagem para Cabo da Roca.

- A que horas?

- As 6h se possível. – Lupita, a dona da estalagem, assentiu com a cabeça.

Franz se ajeitou no quarto destinado a ele. Desfez as malas e tomou um longo banho de banheira.

II

Como combinado às seis horas Franz estava dentro da carruagem que o levaria a famosa vista de Cabo da Roca. Franz pediu que o deixasse perto do farol, onde se encontrava o pico mais alto. Era primavera, a paisagem florida se estendia pelo penhasco. A brisa vinda do oceano refrescava o rosto de Franz. Ele chegou no momento exato em que o sol aparecia no horizonte. Franz sorriu.

Depois de visitar o farol, o jovem aleijado caminhou com dificuldade até a beira do penhasco. Fechou os olhos e deixou-se levar pelo som que as ondas faziam quando quebravam na encosta. Ouviu as primeiras gaivotas chegarem próximas do penhasco.

Franz foi arredando os pés. O seu rosto estava corado. Seu coração estava acelerado. Quando chegou na beirada, ele soltou uma gargalhada.

- Isso não é poético Arthur! Não é lindo? A vida é um sonho! Um sonho! – Franz gritava – Um lugar tão belo! Mas cheio de tormento! Assim como eu! – Franz abriu os olhos, olhou para baixo. A altura era de aproximadamente vinte e dois metros. O sorriso sumiu de sua face. Lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. Ele deu um passo para trás, se ajoelhou e berrou desesperadamente.

- Viver é o mesmo que sofrer!! - Franz socou a terra embaixo de sim. Como estava muito perto da beira, a terra cedeu.

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