Capítulo Extra - O Começo (Parte I)
Oi meus queridos leitores, finalmente estou aqui, essa semana foi muito corrida. Desculpe por não ser o capítulo 20 que tanto esperam, mas quero caprichar nele e preciso reler tudo para não deixar pontas soltas. Em compensação esse capítulo extra ficou gigantesco e é apenas a primeira parte. Espero que gostem. Tenho alguns pedidos para vocês, principalmente aos novos leitores. Sei que estão amando a estória porque é o que me dizem e fico muito feliz por isso, do fundo do meu coração. Sei que não fazem por mal, mas comentam e se empolgam tanto que estão se esquecendo de votar kkk. Votam em alguns capítulos, pulam vários e só então lembram de votar de novo. Gostaria de pedir, por favor, para conferirem os capítulos anteriores para ver se não pularam algum nas hora de dar as estrelinhas. Não sabem o quanto essas estrelinhas e comentários são importantes para motivarem nós autores. Falando em comentários, agora falando com minha leitoras parceiras de guerra (que graças a Deus são muitas e vocês sabem de quem estou falando srsrs), estava xeretando nas premiações dos Watts 2015 e vi que pelo menos em uma das categorias temos grandes chances de vencer, que é a estória com mais comentários! Tem outras estórias com número bem maior de capítulos que não tem tantos comentários como a nossa! Conto com a ajuda de vocês e peço para continuarem fazendo o que já fazem e que sempre me deixou muito feliz! Comentem muito *-*. Agora para os meus também queridos leitores fantasmas, não seja tímidos, se façam presente! ^_^ Mais um lembrete, o grupo do livro no face espera por todos e estou pensando em postar prévias por lá para deixar vocês menos ansiosos kkkk ( https://www.facebook.com/groups/1726460620922701/ ). Enfim, muito obrigada pela paciência e compreensão! Tentarei não demorar tanto para postar a segunda parte, mas sem promessas. Adooorooo vocês ^_^ Vocês são os melhores leitores do mundo!!!!! E a música da trilha dessa vez é Be Your Everthing - Boys Like Girls e é uma música linda *-*
***************************************************************************************
Aédris
Paraíso. Essa é a melhor palavra para definir o lugar que estamos a caminho. Um vale repleto de muito verde, flores, frutos silvestres, animais exóticos e o melhor de tudo, dezenas e dezenas de fontes termais. Está começando a esfriar e nada me agrada mais do que passar o inverno rigoroso em um lugar onde água quente em abundância não é um problema. Quero aproveitar cada dia o máximo possível, pois depois do inverno, meu pai insiste que devemos fazer a travessia do Oceano Negro e visitarmos não sei quem no Vale Flutuante das Montanhas de Gelo. Sinceramente não vejo sentido nessa viagem. Quando finalmente o inverno acabar, ao invés de aproveitarmos o clima adorável da primavera, iremos para um lugar onde a temperatura é de congelar os ossos durante todos os dez ciclos de luas. Por isso a ideia de podermos desfrutar o vale de fontes termais me deixa eufórica. Estivemos lá no último inverno e me encantei com o lugar! É isolado, calmo e são pouco os viajantes que conhecem o local. O povoado mais próximo fica pelo menos uns doze dias de viagem. Perfeito para treinarmos sem sermos importunados. E comida não será problema, há caça o suficiente para alimentar o nosso clã durante todo o inverno. O que mais poderia querer? E só dois dias me separa desse pequeno paraíso. A única que não está contente é Rius. Ela sempre preferiu acamparmos perto da civilização e há dias está mal humorada com a perspectiva de ficarmos tanto tempo isolados. Seu humor está tão terrível que ninguém se atreveu a contrariá-la quando ela disse que nos seguiria voando na forma de uma águia ao invés de nos acompanhar a cavalo. Bem, nada pode ser perfeito e aguentar o mau humor dela é o preço a se pagar em troca de minhas almejadas fontes de águas quentes.
O segundo sol já se pôs há algumas horas e finalmente meu pai sinaliza dizendo que estamos em um bom lugar para montarmos acampamento. Aposto que vou ter que armar a nossa tenda sozinha, pois não tenho dúvidas que Rius só irá descer dos ares quando não tiver mais nenhum serviço a ser feito. Entretanto, mal tenho tempo de tirar as minhas coisas do lombo do cavalo, quando ela aparece já devidamente vestida e toda sorridente ao meu lado.
- Nem perca seu tempo! –ela diz mal conseguindo disfarçar sua alegria. – Encontrei um pássaro Xiarus e ele deve estar entregando uma mensagem ao seu pai nesse momento.
Khrratz! Normalmente gosto quando pássaros Xiarus nos trazem alguma mensagem, pois significa que algum idiota resolveu me desafiar de novo e terei alguma diversão. O que vem acontecendo muito nos últimos ciclos de luas desde que oficialmente deixei de ser considerada uma criança. O problema que a alegria mal contida de Rius só pode significar uma coisa. O local do desafio deve ficar muito distante de minhas preciosas fontes termais.
- Náyshilah! –ouço a voz do meu irmão as minhas costas. – Nosso pai mandou te chamar! E é para você vir também Rius.
- Zarmey! –xingo baixinho.
Obedientemente seguimos até onde nosso pai se encontra. Ele está em pé ao lado de seu cavalo ainda lendo o rolo de papel em sua mão. Está visivelmente irritado e provavelmente está relendo a mensagem pela segunda ou terceira vez.
Enquanto esperamos, o observo atentamente. Meu irmão é uma montanha de músculos e muito alto, mas nosso pai é ainda mais forte e mais alto. A única coisa que puxei dele é cor dos olhos. Nós dois temos olhos em um tom de cinza cristalino, embora os meus fiquem cinza escuro quando fico realmente furiosa e como nunca vi meu pai furioso de verdade, não sei se os deles também escurecem. De resto somos totalmente diferentes fisicamente. Seus cabelos são loiros e ondulados e assim como os de todos os guerreiros do clã, passam dos ombros. Bem, ambos temos a pele clara, mas isso não conta. Os meus traços não se parecem em nada com os dele. O formato dos meus olhos, nariz, boca, sorriso, tudo é diferente. Nem mesmo as orelhas são parecidas. Devo ter puxado em tudo a minha mãe, ao menos fisicamente. Mas me orgulho em ter herdado sua força monstruosa e sua agilidade. Principalmente porque embora Antúrix seja mais velho, mais alto e tenha muito mais músculos do que eu, ainda sou mais forte do que ele.
Se bem que não posso reclamar dos dons peculiares que herdei de minha mãe também. Minhas visões do futuro tenho desde criança, mas outros dons começaram a surgir há alguns ciclos de luas atrás e embora tenha ficado um pouco assustada no começo, agora já estou me acostumando. Mover as coisas com o simples poder de minha mente é o que aprendi a dominar com mais facilidade. E com muito esforço consigo ter visões especificas do que quero. Preciso me aperfeiçoar nisso e também descobrir se sou capaz de controlar os elementos a minha vontade, não apenas quando estou com raiva.
Meu pai bem que poderia me dizer alguma coisa sobre ela. É um tanto óbvio que ela era ou é uma bruxa, mas nem isso ele me diz. Nem ao menos o nome dela. Será que é pedir demais?
Entretanto já deixei de insistir nesse assunto há muito tempo. Não quero aborrecê-lo. Sei que por mais que ele tente esconder, há alguma coisa errada. Eu mais sinto do que vejo isso, pois externamente não há nada errado com ele. Continua o mesmo guerreiro cheio de vitalidade e força de sempre. Rogo para todos os deuses que seja apenas uma impressão equivocada de minha parte, não consigo imaginar a minha vida sem o pai que tanto amo.
E quantas vezes mais ele pretende reler essa mensagem? Minha paciência nunca foi das melhores.
- Velho, vai nos fazer esperar por mais quanto... Aaaiii!!!
- Quantas vezes vou ter que repetir para você falar com o nosso pai com o devido respeito? –Antúrix me repreende ao mesmo tempo em que dá um puxão em minha trança.
Escuto o risinho de Rius a minha esquerda e tenho vontade socar o meu irmão.
- Não se preocupe, Antúrix! Sei que esse é o jeito carinhoso dela. –diz meu pai entre uma sonora gargalhada. – Só me preocupo quando ela me chama de pai! Porque isso significa que ela está muito zangada comigo!
Corro para os braços dele e o abraço forte. Minha cabeça mal chega aos seus ombros. Ele carinhosamente massageia meu couro cabeludo onde meu irmão puxou a minha trança.
- Meu paizinho me entende e sabe que eu o amo! –digo mostrando a língua para Antúrix.
- "Paizinho", essa palavra sim me faz sentir um frio em toda a espinha. –outra gargalhada. – Quando ela me chama assim, geralmente é porque aprontou algo de proporções catastróficas!
Afasto-me e tento parecer ofendida.
- Não aprontei nada dessa vez!
- Ainda... –Rius completa.
- Não se finja de inocente, Rius! –Antúrix provoca com um sorriso divertido nos lábios. – Vocês duas são terríveis!
Rius o ignora e vira a cara para o outro lado.
- Sei muito bem que nenhum dos meus três filhos é um exemplo de bom comportamento. –meu pai constata com certo orgulho na voz.
- Velho, agora para de me enrolar e diz logo de que clã veio o desafio dessa vez? –questiono enquanto me afasto para encará-lo.
Antúrix mais uma vez me lança um olhar repreensivo por chamar o nosso pai de velho, mas não ligo! É mesmo apenas um apelido carinhoso. Além do mais, meu pai está longe de parecer um velho. De fato parece muito mais jovem do que realmente é.
- O Clã de Beliahtrus! –responde e a irritação volta sua expressão.
- Khrratz, zarmey... –e mais um infinito repertório de xingamentos são proferidos pelo meu irmão.
- Está falando daquele clã de assassinos, tio? –Rius pergunta pela primeira vez parecendo preocupada.
O Clã de Beliahtrus. Agora entendo a irritação de meu pai. Dentre todos os clãs darätzsalah, esse é o único clã que não segue nossos princípios como deveria. Sei que o líder do clã, o próprio Beliahtrus, já desafio o meu pai pela liderança de nosso povo, mas não foi capaz de vencê-lo. Somente a humilhação da derrota foi capaz de mantê-lo de certa forma leal por tanto tempo, mas ele é o tipo de homem que todos esperam uma apunhalada pelas costas a qualquer momento. Pelo menos isso é o que sempre ouvi falar.
De nós três, Antúrix é o único que já teve contato com o Clã de Beliahtrus e ele não ficou nem um pouco satisfeito com o que viu após ter passado um ciclo de luas com eles. Ele foi enviado pelo nosso pai para verificar como é a forma de treinamento deles e se certificar de que eles não estavam interferindo com a vida de pessoas inocentes. E voltou completamente horrorizado com o que viu. Não que eles estivessem fazendo mal a pessoas inocentes, mas Antúrix disse que a forma como as crianças são treinadas é brutal e cruel. E levando-se em consideração que todos os darätzsalah são severamente treinados desde a mais tenra idade e que meu irmão é o primeiro a apreciar tudo o que é brutal e selvagem, suas palavras realmente me assustaram.
Na época Antúrix insistiu com veemência que Beliahtrus fosse destituído como líder, mas nosso pai disse que todos os darätzsalah são livres para escolherem seu modo de vida e se aqueles sob o comando de Beliahtrus continuam o seguindo e não se importam pela maneira como seus filhos são tratados, mesmo como líder supremo de nosso povo, ele não deve interferir.
- E agora ele quer desafiar Náyshilah? –meu irmão está bufando como um javali selvagem. – É isso?
- Não, o desafiante será Uliahtrus, seu primogênito. –informa meu pai.
- Eu o vi treinar! Ele é tão habilidoso e perigoso quanto o pai! –Antúrix parece prestes a explodir de tão exaltado que está. – E deve ser até mais traiçoeiro também!
Está na hora de eu me pronunciar.
- E você ao menos chegou a conversar com ele alguma vez para saber? –se tem alguém que consegue ser mais precipitado em tirar conclusões do que eu, esse alguém é Antúrix. E isso quer dizer muito.
- Não preciso conversar para saber que ele deve ser igual ao pai! –tenho a minha resposta.
- Exatamente como eu sou igual ao meu, não é? –eu sou estourada, irritadiça e impaciente. O exato oposto do meu pai.
Ele abre a boca. Fecha. Abre de novo. Com certeza não encontrou argumentos para me contradizer.
Na verdade, acho que Antúrix deve estar certo, mas adoro contrariar o meu irmão simplesmente para irritá-lo mais ainda.
- Náyshilah está certa. Não devemos julgar o filho pelos atos do pai. –meu pai pondera. – Uliahtrus poder ser um guerreiro honrado e justo como todo bom darätzsalah deve ser.
- Não importa! Seja ele como for, sei que irei vencer! –sei que é muita prepotência de minha parte, mas até agora nunca encontrei dificuldades para enfrentar ninguém. Não há porque ele ser diferente. – Mas esse desafio tem que ser agora? Não pode ser depois do inverno? –pergunto esperançosa.
- Filha, você sabe que não pode recusar um desafio. Poderíamos protelar por um tempo, mas não durante todo o inverno. – meu pai me oferece um sorriso de desculpas. – Além do mais o local do desafio será nas Ruínas de Sirahkkles.
- Sirahkles? –exatamente o extremo oposto do vale das águas termais. – Khrratz!
- Iremos descansar por duas horas e seguiremos viagem para o leste!
E simples assim, digo adeus as minhas fontes de águas termais.
Vinte e seis dias depois já estamos acampados nos arredores do povoado de Mékkliss, que não fica muito distante das Ruínas de Sirahkkles. Chegamos à noite anterior depois de uma longa viagem e Rius não poderia estar mais eufórica. O desfio poderá acontecer a qualquer momento depois que eu decidir a data. Essa é a regra dos desafios, o desafiante escolhe o local e eu estipulo a data. Como meu pai disse, posso protelar um pouco, porém não muito. Quero acabar logo com isso, mas não pretendo fazer nada pelos próximos sete dias no mínimo. Se ao menos ainda houvesse alguma chance de passar um tempo no vale das águas termais, até me apressaria, mas provavelmente ficaríamos presos em alguma nevasca no meio do caminho, então é melhor ficarmos onde estamos. Próximos a um povoado que pode nos oferecer suprimentos e até mesmo abrigo em último caso. Eles que esperem uns dias agora.
Já passa do meio dia e acabo de voltar de um banho no rio que não fica muito longe do nosso acampamento. Um banho muito gelado por sinal. Quando adentro a nossa tenda, encontro Rius muito sorridente e usando um lindo vestido verde escuro com bordados dourados. Desconfiança toma conta de mim imediatamente. Ela está segurando um embrulho de papel em suas mãos e estende os braços para me entregar o pacote.
- Feliz aniversário para a melhor amiga e irmã do mundo! –minha desconfiança só aumenta.
- Meu aniversário é só daqui a sete dias! –não quero pegar o presente, pois sei que a partir do momento que eu aceitá-lo, estarei aceitando outras coisas que certamente não irei concordar.
- Eu sei, mas vamos comemorar hoje! –ela diz colocando o presente em meus braços de qualquer maneira.
- Vamos?
- Sim, já pedi para o tio Faraahtz e ele deu sua permissão! –Rius ao contrário de Antúrix, nunca chamou meu pai de pai, embora eu tenha certeza que ele ficaria muito feliz se ela o chamasse assim. – Agora abra logo o seu presente!
Sem alternativa, acabo desembrulhando o pacote e fico em choque com o que encontro.
- Rius, por que raios você me deu um vestido de presente? Sabe muito bem que nunca usei um em toda a minha vida!
- Sempre há uma primeira vez para tudo!
Não vou negar. Até eu que abomino vestidos mais que tudo reconheço que tenho nas mãos um belíssimo exemplar. Ele é simples, mas algo em sua simplicidade o torna belo. É lilás e branco, mas possui bordados florais em suas mangas e na barra da saia longa que o deixam encantador.
- Você não espera que eu realmente use isso, espera? –lindo, mas nem um pouco prático para uma guerreira como eu.
- Fui eu mesma que costurei e bordei. –ela diz orgulhosa de seu trabalho. – Então sim, você vai usar!
Rius costura e borda maravilhosamente. Se não tivesse escolhido viver com os Guerreiros Darätzsalah, seria uma verdadeira dama. Bem, talvez não, com o gênio que tem... E também cozinha divinamente, mas só quando tem vontade, ou seja, quase nunca.
- Rius...
- Pare de reclamar e coloque logo o vestido! –ela usa seu melhor tom imperativo. – Vamos ao povoado comemorar!
- Se o aniversário é meu, não deveríamos comemorar do meu jeito?
- Como? Espancando algum idiota por mera diversão? –Rius questiona irônica. – Não, eu sou sua melhor amiga e guardiã desde sempre! Está na hora de você fazer algo para me deixar feliz!
Rius é mesmo a melhor amiga que alguém poderia ter e sempre fez tudo por mim. Entretanto embora seja uma damera e em muitas vezes se comporte como um espírito livre e selvagem, ela adora coisas de meninas. Infelizmente ela não tem muitas oportunidades de fazer ou apreciar as coisas que gosta vivendo entre nós. Ela é considerada uma darätzsalah tanto quanto eu, pois tivemos o mesmo treinamento e ensinamentos, mas sua paixão por coisas femininas é algo natural dela. Algo que eu nunca tive. Daria a minha vida por ela, mas usar um vestido?
- Por que tenho que usar um vestido para ir até o povoado? Posso ir com você para te deixar feliz, mas não vejo problemas em usar minhas próprias roupas.
- Estamos no Reino de Venlhyas. –ela diz como se eu não soubesse. – Outros lugares que já passamos podem ser mais tolerantes com as vestes de uma donzela, mas não é o caso aqui!
- Não vejo a hora de voltar ao Reino de Romnales! –reclamo saudosa. – Eles sim são um povo moderno. Todas as mulheres usam calças e exercem todas as profissões que bem entendem. Não é à toa que são mais evoluídos em tudo!
- Também adorei Romnales! –é claro que adorou! Lá tem muito mais bugigangas de mulher para ela gastar suas moedas de ouro. – Mas não estamos lá, portanto coloque o vestido!
Decidindo que só irei me desgastar se prolongar essa discussão, começo a trocar de roupa. Alguns minutos depois, já com o vestido, começo a trançar meus cabelos ainda molhados, quando ela praticamente grita:
- De jeito nenhum!
- O quê?
- Você vive com os cabelos trançados. Hoje você vai deixá-los soltos! –já com um pente em mãos, ela se aproxima e começa a trabalhar neles. – Seus cabelos são lisos até o queixo e encaracolados em todo o comprimento. Daria tudo para ter cabelos como o seu e você não o valoriza!
Discutir com ela é inútil e desisto mais uma vez.
- Sabe que não sou uma boneca para você ficar brincando, não sabe?
- Um dia você ainda vai me agradecer por isso!
- Duvido muito. –declaro descrente.
- Se você se comportar, prometo que deixo você ficar uma hora inteira em uma oficina de ferreiro!
- E o que você chama de se comportar?
- Não bater em ninguém no caminho!
- Me nego a prometer algo do tipo!
- Ao menos tente e quem sabe eu lhe dê alguma adaga nova de presente também!
Ahhh, agora estamos falando de um presente que realmente irei apreciar. Prometo ao menos tentar.
Quando termina, ela me entrega um espelho e vejo que até que não estou tão mal. Ela prendeu parcialmente meus cabelos com delicadas trancinhas e deixou dois cachos pendendo nas laterais do meu rosto, enquanto enormes cachos balançam livremente em minhas costas.
Deixamos a tenda e recebemos olhares de admiração de todos os guerreiros de nosso clã, principalmente daqueles de nossa idade. Antúrix parecia que estava prestes a me provocar, mas então ele vê Rius e se cala. Há admiração e ao mesmo tempo irritação na forma que ele a olha.
- Como as minhas filhas estão lindas! –meu pai surgi em nossa frente e não consegue esconder o orgulho. – Como conseguiu convencer Náyshilah a usar um vestido, Rius?
- Não conto a ninguém meus métodos secretos, tio! Nem mesmo ao senhor!
Entretanto, meu pai já não está mais prestando atenção nas palavras de Rius. É como se ele estivesse me olhando, mas sem estar vendo realmente a mim.
- Você está tão bela, Náyshilah! –vejo seus olhos brilharem. – Está tão parecida com sua mãe!
É a primeira vez que ele fala espontaneamente de minha mãe, mas ele logo se dá conta e muda de assunto antes que eu possa perguntar qualquer coisa.
- Espero que se divirtam muito! –ele beija a testa de cada uma de nós e se afasta.
Uma hora mais tarde, ao invés de estarmos em uma oficina de ferreiro escolhendo a minha adaga, estamos sentadas a mesa de um lugar chamado "Tortas da Vovó". Estou comendo uma fatia de torta de lezus com creme de priss enquanto Rius escolheu uma torta de amora. É um lugar muito humilde, mas aconchegante, com mesas internas e outras mesinhas de madeira do lado de fora sob a sombra de uma enorme árvore. O lugar está cheio de jovens de nossa idade. Obviamente estamos em algum local de encontros e namoros. O que adianta serem severos em sua vestimenta e permitirem que os jovens namorem tão livremente? Não que eu tenha algo contra, só acho hipocrisia.
Outra coisa me preocupa. Rius já gastou boa parte de suas moedas de ouro e vou acabar tendo que comprar meu próprio presente. Não que dinheiro seja um problema. Sempre que os Darätzsalah ajudam algum reino em necessidade, acabamos ganhando alguma recompensa em dinheiro, mesmo que não cobremos pagamento, os governantes insistem em mostrar sua gratidão. Mas só aceitamos o suficiente para nossas necessidades básicas, nunca aceitamos quantias exorbitantes. E como nunca gasto com muita coisa, sempre tenho uma boa quantia de moedas sobrando em meus bolsos. Só que é meu aniversário! Não quero pagar pelo meu presente! Afinal um vestido que usarei uma única vez não conta.
Há dois rapazes que não param de olhar para nós na mesa ao lado e os olhares impertinentes deles já estão me irritando.
- Você prometeu se comportar! –Rius me adverte.
- Não fiz nada! –me defendo.
- Conheço esse olhar de "vou socar alguém a qualquer minuto"!
- É só eles se comportarem e não farei nada!
- Eu quero que eles não se comportem! –ela afirma categórica. – Já parou para pensar que provavelmente somos as únicas garotas da nossa idade no mundo inteiro que ainda não deram o primeiro beijo?
- Não seja exagerada, Rius! –então era isso que ela tinha em mente o tempo todo? – Há muitos reinos onde as donzelas só dão o primeiro beijo depois de casadas!
- Certo, corrigindo, somos as únicas darätzsalah que ainda não beijamos ninguém! –chega a ser engraçado a irritação dela. – Todos os rapazes da nossa idade em nosso clã já beijaram há muito tempo! Temos que ter os mesmo direitos!
- Se isso a incomoda tanto, beije qualquer um deles! Todos caem aos seus pés! –analiso as opções por um momento. – Séfen faria qualquer coisa por você!
- Todos, incluindo Séfen, se comportam como selvagens grosseiros. Além do mais, se eu tiver o meu primeiro beijo com um deles e não gostar, a chance de eu arrancar um braço deles é muito maior!
No último ciclo da Lua Violeta, Rius de fato quase arrancou o braço de Guinnkas só porque ela não gostou da forma como ele a derrubou durante um treinamento. Imagino o que ela seria capaz se não gostar de um beijo dado por um deles...
- Acho melhor você não beijar ninguém, muito menos um desses pobres coitados indefesos! –afirmo olhando para a mesa ao lado.
Não me preocupo que eles estejam nos ouvindo, pois estamos conversando em darätzsalah. Temos uma enorme facilidade de aprendermos os mais complexos idiomas e falamos fluentemente a maioria deles, inclusive o idioma de venlhyas, mas sempre preferimos falar em nossa própria língua justamente para garantir que ninguém nos entenda.
- Muito pelo contrário! Não machucaria alguém indefeso como eles!
- E quanto ao idiota do meu irmão? –pergunto. – Você gosta dele e acho que ele também gosta de você, então por que...
- Seu irmão é um troglodita que pensa que pode ter mil mulheres ao mesmo tempo! –Rius me interrompe.
- Teoricamente se ele quiser ter mil mulheres, ele pode!
- Então também terei mil homens!
Não consigo evitar uma gargalhada alta.
- Rius, você é a romântica de nós duas! A que sonha em encontrar um amor verdadeiro e ter meia dúzia de filhotes! –ela me olha com cara feia, pois odeia quando brinco que seus filhos serão filhotes. – Quem terá um amante em cada povoado e cidade que passarmos será eu! Portanto tenha seu primeiro beijo com alguém que realmente goste! Não com um rapaz qualquer!
- Eu contei uma mentirinha para o seu irmão e agora preciso torná-la realidade! E vou resolver isso hoje! –ela dá um longo suspiro. – Duvido que algum dia encontrarei um nobre cavalheiro romântico, amável, atencioso e gentil!
Ia argumentar mais, entretanto os rapazes da outra mesa se aproximam. O mais alto, um rapaz loiro de olhos castanhos começa a falar em venlhyas:
- Olá lindas donzelas, meu nome é Zalus. –ele é magricelo, mas até que é bonitinho. – E esse é o meu amigo Taves. –aponta para seu amigo de cabelos castanhos e olhos azuis, um tanto sem graça em minha opinião.
- Olá gentis cavalheiros! –Rius diz em venlhyas oferecendo sua mão para os rapazes beijarem em cumprimento. – Eu sou Rius e essa é minha amiga Náyshilah!
Me limito a acenar com a cabeça e mantenho minhas mãos no mesmo lugar.
- Fico feliz em saber que falam o nosso idioma! –diz Zalus com uma teatral expressão de alívio.
- Notamos que estavam falando em outro idioma, são estrangeiras visitando o nosso reino? –Taves pergunta o óbvio. – Estão visitando familiares ou amigos?
- Nem uma coisa nem outra. –Rius responde. – Estamos apenas de passagem!
- Gostariam de nos acompanhar em um passeio? –Zalus oferece galante. – Será um prazer mostrar o povoado a vocês!
- Ficaremos encantadas! –Rius diz sem me consultar.
- Rius, não responda por mim! –digo em darätzsalah. – Não estou com a menor vontade de passear com esses idiotas de meio cérebro!
- Você não quer ter um namorado em cada povoado? Pode começar agora! –ela diz também em nosso idioma. – Hoje teremos nosso primeiro beijo de qualquer jeito! Qual deles você quer? Eu deixo você escolher!
- O dia que eu estiver curiosa sobre como é ser beijada, tomarei as devidas providências, mas esse dia não é hoje!
- Donzelas, se importariam de falar em nosso idioma? –interrompe Taves.
Lanço o meu melhor olhar raivoso e ele chega a recuar um passo.
- Está bem! Faça como quiser! Eu vou passear com os dois e decidir qual deles é mais interessante!
E eu pensando que iríamos comemorar o meu aniversário...
- Nos encontramos daqui a uma hora na entrada da floresta ao sul do povoado!
- Daqui a duas horas! E fique pelo menos a um grito de distância caso precise de mim!
Os sentidos de Rius são muito mais apurados que os meus, por isso ela pode se afastar de mim sem se preocupar muito.
- Se algo acontecer, sabe que sei me cuidar sozinha! –resmungo emburrada por minha amiga estar me trocando por garotos.
- Irei socorrer a sua vítima e não você! –ela me mostra a língua e se afasta com os dois garotos inventando uma desculpa qualquer para eu não acompanhá-los.
Peço uma segunda fatia de torta e depois de terminá-la decido procurar uma oficina de ferreiro. Para meu desapontamento, a única que encontro possui armas antiquadas e nem um pouco interessante. Saio de lá mais emburrada do que já estava e fico mais irritada ainda a cada passo que dou. O povoado é pequeno e sem atrativos. Obviamente a melhor coisa do lugar, é o "tortas da Vovó"! Volto lá e compro doces variados e três tortas inteiras para levar para o meu pai, Antúrix e para os outros. Meu mau humor desaparece completamente diante da perspectiva de ter tantos doces para comer e ainda poder presentear os outros com algo gostoso. Um sorriso de pura felicidade aflora em meus lábios e sou incapaz de contê-lo.
Decido já ir para a floresta e esperar Rius por lá enquanto tiro um agradável cochilo.
Uns quinze minutos depois que adentro a floresta, encontro uma clareira ao lado de um riacho. Lugar perfeito para cochilar, ao som de águas tranquilas. Entretanto antes que eu possa me acomodar na relva macia, ouço o barulho de cascos de cavalos. Logo estou rodeada por três sujeitos maltrapilhos e asquerosos.
- Uma linda donzela como você não deveria estar sozinha em uma floresta! –diz o mais feioso deles tentando ser galante.
- Acho que hoje é o nosso dia de sorte! –o mais corpulento deles me olha com um olhar lascivo que me causa repulsa.
Khrratz! Sabia que não devia ter colocado o vestido! Vai ser extremamente incomodo lutar com uma saia que vai até os meus pés. Sem contar que terei que ser muito cuidadosa também. Rius vai me matar se eu rasgar seu precioso presente e ainda me acusar de ter feito de propósito.
- Belezoca, vamos nos divertir muito hoje! –com certeza, penso.
Vou me divertir muito quebrando os poucos dentes que lhe restam na boca. Mas ao invés de dizer isso, falo:
- Vocês alguma vez tomaram banho na vida? Estão fedendo mais que bestas mortas! –e essas criaturas já fedem horrores quando estão vivas, mortas então...
- Vou lhe ensinar uma lição sua fedelha! –ameaça o desdentado descendo do cavalo.
Ainda estou pensando qual é o lugar mais seguro para deixar meu embrulho com as tortas, quando ouço uma quarta voz:
- Se afastem da donzela ou irei garantir que se arrependam!
Então surgindo não sei de onde, vejo um rapaz jovem que deve ter aproximadamente a mesma idade que eu com uma espada em punho. Ele é alto e magro, mas reconheço músculos firmes sob o tecido de sua camisa branca. Seu cabelo é preto e bem curto, mas o que realmente me chama atenção são seus olhos verdes em um tom escuro profundo. E por mais que ele seja pouco mais que um menino, há uma frieza impiedosa e ameaçadora em seu olhar.
Os idiotas com certeza não notaram isso e com certeza o estão subestimando por ser ele ser muito jovem e teoricamente mais fraco que eles. Além de estar em desvantagem numérica. Nunca subestimo ninguém com esse tipo de olhar.
Isso vai ser muito interessante...
Kadrahan
Desde que meu pai oficializou o desafio ao sucessor a liderança de nosso povo, não tenho tido descanso. Nunca fiz outra coisa na vida além de treinar severamente o tempo todo, mas agora está ainda pior. Começo a treinar antes de o primeiro sol nascer e vou dormir muitas horas depois que o segundo se põe. Mal tenho tido tempo para comer e sei que estou muito mais magro. Em meu corpo há mais ferimentos e hematomas do que dou conta de tratar sozinho, mas já nem sinto a maioria deles. Entretanto para o meu pai tudo o que importa é que eu vença o desafio e me torne o Líder Supremo dos Darätzsalah.
Estamos acampados nos arredores das Ruínas de Sirahkkles ao norte do povoado de Mékkliss há vinte e oito dias e literalmente estou dando o meu sangue em cada hora de treinamento árduo, mas meu pai e eu temos motivos diferentes para almejarmos a vitória. Ele quer a glória e prestigio para o nosso clã, enquanto tudo o quero é liberdade. Ser dono de minhas próprias escolhas e poder procurar a minha mãe sem o medo constante de que meu próprio pai faça mal a ela. Preciso vencer esse desafio para ser livre. Não gosto da ideia de ter que assassinar alguém que nunca me fez nada, mas se esse é o preço para garantir a segurança de minha família contra a crueldade de meu pai, estou disposto a qualquer coisa.
Dizem que Náyshilah, o sucessor de nosso líder Faraahtz, é tão forte e habilidoso quanto seu pai e já venceu todos os desafios que enfrentou até agora. Entretanto, realmente acredito que posso vencê-lo. Duvido que ele treine tanto quanto eu. Faraahtz é conhecido por ser um homem justo e bondoso. Tenho certeza que ele não obriga seu filho a treinar até a exaustão como meu pai me obriga desde o dia que ele mandou seus homens me roubar de minha família. Irei vencer Náyshilah custe o custar, prometo a mim mesmo em meus pensamentos.
- Uliahtrus! –meu pai grita de algum lugar chamando por mim.
Detesto esse nome, principalmente quando sai da boca de meu pai.
Interrompo imediatamente o meu treinamento com a lança de lâminas em suas extremidades e vou ver o que meu pai deseja. Nunca é bom deixá-lo esperando.
O encontro em frente a sua tenda e ele está sorrindo. Ver um sorriso em seu rosto austero definitivamente não pode significar coisa boa. Imediatamente fico totalmente alerta.
- O que deseja, meu senhor? –pergunto com a formalidade e respeito forçado que ele sempre exigiu.
- Você tem treinado com afinco durante todas as horas do dia desde que chegamos! –ele começa. – Claro, é a sua única obrigação e o mínimo que deve fazer, mas decidi recompensá-lo por seu árduo esforço.
Recompensar-me? Meu pai nunca me recompensou por nada na vida. Redobro a minha atenção ao meu redor. Certamente sua ideia de recompensa é algum novo tipo de treinamento que envolve um ataque surpresa por múltiplos guerreiros.
Espero em silêncio que ele continue.
- Vá se banhar! –me banhar? Já treino todos os dias pela manhã nas águas geladas do rio. Treino combate contra outros guerreiros ao mesmo tempo em que luto contra a forte correnteza do rio. Quanto tempo ele quer que eu fique submerso agora? – Coloque roupas limpas e vá até o povoado.
Não! Será que sua recompensa consiste em ferir pessoas inocentes?
- Perdão, meu senhor, não creio que esteja entendendo...
- Já está na hora de você conhecer os prazeres de uma mulher! –por isso eu não esperava. – Vá até o povoado e escolha uma que lhe agrade. No próximo inverno estaremos de volta para saber se ela gerou uma criança e se for um varão, daqui a quarenta e seis ciclos de luas o levaremos conosco. Mas tenho certeza que não irá me decepcionar gerando uma menina!
Fico sem palavras. Não quero ter filhos para obrigá-los a terem a mesma vida que eu levo. Nunca!
- Você me entendeu, Uliahtrus?
- Sim, senhor. –respondo prontamente.
- Ainda é cedo, terá a tarde inteira para escolher e poderá se divertir por toda a noite! – ele afirma como se tivesse me dando o melhor presente do mundo. – Tem a minha permissão para voltar somente pela manhã!
E de certa forma ele de fato está me dando o melhor presente que já recebi dele até hoje. Nunca tive tanto tempo de liberdade.
- Muito obrigado, meu senhor! –agradeço e espero ele consentir com a cabeça para eu me retirar.
Se os deuses permitirem, quando o próximo inverno chegar, já serei líder dos Darätzsalah e não terei que dar nenhuma satisfação ao meu pai.
Pouco tempo depois estou puxando Ônix pelas rédeas enquanto caminho pelo povoado. O primeiro lugar que entro, é uma oficina de ferreiro, mas as armas são de má qualidade, então não me demoro. Tudo é muito humilde e simples, mas não me importaria em trocar a vida que tenho e viver em um lugar como esse. As camponesas em sua maioria não são belas, mas até que algumas são bonitas. Não que eu tenha intenção de engravidar nenhuma delas, mas não é uma má ideia conhecer alguma e passar algumas horas com alguém fora do meu mundo. Só preciso escolher uma delas e me aproximar. Entretanto todas que observo me parecem não possuir algo, algo que não sei explicar o que é. Não sei dizer exatamente o que procuro, mas não encontro em nenhuma delas.
Então eu a vejo. A garota mais linda que já vi em toda a minha vida. E já estive no Reino de Luzzianx, um reino onde todas as mulheres são belíssimas.
Ela tem longos cabelos encaracolados de um tom de vermelho escuro intenso como nunca vi antes. Ela está saindo de um lugar chamado "Tortas da Vovó" e carrega um enorme embrulho certamente contendo tortas e doces. Seu sorriso não poderia ser mais radiante. É possível alguém se sentir tão feliz assim apenas porque comprou doces?
A observo de longe e antes que eu me dê conta estou em Ônix seguindo-a a distância. Ela está rumando para a floresta e definitivamente não é seguro para uma garota andar sozinha em um lugar assim. Talvez por ter crescido nesse povoado, ela deve acreditar que conhece bem os seus arredores e por isso não tem medo. Mas sempre há a possibilidade de haver bandidos forasteiros.
Infelizmente descubro que estou certo e logo uns sujeitos mal intencionados a cercam. Deixo Ônix para trás e sorrateiramente me aproximo deles com minha espada na mão. Normalmente agiria mais rápido, mas a total ausência de medo no rosto da bela menina me intriga. Qualquer garota estaria apavorada e em prantos no lugar dela. A coragem dela me fascina. Sua maior preocupação parece ser os doces que ela segura firmemente em seus braços. E ela prova ter mais audácia do que juízo quando diz:
- Vocês alguma vez tomaram banho na vida? Estão fedendo mais que bestas mortas!
- Vou lhe ensinar uma lição sua fedelha! –ameaça um deles já desmontando de seu cavalo.
Chegou a hora de interferir.
- Se afastem da donzela ou irei garantir que se arrependam! –digo com frieza também no idioma local.
Por um instante eles apenas demonstram surpresa com a minha presença e logo em seguida caem na gargalhada certamente me subestimando.
Detesto sujeitos como esses, que usam sua força para abusar dos mais fracos. Serei eu a ensinar a eles uma lição.
Os outros dois também desmontam de seus cavalos e o de aparência mais horrenda diz em seu tom mais ameaçador:
- Moleque, não se meta em coisas de adulto!
O primeiro que desceu do cavalo, dá um sorriso com apenas três dentes e me avalia de cima a baixo.
- Realmente acha que pode nos dar uma lição, pirralho?
A garota me olha com um meio sorriso e dá um passo para trás.
- Seja um bom garoto e quando terminarmos, talvez a gente deixe você se divertir com ela também! –esse está praticamente a despindo com o olhar e é o primeiro que acerto sem lhe dar tempo de pegar seu punhal.
Ele urra de dor quando o cabo de minha espada quebra-lhe o nariz e sangue começa a jorrar. Os outros dois depois de se recuperarem do choque, tentam inutilmente me atacar. Me esquivo com facilidade da espada curta de um deles enquanto o outro tenta me acertar com uma navalha. Essa não está sendo uma luta justa, então jogo a minha espada no chão que serve como um gesto de distração e aproveito para torcer o braço do desdentado ao mesmo tempo em que acerto um chute nas costelas do outro. O maior deles se recupera, mas sangue ainda escorre de seu nariz. Com um golpe preciso, dessa vez quebro impiedosamente seu joelho esquerdo. O seu grito não poderia ser de mais profunda agonia. Seus companheiros recuam assustados. Pego minha espada novamente e me dirijo ao sem dentes.
- Peguem seu companheiro e sumam daqui! –ordeno. – E se vocês cruzarem novamente o meu caminho, da próxima vez não serei tão clemente para deixá-los vivos!
Amedrontados, eles colocam o sujeito com o joelho quebrado desajeitadamente em seu cavalo causando lhe mais dor e em seguida disparam em suas respectivas montarias sem olhar para trás.
Olho a minha volta a procura da garota e a encontro tranquilamente sentada em uma pedra comendo alguns de seus doces.
- Você está bem? –pergunto me aproximando com cautela. – Eles machucaram você antes de eu chegar?
- Estou bem sim. –e então ela me presenteia com um sorriso capaz iluminar até mesmo uma rara noite sem lua. – Graças a você, eles não tiveram tempo de me fazer nenhum mal. Muito obrigada!
- Uma donzela não deveria andar sozinha em uma floresta. –a repreendo.
Ela simplesmente ignora a minha repreensão e diz:
- Você luta muito bem! Com quem aprendeu a lutar assim?
- Com o meu pai. –opto por dizer a verdade, mas sem oferecer detalhes. – Diga-me onde mora e lhe levarei para casa. –ofereço mudando de assunto.
- Ainda não posso voltar. Combinei de esperar a minha amiga aqui e...
- Então devemos procurá-la. –me apresso em dizer. – Ela também não deveria estar andando...
- Você se preocupa demais! –ela zomba de mim achando graça. – Ela não está sozinha! E como ela não vai aparecer em menos de duas horas, por que não se senta e me faz companhia para garantir a minha segurança?
Acabo me sentando no chão ao seu lado e me sinto grato por poder desfrutar de sua companhia.
- Qual é o seu nome? –ela pergunta curiosa
- Kadrahan. –respondo sem pensar, dizendo a ela meu nome verdadeiro, o nome que minha mãe escolheu para mim. – E o seu?
Ela me encara com seus lindos olhos cinza cristalinos e depois de alguns segundos, finalmente responde:
- É segredo!
- Segredo? Por quê? –pergunto intrigado. – O que há de mais em revelar-me o seu nome? Por um acaso é alguma princesa disfarçada de camponesa?
Ela dá uma gargalhada como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo.
- Eu nunca levaria jeito para as frescuras da vida de uma princesa!
- Então por que seu nome é um segredo?
- Porque é. –ela não faz nenhuma questão de se explicar melhor. – Já que temos muito tempo pela frente, o que acha de devorarmos uma torta?
A donzela misteriosa abre seu embrulho e pega uma das tortas.
- Como não tenho o costume de andar com talheres, teremos que comer com as mãos. –e sem a menor cerimônia ela arranca um pedaço de torta e me entrega. – Coma, você está muito magro. Com certeza não anda se alimentando como deveria.
Aceito a torta maravilhado. Meninas costumam ter muitas frescuras e não gostam de se lambuzarem. Ela sem dúvidas não vê problemas nisso.
- Obrigado. –agradeço e mordo a torta que tem sabor de banana.
- Meu irmão vai ter que ficar sem a torta dele!
- Você tem um irmão? –pergunto surpreso. – Se eu tivesse uma irmã, não permitiria que ela andasse sozinha por aí!
- Há muito tempo ele desistiu de me proibir de fazer as coisas! –seu sorriso agora é travesso. – Odeio que me proíbam de fazer o que quer que seja. Sempre faço exatamente aquilo que me proíbem!
- Vou me lembrar disso no futuro! –não resisto e também sorrio pela primeira vez.
Por alguns segundos, ela apenas me olha como se mil pensamentos estivessem passando por sua mente.
- Acho que já estou falando demais! Vou ficar quieta de agora em diante!
Mas ficar quieta é tudo o que ela não consegue. Passamos as duas horas seguinte conversando coisas sem importância, mas são as melhores horas que tenho desde que fui tirado de meu lar.
Então ouço passos silenciosos e vejo outra garota se aproximando. Com certeza é sua amiga, mas ela está sozinha. A garota tem longos cabelos loiros com algumas mechas marrons e ostenta um sorriso curioso.
- Essa é minha amiga, Rius! –a donzela misteriosa nos apresenta. – Rius, este é Kadrahan, meu salvador!
A garota chamada Rius arqueia as sobrancelhas de forma interrogadora, mas se limita em dizer:
- É um prazer imenso conhecer alguém capaz de salvar a minha amiga! –e faz uma reverência exagerada.
- Já está na hora de irmos! Muito obrigado, Kadrahan! Lhe serei eternamente grata e se algum dia precisar de mim, terá a minha ajuda no que quer que seja!
- A honra foi minha! –digo ainda sem querer me despedir. – Eu irei acompanhá-las até...
- Não é necessário! –ela me corta imperativa e por algum motivo acho melhor não contrariá-la.
Rius se despede com um aceno e se afasta.
Tirando uma adaga de minha bota, entrego a ela.
- Ao menos fique com isso! Ficarei mais tranquilo se souber que tem algo para se defender!
Ela aceita com um sorriso de pura alegria. Como se fosse um grande presente.
- Obrigada, Kadrahan!
Então ela me dá as costas e se junta a amiga. Elas já estão afastadas, quando crio coragem e grito:
- Poderíamos nos encontrar amanhã aqui, no mesmo horário? –espero ansioso a sua resposta, mas ela apenas sorri. – Para que eu possa lhe ensinar a usar a adaga!
Ela junta as mãos em concha e grita em resposta:
- Amanhã eu lhe ensinarei a usar uma adaga!
Passo a noite na floresta ansioso pelo dia seguinte.
Aédris
Já estamos de volta ao nosso acampamento e no momento estou com Rius em nossa tenda. Não me canso de admirar a bela adaga. Acabei ganhando uma de presente no final das contas.
- Só não entendo por que não disse a ele o seu nome?
Contei a ela minha pequena aventura e ela não para de me pedir mais detalhes.
- Já disse que não sei! –respondo sem querer me estender.
Na hora apenas senti que se dissesse a ele meu nome, a guerreira seria despertada e estava gostando de ser tratada como uma garota para variar. Mas nunca que vou admitir isso.
- Você gostou dele! E estava gostando de ser tratada como uma dama por ele! Aposto que foi isso!
Será que é possível esconder alguma coisa de Rius?
- E você? Qual dos garotos foi o sortudo a ganhar o seu primeiro beijo? –pergunto tentando mudar de assunto.
- Nenhum, suas palavras ficaram martelando na minha cabeça! –ela responde frustrada como se a culpa fosse minha. – Você disse que ele luta bem, perguntou com quem ele aprendeu e por quê?
- Ele me disse que aprendeu com o pai, mas percebi que não gosta de falar nele. –digo lembrando de sua tensão apenas por dizer a palavra "pai". – Seu pai deve ser o magistrado local e Kadrahan deve ter sido criado de forma muito severa.
- E isso tudo não passa de mera dedução sua!
- Não seja tão desconfiada, Rius!
- É a minha função desconfiar de tudo! Sou sua guardiã! E amanhã irei com você!
- Ah, não vai não!
- Vou sim e nem perca seu tempo tentando me impedir! –ela sorri maliciosa. – Ou não quer que eu atrapalhe alguma coisa sórdida que tem em mente? Prometo que vou na forma de algum pássaro e nem notarão a minha presença.
- Você pode ir, mas vai me prometer que manterá seus ouvidos longe de nossa conversa!
- Está bem, ficarei longe da distância de uma conversa, mas ao alcance de um grito! Prometo em nome das Sete Luas e Suas Divindades!
Satisfeita, digo que estou com sono e me ajeito em meu saco de dormir. Mal posso esperar pelo dia seguinte.
Kadrahan
Volto para o acampamento pela manhã e meu pai não me faz nenhuma pergunta. Passo as horas seguinte treinando sem descanso e quando se aproxima a hora que marquei me encontrar com a donzela misteriosa, procuro meu pai para pedir sua permissão para sair. Ele nem me deixa falar, apenas diz:
- Vá, não precisa pedir minha permissão para ver uma mulher.
Não o deixo pensar duas vezes e agradeço as divindades pela minha nova restrita liberdade.
Depois de um banho, monto em Ônix e corro para a floresta. Entretanto, mesmo correndo, noto em meu caminho algo que chama a minha atenção. Puxo as rédeas e desmonto. No chão, entre o tronco de uma árvore e uma pedra, há uma flor de Aédris. A colho para dar de presente junto com as frutas de nascan que consegui.
Chego ao local do dia anterior e a encontro sentada sobre um pano com muitas comidas ao seu redor. Ela definitivamente está decidida a me engordar. Assim que me vê, ela fica de pé. Hoje ela não está usando um vestido e sim uma calça justa de couro marrom, uma camisa branca, um casaco também de couro, botas pretas até os joelhos e seu belo cabelo está preso em um rabo de cavalo. Está ainda mais linda do que na véspera.
- Desculpe-me por lhe fazer esperar!
- Fui eu que cheguei adiantada e preparei um piquenique com muita comida!
- Foi você quem preparou tudo isso?
- Não, comprei tudo e um dia vai me agradecer por não ter cozinhado!
Acho melhor não fazer nenhum comentário a respeito de suas habilidades culinárias ou ausência das mesmas e apenas entrego-lhe a flor que estava escondendo atrás de mim.
- Trouxe para você!
Ela me presenteia com um de seus sorrisos radiantes.
- É linda, obrigada!
- Rara, de beleza única e forte! Capaz de sobreviver a tudo, como você! –digo sem pensar.
Desconfiança toma conta de seu olhar!
- Por que está dizendo isso?
- A parte que você é forte e que acho que é capaz de sobreviver a tudo? –são as únicas coisas que não são evidentes aos olhos mais desatentos. – Por que ontem em nenhum momento você demonstrou ter medo e ainda me disse que seria você a me ensinar a usar uma adaga! Nenhuma garota que saiba usar uma adaga pode ser considerada fraca.
Seu sorriso volta aos lábios.
- Você é esperto! Gosto disso!
- Aédris, é assim que vou lhe chamar de agora em diante! –minha Aédris, completo em pensamento.
- Aédris... –ela testa a sonoridade da palavra. – Eu gosto.
- Sabe que se usa a mesma palavra em todos os idiomas existentes para se denominar essa flor?
- Isso eu já sabia, senhor espertinho! Não vai conseguir me impressionar tão facilmente! –ela me desafia.
Vou até onde deixei Ônix e pego as frutas de nascan que estavam em minhas coisas no lombo do cavalo.
- Consigo lhe impressionar com frutas de nascan?
Ela arregala os olhos e parece hipnotizada pelas frutas em minhas mãos. Devia ter imaginado que seria mais fácil impressioná-la com comida do que com uma flor rara.
Aédris
Ele me impressionou com sua perspicácia ao me comparar com a resistência da flor, mas já tinha me conquistado ao me presentear com ela. Quando disse que me chamaria de Aédris, foi a cereja do bolo. E agora me oferece deliciosas frutas de nascan.
Quando eu era pouco mais que um bebê, meu pai me contou que quase morri, pois ele ainda não sabia que eu sou alérgica e me alimentou com a fruta. Muitos ciclos de luas mais tarde, mesmo muito ciente de minha alergia, comi escondida fruta de nascan novamente e mais uma vez quase morri. Mas já se passaram tantos ciclos de luas... Uma única mordida não pode me fazer tanto mal... E é uma fruta tão deliciosa...
Antes que eu pense com a seriedade devida, pego uma das frutas e dou uma mordida. E obviamente começo a passar mal instantaneamente.
Kadrahan está com um olhar apavorado enquanto me ampara em seus braços, mas ele pensa rápido e me faz engolir a flor de aédris.
Alguns minutos depois, estamos sentados no chão e ele comigo em seus braços enquanto me faz beber um cantil de água. Aos pouco me sinto melhor.
- Não sabia que é alérgica a nascan? –ele me pergunta comigo ainda em seus braços.
- Sabia. –respondo sem a menor pressa de deixar o calor de seu abraço. Está cada dia mais frio, pois já estamos a poucos dias do inverno.
- O quê? –ele me afasta para me encarar nos olhos. – Você é louca, Aédris? Se sabia por que comeu sem me avisar de sua alergia? Quase me matou do coração!
Gosto que ele não esconde a sua preocupação e sorrio.
- Isso não teve graça, Aédris!
- Desculpe por assustá-lo, mas sou incapaz de resistir essa fruta deliciosa!
- Vou andar sempre com um frasco de remédio de agora em diante! –ele diz zangado. - Você é muito imprudente e teimosa!
- Não nego! –respondo me levantando. – E você me fez comer a minha flor, o meu presente!
- Desculpe por salvar a sua vida! -Kadrahan parece estar realmente furioso.
- Vamos testar a minha adaga nova? -digo tentando aliviar a tensão.
Ele sorri diante de minha animação e espero que ele já tenha esquecido que ficou bravo comigo. Adoro seus raros sorrisos.
Kadrahan
Os dias passam voando. E cada momento com Aédris é mais maravilhoso que o outro. Com ela me sinto livre e feliz como nunca me senti antes. Hoje é o segundo dia de noite sem lua e amanhã é o primeiro dia do longo Ciclo da Lua Vermelha. E hoje também é o aniversário dela. Aproveitei as noites que durmi fora na floresta e lhe fiz um presente. Entalhei em um pequeno pedaço de madeira uma flor de aédris. Depois a pintei e a transformei em pingente pendurado em um cordão de couro.
Ela passará o dia comemorando com sua família e mesmo assim só teremos alguns poucos minutos após o por do segundo sol para nos vermos. Parece que sua família tem diversos tipos de comemoração durante o dia inteiro e ela não conseguirá fugir por muito tempo.
Como sempre, passo as horas que estou longe dela treinando incansavelmente. Tenho mais um motivo para vencer esse desafio.
Finalmente a encontro em nosso lugar secreto. É a primeira vez que nos encontramos a noite e o fato de não ter uma lua acima no céu torna tudo mais mágico com apenas as estrelas iluminando nossos rostos. Ela está linda e radiante como sempre, com seu brilho próprio iluminando a minha vida.
- Desculpe, mas não posso ficar mais do que quinze minutos! –Aédris diz assim que me vê. – Meu irmão pode vir a minha procura a qualquer momento e não quero ter que socá-lo hoje!
Ao longo dos últimos dias, descobri que ela maneja uma adaga com excelência e segundo ela, seu passatempo preferido é socar seu irmão. Não tive o privilegio de conferir sua habilidade de socar os outros e nem fiz questão. Saber que ela é capaz de se defender ao menos um pouco quando não está comigo já me deixa mais tranquilo.
- Tudo bem, serei rápido!- digo conformado. – Só quero lhe entregar um presente que eu mesmo fiz!
Entrego a ela uma bolsinha de couro contendo o pingente.
- Kadrahan, é lindo! –ela diz admirando o pingente. – Realmente foi você quem fez?
- Sim, feliz aniversário! –Aédris me entrega o colar, se vira e ergue os cabelos para que eu possa colocar nela.
- Dizem que não é um bom presságio nascer sem a proteção de nenhuma das luas. –ela diz olhando para o céu estrelado.
Termino de amarrar o cordão de couro e a viro para mim.
- Pelo contrário! –começo a dizer. – Acredito que todos os deuses desceram do céu para comemorar o seu nascimento.
Ela sorri e eu a beijo. Nosso primeiro beijo.
******************************************************************************************
Gostaram? Espero que sim \o/ Comentem muito, convidem os amigos e não se esqueçam as preciosas estrelinhas que iluminam o dia dessa autora *_*
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro