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Capítulo 36

    Olá amigos, finalmente estou de volta. São tantos os motivos para a demora, que se fosse contar todos eles, daria um capítulo inteiro. Tantos problemas um atrás do outro e para completar estou sem computador e sem dinheiro para mandar arrumar. São tantas coisas acontecendo que parece complô do universo e já falei no grupo que daria um livro. E vocês provavelmente não acreditariam se eu contasse. Peço desculpas mais uma vez. Sei que devem estar cansados de minhas desculpas, mas a vida sempre no prega peças. Obrigada a todos que seguem comigo e nunca desistem de mim. Muito obrigada pelo carinho e compreensão infinita. Sem previsão de quando terei meu computador, o capítulo seguinte não deve sair rápido, pois sou uma negação escrevendo pelo celular. Vou tentar fazer alguma coisa, mas acho melhor não fazer promessas de rapidez. Nos próximos postarei algo (uma brincadeira) e já vou deixar avisado que não será capítulo kkkk. A música desse capítulo é On My Own do grupo Ashes Remain e acho a letra dela tudo a ver com o Kadrahan. E esse capítulo é dedicado a uma leitora muito querida. Muito obrigada por tudo. Sonho com o dia que poderei conhecê-los. AMO VOCÊS!

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    Minhas emoções trepidam dentro de mim como uma avalanche inesperada e dominam cada terminação nervosa do meu corpo. Suor se acumula nas palmas de minhas mãos e as fecho com força.

   Uma onda de frio sobe pela minha espinha e sinto os pelos de minha nuca se arrepiarem. Meu coração martela em meu peito em uma velocidade assombrosa e tenho a impressão que ele saltará de meu peito a qualquer momento.

    Não tinha ideia que estava assim tão ansiosa para me encontrar com a minha mãe.

    - E qual foi a resposta dela? –pergunto baixinho.

    - Ela disse que te encontrará quando a Lua Vermelha estiver no céu. –é a resposta simplista que recebo.

    - O quê? –esse pirralho só pode estar brincando com a minha cara.

    - Isso mesmo o que você ouviu. –o deus pirralho continua concentrado em empilhar peças de montar com Sissy. – Ráahra pediu para te dizer que te encontrará quando a Lua Vermelha estiver no céu.

    - E como vou saber quando a Lua Vermelha surgirá no céu com a bagunça que anda as luas?

    - Em primeiro lugar, de quem é culpa pelas luas estarem em um completo caos? –a acusação não poderia ser mais direta. – Arque com as consequências.

    - Minha coisa nenhum! –nego com veemência. – É culpa do deus ladrão que criou essa profecia idiota e ainda me colocou no meio! –reflito por meio segundo. – Aliás, a culpa é de vocês mesmos que foram incompetentes ao proteger a Pedra das Sete Luas para começo de conversa!

    A pilha de blocos de montar vai totalmente ao chão com o súbito movimento errado do deus pirralho e Sissy o encara com o rostinho expressivamente muito zangado.

    - Se eu não gostasse tanto de criaturas selvagens, acho que já tinha te entregado para Náahtris ou Véehros há muito tempo! –o pirralho acabou de me chamar de selvagem? – E em segundo lugar, Ráahra disse "quando" a lua vermelha estiver no céu e isso não quer necessariamente dizer que será no exato dia que ela surgir! –ele acrescenta optando por ignorar a minha ofensa.

     - Como é que é? –se esse pirralho estiver mesmo brincando com a minha cara, vou pendurá-lo no teto pelas orelhas. – O Ciclo da Lua Vermelha dura mais de duzentos dias!

    - Só estou repetindo as palavras de sua mãe! Se entenda com ela depois! –mas antes que eu tenha a chance de dar outra de minhas respostas afiadas, ele se inclina e toca o rosto de Sissy que instantaneamente fecha os olhos adormecida.

    - O que fez com a minha sobrinha, Duuhlenn? –demando já me armando para a briga.

    - Só te fiz o favor de fazê-la dormir. –ele diz enquanto delicadamente pousa a cabeça de Sissy no tapete. –Embora eu ache que deveria deixar você fazê-la dormir só para ir praticando lidar com a energia de uma criança Darätzsalah!

    Eu não era uma criança tão difícil assim de lidar, era?

    - Pensando bem, vai ser muito mais divertido ver você aprendendo na prática como lidar com dois mini Darätzsalah de uma só vez! –ele acrescenta com um sorriso travesso. – Sabia que os Guerreiros Darätzsalah só pegam seus filhos após quarenta e seis ciclos de luas porque antes disso apenas as mães têm a paciência necessária para lidar com o terror que vocês são quando crianças? Seu pai foi um verdadeiro herói por ter tido a coragem de criar você e Antúrix desde bebês!

    Não sei se me foco apenas no elogio ao meu pai ou se fico zangada pela ofensa a minha raça ao insinuar que somos terríveis desde bebês ou se fico realmente preocupada porque terei dois mini furacões Darätzsalah de uma leva só!

    - Escuta aqui, deus Pirralho, se você acha que...

    - Poderia colocar Sissy no berço antes de dizer qualquer bobeira que eu com certeza irei ignorar? –esse jeito mandão definitivamente não combina com sua voz e aparência infantil. – Não espera que eu consiga colocá-la eu mesmo com o tamanho que estou, espera? –ele acrescenta quando percebe que não movi um músculo.

    Definitivamente não gosto nada de receber ordens de um pirralho que mal chega a minha cintura.

    - Então por que não cresce e faz algo de útil? –retruco irritada, mas mesmo assim pego Sissy com todo o cuidado para não acordá-la e a coloco em seu berço com delicadeza.

    Ajeito sua manta cor de rosa cobrindo-a de forma a deixar sua cabeça e bracinhos de fora enquanto acaricio a sua bochecha redonda e macia.

    Me pego sorrindo sem saber exatamente o motivo, mas o meu sorriso desaparece quando me viro e dou de cara com o deus pirralho em sua versão adolescente.

    - Mais a vontade agora, Náyshilah?

    - Você poderia avisar antes de fazer isso! 

    - E perder a chance de te ver com essa cara de espanto? –estou começando a pensar que prefiro a versão pirralho. – Nunca!

    Reviro os olhos bufando de irritação.

    - Esticadinho, será que dá para você...

    Algo em seus olhos cor de avelã me deixa em sentido de alerta.

    - Poderia me fazer um favor, Náyshilah?

    Desconfiança toma conta de mim. O que um deus pode querer que eu faça?

    - Se vai pedir para que eu prometa não me livrar de nenhum dos seus coleguinhas deuses, pode esquecer! Eu não...

     - Quero que diga a Rius que sinto muito!

    - Do que está falando?

    - A espécie da Rius é minha criação e falhei com ela em particular de todas as maneiras possíveis!

    Inesperadamente, os olhos cor de avelã passam a ser como dois lagos de águas cristalinas que refletem a mais profunda tristeza, lamentação e sofrimento.

    Pela primeira vez vejo Duuhlenn como deveria ver a todos os outros. Um deus que realmente se importa e sofre com as dores dos mortais. E isso me deixa completamente sem reação.

    - Mas diga que farei algo por ela para me redimir. –ele continua alheio ao fato que acabou de ganhar o meu respeito como nenhum outro dos deuses. – Se tem alguém que merece uma graça divina minha, essa pessoa é Rius! Tudo o que ela passou, tudo o que ela fez e tem feito...

    - O que...

    - A sua mãe também pediu para te dizer que ela sempre olhou por você em todos os minutos de sua vida. –a divindade da Lua Amarela emenda um assunto sério em outro mais delicado ainda.

    – Nunca duvide que sua mãe te ama mais do que tudo que há nesse vasto universo!

    Vejo uma compaixão infinita em seus olhos brilhantes e lágrimas ardentes embaçam a minha visão. Sinto a sinceridade e a força de suas palavras me atingirem como um soco no estomago. Abraço o meu próprio ventre recuando novamente alguns passos enquanto fecho os meus olhos para conter as lágrimas indesejadas.

    - Você não tem ideia de todos os sacrifícios que sua mãe fez por você, Náyshilah! –Duuhlenn prossegue impiedoso em sua missão de me fazer me sentir culpada. – O amor que Ráahra sente por você ultrapassa todas as barreiras!

    Suas palavras se enraízam em cada pedacinho de minha alma e me apego a cada uma como se dependesse delas para poder continuar respirando.

     O silêncio se arrasta entre nós tornando o ar ao nosso redor mais pesado e esmagador a cada minuto.

     - Então me mostre. –peço com a voz baixa depois de reunir toda a minha coragem. – Mostre-me o passado de minha mãe.

    Entretanto quando finalmente volto a abrir os olhos, já é tarde demais. O deus Pirralho desapareceu sem ao menos se despedir e me deixou falando sozinha.

    Alguns minutos mais tarde, após recuperar o meu controle emocional e roubar da babá irresponsável uma túnica mais decente para ficar perambulando pelo palácio, decido ir procurar a cozinha para um lanchinho noturno.

    - Vocês têm por obrigação nascerem fortes e saudáveis de tanto que estão me fazendo comer, estão me ouvindo? Isso é uma ordem e devem me obedecer! –é bom deixar claro quem manda desde cedo. – E pelo estrago que estão fazendo com o meu estado emocional, podem desistir de terem mais irmãos. 

    Tentar me distrair ralhando com os fedelhos não está dando muito certo, já que meus pensamentos insistem em remoer as palavras do deus pirralho sobre a minha mãe repetidas vezes sem pausa.

    - A velha da avó de vocês podia ao menos ser mais especifica e estipular uma data certa para aparecer! –resmungo irritada. – Aliás, eu queria saber por que a velha está enrolando tanto para ter uma conversa comigo! Não é como se eu fosse atacá-la ou algo assim! Não sem motivo... E exatamente como Duuhlenn pretende se redimir por tudo o que a Rius passou? 

    Sigo conversando com os fedelhos sem realmente prestar atenção no caminho, até que uma dor súbita e aguda em minha cabeça quase me faz tropeçar em meus próprios pés. Me apoio na parede mais próxima em busca de equilíbrio e a dor é tanta atrás de minhas vistas, que me cega momentaneamente. Fecho os olhos e com a outra mão pressiono a minha têmpora na tentativa de aliviar a minha dor e do mesmo jeito que veio, ela vai embora.

    Quando volto a levantar minhas pálpebras, pontinhos negros ainda obscurecem a minha vista e pisco várias vezes tentando fazer as coisas entrarem em foco, mas após muitas tentativas percebo que na verdade não há nada de errado com a minha visão.

    Os pontinhos negros se esticam e se transformam em fios. Fios negros. Muitos fios negros. E seguem por todas as direções no corredor. Uns mais grossos, outros mais finos. Uns mais densos, outros mais opacos. Alguns mais claros quase em um tom de cinza. E sinto maldade neles quase como se fosse algo palpável ao toque. Alguns com maior intensidade e outros nem tanto. Mas posso ler cada fio como páginas de um livro. Alguns fios possuem coisas más em um nível aceitável em um ser humano passível de erros e atos egoístas. Em outros enxergo perversidade a um nível doentio e assombroso.

    Mas que raios é isso agora?

    Por puro instinto, sei que se tocar um deles saberei a quem pertence, mas não me atrevo a tanto. Meu lado prudente que normalmente ignoro, dessa vez está gritando em meus ouvidos para não tocar nessas coisas e pensando nos meus fedelhos decido ouvi-lo pela primeira vez em muito tempo.

    Entretanto um dos fios me chama a atenção mais que os outros. Ele é uma mistura de negro intenso com um cinza brando. E vencida pela curiosidade decido segui-lo tendo a precaução de não tocá-lo.

    O fio misterioso me leva muitos degraus acima por corredores cada vez mais estreitos e com pouca iluminação. Quando por fim me deparo com uma escada espiralada com paredes úmidas em pedra crua, sei exatamente onde estou. Em uma das masmorras do palácio.

    Subo cada degrau com cuidado redobrado para não escorregar escada abaixo e ilumino o caminho com uma chama tênue em uma das minhas mãos. Entretanto quando estou no que acredito ser a metade da escadaria, a mesma dor súbita de antes retorna me fazendo perder o equilíbrio. Caio com um dos joelhos na quina do degrau, mas consigo me segurar antes de sair rolando. Sento-me no degrau e lentamente a dor lacerante que parece querer expulsar meus olhos das órbitas se esvai. Quando consigo me concentrar no mundo ao meu redor, noto que o filamento negro que eu estava seguindo desapareceu tão misteriosamente quanto surgiu.

    Zarmey! Que raios está acontecendo comigo? A velha podia muito bem antecipar a sua visita e me explicar como funciona ter sangue divino correndo nas veias.

    - Tudo bem aí dentro? –pergunto aos fedelhos alisando meu ventre de um lado a outro.

    Então estico o joelho machucado para testar meus movimentos e quando sinto um leve inchaço e uma dorzinha incômoda, tenho certeza que vou ganhar um hematoma arroxeado pela manhã. Mas encontro o verdadeiro problema quando estendo o braço para massagear o ferimento e vejo sangue escorrendo de um ralado enorme em meu antebraço.

    - Khrratz! Já até imagino o sermão que vou levar do pai de vocês por causa disso! –devo ter me ralado nas pedras cruas enquanto tentava me segurar. – Ele com certeza vai dizer algo como não poder me deixar sozinha nem por um minuto!

    E com a mesma mão que minutos atrás uma chama reluzente dançava livre em minha palma, faço gotas de águas escorrerem das pontas de meus dedos para limpar o sangue de meu braço.

    Sorrio comigo mesma ao constatar como agora a magia flui tão facilmente quanto o ato de respirar para mim. Sinto o pulsar de todo esse poder em minhas veias como se fosse um segundo coração batendo dentro do mim, mas ele não está enraizado apenas em meu corpo e sim expandido em minha alma sem nenhum tipo de barreira. E também não é algo dócil e facilmente controlado. Não. É um poder selvagem e indomável. Certamente por culpa do sangue de meu pai que também corre em cada fibra do meu corpo. Talvez a combinação de todo o poder divino de minha mãe com a natureza livre, selvagem e incontrolável dos Darätzsalah realmente não tenha sido uma boa ideia...

    Deixando as minhas divagações de lado, me coloco de pé novamente com a chama em minha mão e sigo em meu caminho, pois sei perfeitamente quem é dono do fio negro que eu seguia mesmo sem tê-lo tocado. Eu pretendia mesmo fazer essa visita no começo do dia, por que não agora de uma vez?

    Os degraus terminam em um corredor parcamente iluminado por chamas de escassas lamparinas. O lugar é frio e úmido com as mesmas pedras cruas tanto nas paredes quanto no piso. Um verdadeiro contraste ao ambiente acolhedor e luxuoso dos outros cômodos do palácio. O falecido marido da condessa certamente não acreditava que seus eventuais prisioneiros merecessem algum tipo de conforto e Tádia deve ter preferido manter o lugar como sempre esteve.

    Passo por várias celas de portas de ferro aparentemente vazias até me deparar com Tanris e Encas no fim do corredor. Eles sem dúvidas assumiram o posto de vigiar o nosso prisioneiro para Yuules e Moliantru poderem descansar.

    Tão logo me veem eles se abaixam na tradicional reverencia darätzsalah demonstrando respeito por mim. Um respeito que não estou muito certa de merecer, mas já decidi deixar para resolver esse conflito interno em outro momento.

    - Vim falar com o prisioneiro. –anuncio assim que os dois voltam a se posicionar em suas posturas rígidas de carcereiros.

    Encas desce o olhar para a minha barriga e em seguida olha para o companheiro em busca de uma orientação silenciosa, por isso não me surpreendo ao ouvir Tanris dizer:

    - Minha senhora, Lorde Kadrahan e Antúrix...

    - Não estão aqui. –o corto com autoridade. – Portanto irei...

    - E é exatamente por isso que devemos protegê-la no lugar deles. –Tanris retruca sem se deixar intimidar.

    E é isso que torna os Darätzsalah guerreiros imbatíveis. Nada e nem ninguém os intimida. Mas um pouco de juízo não faria mal nenhum. Acho que aquele deus palhaço esqueceu-se de acrescentar esse item básico quando criou a nossa raça.

    Por outro lado a devoção deles em me proteger mesmo estando cientes que sou perfeitamente capaz de me defender sozinha me sensibiliza e resolvo fazer uma concessão.

    - Tanris, agradeço a preocupação, mas realmente preciso conversar com o prisioneiro.

    - Então iremos acompanhá-la, minha senhora. –Encas diz prontamente.

    - O damera não passa de uma criatura insignificante agora que está usando os presentinhos de Iéehruus. –reforço o que eles já devem saber apenas para embasar a minha causa. – E prometo em nome da sete luas e suas divindades que chamarei por vocês se pressentir que ele representa algum perigo para os meus fedelhos.

    O juramento ameniza um pouco a preocupação deles e após uns segundos de silenciosa ponderação, Encas me entrega uma lamparina e dá um passo para o lado enquanto Tanris abre a pesada porta de ferro da cela.

    - E parem com essa frescura de me chamarem de "minha senhora"! –peço antes de entrar na cela escura sem dar tempo a eles de retrucarem dessa vez.

    - Olá aberração da deusa pecadora! –é a saudação que recebo assim que aporta se fecha as minhas costas. – Estava mesmo esperando a sua visita mais cedo ou mais tarde, mas confesso que não esperava por ela no meio da noite!

    - Ola Futuro Defunto! –retribuo o cumprimento com um sorriso ácido. – Está apreciando os novos presentes? Embora eu ache que uma coleira combinaria muito mais com você do que simples braceletes!

    Deposito a lamparina no chão sem tirar os olhos do damera. É melhor ficar com as mãos livres só por precaução.

    - Você irá responder a todas as minhas perguntas de um jeito ou de outro. –afirmo convicta.

    - E o que te faz ter tanta certeza, aberração? –Áilos pergunta em tom zombeteiro enquanto se estica em seu catre colocando os braços atrás de sua cabeça como apoio.

    Me aproximo dele sorrindo com escárnio para deixar claro o quanto o desprezo.

   - O que me faz ter tanta certeza? –repito tamborilando os dedos em meu queixo fingindo pensar. – Talvez o fato que você propositalmente soltou histórias de partir o coração sobre o passado de minha amiga exatamente porque queria que eu me envolvesse? –um leve tremor em sua sobrancelha direita denuncia que estou no caminho certo. – O quê? Não era para eu ter percebido que você e a bruxa covarde pretendem me induzir para alguma armadilha vil com suas historinhas? Como é mesmo o nome da capacho da Bruxa Mor? –será que foi impressão minha ou ele realmente rosnou devido a minha ofensa a sua comparsa? –Ah, sim! Adanyele! Um capacho que nem ao menos tem a coragem de mostrar a sua cara diante de mim e...

    - Como ousa se referir a minha senhora dessa forma? –e com a velocidade de um raio o damera se joga para cima de mim. Os dentes expostos rumo a minha artéria.

    No entanto, em sua forma humana o damera não é páreo para a destreza de um darätzsalah. Com uma rapidez superior a dele, me esquivo acertando-lhe uma cotovelada na nuca seguida de uma joelhada em suas costas e usando o meu antebraço direito finalizo prensando sua cara contra a parede. O barulho de dentes se quebrando no processo é um sinal claro que usei mais força do que pretendia.

    - Quer que eu te transforme em um defunto antes da hora, seu damera estúpido?

    - Você irá se arrepender por tudo o que tem me feito, aberração! –ele ruge enquanto cospe pedaços de dentes. Sangue viçoso escorre de sua boca e sua respiração sai entrecortada e acelerada. Ele certamente está sentindo dor. Muita dor. Bem feito.

    Sem o menor cuidado, o jogo de volto ao catre e ele faz uma careta de dor quando suas costelas sentem o impacto contra o estrado de ferro.

    - É melhor não tentar outra gracinha, pois já fiz mais esforço físico do que deveria hoje e se tentar algo estúpido novamente, não irei pensar duas vezes antes de te transformar em cinzas! –o advirto quando ele faz uma tentativa de elevar o tronco.

    - Você se acha muito esperta, não é mesmo aberração? –ele atira as palavras em mim e depois se curva de lado para cuspir mais sangue no chão. – Quer respostas? Você as terá! –o muito em breve defunto, volta a se ajeitar com certa dificuldade no catre e me encara com seu olhar raivoso. – Sim, o pai de Rius está mesmo vivo e ele é o guardião damera da profecia!

    Mesmo através da iluminação precária, sou capaz de enxergar vasos vermelhos no branco dos olhos do damera e há um desafio claro na dureza que ele me encara. Ele está me desafiando a contradizê-lo. Mas não farei isso. Por uma razão que não sei explicar, sei que ele não está mentindo.

    - E ele nunca foi procurar a filha porque acha que ela morreu juntamente com a mãe. –repito o que Rius me contou.

    - Isso sim é uma meia verdade que manipulei a minha maneira apenas para acalentar o coração de minha doce Rius!

    - O que quer dizer com isso? –pergunto já com receio da resposta.

    - Níller traiu o Conselho ao fugir, achou mesmo que ele ficaria impune? –a alegria doentia com que ele destila seu veneno faz meu estomago se contorcer de repulsa. – A única coisa que o salvou da morte certa foi o fato de ele ainda não ter passado o trecho da profecia para sua herdeira!

    - O que fizeram com ele? –inquiro entre os dentes trincados de raiva.

    - Ele está encarcerado, obviamente. –seu sorriso se estica deixando a mostra os dentes recém-quebrados, assim como o sangue que escorre de sua gengiva. – O destemido damera Níller tem estado preso por todos esses ciclos e mais ciclos de luas. –cerro os punhos para não sucumbir ao meu desejo de partir todos os ossos do ser desprezível diante de mim. – Se não fosse assim, ele teria ido atrás de sua esposa e filha nem que fosse apenas para dar a elas um enterro digno! Ele não é nem ao menos a sombra do grande guerreiro que foi um dia depois de perder a sua família e passar tanto tempo confinado em um lugar muito pior do que essa masmorra!

    - E me contar esse detalhe que omitiu de Rius faz parte do seu plano com a bruxa capacho! Certo, já entendi isso! –digo com frieza calculada. – Mas se quer que eu faça a minha parte nessa peça sórdida, preciso de mais informações para representar bem o meu papel!

    - Irei levar você até o nosso povo, onde Níller está aprisionado, mas obviamente deverá abrir mão de seu exército. –o damera começa a jogar as suas cartas.

    - Uma palavra minha e sei que a tropa seguirá o meu comando. –declaro. – Mas você com certeza sabe que não importa o que eu diga ou ordene, Kadrahan, Rius e o meu irmão irão comigo mesmo que peça para não irem. –seria uma perda de tempo comprar uma briga com qualquer um deles quando tenho certeza que nem mesmo o meu irmão me daria ouvidos.

    - Estou ciente disso. Eles podem nos acompanhar. –não gosto nada do sorriso contundente que brota no rosto ossudo do Futuro Defunto. – E também faço questão da presença do feiticeiro e principalmente do humano de estimação da Rius.

    Niklaus e Vanshey? Khrratz! É evidente que o cadáver ambulante pretende se livrar do meu amigo na primeira oportunidade que tiver, mas o que ele pretende com Niklaus?

    Bem, o feiticeiro é mesmo o próximo da minha lista de "verdades a serem arrancadas", portanto deixo esse assunto de lado em minha mente por enquanto.

    - Acredita mesmo que diminuir o nosso número fará alguma diferença realmente eficaz em sua armadilha? –questiono curiosa cruzando os braços e rindo com desdém.

    - Sua arrogância desmedida por ser a sua ruína, aberração!

    - Assim como sua confiança cega nos poderes da bruxa capacho pode ser a sua. –as narinas do damera se expandem em um sinal claro de ódio.

    Ele não deveria ter deixado tão óbvio que ofender a sua senhora é o caminho mais rápido para irritá-lo. Sorrio ainda mais.

    - Meu povo vive isolado em uma ilha remota no Oceano Negro. –entretanto dessa vez ele não se deixa cair em minhas provocações. – Nós a chamamos de Ilha Errante e antes que tenha ideias tolas de se livrar de mim e chegar sozinha até ela, saiba que a ilha nunca fica no mesmo lugar e somente eu posso levá-la até lá.

    Ilha errante, vale flutuante... Será que nada fica no mesmo lugar nesse mundo doido onde vivo?

    Espera! Ilha remota no Oceano Negro? Agora sei porquê o deus alga falou que nos reencontraríamos em breve, afinal a vastidão de todos os oceanos faz parte de seus domínios...

    - E você me dirá o seu preço para me levar até essa ilha agora ou...

    - Meu preço será dito na hora que melhor me convir. –ele responde me interrompendo.

    Está tão claro quanto água que ele pretende nos levar direto para uma armadilha e me arriscar às cegas pode me custar um preço alto demais, mas que escolha eu tenho? Sou capaz de fazer qualquer coisa por Rius e o ser desprezível a minha frente é o único que pode nos levar ao pai dela. Além do mais, saber um pouco mais sobre essa maldita profecia pode me ajudar de alguma forma a proteger os meus pequenos arco-íris.

    - Está certo, damera. –digo enquanto me abaixo para pegar a lamparina do chão. – Aceito os seus termos e partiremos em dois dias.

    - Estarei aguardando ansioso, aberração.

    Já estou a caminho da porta da cela quando me lembro:

    - Infelizmente, Futuro Defunto, você não é o meu único prisioneiro. –embora ter uma desculpa para me livrar da presença deles seja realmente tentadora. – O príncipe e a princesa de Tatris também irão conosco e isso não é negociável.

    Sei que qualquer um dos darätzsalah poderia vigiá-los durante a minha ausência, mas prefiro mantê-los ao meu alcance.

    O damera parece querer argumentar, mas depois de uns segundos de ponderação, apenas concorda com um leve aceno.

     Saio da cela sem olhar para trás.

    Sigo o caminho de volta direto para o meu quarto já que o Futuro Defunto conseguiu a incrível façanha de me fazer perder a fome. Sua conversa repulsiva literalmente revirou a minhas entranhas me causando uma ânsia muito forte.

     - Vocês dois não deviam ser tão sensíveis a crueldade que sai da boca das pessoas! –ralho de novo com os fedelhos no caminho. – É melhor irem se acostumando porque infelizmente o mundo está cheio de gente ruim como ele.

    Estou tão entretida com a conversa com os fedelhos, que demoro um pouco após entrar no quarto para notar que há algo errado. Algo muito errado.

    A penumbra da noite impera no imenso aposento e mais sinto do que vejo uma agitação em seu interior.

    Imediatamente evoco as chamas em minhas mãos pronta para uma luta eminente, mas elas logo se mostram desnecessárias. A agitação vem de Kadrahan que se contorce na cama claramente assombrado por um pesadelo vívido.

    Me aproximo da cama com cautela para analisá-lo melhor antes de despertá-lo de seu tormento. Ele se contorce violentamente entre o lençol, sua cabeça se movendo de uma lado para o outro em um frenesi incessante e suor escorre em cascatas pelo seu corpo enquanto murmura palavras desconexas.

    Então esse é um dos famosos pesadelos que sempre ouvi falar?

    O instinto de protegê-lo de seja lá o que for é muito forte, porém a minha curiosidade é ainda mais.

    Sento-me na ponta da cama sem fazer nenhum barulho e continuo o observando.

    Desde que nos entendemos como um casal, ele sempre dormiu em paz em meus braços. Não houve uma única noite em que ele teve pesadelos ao meu lado.

    Perder tantos de nossos companheiros, muitos seus amigos de longa data, aqueles que estiveram ao seu lado e lhe foram leiais em minha ausência, e principalmente perder Entur, aquele que o amava como um filho, sem sombra de dúvidas foi o estopim para trazer a tona seus tormentos do passado.

    Mas o que será que tanto o atormenta a ponto de assombrar seu sono de tal maneira? E será que eu realmente quero saber? Ou melhor, será que quero lembrar?

    Ele continua se debatendo e decido que está na hora de livrá-lo de seus fantasmas. Devo acordá-lo.

    Levanto-me e me inclino sacudindo o seu ombro para despertá-lo. Sua pele está gelada sob o meu toque, apesar de todo o suor que molha os meus dedos.

    - Kadrahan, acorde! –chamo com a voz alta e nítida. – Kadrahan!

    Entretanto, mesmo que eu o sacuda com cada vez mais força, ele parece inalcançável perdido em seu próprio mundo de agonia.

     - Não vá! Por favor, não vá! –ele suplica ainda preso no pesadelo, finalmente dizendo algo que entendo e sinto uma onda devastadora de dor varrer o meu corpo paralisando meus movimentos. – Não vá, eu imploro... –o desespero e a dor em sua súplica trazem o eco de um sentimento que sei já ter sentido, e é algo tão intenso a ponto de fazerem meus dedos tremerem no presente.

    Chacoalho minha cabeça para afugentar as sombras de um passado que ameaçam me desestruturar. É Kadrahan que precisa de mim agora.

    - Está tudo bem, Kadrahan! Eu estou aqui! –digo mais alto forçando os meus dedos a pararem de tremer enquanto volto a sacudi-lo, dessa vez com mais força. – Por favor, acorde, sah rätza! –mas minha voz parece incapaz de alcançá-lo.

    Guiada pelo instinto, prendo seus rosto com firmeza entre minhas mãos e murmuro rente a sua pele:

    - Sah fhrrïss! –"minha luz", ressuscito o apelido das profundezas de minha mente danificada. Um apelido que sei que não costumava usar com frequência. – Sah fhrrïss, acorde!

    Ele abre os olhos, mas no primeiro instante ainda parece não me ver. Beijo seus lábios com doçura, apenas um toque suave para trazê-lo de volta ao mundo real. De volta para mim.

    O beijo terno surte o efeito desejado e ele foca o olhar em mim, mas Kadrahan se senta tão rapidamente que se eu não tivesse excelentes reflexos, teria acertado sua cabeça na minha.

    Ele fica de costas para mim. Os ombros subindo e descendo rapidamente em sua respiração ainda acelerada.

    - Kadrahan? –o chamo.

    Ele se vira de repente me abraçando com tanta força como se achasse que posso me esvair em pleno ar a qualquer momento.

    - Sah vrätsa, eu amo você mais do que tudo! –as palavras familiares que ele sempre repete quando nos amamos soam desesperadas em meus ouvidos. – Eu prometo que irei proteger vocês três com a minha vida se for preciso! –a promessa contem um fervor agoniado entre os meus cabelos.

    O afasto com delicadeza, apenas o suficiente para olhá-lo nos olhos.

    - Já disse antes e vou repetir. –prendo seu rosto mais uma vez em minhas mãos. – Não quero que você morra por mim. –beijo o canto de sua boca. – Quero que você viva por mim. –beijo o outro lado. – Por nós. Por nossa família. –completo finalmente beijando seus lábios.

    E que o mundo se exploda. Quando a luz do primeiro sol surgir, não irei mais procurar Niklaus, Menélope, Nars ou quem quer que seja que me cause dor de cabeça. Irei aproveitar o dia com aqueles que amo. Ao menos uma vez na vida merecemos um dia de normalidade.

    - Acorde, dorminhoco! -digo jogando uma almofada na cara do meu maridinho enquanto coloco uma bandeja de café da manhã ao seu lado na cama. - Os dois sóis já nasceram e você continua dormindo!

    - E de quem é a culpa por eu não ter dormido a noite inteira? -ele indaga entre um bocejo e outro depois de tirar a almofada da cara.

    - A culpa é dos pesadelos. -respondo muito séria. - Apenas te ajudei a esquecê-los.

     Ele sorri divertido, mas tem o bom senso de não discutir comigo.

    Kadrahan se senta se acomodando na cabeceira da cama e coloca a bandeja em seu colo com extremo cuidado.

    - Você preparou tudo isso? -o tom desconfiado dele chega a ser ofensivo.

    - Pão de centeio com geléia de alcáss, biscoitos de sal, bolo de alcáss, leite sem açúcar, limonada, torradas, ovos mexidos com queijo e de frutas temos lezus, abacaxi, gualas e maçã verde. -anuncio com orgulho de mim mesma por ter conseguido tudo. - Tem todas as suas comidas preferidas para o café da manhã, acho que não esqueci de nada. -será que não está mesmo faltando alguma coisa? - E para a sua tranquilidade meu único trabalho foi pedir que preparassem tudo na cozinha.

    - É uma pena. -um suspiro exagerado se faz ouvir. - Os ovos mexidos com queijo que você prepara é a minha verdadeira comida preferida!

    - O amor é cego e pelo visto sem paladar também... - gracejo me afastando da cama. - Se bem que se eu não soubesse nem ao menos preparar ovos mexidos decentemente, eu deveria me jogar de um penhasco!

    Reflito por um segundo.

    - Espera! Eu já fiz isso! -faço cara de quem fez uma grande descoberta. - É esse o grande segredo que você esconde de mim, não? Eu me joguei do penhasco por causa de minhas terríveis habilidades culinárias!

    - Parece que alguém acordou de muito bom humor! -ele constata sorrindo ainda mais amplamente. - No passado você costumava ficar furiosa a qualquer referência a sua falta de dons culinários! -não duvido de sua afirmação, mas hoje não é dia de ficar brava com bobagens. - E por que não há nada que você gosta aqui? Já tomou café da manhã?

    - Eu bem que tentei, mas cinco minutos depois os fedelhos me fizeram colocar tudo para fora! -é por isso que estou mantendo distância. Só o cheiro da comida já está me deixando enjoada de novo. - Eles andam cheios de manhas desde ontem a noite.

    Depois de depositar de lado a bandeja intocada, Kadrahan me puxa pela cintura e levanta a minha blusa expondo o meu ventre.

    - Bom dia, meus pequenos guerreiros! -ele beija ternamente um lado de minha barriga e em seguida o outro. - Não sejam manhosos e deixem a mãe de vocês comerem. Todos nós sairemos perdendo se ela ficar de mau humor por causa da fome!

    - Hoje nada irá me deixar de mau humor. -afirmo resoluta. - Nem mesmo se eu ficar sem comer por causa dos fedelhos.

     - Espero sinceramente que nossos filhos puxem ao seu pai. -Kadrahan sussurra com testa apoiada em minha barriga. - Que herdem toda a bondade e sabedoria dele.

    - Sabedoria? Ele se envolveu com uma deusa e olha no que deu! -exclamo dando um passo para trás e apontando para mim mesma. - Aparentemente sou a desgraça do mundo! Quer que eles se apaixonem por deuses e tragam caos ao universo inteiro já que são dois de uma vez?

     Uma gargalhada sonora ecoa pelo quarto antes de Kadrahan finalmente responder:

    - Você tem razão. -ele concorda ainda com os vestígios de sua risada presente em sua voz. - Não foi muito sábio da parte dele se apaixonar por uma deusa, mas serei eternamente grato por esse momento de loucura que ele teve e que me presenteou com  você!

     - Eu fui a melhor loucura dele! -afirmo presunçosa. - Isso de fato é uma verdade irrevogável!

     Kadrahan volta a me puxar pela cintura, mas me livro das mãos dele com um tapa.

     - Pode tirar as mãos daí! -isso me faz lembrar que esqueci de colocar a armadura de Iéehruus. - Termine de comer e tome um banho, pois nós iremos sair para um passeio pelo condado.

    Ele apenas arqueia as sobrancelhas em uma pergunta muda.

    - Hoje teremos um dia normal em família. -declaro. - Rius, Vanshey, meu irmão, Tádia e a pequena Sissy virão conosco.

     - E quanto aos...

     - Quase todos os nossos companheiros Darätzsalah terão o dia livre para fazerem o que quiserem. -respondo antecipando a sua pergunta. - Entretanto Goeros e Torin irão revezar com Encas e Bulian na vigilância do damera. -infelizmente alguns ainda terão que trabalhar. - Quanto aos nossos ilustres reféns, deixei Yuules e Séehlon encarregados de vigiá-los. -até mesmo Eres e Oris também estarão sob a vigilância deles, embora não sejam oficialmente nossos prisioneiros. - Niklaus e Érishi também irão ficar de olho no príncipe e na princesinha durante a nossa ausencia só por precaução.

    E Érishi ficará de olho no feiticeiro por mim. Ele se mostrou mais do que disposto a vigiar os irmãos e Niklaus querer ficar longe de mim nunca é bom sinal.

    - Andou muito atarefada essa manhã pelo visto. -o comentário traz uma nota de surpresa.

     - Menélope ainda não voltou e acho que isso não é um bom presságio. -a tal barreira de proteção deve estar dando mais trabalho do que ela esperava ou ela já se deparou com a presença maligna que ela sentiu se aproximado. - Mas não vou me preocupar com isso agora.

    - Então hoje o dia é mesmo nosso?

    - Sim, agora termine logo de comer enquanto eu vou procurar o presente do deus palhaço. -onde será que eu larguei?

    Quarenta minutos depois estamos em frente ao palácio, onde duas belas carruagens nos aguardam, esperando Vanshey e a condessa que ainda não apareceram para o nosso passeio.

    Kadrahan e Rius estão de segredinhos um pouco afastados, enquanto Antúrix está com Sissy e a segura com os braços esticados o mais longe de si.

    - Antúrix, até eu sei que não é assim que se segura uma criança. -o provoco.

    - Ela morde! -ele tenta se justificar.

    - E um guerreiro Darätzsalah que enfrenta cernis e bruxas, está com medo de levar umas mordidinhas de dentes de leite?

     - Ela é mini furacão em forma de bebê! -Sissy que claramente não tem um pingo de medo de altura não para de se contorcer tentando se soltar dos braços do pai. - Não sei da onde vem tanta energia!

     - De onde será, né Antúrix? -Rius pergunta com ironia ao se aproximar. - Você era tão quieto quando criança!

     - Ela é um milhão de vezes pior do que eu!

    Tov chega voando com Dras nas costas e aí sim Sissy faz mais força para se ver livre do pai.

     - Tov! Dras! -ela chama esticando a mãozinha.

    - Sem ideias malucas, mocinha! Sua mãe me mata se eu deixar você sair voando de novo!

    - Tia, Dris! -ela apela para mim. - Tov! Dras!

    Antes que eu possa responder, Dras me chama:

     - Mestra! Sa dizer um monte de coisa que Dras não entender como sempre, mas ela ficar com princesa das lágrimas!

    Sa está se mostrando uma carcereira muito mais eficaz do que qualquer outro. E com Sa no encalço da princesinha, posso aproveitar o dia tranquilamente.

    - Obrigada, pelo recado, Dras.

    - Ei, furacãozinho, sossegue! -Antúrix continua em sua árdua batalha para conter a filha. - Você seria uma excelente guerreira se não fosse uma...

    - Se terminar essa frase, prometo que farei você sentir muita dor, meu querido irmão montanha!

    - Náyshilah, eu só... Ai! -a pequena Sissy finalmente é bem sucedida em morder a mão do pai que quase a deixa cair, mas consegue segurá-la a tempo.

    Acho que com isso Sissy deixa bem claro que ela vai ser o que quiser quando crescer. Realmente gostei dessa pirralha.

    - Precisa de ajuda, Antúrix? Quer que eu convoque a tropa para te ajudar a cuidar de sua filha? -Kadrahan que agora também está de muito bom humor provoca em meio a gargalhadas.

    - Se eu fosse você não estaria rindo, cunhado. -Antúrix rebate com um sorriso satisfeito. - Náyshilah era muito pior do que eu quando criança e com dois a caminho de uma vez, você sim vai precisar de toda uma tropa Darätzsalah para cuidar deles!

    - Antúrix, pode me explicar por que dispensou a babá? -Tádia surge seguida por um Vanshey com cara de poucos amigos.

     O que acaba poupando Kadrahan de elaborar uma resposta ao meu irmão.

    - Náyshilah disse que ela não é competente. -e claro ele joga a culpa para mim.

    Os dois seguem discuntindo rumo a uma das carruagens com Sissy se jogando para o colo da mãe. Já Tov levanta vôo novamente com Dras para nos acompanhar das alturas enquanto o restante de nós segue para a outra carruagem.

    Kadrahan, um lorde de fato, me ajuda a subir na carruagem e como Vanshey não se prontificou, também faz o mesmo por Rius.

     Minha amiga se senta ao meu lado enquanto os dois se sentam a nossa frente. Vanshey mantem a cara fechada e fixa o olhar além da janela.

     - Seja lá o que você fez, peça logo desculpas. -cochicho no ouvido de Rius.

    - Não vou pedir desculpas por algo que não me arrependo nem um pouco. -ela rebate com um sorriso muito travesso.

    - Rius... -digo seu nome empregando o mais severo tom de censura que possuo.

    Tenho até medo de imaginar o que ela aprontou para deixar Vanshey tão bravo.

    - Eu apenas...

    - Posso não me sentir inclinado a falar com você no momento, Rius, mas devo lembrá-la que posso ouvir o cochicho das duas perfeitamente. -Vanshey a interrompe sem se dar ao trabalho de olhar em nossa direção.

     Rius manda um beijinho no ar e se cala mordendo os lábios para conter o sorriso que persiste em seu rosto.

    Coitado do meu amigo, é tudo o que penso enquanto seguimos o percurso em silêncio.

     Passamos o dia conhecendo Jimegailees, uma cidade pequena, porém moderna para os padrões que estou acostumada, com suas construções angulosas e sofisticadas.

    O dia teria sido perfeito se não fosse por alguns inconvenientes. Luzzianx é mesmo um reino onde cem por cento das mulheres são donas de uma beleza extraordinária e foram pouquíssimas as que não devoraram descaradamente Kadrahan com os olhos. Vanshey e Antúrix também foram vítimas dos olhares predadores, mas eles não são meus problemas. E estar morta de fome, mas ser incapaz de comer devido a um enjoo que perdura o dia inteiro, não me ajudou a ser mais tolerante com as supostas damas.

    Ao longo do porto se aglomera os mais variados tipos de comércio. Roupas, sapatos, joias, objetos de decoração, ferramentas, plantas, etc. A entrada de cada comércio é mais chamativa que a outra na tentativa de atrair um número maior de fregueses e frases criativas em letras brilhantes enfeitam as fachadas buscando se destacarem aos olhos dos possíveis compradores. Há também inúmeros lugares para se ter refeições saborosas e requintadas. Todos com mesas impecáveis ao ar livre e atendentes muito sorridentes. Nas ruas, muitas ladies em seus pomposos vestidos arrastam seus cachorrinhos, cujo os pelos devem brilhar mais do que os meus cabelos, enquanto seus serviçais seguem suas senhoras carregados de sacolas.

    Tov em um primeiro momento viu os minúsculos cachorrinhos como novos brinquedos e quis persergui-los, mas depois levar uma bronca de Kadrahan se limitou a caminhar com o focinho empinado e com as asas bem abertas para todos terem que abrir caminho para ele passar. Dras por sua vez se limitou a dar tchauzinhos e sorrisos simpáticos para as crianças que lhe lançavam olhares curiosos.

    Já no cais, embarcações dos mais variados tamanhos, disputam entre si qual é a mais magnífica de todas.

    Porém o que mais desperta o meu interesse, é que boa parte da cidade é margeada pelo mar de águas transparentes, que devido a presença das cinco luas no céu somado a suas ondas dançantes, causam a ilusão de que o mar é uma paleta viva de cores nos tons verde, azul, laranja, amarelo e anil. E isso só me faz ansiar pelo dia que as sete luas estarão juntas no céu, o que resultará em um único e esplendoroso arco-íris de luas...
 
    O primeiro sol já começa a se pôr quando nosso grupo se separa. Antúrix segue com a condessa e a filha por outro caminho para terem um momento em família só deles, com Dras a tira colo, já que Sissy se nega a largar o nosso amiguinho roxo.  Rius por sua vez conseguiu arrastar Vanshey, ainda mau humorado, para um lugar repleto de vestidos-bolo. Corri antes que ela me arrastasse também.

    - Não acredito que não tem uma única oficina de ferreiro nessa bendita cidade! -reclamo pela milésima vez ainda andando pelo labirinto de ruelas ao redor do porto.

    Outro cachorrinho de pelos escorrido passa por nós e Tov me olha com olhos pidões.

    - Não, Tov! -Kadrahan o repreende novamente. - E deve haver uma oficina sim, nós só precisamos...

    Já não estou mais ouvindo Kadrahan, suas palavras se perdem ao vento no momento que uma imagem repentinamente se forma em minha mente.

    Vejo um homem, tão musculoso e alto quanto o meu irmão. Cabelos longos castanhos, barba e olhos claros. Há ira em sua expressão e ele está lutando como uma besta indomável. Um Darätzsalah sem dúvidas.

    O curioso é que dessa vez ainda tenho consciência do mundo a minha volta. Continuo andando e desviando das pessoas em meu caminho. E tenho ciência que Kadrahan está falando comigo.

    - Aédris? Está tudo bem?

    Chacoalho a cabeça para afastar a imagem indesejada. Não quero que nada estrague o meu passeio.

    - Está sim. É só que... -um cheiro delicioso e açucarado invade as minhas narinas me fazendo perder o rumo da conversa.

    Viro a cabeça na direção do cheiro e me deparo com uma casa de bolos. Dezenas de bolos e tortas estão dispostos em prateleiras de vidro na entrada do lugar, mas só tenho olhos para dois deles.

    Segundo as plaquinhas ao lado deles, um é feito de lezzus com recheio de priss e cobertura de amoras silvestres e morangos enquanto o outro é feito de alcáss recheado de castanhas de sadewa com cobertura de limão.

    Quando dou por mim, estou com a testa grudada no vidro feito um cão de rua faminto. E a julgar pelo modo como minha boca se enche de água, os fedelhos deixaram de birra e anseiam pelos bolos ainda mais do que eu.

     O problema começa quando uma mulher de avental surge do outro lado e leva os meus bolos ainda para mais longe de mim.

      Tento correr atrás dos meus bolos, mas há tanta gente entrando e saindo da casa de bolos, que levo cerca de dez minutos para finalmente conseguir entrar e ir até o balcão.

    - Ei, você! Devolva os meus bolos! -exijo da mulher que os tirou da prateleira.

    - Perdão, senhorita. -a mulher é tão bonita que chega a ofuscar os olhos. - A que bolos se refere? Tinha feito uma encomeda?

     - O que a minha esposa quis dizer, é que gostaria de provar uma fatia do bolo de lezzus e outra do bolo de alcáss que estavam na prateleira. -Kadrahan me alcança e esclarece para a atendente que se desmancha em sorrisos para ele.

    - Sinto muito. Aqueles bolos foram feito sob encomenda e eram os únicos. -ela responde indiferente. - Nosso entregador saiu para levá-los há dez minutos.

     - O quê? Chama o entregador de volta! Eu preciso daqueles bolos!

    - Senhora, temos dezenas de outros sabores de bolos deliciosos a pronta entrega. -ela oferece gentil demais sem tirar os olhos do meu marido. - Não gostaria de provar um deles? Tem um bolo de framboesas com amêndoas que faz o maior sucesso entre os fregueses.

    - Não! -recuso categórica. - Preciso dos bolos de priss e de alcáss!

     - Já já estaremos encerrando as atividades do dia, mas se a senhora quiser, pode fazer uma encomenda e seus bolos estarão prontos amanhã a tarde.

    - Não. -resmungo contrariada. - Meus filhos querem hoje, agora!

    - Por favor, nos iremos encomendar os dois bolos. -Kadrahan intercede tirando algumas moedas do bolso e a mulher prontamente começa a anotar o pedido. - Tem certeza de que não quer outro bolo, sah vrätsa?

     - Não. -os fedelhos só querem aqueles bolos. - Qual é a aparência do seu entregador? Ou melhor, qual é o local da entrega?

    - Não precisar responder, senhorita. -ele sabiamente começa a me arrastar para fora. - Amanhã viremos buscar os bolos, obrigado.

     Tov nos aguarda com cara de quem aprontou alguma, mas como não há vestígios de um crime, não podemos ralhar com ele.

    Não muito longe encontramos um pátio florido com mesas e cadeiras espalhadas entre várias fontes artificiais que jorram água resfrescando o fim da tarde. Ao redor há outras vendas, incluindo uma casa de sucos e várias famílias ocupam todas as mesas. Tov rapidamente acha uma distração saltitando entre as flores.

    - Realmente não quer outro sabor de bolo?

     - Não sou eu! São seus filhos que só querem aqueles bolos! -reclamo. - Bolo de alcáss com limão? O gosto por essa combinação amarga só pode ter sido herdada de você!

    Kadrahan sorri com a perspectiva dos filhos herdarem seu péssimo gosto.

    Essas crianças já estão muito manhosas para o meu gosto. Quando elas nascerem... Um pensamento que ainda não tinha me ocorrido antes, me atinge feito um raio.

    - Khrratz! -me levanto tão rápido que acabo derrubando a cadeira com um baque surdo no chao.

    Kadrahan sem pensar duas vezes já está de pé em minha frente com a espada em riste pronto para atacar qualquer possível ameaça. Quando seus olhos perspicazes nada detectam em nosso entorno, ele se volta para mim e o meu olhar perdido deve ter dado a ele uma impressão equivocada, pois ele pergunta:

    - Teve outra visão? -seu tom hesitante não é o suficiente para me fazer medir minhas palavras.

    - Eu vou morrer! -respondo imprudentemente voltando a me sentar.

    Pavor toma conta das feições que tanto amo, mas nem isso me faz frear a minha língua.

    - Ela vai me matar!

    - Mas eu achei que ninguém fosse capaz de te tirar de mim... -nem mesmo o desespero que goteja de cada sílaba é capaz de me tirar do meu estopor. - Eu pensei que a divindade da lua violeta era incapaz de levar a sua alma...

    Agora ele conseguiu a minha atenção.

    - O quê? A Bruxa Mórbida? -pergunto confusa. - Não. -acrescento quando por fim entendo. - Quem vai me matar é a Snotra.

    - O quê?

    - Ela vai me esfolar viva quando souber que estou grávida!

    Quando ele finalmente compreende sobre o que estou falando, Kadrahan se deixa largar em sua cadeira como se um peso enorme tivesse saído de seu peito.

    - Você é uma mulher adulta, Aédris. -ele me relembra com paciência infinita. - Ela entender.

    - Vai coisa nenhuma! Snotra vai me esfolar viva e depois me transformar em comida para os porcos!

    - Pelo menos a metade dos deuses quer você morta, mas quem você realmente tem medo é da velha Snotra? -ele indaga em meio a uma risada divertida.

    - Você também teria medo se a conhecesse como eu conheço. -tento defender o meu argumento. - Snotra pode ser muito assustadora quando quer! Pergunte a Rius!

    - Sah vrätsa, Snotra ama você e vai ficar do seu lado. Sua preocupação é infundada. -ele tenta me tranquilizar. - E mesmo que se esqueça constantemente, você é uma mulher casada.

    - E acha que isso vai fazer diferença para ela? Snotra vai escaldar a minha pele e fazer casaco para os porcos pelo simples fato de ter engravidado antes de terminar os estudos!

    - Aédris, o ensino que os Darätzsalah passam aos seus filhos é superior ao ensino de qualquer Centrode Aprendizagem. -é ele quem vai ensinar os fedelhos então. - Nem mesmo o meu pai era negligente com os meus estudos, muito menos o seu. -os Darätzsalah são muito mais disciplinados do que julguei a princípio.

    - Posso estar carregando dois filhos na barriga, mas sei perfeitamente que outros da minha idade ainda estão concluindo o ensino essencial antes de se especializarem em um ofício.

    - Concluímos nossos ensinos muito mais jovens. -Kadrahan esclarece. - Há muito tempo você já terminou a sua aprendizagem escolar e tenho certeza que poderia exercer qualquer ofício que escolhesse sem nenhuma dificuldade.

      - Nada disso vai importar para Snotra! -afirmo ignorando tudo o que ele disse. - Como vou contar para ela? -tem que haver um modo seguro para salvar a minha pele. - Não, não vou contar nada a ela! -a solução ideal surge em minha mente. - Você vai!

     - Covarde! -ele ousa me provocar em meio a muitas gargalhadas.

    - Não sou covarde! -me defendo. - Apenas tenho amor a minha pele!

    - Claro.

    - Mudei de ideia. -digo enquanto o meu querido marido continua rindo da minha cara. - Volta lá na casa de bolos e me traz o tal bolo de framboesa com amêndoas!

    - Seu pedido é uma ordem, minha senhora.

    Ele se levanta, mas antes de tomar a direção da casa de bolos, se assegura que Tov continua por perto para me proteger.

    - Para de enrolar e vai logo! -digo apressando ele. - O lugar já deve estar fechando.

    Depois de me dar um beijo na testa, ele some de vista entre os passantes enquanto Tov se enrosca ao meus pés.

     Nem bem cinco minutos se passam e uma sombra surge as minhas costas depositando dois bolos a minha frente na mesa. Os meus bolos.

    - Então você realmente existe! -exclama o dono da sombra.

     Levanto o olhar e me deparo com um homem alto e elegantemente vestido. Cabelos negros curtos, cavanhaque bem aparado e olhos muitos azuis. E ele me encara como se eu fosse uma aparição de outro mundo.

     O estranho se senta a minha mesa sem ser convidado e chama uma atendente da casa de sucos.

    - Poderia nos trazer dois chás de hortelã, por favor?

    Que abusado!

    Ouço um barulho de mastigar aos meus pés e vejo Tov devorando avidamente um suculento e enorme peixe. O abusado subornou a minha ferinha com comida?

    - Quem é você?

    - É você quem deve se apresentar primeiro. -o estranho tem a audácia de dizer. - Afinal foi você quem me convidou para esse encontro.

    - O quê?

    - Confesso que não acreditava que realmente fosse aparecer, afinal já faz  muito tempo que recebi a carta. -o estranho é bonito, muito bonito, mas algo me diz que ele é pura encrenca. - Entretanto a medida que a data foi se aproximando, fui vencido pela curiosidade. Não imagina o quanto tive que correr para chegar até aqui hoje. Eu estava muito longe mesmo. Cheguei ontem a noite e pelo menos consegui encomendar os bolos. Hoje a minha intenção era ao menos chegar uns minutos antes, mas tive um contratempo e...

    - Do que você está falando? Que carta?

    Ele arqueia as sobrancelhas de modo indagador e surpreso com minhas perguntas, mas ainda assim leva a mão ao bolso da camisa engomada tirando de lá um pergaminho dobrado e muito amarelado pelo tempo.

    Após desdobrar o pergaminho muito amassado, ele o entrega a mim e antes de começar a ler, reconheço minha própria letra na carta.

    "Sei que deixou a sua vida de roubos ainda na infância, assim como sei que ainda há um único objeto dessa época que continua em sua posse. Um objeto que nunca conseguiu se desfazer nem mesmo quando poderia tê-lo vendido em troca de comida. Um sentimento perturbador sempre o invandiu toda vez que tentou se livrar desse peculiar objeto, não? Preciso que leve esse objeto para mim no dia, local e hora  estipulados abaixo. Ele fará toda a diferença na vida de seu melhor amigo.

    Assinado: A.

    Observação: Leve um bolo de lezzus com recheio de priss e cobertura de amoras silvestres e morangos e outro de alcáss recheado de castanhas de sadewa com cobertura de limão. E um peixe enorme e suculento para o leão alado."

    A carta termina especificando o Reino de Luzzianx, cidade de Jimegailees, esse pátio, exatamente nesse dia, nessa hora e nesse minuto.

    Então os bolos realmente eram meus? Às vezes me surpreendo com a minha própria eficiência.

    - Me dê o objeto. -peço estendendo a minha mão para ele.

    - Primeiro terá que me dizer o que isso tem a ver com o meu amigo e principalmente quem é você?

    - Discutir comigo não é uma opção, estranho. Eu poderia...

    A atendente chega com os chás me impedindo de fazer a ameaça que estava na ponta da minha língua.

    O estranho deve ter pressentido o perigo e depois que atendente nos deixa, ele tira de seu outro bolso um pequeno objeto embrulhado em um lenço de seda cinza e me entrega.

    Se trata de um pequeno triângulo plano e espelhado, mas o que faz a minha respiração ficar presa em minha garganta ao mesmo tempo em que sinto como se meu coração estivesse sendo esmagado por dedos de ferro, é a imagem gravada nas duas faces. Um desenho que lembra uma estrela disforme de se sete pontas. Exatamente igual a cicatriz que marca o peito e as costas de Kadrahan.

    - Quem é vivo sempre aparece. -a voz de Kadrahan ressoa as minhas costas e rapidamente escondo o pequeno triângulo em meu bolso, o que não passa desapercebido pelo estranho. - Pensei que teria que procurar o desgraçado nos confins do mundo ínfimo e o encontro aqui flertando com a minha mulher!

    - Sempre vai me encontrar ao lado de uma bela mulher, meu bom amigo.

     O estranho se levanta e Kadrahan o cumprimenta com um abraço saudoso.

     - O que faz aqui, Terrenks?

      - Sua mulher me convidou. Era ela quem estava flertando comigo. -o tal Terrenks solta. - Aliás, da última vez que nos encontramos, ela não tinha te deixado? -o maldito olha para mim com um sorriso descarado. - Não me diga que caiu na lábia dele de novo?

    - Continue falando bobagens e ela mesma te dará uma boa lição. -Kadrahan alerta o amigo enquanto se senta ao meu lado. - E eu não farei nada para impedi-la.

    - Então você é Aédris, a lendária esposa do meu amigo. -Terrenks exclama também voltando a se sentar. - É mesmo tão perigosa quanto ele me contou?

     - Ele me ama, tenho certeza que suavizou os relatos sobre mim. -afirmo sorrindo com falsa doçura. - Pode ter certeza de que sou muito pior do que imagina.

     - Ah, assim fico muito mais tranquilo. Uma donzela doce, frágil e submissa nunca poderia aguentar esse meu amigo carrancudo.

     É difícil não gostar desse sujeito.

     - Aédris, esse é Terrenks. -Kadrahan finalmente se dá ao trabalho de nos apresentar formalmente.  - Nos conhecemos ainda na infância e embora não nos encontremos com frequência, ele é um amigo verdadeiro que sei que realmente posso confiar.

    Bem, se Kadrahan confia nele, certamente também posso confiar. Embora teoricamente eu já confiava, uma vez que mandei para ele a bendita carta há tanto tempo.

     - Não nos conhecemos antes? -pergunto.

    - Infelizmente não tive essa honra.

    - Terrenks ocupa o raro cargo de Magistrado sem fronteiras, por isso nunca para muito tempo no mesmo lugar. E como nós também não...

     - O que significa ser um magistrado sem fronteiras?

    - Significa que posso aplicar a lei suprema não importa em que reino eu esteja.

    - Eu já te falei muito sobre Terrenks antes, mas como...

    - Mas como eu não me lembro, dá no mesmo. -digo com indiferença e sem perder mais tempo, começo a atacar os dois bolos ao mesmo tempo.

     E os bolos estão tão deliciosos que fico intercalando um pedaço de cada. Os devoro como se fosse a minha última refeição.

    - Nossa! Quanta fome! O seu marido não tem te alimentado direito?

    - Não. -respondo sem pestanejar antes de enfiar mais um pedaço de bolo na boca.

    Kadrahan me lança um olhar tão indignado que eu teria gargalhado alto se não estivesse com a boca cheia.

    - Só disse a verdade. -afirmo com toda a seriedade do mundo depois que termino de engolir. - Da última vez que ficou responsável pela minha comida, você se meteu em uma briga e me deixou passando fome.

    - Ainda bem que te trouxe o seu terceiro bolo. -ele aponta com o queixo para o bolo de framboesa com amêndoas. - Dessa vez não pode me acusar de deixar passando fome.

     Terrenks e eu caímos na gargalhada.

     Voltamos para o palácio com mais um convidado extra e tão logo coloco os pés dentro do lugar Yuules me passa um relatório completo de nossos reféns. Sou informada que todos estão no salão de música e que a adorável princesinha está tocando piano encantando os presentes. Vou direto para o meu quarto deixando os dois amigos colocarem os assuntos em dia, pois estou cansada e pretendo cochilar um pouco antes do jantar.

    Nem mesmo tiro as minhas botas antes de me jogar na cama e adormeço tão logo coloco a cabeça no travesseiro.

    No que parece um piscar de olhos, sento-me na cama com a respiração acelerada. O que vi me assombra mesmo depois de desperta.

    Não foi um sonho, tão pouco foi uma visão. Foi uma lembrança.

   A medida que vou assimilando as imagens que meu cérebro ressuscitou, ódio letal passa a corroer cada fibra do meu ser como um veneno contaminando tudo o que há de bom em mim. Sou dominada pela fúria e é ela que guia os meus passos cegando tudo ao meu redor. Encontro o meu objetivo em uma sala lotada, mas não vejo ninguém além dela. Sem um átimo de hesitação a levanto pelo pescoço contra a parede. Será muito fácil quebrar esses ossos e não sentirei um pingo de remorso.

    Sim, os deuses tinham um motivo para me temer afinal, pois cada vestígio de bondade em mim desaparece como se nunca houvesse existido. Mais do que isso, deixo o que há de pior em meu ser prevalecer e saboreio com um sorriso ensandecido o que estou prestes a fazer.

    - Sabe que merece morrer, não sabe, Myris?

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    E aí? Gostaram do capítulo "calmo"? Para compensar a demora, foi um capítulo gigante. Espero que tenham gostado *_* Não se esqueçam de votar, por favor. E aos novos leitores que não tiveram que sofrer esperando e puderam ler um capítulo atrás do outro, voltem e confiram se não se esqueceram de votar em todos os capítulos anteriores. Essas estrelinhas são muito preciosas. E como sempre, comentem muito *_* Não vejo a hora de ler os comentários sobre o final desse capítulo. O que será que a Aédris lembrou? Por último, me desculpem pelos erros. O corretor automático do celular somado ao meu sono causam estragos terríveis a gramática kkkk. BEIJOS

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