-- Escalada Vermelha --
Uma mancha azul é o alto, suja de negro nas bordas, havendo um ponto girando próximo do centro brilhante. As cores vibram antes de solidificar em forma, tornando-se muros extensos de rochas, e, o céu; um urubu é o que circula, soltando gritos enfurecidos.
"O que está acontecendo?...", pensa o dono dessa visão.
Ele aproxima a mão do rosto, vendo que está suja e com alguns cortes, a virando de um lado a outro numa checagem de seu aspecto.
"Que dor..." Ao girar o corpo, sua vista fica de frente para o chão; seus braços o erguem, tendo um leve desequilíbrio ao ficar de pé. Ele verifica o torço, fazendo ruídos com a boca ao sentir suas feridas. "Tem algo quebrado?... Não sinto bem o lado esquerdo..."
Após as checagens, seus olhos investigam os arredores irradiados pelo sol, ficando tensos à medida que notam o quão limitado o ambiente é: o lugar é pequeno, poucos metros separam as paredes, não havendo nenhuma rota a ser seguida; o céu é o único caminho, e está longe, separado por mais de 50 metros de escalada.
Seu pé para num pedaço de madeira, direcionando sua atenção para lá, se deparando com centenas desses fragmentos espalhados por onde acordou.
"Aquilo no meio é um pedaço de corda?..."
Ele anda aleatoriamente pelo local, desistindo em pouco tempo de olhar para o alto devido à intensidade da luz; paradas são frequentes por todas resultarem nos muros, fazendo um sentimento de estranheza crescer em seu interior.
"Pedras e mais pedras. 'Céu, sol, pedras, madeira e corda', apenas... onde estou? E, quem eu..."
A movimentação cessa, os muros se distorcem, misturando suas novas formas arredondadas como tinta, criando um abismo de negro e cinza; o homem tosse, desabando, impedindo uma queda completa com os braços. Sua respiração está densa, suas mãos o sustentam mesmo que tenham se unido as rochas, mesmo que tenham deixado de existir.
"...sou?"
Seus dentes rangem, ele segura a nuca, estremecendo enquanto espera que a dor e tontura passem.
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Horas se passaram. O fundo do buraco está escuro mesmo que ainda seja dia, pois o brilho cegante se foi do alto.
"Sangue?..."
O homem está sentado esfregando os dedos na palma, vendo vagamente os farelos caírem. Com a outra mão ele toca a nuca, sentindo algo grudento a impregnar, em sequência, começa a tatear onde despertou, reparando que o solo está rachado.
No passar do tempo, ele grita várias vezes por ajuda, continuando a receber o silêncio como resposta. A passagem do vento e o brados do urubu são as únicas coisas que seus ouvidos captam.
"Ele não se cansa de ficar tanto tempo lá em cima?... Ah... Eu não sei o que devo fazer. Só me resta tentar subir?..."
Ao se aproximar da parede, tal usa a mão para agarrar uma rocha, sentindo uma pontada de dor o atravessar.
"Tenho que dar um jeito nessas feridas... Por que minhas mãos estão nesse estado cheio de rasgos?"
Ele tira a camisa, expondo um corpo definido — bem treinado —, rasgando-a com facilidade. Ao suspirar, as enrola por volta das palmas, cobrindo a maior parte dos ferimentos.
Passos são dados — os últimos —, o homem volta a segurar a parede, iniciando sua subida. Seus músculos se ressaltam; os braços e pernas vão para cima num ritmo constante, conquistando os três primeiros metros com facilidade.
"Uou! O que há com essa sensação?" Seus dedos estão firmados nas rochas como se fossem partes do material, notando uma onda constante de calor passar dos membros para o muro. "Que familiar..."
A subida é retomada. A partir daquele ponto, suas mãos e pés sempre verificam as pedras que pretendem se apoiar antes de o fazer, evitando as frágeis com o custo de tempo.
"Está ficando cada vez mais escuro... O sol estava no centro quando acordei, devia ser meio-dia, mas, e agora? Que horas são? À noite... Seria bom alcançar antes dela."
Mais quatro metros são conquistados, ele para por um momento, expirando densamente.
"Agora que relembro, aquele pedaço de corda serviu para o quê?... Ela me cobria? Não, não há marcas disso. Ela me sustentava? É, pode ser isso, afinal todos os pedaços de madeira significam que eram algo antes, como uma plataforma que eu usava."
Mais três metros são conquistados, havendo uma parada no soar da expiração pesada. Pequenas pedras desabam pelo muro.
"Se esse é o caso..." Seu corpo volta a se mover. "...o que eu estava fazendo aqui? Meu propósito, qual era?"
Suor escorre por todo seu corpo, as pedras que segura estão manchadas de vermelho.
"Hã?!... O que é isso?!"
Uma tremedeira está o tomando, dificultando o aperto que mantém. A dor é latente, estourando como faíscas nas pontas dos seus dedos; seus pés sobem, tentando apaziguar a fadiga com o alongamento. Seus dentes ficam à mostra, a respiração está abalada; ele trava.
"Por que estou tão cansado?! Faz poucos minutos que comecei! Argh...! Como não notei? As sensações estão tão claras agora..."
Sua visão vai de um lado a outros na busca por algo.
"Nesse ritmo vou cair... Preciso de uma maldita pausa. Todo o muro parece ser tão plano quanto aqui... Ah! acima! Posso ver uma sombra cobrindo parte do céu! Antes pensava que não era nada de mais, mas agora que estou perto, consigo reparar que é uma rocha avantajada, uma bem grande."
Ele começa a jogar os membros, por vez, para cima, desprendendo-se de todo aquele cuidado de antes. Sua visão ameaça embaçar, a fadiga cresce, endurecendo seus movimentos.
"Minhas costas estão mesmo vazias? Me sinto... tão pesado."
A rocha é agarrada pelos braços, um baque ecoa pelo buraco; laços de poeira caem para o fundo escuro. Após subir mais, o homem consegue se deitar na superfície dela, ficando com as pernas estiradas pelo nada.
"Que difícil..." Por estar cansado de ver a extensão de caminho que falta, ele cobre sua vista com o braço, fugindo da realidade. "Ir uma por uma das rochas, mover membro por membro... Que difícil. Diferente de andar, poucos movimentos já drenam bastante energia."
"Eu deveria descer? O chão ainda está perto... Não... O que poderia acontecer por ficar esperando lá sem fazer nada? Considerar essa possibilidade me causa desconforto, não tem como eu a escolher."
A escuridão da noite toma o ambiente, abandonando o homem em um breu. Ele decide esperar na rocha, observando as milhares de estrelas visíveis pela fenda.
"Vou resolver isso amanhã. Não aguento mais ficar aqui, tenho que alcançar o topo a todo custo."
O sol se levanta, assim como o homem, que volta a subir pela parede. Pedra por pedra são agarradas por dedos sujos, pequenas elevações são usada como base para os pés. Mais metros são conquistados, com uma facilidade relativamente melhor que no dia anterior.
Ele agarra uma grande rocha sobressalente, cansado ao ponto de ficar pálido, conseguindo deitar apenas metade do corpo.
"Tem algum problema comigo? Minha visão embaça se me esforçar por tempo demais, a cabeça dói como se fosse explodir... Se é assim, melhor que eu trate de traçar uma rota que me ajude com isso, senão vou cair."
Horas se passam, a escalada é retomada, e, pausada. O homem está deitado sobre o muro, juntando energia, mantendo os pés sobre duas elevações que os cabem por completo. No alto, o urubu retorna a rondar a área, lançando seus brados incessantes, que martelam a consciência do observador, mantendo-a acesa numa luta contra a náusea.
Um joelho se dobra ao subir, uma mão é jogada ao máximo do alcance. Metros são conquistados, pausas são feitas em lugares oportunos; o sol chega a metade do céu, o urubu segue girando.
A metade do muro é tocada — a primeira meta é batida. Falta trinta metros.
"Ah... Vamos, quero terminar antes da noite." Um suspiro escapa por seus lábios ressecados, seus membros voltam a agir. "Que fome..."
A próxima parada é espaçosa o suficiente para que sente de lado, o fazendo só após verificar com o braço se há firmeza.
"Argh! Meus dedos!" Fechar as mãos se torna uma ação árdua, vendo que as pontas dos membros estão em pura carne viva. "Aguente... Ainda falta o equivalente a vários de mim empilhados, mas nem sequer se compara a distância de antes. A superfície está ao meu alcance!"
Sua expressão densa se desfaz ao sentir suas costas esbarrarem em algo.
"O quê...?" Sua mão vai atrás, trazendo, na volta, uma pequena picareta. Ele congela com essa visão, surpreso. "Um equipamento?..."
Uma gota de sangue escorre da sua nuca para o pescoço.
"Esse sentimento de familiaridade... Será que é meu?... Ah! Desisto! Não consigo lembrar. Qual a droga do problema com a minha cabeça?!"
Aproveitando que está descansando, ele vistoria o lugar com os olhos, que param ao ver uma silhueta pendurada no muro oposto.
"Aquilo... é uma bolsa?... Sim, a minha bolsa, com certeza. Uma das alças ficou presa nas rochas, por isso não caiu. (...) Será que tem como recuperar?"
Ao reparar na distância entres as paredes, logo esse pensamento lhe fugiu da mente.
"Impossível. É uma pena, sabe-se lá o que tem de útil. Por agora..." Ele se ergue, golpeando a parede com a picareta. "...vou me contentar com isso. Posso não conseguir recordar de quem sou, mas meu corpo consegue, e, já sei que todas as coisas não naturais nessa caverna me pertencem. Sei as usar."
Sua escalada prossegue. A picareta está sendo usada pelo braço direito, uma aliada fortíssima, que se finca nas pedras com facilidade a cada batida. A viagem se torna mais rápida.
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Amanhece. É chegado o terceiro dia, o último. Faltam menos de vinte metros.
O homem está de pé sobre um espaço em que mal cabe a metade dos membros, mantendo-se firme com a picareta. Seus olhos se encontram marcados por olheiras, tendo leves dificuldades para ficarem firmes.
"É hora de ir."
No alto, o urubu retornou a rondar a área.
"Me pergunto o que seria de mim sem essa picareta, estou ficando completamente sem forças. Preciso de água... mataria por ela."
Gradualmente ele sobe, dobrando o cotovelo antes de desferir uma pancada com a ferramenta, que emite um som agudo nos impactos, preenchendo o local de ecos.
"Argh...! Mover esse corpo repleto de ferimentos já está muito além de 'difícil'."
Suas pernas sobem em outro degrau de relevos, subindo a cada puxar; o chão de uma dos pés cede, afundando o homem numa queda.
O peso faz a picareta quebrar as pedras, arrastando-se pelo muro como os dedos da mão livre, criando rastros de poeira. Ele grita assustado, vendo sua vista branquear com a poeira.
A picareta trava no muro, finalmente parando-o.
"Estou vivo!" O ar escapa de uma vez dos seus pulmões, seu coração está batendo alto o suficiente para o som se espalhar por seus ouvidos. "Foco! Não posso vacilar de novo!"
Apesar dos metros que perdeu com a queda, prontamente se pôs de volta a luta, aproveitando-se da adrenalina como uma fera selvagem, golpeando o muro com ira.
"Sinceramente, ter que passar por tudo isso... apenas o que eu estava procurando fazer nesse local? Todos aqueles equipamentos, para qual propósito? Eu estava na busca de algo? Em todo caso, foi uma idiotice vir aqui sem ninguém, sou um idiota."
A picareta bate, bate e bate, expondo sons cada vez mais abafados, pois é chegada à área mista de terra do muro. A mão vai para o lado, para cima, puxando-o; as pernas vão mudando para esquerda e direita nos degraus, impulsionando-o. O homem brada, encorajando sua alma quebrada.
Faltam dez metros.
"Cada fibra do meu ser está clamando! 'Continue!' Não há necessidade de paradas, vou conquistar o topo!"
Ele prossegue em um ritmo veloz, usando suas forças restantes para mantê-lo no rumo do êxito.
A picareta adentra na terra, o homem deu um salto, acabando de se prender, evitando uma área lisa em que não poderia passar sem fazer uma curva, uma que não tinha o luxo de fazer. Uma cadeia de intensidade — de decisões certas —, apenas glória o aguarda.
Faltam três metros.
O exterior do buraco se torna um branco quase cegante, estando o urubu de pé sobre a borda, olhando estático para o escalador.
"Falta só mais um pouco!! Ainda estou cheio de energia!!" A picareta racha a terra, afundando até a base de uma das pontas. "E você aí será minha primeira refeição em dias!"
Sua imagem se reflete na íris do animal, sua boca abre, esbravejando o mais alto que pode. Seus dedos da mão esquerda não portam mais pele, manchando as rochas de vermelho a cada toque, situação compartilhada por seus pés, que o levantam até o topo em um salto. A ferramenta estoura uma rocha, os dedos se prendem acima do topo — o conquistado.
Suor desliza pela expressão serena do homem, brilhando pelo reflexo do sol. Ele sente uma paz enorme, que o faz perder o senso dos arredores por um momento, embriagando seus sentidos numa satisfação sem fim.
"Eu consegui..."
Depois de encher os pulmões com ar e puxar o corpo com os braços, o buraco se torna passado.
"Poderei ver o exterior... Certamente isso irá incitar minha memória de alguma forma, talvez o suficiente para me fazer lembrar quem sou."
Ele fica de pé sobre a terra, desta vez sem estar colado a uma parede, finalmente livre? O pássaro está entre seu braço sem esboçar resistência. Ao olhar para o horizonte, a surpresa lhe toma, fazendo-o derrubar a picareta para a terra. Branco, tudo branco; isso resume todo o exterior: não há absolutamente nada.
"O que é isso?... Por que o exterior é assim?! Por quê?!" Independente o quanto se vire, sua vista continua encontrando apenas o mesmo vazio.
A postura do seu corpo começa a se deformar em uma torção em espiral. Memórias vagas sobre quando escalava o muro antes de perder a memória lhe vem a mente, recordando-se do acidente ter acontecido quando estava subindo na corda com a ponta presa à tábua, após ter se entretido observando o fundo do lugar. Em algum momento ela cedeu, dando um fim à tranquilidade da aventura.
"Entendo..." O homem está caindo, vendo a imagem do urubu no topo do buraco se desfazer. Uma ilusão medíocre. "Então eu falhei. Como eu sou..."
Seus sentidos apagam num breu quando sua cabeça colide no chão, emitindo um barulho grotesco.
"...idiota."
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