-- Almas em Guerra III --
O nascer do sol surge para iluminar a floresta. Gradualmente toda a vegetação sai de um tom obscuro para o verde vigoroso.
Total de sobreviventes até o momento: 4
A fogueira atualmente se encontra em cinzas. Araize deixa o local do último confronto. Não tão distante dali, existe um monte de terra, sendo esse, o túmulo do derrotado.
— Me pergunto se todos os que morreram tiveram o direito de serem enterrados... — pensa. Com o sacrifício das suas mangas, ele fez ataduras para os cortes que sofreu no combate da madrugada, ao menos para os mais notáveis. — Não... É óbvio que eles não tiveram esse privilégio. E não é da minha conta... Por que me importo? Aquele velho disse que todos os encapuzados são de povoados diferentes, me pergunto se em algumas dessas terras há tamanha folga no caminho de um guerreiro.
Folhas caem, os holofotes naturais se espalham mais nessa área, numa dança de luz inconstante. O prisioneiro expira densamente.
— Mesmo se eles também tiverem uma família eu não posso hesitar. Pois, quero voltar para a minha terra. Não quero ficar longe deles. — Ele estende a mão esquerda para próximo do rosto, segurando-o. — Esse sentimento... é novo. Ainda... Não me acostumei. Antes eu só matava, então, por que tudo se tornou tão diferente depois de conseguir uma?
O prisioneiro olha para cima.
— Em certo momento eu havia deixado de me importar com as coisas, comigo. Com a minha humanidade. Eu só fazia o que era ordenado, e isso era tudo. Mas, eu mudei muito quando a conheci. É um sentimento estranho.
Ele desaparece no horizonte.
— Minhas mãos irão voltar a ficar manchadas de sangue. Mas é um preço que tenho que pagar se eu quiser voltar para casa. Farime... me aguarde.
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As horas passam. Uma pessoa corre desesperada pela floresta, ao longe, alguém a observa; a forma pontiaguda das pupilas e silhueta são as únicas coisas que perseguidor não consegue ocultar enquanto se movimenta pela vegetação.
O que foge atravessa arbustos, se corta, cai várias vezes, mas não para, mesmo assim, é em vão. Uma katana é balançada, após um barulho agudo, carne é dilacerada, sangue jorra para a grama, e, um corpo cai.
Algo rola para dentro de um arbusto, tendo uma forma arredondada e achatada, algo humano. Os cabelos longos da assassina balançam para os lados, ela embainha sua espada com os olhos fechados, criando um ruído constante pela lentidão em que o faz.
Folhas caem lentamente pelo local, acumulando-se cada vez mais com outras; a noite cai.
Total de sobreviventes até o momento: 3
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Outro dia começa a surgir. E esse é o último. A coloração atual para tudo é mais acinzentada, menos para as três cores primárias.
Total de sobreviventes até o momento: 3
O ambiente atual é o de um lago raso, um que fica no centro da floresta. A água tem um leve tom escuro, possuindo várias plantas semelhantes as vitória-régias espalhadas pela superfície.
Nesse local, o primeiro a surgir é alguém de passos brandos. Araize avança até ter seus pés encobertos na água. Um som agradável soa a cada passo que dá pelo lago. Um de seus olhos azuis cintila entre a brecha da franja irregular, um reflexo vindo do sol. Ele para.
O segundo a surgir é um rapaz. Ele usa uma faixa branca na testa, seu cabelo é curto; seu olhar é determinado, focado, transbordando de energia, semelhante ao de um animal. Ele segura uma lança na mão, também havendo um pano branco amarrado perto da lâmina. As pontas dos tecidos balançam. Seus pés adentram na água e, depois de caminhar um pouco, ele para.
Uma folha balança no ar até se partir em dois pedaços. O terceiro a surgir no local é uma mulher. Seus cabelos são longos e pretos, se espalhando com pontas onduladas até o limite das suas costas. O ambiente se acinzenta mais ainda com a presença dos seus olhos vermelhos. A sua arma é uma katana longa, que está embainhada na cintura. Suas roupas são simples como a dos outros, com a diferença de serem mais escuras. Seus pés adentram na água pelas pontas, devagar.
Os três formam um triângulo pelo posicionamento próximo aos extremos do lago.
Assim como Araize, a mulher possui um número considerável de ataduras espalhadas pelo corpo, por outro lado, o lanceiro não tem nenhuma ferida.
— Hm... Somos os últimos vivos, certo? — indaga o rapaz, sua voz naturalmente tem um volume alto.
— Sim... — responde a mulher. Ela está com os braços caídos, não esboçando nenhum indício de querer sacar a arma. — Sinto isso. Mas. Por que não confirmamos? Vamos aproveitar para nos apresentarmos nisso.
Araize continua em silêncio.
— Esse é bem calado pelo jeito — comenta o rapaz, ele olha para o homem sem armas, que carrega consigo apenas um caixote nas costas.
— Sendo sincera, minhas palavras irão acabar após me apresentar. Então. Que esse último momento em que nos vemos, se torne precioso por nossas palavras e legados em jogo.
— Hahaha! Você é muito bonita, mas nada divertida. Vou me sentir mal por encerrar sua vida. — A lança é posta atrás do seu pescoço, onde apoia os braços por cima. — Bem, sendo realmente sincero, eu não gostaria de enfrentar vocês. Não por medo, mas por respeito. Sou um guerreiro, claro que gosto de lutar! Hahaha! Mas não em um cenário como esse.
As vitórias-régias são movidas pelas ondulações na água.
— Não sinto vida nas lutas que aconteceram aqui — continua o lanceiro. — Então não é onde quero usar minha lança.
A mulher fita Araize com as pálpebras um pouco fechadas, sua língua estala em desgosto, em seguida diz:
— É como você disse. Penso quase o mesmo. Mas... batalhas também podem ser assim. Às vezes, um guerreiro tem que sacar sua arma por desgosto; por ódio; por rancor; por ganância; por vingança; por, prazer... Derramar sangue após uma sequência de movimentos entre duas pessoas não é uma vitória, é uma lástima com efeitos entorpecidos em nossas mentes, como uma droga.
Um sorriso curto se forma no semblante da mulher.
— Nós três somos espadas. Não se esqueçam disso. Não fomos pegos por sermos guerreiros, isso é uma mentira. Uma bem feia. — A mulher se agacha para observar melhor uma vitória-régia que está à frente, partes de sua roupa e cabelo se espalham pela superfície da água. — Fomos pegos por sermos espadas. E espadas não escolhem seu campo de batalha. É como uma maldição que nos atrai. Não podemos ter paz em nenhum lugar. Seja trabalhando em uma fazenda; em um comércio; nem vivendo com amigos; ou com uma... família. — A espadachim levanta o rosto para Araize, penetrando-o com o olhar.
— Hahaha! Acho que concordo com você! — diz o rapaz. — Tentarei ver essa luta de uma forma diferente. Agora indo para o que você pediu antes: eu me chamo Roki Sevaste, o empalador de almas; tenho 23 anos, sou do sul, de uma vila pequena onde treinam jovens para a guerra. Mas esses meus dias nela já acabaram.
— Quantos você matou aqui? — pergunta a mulher.
— Dois.
As mãos dos ninjas escrevem rápido, enchendo as folhas de palavras. Três deles estão espalhados pelas árvores, sucedendo, de irem embora do local com saltos ágeis.
— Hã? Eles não vão assistir? — indaga o rapaz.
— Pelo jeito não — comenta a mulher.
— Então somos só nós?... Se for assim, podemos até bolar algum plano para fugir!
— Eles não vão assistir... — Seus lábios se expandem, formando um sorriso. — ...Mas ele vai.
Há muitos metros de distância, o ninja, que protegeu antes o velho dos cacos de vidro, observa o horizonte com seu bloco de notas. Mesmo a essa distância, ele consegue informações para escrever.
— Entendo... Que pena — fala o rapaz, com um tom debochado.
Araize levanta o braço direito devagar, o que imediatamente faz o lanceiro entrar em guarda com uma expressão séria. A mulher, por outro lado, não se move.
— Não se preocupem. Eu não vou desonrar o momento. — Ele desliza a mão molhada por sua testa até a nuca, colocando seu cabelo para trás, deixando seu campo de visão totalmente liberto.
Suas iris entram em colisão com as da espadachim.
— São bons olhos. — Ela comenta.
Araize abaixa o braço, falando:
— "Araize, o de mãos ensanguentadas", é assim que eu era chamado. É uma lei, parte do código de guerreiro de onde eu vim, se apresentar antes de um duelo. Não lembro minha idade. Não sei qual a direção que leva para a minha terra natal, mas posso dizer que é um país com um sol forte. Lá o cheiro de sangue está impregnado por todos os cantos.
Ele tira o laço que prende a caixa em seu corpo, deixando cair na água, onde boia. Depois de erguer o braço direito, repentinamente o caixote é perfurando com um golpe em queda. Araize tira um par de luvas de dentro da caixa, um par feito com partes de couro e metal; ele os equipa, itens que ficam justos por suas mãos, cobrindo até metade da distância aos cotovelos.
Os pedaços de madeira flutuam na água, sendo balançados pelas ondas agitadas.
— Sou o terceiro sucessor do "Corpo de Lâminas", um estilo de espadachim em que não se utiliza espadas.
O silêncio toma o lugar. A imagem de Araize, com os braços virados, levantados e equipados com as luvas, se aprofunda na mente dos outros dois.
— Eu matei uma pessoa nesses três dias.
Começa fraco, mas o rapaz acaba caindo em gargalhadas.
— Um espadachim sem espadas?! HAHAHA!!! Só pode ser brincade- — Ele se interrompe ao ouvir a risada da mulher.
Seu riso é pausado, variando em intensidades fortes e fracas, algo que não combina com sua presença. A mulher chega a se inclinar à frente, ficando com as mãos apoiadas nos joelhos.
— Você... não quer lutar mais, não é? — indaga a espadachim para Araize, o fazendo apertar as sobrancelhas em surpresa. O rapaz está confuso, mas não interfere no momento. — Durante minha vida, eu já topei com alguns como você. Entretanto, essas experiências não fazem seu caso menos raro.
Após um ajuste da sua perna à frente, pequenas ondas são geradas à volta da mulher, belos círculos que afetam as vitórias-régias, que aos poucos tomam distância dela. Três passos são dados.
— Não se preocupe, eu não vou fazer nada até me apresentar. Veja, nem desembainhei minha espada ainda. — Com essas palavras, o rapaz decide desfazer sua pose de combate. — Eu só quero ver mais de perto aqueles olhos. São joias raras afinal.
— Ela é bonita, mas no final das contas tem alguns parafusos a menos... — pensa o lanceiro, expirando densamente. — Que desperdício. Fazer o quê.
A mulher dá mais dois passos. Araize se sente inquieto, para ele os olhos dela parecem o enxergar por dentro do seu ser, transpassando-o. Armaduras, armas, roupas e determinação, tudo parece fútil ao entrar no alcance daquele par de abismos rubros.
A prisioneira para de se mover.
— Que pena. Parece que é impossível você permitir que eu me aproxime mais.
Araize move sua cabeça bruscamente ao notar a situação, seus olhos se abrem mais, suor escorre pela lateral do rosto. Sem perceber ele havia tomado uma postura de luta, ficando com os braços e uma perna avantajada.
— Até porque você me mataria se eu me achegar mais.
O prisioneiro, com o recuo de um passo, desfaz sua intenção de luta.
— Vocês, o seu tipo, são como singularidades. Nasceram para tomar almas, isso resume. Então, se nasceram com esse propósito, por que em certo momento se tornam tão vazios?
A espadachim fecha seus olhos enquanto abaixa a face com um sorriso modesto, sentindo a brisa e, também, a aura vermelha que transborda do homem, deixando-o junto do movimento do vento, nunca se juntando ao corpo, renegada.
— "No deserto em que viviam, certo dia alguém surgiu para os alimentar, os domesticando." É nesse tempo que suas almas mudam. Será que mudam para algo melhor? Será que essa é a solução para um guerreiro lavar sua alma de todo o sangue?
O rapaz boceja, fazendo uma careta de sono. O silêncio toma o local.
— O que você disse, pode ser verdade — fala Araize. — Porém, da minha perspectiva, não é algo que chegue ser assim tão complicado.
— Oh! não é? Então me diga o que pensa.
— "Em meio a toda aquela escuridão, eu vi uma luz." Na verdade, todos a veem em algum momento de suas vidas, pois enquanto se vive, surgem oportunidades, surgem outras rotas. Mas, se a maioria opta por não seguir nenhum dessas outras rotas, eternamente presos estarão no caminho do desastre. Talvez o que saia dele seja defeituoso, e eu sou um dele. O que saiu da "alcateia" para investigar a luz e nunca mais voltou. E isso é tudo.
— Entendo... É uma pena que você tenha sido arrastado para esse evento infantil.
— Talvez isso seja o destino me fazendo voltar para a rota do desastre, me provando que não há realmente como sair dela. Ou, apenas me fazendo pagar pelos meus pecados.
— E você vai fazer de tudo para fugir desses destinos?
— Sim. Irei.
— Hahaha... isso é bem poético.
A mulher segura o cabo da sua espada, falando:
— Sou Lamart, "a eterna caçadora de lobos idiotas?" Ah! Me desculpem, creio que manipulei um pouco o meu título, hahaha... "Minha idade?" Eu também não lembro. Sou de um povoado ao norte, muito simples até para comentar. Nesses três dias eu matei quatro pessoas. — Ela toma uma postura com o centro de gravidade abaixado, que extrai o melhor da velocidade potencial de um saque da arma. — Meu estilo não tem nome. O desenvolvi sozinha, então não tenho nenhuma ideia de como o nomear.
Uma folha se parte no ar até se tornar poeira.
"Sem distinção, o vendaval de sangue passa pelas terras frutíferas. As plantas irão apodrecer; sua família se despedaçará; seu sangue irá secar na terra da desgraça. Pois, esse é o caos de Lamart, a amaldiçoada pelo submundo demoníaco."
Seus olhos se abrandam em frieza, visualizando com clareza os dois inimigos no campo de visão.
"Com a promessa de sangue, os lábios do devastador estão selados pela eternidade."
Como se um ritual tivesse sido proferido, a mulher declara o início do confronto. Essas foram as últimas palavras da Lamart, o Vendaval de Sangue.
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