Capítulo • 20
Um longo e frustrado suspiro escapa pelos meus lábios. Enquanto observo o reflexo no espelho, não posso deixar de notar as olheiras que condenam o meu estado cansado. Simplesmente não estou conseguindo dormir direito devido às cólicas que ainda continuam me atormentando. O outro motivo possui nome e sobrenome.
A visita inesperada de Dominic anteontem — quando apareceu na lanchonete — continua a martelar na minha cabeça. Contudo, depois que ele foi embora, Marina tem me provocado ainda mais. Bruxa Má do Oeste!. Ela não perde a chance de destilar seu ódio ao passar por mim; seus sussurros maldosos sobre um homem como Dominic estar comigo por pena, despertam dor e raiva. Tento não me abalar, afinal, sempre foi assim. Entretanto, ao colocar os pés para dentro da lanchonete, sinto como se estivesse entrando em um verdadeiro inferno.
Termino de arrumar o cabelo num rabo de cabelo, com alguns fios soltos emoldurando meu rosto. Ao observar as olheiras novamente, quase consigo prever as perguntas que ele irá fazer assim que chegar para me buscar. De forma inconsciente, um sorriso desponta em meus lábios ao lembrar-me daquele homem especial e dramático. Com muito custo, tento não sentir vontade de bater nele depois do que fez ontem a noite. No momento da qual meu pai chegou em casa e me entregou uma sacola dizendo que era um presente do Dominic, senti vontade de negar. Todavia, a curiosidade foi mais forte.
Quando os olhos se cravaram no interior da sacola, não acreditei no que estava vendo. Só poderia ser alguma pegadinha do Dominic, e a qualquer momento entraria pela porta e começaria a gargalhar da minha expressão assustada.
Um celular.
Ele comprou um maldito celular para mim. Aquele homem é completamente insano.
— Isso é um celular?! — perguntou minha mãe, igualmente chocada.
— Sim, querida — respondeu meu pai, completamente calmo.
— Simples assim? Ele ao menos disse o motivo? Não posso aceitar, pai! — Acabei sentando do sofá, com a caixa ainda nas minhas mãos trêmulas.
— Ele tentou se explicar, mas tive que acabar com o seu sofrimento perguntando se era para você. No início tentou desmentir dizendo que era para mim, por causa do trabalho, mas depois ficou hesitante e logo compreendi sua intenção.
— Ele é completamente imprevisível — sussurrei, ainda em choque.
— A causa seria a paixão?
— Mãe!
Quando peguei o celular, sentia como se estivesse segurando algo sagrado. Tentei não arregalar os olhos mais uma vez ao ver a maçã parecendo zombar de mim.
— Dominic disse que estava pronto para você usar, configurou tudo. Salvou o número dele também — resmungou meu pai, seu ciúme paterno era palpável.
Fui pega de surpresa, mas não posso reclamar. Desde ontem estamos conversando por mensagens, e a cada mensagem um sorriso bobo parece brotar em meus lábios. Todavia, essa não foi a única surpresa da noite. Com a cara mais lavada do mundo, ele apareceu mais tarde aqui em casa. Dessa vez, carregando em suas mãos duas sacolas com o logotipo de uma loja infantil. Esse homem especial, comprou presentes para meus irmãos. Uma boneca para Judith, e um caminhão de bombeiro para Daniel — acabei lançando um olhar irônico na sua direção — , no entanto, como se não bastante todas as surpresas, ainda comprou um jogo da memória para todos nós brincarmos.
O som de uma buzina acaba por me despertar desses pensamentos. Ele chegou!. Meu coração se acelera, e ouço os passos perto do banheiro antes da voz de dona Marta surgir.
— Filha, ele chegou.
— Estou indo, mãe.
Revelar aos meus pais que Dominic iria me acompanhar na consulta, ocorreu de forma tranquila. Acho que no fundo imaginavam que isso aconteceria. Olho-me mais uma vez no espelho antes de sair rumo ao quarto para pegar minha bolsa. Estou quase na porta quando me lembro do celular, giro nos calcanhares e pego o aparelho emcima da cama. A tela se acende com a chegada de uma nova mensagem.
Estou aqui princesa, releio essa mensagem por um minuto completo com um sorriso bobo nos lábios.
Não respondo, pois consigo ouvir sua voz vindo de algum lugar da casa. Inspiro e solto o ar, antes de segui-la. Desço as escadas com cuidado, no meio do caminho sinto uma pontada na barriga, trago a mão até o local e massageio. Quando alivia, continuo a descer.
— Bom dia — cumprimento a todos ao entrar na cozinha.
— Dormiu bem, filha? — questiona minha mãe, assim que me sento.
— Sim — minto.
Ela me entrega um copo com água e dois comprimidos.
— Oi, princesa — diz Dominic, quase engasgo com a água. — Pela manhã serei inteiramente seu, mas a tarde precisarei voltar para o quartel. Pronto, pode comemorar. Sei que ama minha companhia. — Seus lábios se curvam em um sorriso presunçoso.
— Não se ache tanto. — Consigo falar após beber toda a água.
— Assim magoa o coração desse pobre homem. — Mesmo sem olhar na sua direção, sei que está com as mãos no peito. — Não tem dó de mim?
— Não.
— Está vendo isso, Marta? Onde está o coração dessa mulher?
— Batendo no meu peito — rebato, divertida.
— Ironia não faz bem, princesa.
— O drama também não lhe faz, Dominic.
— Touché. Que mulher fria. Devo ter medo?
— Isso nunca saberemos. — Trago o copo com leite até os lábios e sorvo um gole.
Todavia, não perco o sorriso que se forma em seus lábios.
— Vai dar tudo certo — diz, sua mão cobre a minha.
Há alguns minutos chegamos no hospital, e eu, bom, não fiz nenhum movimento para sair do carro. Tenho medo de entrar e descobrir algo ruim sobre a gravidez e que esse hematoma — que vem nos assombrando — tenha aumentado. Essas cólicas que estou sentindo não podem ser normais.
— Estou com medo do hematoma ter aumentado — confesso meu maior medo. — E se o tratamento não estiver funcionando?
— Calma, princesa. — Aperta minha mão, isso me faz encontrar seus olhos repletos de força e uma pincelada de carinho. — Não tenha esses pensamentos negativos. Vamos pensar positivo, a pequena está crescendo perfeitamente saudável.
— Tem razão. Estou sendo boba.
— Não — profere seriamente. — Está sendo mãe. Uma bela mãe preocupada.
— Obrigada por tudo. Principalmente por estar aqui comigo.
— É uma honra estar aqui.
Com essas palavras, busco a força dentro de mim. Solto o ar, determinada, porque de nada adiantará me esconder dentro desse carro, porquanto não mudará a minha situação.
— Vamos. — Ergo o queixo, e suas íris brilham com orgulho.
Saímos do carro em silêncio, e seus seguranças fazem o mesmo. Agora, na luz do dia, posso ver claramente o estado dos dois. Nossa, parecem ter levado uma verdadeira surra.
— Vocês estão acabados. — As palavras escapam antes que eu tenha a chance de impedir.
Pela visão periférica noto Dominic ficar tenso; Brandon e Luca olham para o chefe com cinismo. Resolvo ficar quieta nesse momento, mesmo que minha vontade seja de perguntar o que realmente aconteceu nesse treinamento.
No momento em que entramos no hospital, meus olhos percorrem as pessoas na sala de espera em busca de uma certa moça com cabelos ruivos acobreados. Escondo a decepção por não encontrá-la, decerto devo tê-la assustado. Vagamente ouço Dominic conversar com a recepcionista, mas estou fitando um canto qualquer da sala, sentindo-me perdida.
— Angel?
— Oi — respondo automaticamente.
— Está tudo bem? — Toca meu ombro, preocupado. — Procurando alguém?
— Apenas uma moça que conheci aqui — respondo sucintamente, logo mudando o assunto. — Laura, está nos esperando?
— Sim.
Ele tenta buscar a resposta em meus olhos, contudo, nesse momento não quero lhe contar sobre Isis. Se contar, vai querer saber como a conheci, e também não quero revelar sobre a psicóloga. Sinto seu toque no meu ombro, ao cravar os olhos nele o encontro com o braço estendido. Lhe observo confusa, até que ele segura minha mão e a coloca sobre seu bíceps.
— Estou me sentindo como uma mocinha dos livros de época.
— Oh, permita-me apresentar. — Se afasta e curva o corpo, retirando um chapéu imaginário. — Senhor McDemott.
— Dominic! — digo seu nome em meio as risadas.
— Pelo menos está sorrindo lindamente.
— Obrigada.
— Não por isso. — Balança a cabeça, e bate na porta do consultório de Laura.
Adentramos a sala e solto o ar que nem ao menos notei que estava segurando. Laura se levanta para nos cumprimentar.
— Como estamos, Angel?
— Um misto de ansiedade e medo — confesso.
— Você por aqui novamente, Dominic — brinca.
— Ela não consegue ficar longe de mim. — Puxa a cadeira para que eu me sente. Um verdadeiro cavalheiro. — Tive que fazer esse sacrifício.
— Apenas o ignore, Laura.
— Malvada — sussurra no meu ouvido antes de se sentar.
— Podemos iniciar a consulta, Angel? — Laura pergunta suavemente.
Há uma troca de olhares entrar mim e Dominic, antes que eu consiga fitar Laura e afirmar com a cabeça. Calma, vai dar tudo certo. Repito como um mantra.
— Como tem se sentido desde nossa última consulta?
— Bom — hesito, e sinto um toque na minha mão. Retribuo o aperto antes de continuar. — Estou sentindo um desconforto há quase três dias, ele vai e volta. Como se fosse uma cólica.
— Certo. A dor é leve ou moderada?
— Leve.
— Teve algum sangramento?
— Não — respondo aliviada, inconscientemente pego-me acariciando com o polegar a mão de Dominic, isso parece me acalmar.
— Como estão os enjôos?
— Ainda incômodos.
Observo Dominic rapidamente, sua face está tensa e tenho a certeza que irá me questionar o motivo de ter ocultado sobre a cólica. Todavia, naquele dia quando perguntou a respeito, estava bem. E no momento que surgiu novamente, não quis preocupá-lo.
— Está tomando as vitaminas? A alimentação está sendo balanceada como eu havia prescrito?
— Sim. Estou tentando comer, mas o problema está pela manhã. Não sinto muita vontade de comer por causa dos enjôos. Apenas consigo colocar para dentro algumas bolachas de sal porque minha mãe prepara uma água com gotas de limão.
— Isso é bom — elogia. — Mas tente comer mais que isso, Angel. — Afirmo com a cabeça, e ela continua: — Lembro que me disse sobre um trabalho. Como está sendo? Não está fazendo esforço, certo?
Odiar sua chefe conta como esforço?
— Não.
— Voltando as cólicas, se não estou enganada preescrevi algo para aliviá-las. — Arqueia a sobrancelha e sinto minhas bochechas quentes.
— Devo ter esquecido — balbucio envergonhada.
— Isso é completamente normal, querida. — Sorri, e anota algo em um papel de receita médica. — Vou prescrever novamente. Essas cólicas são normais, devido ao hematoma. Enquanto estão leves, não precisamos nos preocupar. O perigo está quando se tornam intensas e vem acompanhadas de sangramento.
Conversamos mais um pouco a respeito do hematoma, e algo me incomodou muito. Nesse ínterim, Dominic se manteve em silêncio. Em algum momento nossas mãos se soltaram. Todavia, seu silêncio parecia tão estranho em comparação àquele dia onde encheu Laura de perguntas.
Encontro-me mais uma vez deitada nessa maca numa posição agoniante. No entanto, essa é a última vez que precisarei passar por isso, pois Laura revelou que nas próximas consultas usaremos outro aparelho e ele apenas será deslizado pela minha barriga.
— Calma, princesa — sussurra.
Ele segura minha mão novamente, seu polegar se arrasta pelo dorso, um movimento lento e contínuo.
— Aqui está seu bebê, Angel. — Desperto com a voz de Laura.
— Está tudo bem? — pergunto, ainda tensa.
— Sim, querida. O bebê está crescendo conforme esperado. — Suspiro, aliviada e aguardo que continue. — O saco gestacional está íntegro, e aqui — coloca uma seta apontando para algo — podemos ver o hematoma. Ele não aumentou ou diminuiu, isso é algo bom. Como você está no início do tratamento, é um pequeno ponto positivo. Continue tomando a medicação e seguindo minhas instruções. Agora, vamos ouvir o coração.
O mais belo som reverbera pela sala, fecho os olhos e aprecio esse milagre da vida. Minha pequena guerreira está lutando pela sua vida. Ao olhar para Dominic, suas íris estão repletas da emoção nua e crua, algo belo de se presenciar. Ele leva minha mão até seus lábios e deposita um beijo terno no dorso.
— Falei que tudo estaria bem com a pequena princesa — sussurra.
Volto a fitar a tela, e tenho esperança que tudo ficará bem com a minha filha. Ela irá crescer saudável, e logo estará em meus braços. Pensar nisso, desperta mais uma vez aquela força adormecida.
Minha atenção está nos meus tênis gastos, mentalmente, pareço estar contando cada passo. Um passo de cada vez. Lembro-me das palavras de Rachel.
— Angel.
— Sim? — Inclino a cabeça para observar o homem ao meu lado.
— Será que eu... — hesita, parece estar lutando consigo mesmo. — Queria saber se é possível... Merda.
— Você está bem?
— Sim! — grita, arregalo os olhos. — Desculpa. Posso ficar com uma foto?
— Oh, da ultrassom? — as palavras escapam quase como um guincho.
— Posso?
— Claro! — Sorrio, abro o envelope e pego uma das fotos. Ao lhe entregar, observo atentamente sua reação, seus olhos brilham e ele a segura com reverência. — Não precisava sentir vergonha de pedir.
— Obrigado — agradece, emocionado.
Retomamos nosso caminho até a sala de espera. Meu coração quase sai pela boca quando encontro Isis sentada em uma cadeira no canto, encoberta pelas sombras. Reconheceria esses cabelos em qualquer lugar.
— Espere aqui, por favor.
— O que aconteceu? — Dominic toca meu braço.
— Nada, apenas preciso de alguns minutos.
Não escuto o que diz, pois estou quase correndo em direção à ela. No momento que estou próxima sua cabeça se ergue, e sou atingida mais uma vez pelos seus machucados. Contudo, parecem melhores do que há três dias.
— Oi. — Sento-me na cadeira vazia ao seu lado.
— Você veio.
— Sim, disse que viria — afirmo, séria. — Vim ver como está minha pequena. — Coloco a mão na barriga. — Estamos passando por alguns momentos tensos nesses primeiros meses.
— O que aconteceu?
Explico de forma simples o que está acontecendo, seguindo as informações cuja quais Laura repassou hoje, calmamente.
— Nossa. Espero que tudo fique bem.
— Também espero. Minha pequena está sendo uma guerreira desde a barriga.
— É uma menina?
Sorrio, e lanço um olhar por cima do ombro. Dominic está a poucos passos de nós.
— Não sabemos, mas sentimos que é uma princesa.
— Ele é seu marido? — Inclina a cabeça discretamente na direção de Dominic.
— Oh, não. — Minhas bochechas se tornam quentes devido ao intenso rubor. — É um amigo.
— Entendo. — Se levanta de forma repentina e espelho seus movimentos, confusa. — Tenho que ir.
— Espere.
— O quê?
— Você tem celular? Queria ter seu contato.
Mais uma vez está parecendo uma psicopata, Angel — ironiza a consciência.
— Por que você quer tanto ser minha amiga?
Ela não afirma ou nega sobre o celular, no entanto, a forma como questiona, desperta um sentimento de angústia em meu peito. Suas íris confirmam o que desconfio. É como se alguém tentar ser sua amiga, fosse algo horrível.
— Sem ao menos te conhecer, sinto um carinho especial por você — respondo de forma simples, sincera.
— Não pode.
Meu Deus, é como olhar para um espelho.
— Posso.
Talvez tenha sido meu tom ou a confiança presente em minha voz, mas ela passou-me seu contato, que prontamente o salvei e repassei o meu. Não sei se algum dia irá me chamar. Tendo em vista o quanto parecia hesitante, terei sorte se não apagar ou me bloquear.
No entanto, não desistirei de ajudá-la.
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