Capítulo • 1
— Angel, se continuar vomitando assim no meio do expediente vou ter que te demitir. — Ouço a voz irritante da minha chefe com extremo tédio.
Como se ela não quisesse arranjar um motivo para me demitir desde que fui contratada — penso de forma irônica.
— Estou bem — murmuro e afasto-me do vaso, encosto o corpo na parece enquanto espero as náuseas aliviarem.
— Acho bom mesmo — resmunga antes de fechar a porta do banheiro com força.
Evito estremecer de medo ante à sua ameaça. Não é a primeira vez que ela faz isso; desde que Jonas — seu marido e dono da lanchonete — me contratou, virei alvo de sua hostilidade. Não entendo o motivo, pois ela é uma mulher linda, e sempre percebo os olhares que recebe quando está servindo as mesas. Confesso que Jonas é bastante gentil comigo. Ele tem quase quarenta anos e, felizmente, nunca notei algo a mais em suas ações bondosas, é apenas o seu jeito de ser. Para meu alívio, não suporto qualquer tipo de olhar na minha direção.
Suspiro e levanto-me um pouco trôpega do chão, dou descarga no vaso antes de lavar minhas mãos e boca. Ao encontrar meus olhos no espelho empoeirado, não consigo evitar a preocupação ao encarar meu rosto pálido.
— O que está acontecendo comigo? — murmurei a pergunta para o silêncio presente no cômodo.
Não é a primeira vez que passo mal no trabalho; o estômago se embrulha apenas em sentir o cheiro de fritura. Na maioria das vezes consigo controlar as náuseas, mas infelizmente tem dias que acabo abraçada ao vaso colocando para fora o café da manhã. Isso está acontecendo tem um tempo, apenas não sei ao certo a quantidade de dias.
Jogo mais um pouco de água no rosto e o seco com o papel toalha. Respiro fundo e saio do banheiro, de longe encontro o olhar fulminante de Marina.
Hoje será um longo dia.
— Filha, soube que a neta da dona Lúcia está grávida — minha mãe comenta enquanto jantamos.
— Grávida — sussurro, a palavra parece ecoar na minha cabeça e me sinto enjoada mais uma vez.
Não, não pode ser!
Como não percebi isso antes?! Os enjôos, sono em excesso, cansaço fácil e o sinal mais importante: minha mestruação está atrasada.
— Filha, você está pálida — profere meu pai, preocupado.
— Estou bem.
— Não está, minha filha. Hoje não é a primeira vez que te vejo pálida.
— Não é nada, mãe — rebato e encontro seu olhar.
Tento continuar a comer, evitando olhar para meus pais. O que estou pensando não pode ser verdade! Estar grávida daquele homem nojento, ter um filho fruto de uma violência brutal.
Se for verdade não irei interromper a gravidez, no entanto, como olharei para essa criança no momento em que perguntar sobre seu pai futuramente? Como falaria que fui violentada sexualmente e ele foi fruto dessa violência?
Com o rumo dos meus pensamentos perco a fome, levanto-me da mesa em silêncio e caminho até a pia, pego um pote que minha mãe lavou hoje de manhã para colocar a comida quase intocada do meu prato. Guardo dentro da geladeira e sigo em silêncio até as escadas, sinto seus olhos sobre mim, contudo, continuo a caminhar. Ouço minha mãe chamar, mas não respondo, estou agindo automaticamente como se fosse um robô.
Estou sentada encostada na parede com os olhos fechados, quando ouço passos se aproximarem de mim e o colchão ao meu lado se afunda.
— Filha — diz minha mãe, baixinho. — O que está acontecendo? Não aguento te ver dessa forma.
Um breve silêncio se forma no quarto, sei que ela está me dando o tempo necessário para lhe contar. Contudo, tenho vergonha de revelar a hipótese que surgiu na minha cabeça ao analisar as coisas que estão acontecendo comigo. Tenho em mente que ela jamais me julgaria, afinal, a culpa não foi minha. Mas sinto vergonha do mesmo modo.
— Eu acho que estou grávida — confesso depois de alguns minutos, sinto meus olhos arderem ante o princípio de lágrimas, mas as seguro.
— Grávida. — Não pergunta, apenas afirma, acho que ela desconfiava.
— Você sabia.
— Não sabia, querida. Sou mãe, e uma mãe sempre sabe quando seus filhos não estão bem. — Sinto seu toque terno no meu braço, e inclino o corpo até repousar a cabeça no seu ombro.
— E se eu estiver grávida, mãe? Como vai ser? Não temos comida ou dinheiro nem para nós direito. Imagina com um bebê no meio de tanta dificuldade.
— Esse bebê será muito amado, minha princesa. Não há dinheiro no mundo que compre o amor que ele ou ela irá receber. — Um suspiro trêmulo escapa por meus lábios, no momento que ela penteia meus cabelos com seus dedos as lágrimas deslizam pelo meu rosto. — Daremos um jeito, Angel. Tudo na vida tem um jeito, nada é impossível se você acreditar e lutar para conquistar algo. — Fecho os olhos ante suas palavras proferidas de forma séria. — Eu sei que esse bebê, caso seja confirmado e esteja grávida, não veio de algo bom, mas ele não tem culpa das maldades do mundo. Merece ser amado.
— Obrigada — sussurro, suas palavras confortaram meu coração.
— Amanhã você quer que eu vá com você no hospital?
— Não. — Inspiro e solto o ar lentamente. — Irei sozinha, preciso fazer isso sozinha, mãe.
— Tudo bem, querida — concorda, mas percebo sua relutância — Saiba que independente do resultado desse exame, seu pai e eu sempre estaremos aqui para apoiá-la.
— Eu sei.
Afasto-me e sento de forma que fiquemos frente a frente. Suas íris cintilam com as lágrimas contidas, e ela abre seus braços, nem ao menos penso antes de buscar conforto em seu abraço materno. Seu aroma de lavanda acalenta meu desespero, sinto-me em casa, parece que qualquer mal fica para fora desse abraço tão especial.
— Aqui é um hospital particular, não se pode chegar e simplesmente achar que tem o direito de pedir um exame. — Suas palavras me atingem como se um tapa houvesse sido desferido contra meu rosto. — A não ser que você tenha condições de pagar, mas parece que nem isso. — Não perco o tom de deboche e o olhar enojado enquanto me observa.
O que vou fazer? Não conheço quase nada nessa cidade.
— Moça, eu preciso fazer esse exame com u-urgência. — Minha voz se torna trêmula.
— Olha aqui...
— O que está acontecendo? — questiona uma mulher, ao olhar na direção de onde surgiu a voz encontro uma mulher elegante usando um jaleco, deduzo ser uma médica.
— Ela quer fazer um exame, mas aqui é um hospital particular. Tudo é pago — explica de forma dócil, e sinto vontade de gritar.
— Qual exame, querida? — a mulher ignora a recepcionista e questiona de forma gentil.
— Exame de sangue — respondo cuidadosamente, desvio os olhos envergonhada e os cravo nas minhas mãos trêmulas.
— Pode me acompanhar. — Ouço a mulher dizer e ergo a cabeça, surpresa.
— Mas... doutora Laura! — diz a mulher na recepção, indignada.
— Ela é responsabilidade minha agora, qualquer custo irei pagar — responde séria, e sinto vontade de chorar. — Querida, venha comigo. — Seu tom ao falar comigo é completamente diferente.
Acompanho a mulher em silêncio, com o canto do olho permito-me analisar a doutora Laura. Ela parece ter quase a idade da minha mãe, talvez alguns anos mais nova, quando me encarou minutos atrás percebi que possui bondosos olhos castanhos e seus cabelos castanho escuro que estão presos em um coque possuem leves fios brancos.
Chegamos até um laboratório e ela entra para conversar com uma moça que está lá dentro. No momento que se volta para mim e pergunta o real motivo do exame, confesso que é para descobrir se estou grávida. Sua expressão permanece neutra, e sinto um imenso alívio.
— Querida, o exame irá ficar pronto daqui mais ou menos uma hora, pedi urgência no resultado — diz ao sair do laboratório. — Sou médica obstétrica, caso esteja grávida, eu mesma irei acompanhar, tudo bem? — Segura minhas mãos com carinho, quase choro ante sua bondade que não parece possuir fim.
— Sim — sussurro, e recebo um sorriso terno.
— Aquela moça irá colher o seu sangue — aponta para atrás de si —, e eu estarei te esperando naquela sala. — Dessa vez aponta para uma porta a poucos metros de nós. — É o meu consultório, pode me encontrar lá dentro quando terminar. Vai dar tudo certo.
Sinto confiança em suas palavras, sem nem ao menos me conhecer ela me ajudou. Mais uma vez percebo que ainda existe pessoas boas em meio a essa sociedade cruel e egoísta.
Uma batida na porta nos desperta, limpo as lágrimas com o lenço que Laura me entregou enquanto conversávamos. A porta se abre e a moça que colheu meu sangue adentra o consultório segurando um envelope.
As mãos parecem pegajosas e as limpo na minha calça, encontro o olhar de Laura e suas íris estão repletas de compreensão. Acabei confessando um pouco sobre o que aconteceu comigo, o peso em meus ombros parece um pouco mais leve. Em nenhum momento ela me olhou com pena, pelo contrário, compreendeu perfeitamente. Não tem nada pior do que revelar um segredo doloroso para alguém e a pessoa lançar um olhar de pena, esse tipo de olhar acaba com quem está sofrendo, parece que somos fracos e nunca iremos superar o que aconteceu.
O som do papel se rasgando preenche o cômodo, e noto que a moça saiu do consultório. Laura retira uma folha do envelope e seus olhos percorrem atentos sobre o que está escrito.
— Positivo — profere depois de alguns segundos.
Positivo. Essa palavra ecoa na minha cabeça, de forma inconsciente trago uma mão até a barriga ainda plana. Grávida, estou grávida. Engulo em seco, parece que tem algo alojado na minha garganta.
— Pelo que você me contou, pode estar com oito semanas de gestação. — Sua voz é branda, e imagino que ela tenha receio que se alterar sua voz eu irei sair correndo do consultório. — Podemos fazer uma ultrassom, você pode ver seu bebê e escutar o coração.
— É possível? — sussurro sem encará-la.
— Sim, Angel.
— Eu quero. — Ergo a cabeça, sentindo-me um pouco mais forte.
Todavia, no momento que ela começa a explicar como será o exame, o pânico ameça surgir. Será por meio de uma ultrassom transvaginal, pois com ela, é possível obter uma melhor visualização do feto. Balanço a cabeça e aceito, em poucos minutos estou preparada para o exame. A posição na qual estou na cama é extremamente desconfortável, fecho os olhos e tento expulsar os pensamentos negativos.
— Farei o mais rápido possível, Angel — Laura tenta me acalmar, e apenas balanço a cabeça mais uma vez.
No momento que sinto o aparelho sendo pressionado, o pânico surge com força e as lágrimas escorrem pelas minhas bochechas.
— Angel? — Ouço Laura chamar, mas permaneço com os olhos fechados. — Querida, se concentra na minha voz. Estou aqui. Nada de ruim irá te acontecer. Vou retirar o aparelho, podemos esperar mais algumas semanas para realizarmos a ultrassonografia normal.
— Não. Quero ouvir o coração.
Poucos minutos depois, um som forte e ritmado preenche a sala. Mais lágrimas escorrem pelo meu rosto, contudo, são de uma breve alegria que aquece meu coração. Não sinto medo ou nojo ao ouvir esse som, sinto amor, muito amor por esse bebê que está crescendo em meu ventre.
As palavras ditas por minha mãe ontem a noite surgem em meio aos meus pensamentos. Ela estava certa, o bebê não tem culpa da maldade que sofri, merece ser amado. Isso que irei proporcionar, muito amor e carinho.
Saio do consultório com uma receita e diversas orientações minutos depois. Todavia, ao lembrar das suas palavras, sinto um aperto. Meu bebê está um pouco abaixo do tamanho e peso para o tempo de gestação. Infelizmente minha alimentação escassa provocou isso, pois sempre me alimento com um pouco menos para meus pais e irmãos tenham mais o que comer.
Encosto na parede e escorrego até sentar no chão, abraço as pernas antes de esconder o rosto contra meus joelhos, permito-me chorar um pouco pensando nas dificuldades que estamos enfrentando. Tenho em mente que quando Marina descobrir que estou grávida irá me demitir. Sem esse emprego, apenas os bicos que meu pai faz para dona Lúcia não serão suficiente para suprir nossas necessidades.
Meu Deus, o que irei fazer? — rogo desolada em pensamentos.
— Você está bem, princesa? — Ouço uma voz grave perguntar.
Levanto a cabeça rapidamente, e mesmo com os olhos embaçados devido as lágrimas, não estou preparada para a primeira visão que tenho do homem parado a poucos metros de mim. Ele é simplesmente o homem mais lindo que já vi na minha vida.
Um segundo depois me concentro na sua pergunta, a surpresa e raiva surgem em meio as minhas emoções.
Ele me chamou de princesa?
Ps: Podem imaginar quem vocês quiserem para os personagens <3
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