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Capítulo 4

Eu não saí da sala quando ouvi o sinal bater anunciando o recreio. Observei-a se esvaziar lentamente. Um por um, os alunos saíam pela porta e se perdiam misturados com a multidão de estudantes.

Quando Evellin estava prestes a sair ela se virou e me viu, então disse alguma coisa para suas duas amigas inseparáveis - algo como "Eu vejo vocês depois." ou "Me esperem lá fora." - e enquanto as duas se encaminharam para a porta, ela veio em minha direção.

- Você não vai sair? - Perguntou.

- Não estou a fim.

- Por que?

Não respondi.

Ela se sentou na cadeira em minha frente, virada para mim.

- Olha só, eu realmente estou querendo ser legal. Será que você pode baixar essa sua crista só um pouquinho e desfrutar da minha boa vontade de ser sua amiga?

Respirei fundo e desviei meu olhar. Se ela ao menos soubesse o quanto eu desejava o seu namorado...

- Luna, eu estou falando com você!

- Eu sei. Mas preferia que não estivesse.

Ela piscou como se não tivesse entendido completamente o que eu acabara de dizer, então se levantou tão de repente que a cadeira se arrastou no chão, provocando um barulhinho agonizante na sala.

- Qual é o seu problema? - Ela quase gritou.

- Você. - Respondi monótona.

- Quer saber? Talvez seja melhor mesmo você continuar sozinha. É bom que não contagia a minha escola com esse seu jeitinho insuportável!

Ela se virou e saiu batendo a porta ao passar. Eu suspirei. Era melhor ter inimigos do que me apegar. Pelo menos eu tinha certeza de que ela não me decepcionaria.

Abri meu caderno e comecei a rabiscar aleatoriamente enquanto meus pensamentos flutuavam.

Será que ela sabia que eu e Diogo nos encontrávamos mais do que considerava normal? E se sabia, por que agia tão normalmente e até de maneira amigável comigo? Como seria possível ela não sentir nem um pouco de ciúmes? Se ela realmente era como eu acredita ser, ela não era o tipo de garota liberal.

Mas tudo bem. Ela não precisava mesmo ter ciúmes. Eu já havia tomado minha decisão e não voltaria atrás. Estava na hora de terminar o que ainda não tinha começado.

Olhei para baixo - e congelei. Entre os rabiscos que eu havia feito um nome se destacou. Estava um pouco embaralhado nas linhas e círculos aleatórios, mas não passou despercebido. Diogo.

Pisquei algumas vezes. Talvez aquilo era apenas fruto da minha imaginação, mas ele ainda estava lá. Claro e nítido. Eu havia escrito seu nome em meu caderno sem perceber.

- Você devia pensar em se socializar um pouco.

Eu pulei com o susto que a voz me causou. Instantaneamente levantei a cabeça e olhei para Diogo, que havia acabado de entrar na sala e estava vindo em minha direção.

Droga!

Fechei meu caderno e o coloquei debaixo da mesa.

- O que está fazendo aqui? - Perguntei enquanto ele ocupava a cadeira na minha frente. A mesma em que Evellin estava sentada alguns minutos atrás.

- Bem, considerando que essa sala faz parte da escola e a escola é pública, eu não vejo problema algum de estar aqui.

- Eu quero dizer... como me achou?

- Sua intenção era se esconder de mim? - Ele sorriu.

- Não. - "Sim!"

- Você não estava na biblioteca nem no refeitório. Vai passar o recreio inteiro aqui?

- Sim. De preferência sozinha.

Ele pareceu ignorar meu último comentário e olhou em volta, para a sala vazia exceto por nós dois.

- Não parece ser muito divertido.

- Lá fora também não é. Quer dizer, não pra mim.

- Eu posso te fazer mudar de ideia. - Ele sorriu novamente, um sorriso que por si só, disse mais do que palavras.

Eu tive de desviar meu olhar para encontrar minha voz.

- Não. Você até poderia tentar, mas eu não acho que conseguiria.

- Gostaria que eu tentasse? - Ele inclinou a cabeça para olhar meu rosto.

- Eu gostaria que você saísse e me deixasse sozinha.

- Por que?

Merda... por que ele simplesmente não saía? Eu o olhei.

- Porque eu sou chata, impertinente, insuportável, e não quero te contagiar com meu vírus. É isso. Satisfeito? - Levantei minhas sobrancelhas pra ele.

Ele levou um momento para responder. Qualquer sinal de humor desapareceu de seus olhos, então ele franziu a testa.

- De onde você tirou isso?

- Não importa. - Dei de ombros. - Eu só... - Não consegui terminar a frase. Só agora eu havia percebido o efeito que as palavras de Evellin me causaram. Eu não queria ser vista assim. Eu não era assim!

Eu sabia rir até nos meus piores dias e sabia fazer com que as pessoas ao meu redor rissem também. Eu era divertida...

Queria voltar no tempo. Queria ver minha amigas. Queria ver meu pai novamente e o abraçar. Queria apenas acordar com minha mãe gritando comigo e perceber que tudo não havia passado de um sonho...

Ou simplesmente queria ter alguém com quem conversar que não fosse a minha psicóloga.

- Luna. - A voz de Diogo me trouxe de volta. - Quem te disse isso?

Eu pisquei e olhei para os meus dedos em cima do meu colo.

- Ei... - Diogo levantou meu queixo com a mão. - Você não é nada disso, entendeu? Você pode até ser diferente e um poço de mistérios, mas isso não faz com que seja chata, impertinente ou insuportável. Você é incrível assim, do jeito que você é.

Por um instante eu não soube o que responder. Apenas seu toque, por mínimo que fosse, já me fez gelar. Suas palavras quase tiraram meu controle e eu me imaginei beijando-o ali mesmo, sem me importar com nada nem ninguém.

Ao invés disso, suspirei e me recostei na cadeira, abafando pensamento.

- O que quer dizer com... eu ser diferente e um poço de mistérios?

Ele sorriu.

- Você é diferente das outras e sempre muda de assunto quando eu pergunto sobre você. - Seus olhos estudavam profundamente os meus.

- Diferente como?

Ele inclinou levemente a cabeça como se pensasse em uma resposta.

- Mais... difícil.

- Difícil? - Levantei minhas sobrancelhas. - Sendo assim, por que ainda está aqui?

- Eu gosto de ser desafiado. - Ele disse quase indiferente.

- Acha que estou desafiando você?

- Não. Acho que você é o próprio desafio.

Desviei meus olhos. Ele estava se tornando muito bom em ficar com a última palavra. Isso me frustrava.

- Você quer ser meu amigo? - Eu o perguntei.

- Você quer que eu seja? - Ele sorriu.

- Não.

Me perguntei qual parte do "Eu não quero ter amigos" ele não havia entendido.

Seu sorriso desapareceu e ele se inclinou para frente, se aproximando ainda mais de mim. Fingi não me importar.

- Eu gostaria de saber o que se passa dentro da sua cabeça.

- Que bom que você não sabe.

Um lado da sua boca se ergueu em um sorriso torto.

- Quer sair comigo? Assistir a um filme, comer uma pizza, eu não sei. Você decide. Essa noite, só eu e você. O que acha?

Eu pisquei. Era um convite tentador. Examinei minhas opções em silêncio por um instante. Provavelmente quando eu chegasse em casa seria a mesma coisa de sempre. Minha mãe estaria assistindo televisão ou fazendo qualquer outra coisa inútil, então eu cortaria caminho e iria para o meu quarto, pra não falar com ela. Qual seria o problema de eu sair com Diogo?

Nenhum. Exceto o fato de ele ter namorada.

- Obrigada. - Eu disse decidida. - Dispenso.

- Por que, Luna? Me diz. Qual é o problema?

Mordi meu lábio inferior.

- Onde a Evellin se encaixaria nisso?

- Esquece a Evellin! Só por uma noite, por favor...

Eu ri, realmente ri. O sinal soou alto tentando interromper nossa conversa, mas nem eu nem Diogo pareceu se importar.

- Olha... - Eu disse enquanto uns alunos começavam a passar pela porta. - Eu não sei se você conhece o verdadeiro significado da palavra namoro, mas a partir do momento em que você pediu para namorá-la, é seu dever ter respeito por ela. É lógico que você não gostaria de vê-la saindo com outro homem. Como pode achar que ela aceitaria você saindo com outra mulher?

Ele não respondeu. Apenas continuou me olhando.

- Eu não tenho nada a ver com vocês dois. Se você me convidou pra sair, eu não tenho mais tanta certeza de que você é fiel, mas quer saber? Sendo fiel ou não, o problema é seu. Eu só quero deixar bem claro que eu não serei a garota com quem você vai traí-la. Você entendeu?

Ele inclinou a cabeça para o lado.

- Perfeitamente.

- Ótimo. Agora se me der licença, o sinal já bateu.

Ele continuou me olhando por alguns segundos enquanto eu pegava meu caderno de debaixo da mesa e o abria, tomando cuidado para esconder o nome que eu havia escrito acidentalmente.

Então, sem dizer nem mais uma palavra, ele se levantou e saiu.

*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*

Mais tarde quando eu cheguei em casa, minha mãe veio ao meu encontro sorrindo.

- Encontrei um emprego! - Ela bateu as palmas da mão.

Eu levantei minhas sobrancelhas enquanto jogava minha mochila no sofá.

- É mesmo?

- Siiim! Como secretária da dona de uma rede de lojas no centro. A antiga secretária dela se mudou, então ela estava precisando de outra pessoa. Parece que ela se impressionou com o meu currículo então me contratou! - Minha mãe estava eufórica.

- Isso é ótimo. - Eu disse subindo as escadas, e eu estava sendo sincera.

Quanto mais tempo ela passasse fora de casa, menos nos veríamos.

- Eu começo amanhã. - Ela começou a aumentar o tom de voz enquanto eu me aproximava do meu quarto e me afastava dela. - Talvez eu já não esteja aqui quando você acordar!

- Okay! - Gritei de volta e fechei a porta do meu quarto.

*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*

Acordei no dia seguinte com os raios do sol passando pela cortina da janela e atingindo meu rosto. Olhei a hora no relógio da cabeceira e...

MERDA!

Joguei a coberta para o lado e corri pro banheiro.

Eram 12:08, então, se minhas contas estavam certas, eu tinha apenas 52 minutos para tomar banho, me arrumar, embarcar no ônibus e estar na sala antes do professor.

Como eu consegui dormir até tão tarde?!

Prendi meu cabelo em um coque alto já que não daria tempo de lavá-lo.

Seis minutos depois, eu desliguei o chuveiro, me enrolei na toalha e voltei correndo pro meu quarto. Vesti a primeira calça jeans que encontrei em meu guarda-roupa e minha blusa de uniforme.

Soltei meu cabelo que caiu como uma cachoeira sobre meus ombros, atingindo a cintura e agradeci aos céus por ter herdado o cabelo do meu pai - liso como manteiga.

Passei os dedos sobre ele e calcei a sapatilha preta estilo bailarina que eu tinha usado no dia anterior.

Olhei novamente o relógio. 12:23.

Peguei meu estojo de maquiagem e o abri, pescando de dentro dele um rímel e um gloss.

Depois de destacar meus olhos negros-jabuticaba com o rímel e desenhar o contorno da minha boca com o gloss, eu peguei minha chave e minha mochila e saí.

*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*

Me sentei em um dos bancos do refeitório na hora do recreio. O mais isolado.

Por sorte, eu cheguei na escola dois minutos antes do sinal e consegui não perder a prova de Biologia que o prefessor decidiu dar hoje, pegando todos os alunos de surpresa.

Isso acabou com todas as minha energias - que eu já nem tinha - e agora eu precisava repô-las.

Peguei meu sanduíche de dentro da bandeija e o comi com o suco de acerola. Pelo canto do olho vi Evellin passar pela porta acompanhada de suas amigas e se sentar em uma mesa a cerca de seis metros de onde eu estava.

Não demorou muito para ela me notar, então fez uma careta de desgosto e comentou alguma coisa com as amigas. Todas riram.

Eu estava prestes a dar a última mordida no meu sanduíche quando Diogo também entrou pela porta.

Ele parou e começou a varrer o interior do refeitório com o olhar, procurando por algo - ou alguém.

Meu coração errou uma batida e acelerou quando seus olhos encontraram os meus, e por algum motivo, eu não consegui desviar o olhar.

Permanecemos assim, com os olhos presos um no outro por alguns segundos, até ele piscar e continuar procurando pelo refeitório. Então encontrou Evellin.

Sem hesitar, ele caminhou na direção dela e disse alguma coisa para suas duas amigas que se levantaram e saíram, deixando os dois sozinhos.

Ele se sentou de frente pra ela e de costas pra mim, enquanto começava uma conversa.

Ah, é óbvio que ele não queria falar comigo. Não depois de tudo o que eu lhe disse ontem.

Olhei para o sanduíche e só então percebi que ele estava parado no meio do caminho entre a bandeija e minha boca. Eu queria muitas coisas agora, mas com certeza, comer estava no último lugar da lista.

Minha fome havia ido embora e dado lugar ao ciúme e decepção que tomavam conta de mim.

Abandonei o sanduíche na bandeija, me levantei e saí do refeitório.

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