Capítulo 13°
Ela franziu o cenho e abriu os olhos, percebendo o calor dos raios solares invadir a janela pelas pequenas frestas entreabertas e esquentar a sua pele. Eve encolheu e enrugou todo o nariz quando o brilho forte bateu contra o seu globo ocular e contraiu velozmente suas íris dilatadas.
Que estranho, ela matutou ainda deitada, aqui não costuma bater sol tão cedo...
Ainda sonolenta, tentou virar o rosto e distribuir uma espiadela apertada ao redor. A primeira coisa que notou foi que estava sozinha no quarto, a segunda fez seus dois olhos esbugalharem como duas bolas de bilhar:
O horário.
O relógio no canto da bancada ao lado marcava quase meio-dia. Taehyung, pelo visto, já estava acordado enquanto Eve estava no décimo estágio do sono profundo. Provavelmente existiam milhões de tarefas atrasadas para ela fazer e, pior, mal sabia se seus pais já haviam retornado. Desse jeito, iria passar a imagem de desleixada e péssima filha para Taehyung.
Droga, como pude dormir tanto? ... Espera um pouco, por que estou me importando com o que ele pode pensar sobre mim?
Bateu a cabeça duas vezes contra o travesseiro e sentiu vontade de gritar bem alto, mas não fez. Eve caminhou cambaleante para fora dos lençóis e saiu para espiar a casa.
Logo percebeu o aroma apetitoso de panquecas e ovos espalhado pelo ar, sentiu o estômago roncar de fome. Depois encarou um Taehyung de costas e avental de cor bege, super confortável no balcão da cozinha, estava fritando alguma coisa — seja lá o que fosse, cheirava absurdamente bem.
Assim que notou a presença da garota, ele se virou. Eve foi recebida com um sorriso largo distribuído em sua direção, percebeu então que os olhinhos apertados de Taehyung poderiam ser ainda mais bonitos do que ela poderia se recordar.
— Bom dia, Evinha. Você parecia tão cansada e dormia tão bem que não quis acordá-la. — Radiante, ele anunciou, estendendo a panela com refogado de carne e apontando para a mesa posta. — Eu não sabia se você preferiria almoçar ou tomar café, quando acordasse, por isso fiz os dois.
De uma extremidade, Eve reparou um monte de guloseimas como panquecas, cereais, iogurte, frutas, ovos fritos e tudo mais. Do outro lado tinha arroz cozido, ervilhas verdes, omelete com verduras e Taehyung havia acabado de pôr a panela de refogado no cantinho vazio bem pertinho da seção de almoço que cozinhou.
Eve expandiu os olhos, era como um verdadeiro banquete. Por um momento, ela coçou bem os olhos só pra conferir se não estava sonhando, somente depois de reparar que Taehyung continuava prostrado à frente, com o sorriso largo imóvel, que supôs não ser um sonho ou alucinação.
— Hum, seu estômago ainda dói, Evinha? Se quiser, posso preparar uma sopa pra você. — preocupado, ele sugeriu, mordendo os lábios. — Acho que não deveria ter preparado isso tudo, antes de saber se você está se sentindo melhor.
Taehyung fechou os olhos e fez uma pequena careta, como se estivesse decepcionado consigo mesmo. Eve, que nunca na vida havia sido recebida com tanta comida preparada especialmente para a sua pessoa — porque ela sempre foi do tipo de servir, sem ser servida —, entrou em pânico por pequenos segundos. Uma parte dela se sentia comovida pela infinita cordialidade do rapaz à frente, a outra ferveu de vergonha ao se lembrar do momento constrangedor que compartilharam no dia anterior.
— Não! — um grito grave e meio grogue soou de sua garganta ainda embriagada de sono. — Meu estômago está bem melhor — garantiu — graças a você.
Taehyung deu um sorriso que parecia duas vezes mais largo que o primeiro, completamente realizado, principalmente depois de ver as duas bochechas do rosto bonito de Eve tomando uma coloração mais rosada que o comum.
— É uma fofuchinha mesmo — pensou alto, Eve franziu o cenho.
— O que disse?
— Nada, ér... quer dizer, não vai se sentar à mesa?
Aproximou-se, ainda que um pouco temerosa, com os dedos apertados no tecido do short que vestia e, assim que alcançou a cadeira, observou Taehyung cordialmente afastá-la para que se sentasse. Ele era um rapaz cheio de surpresas, parecia ter sido descongelado de um daqueles filmes românticos de mil e antigamente. Além disso, era completamente prestativo e — pelo jeito que aquelas comidas cheiravam tão bem — parecia um excelente cozinheiro.
Será que existe alguma coisa que Kim Taehyung não sabia fazer?
Enquanto Eve silenciosamente analisava os dotes de Taehyung, ele repentinamente levantou uma mão e a levou até a cabeça dela, mais exatamente na parte dos cabelos. Usou o dedo polegar e indicador para sutilmente ajeitar uma mecha de cabelo eriçada demais para cima, numa lentidão que aos olhos de Eve pareceu calculadamente envolvente.
— Isso estava me incomodando há um tempinho — desabafou, esticando os lábios e encolhendo os olhos de maneira meiga.
— Meu cabelo! — bramiu assim que lembrou de não tê-lo sequer penteado, depois de acordar. — Deve ser como um desastre!
O semblante de Eve era tão notoriamente envergonhado que ela provavelmente teria dado um jeito de escapulir correndo até o banheiro em poucos minutos, mas Taehyung fez questão de tranquilizá-la quando tocou em um lado de seus ombros e, num gesto, a convidou para se acomodar ao assento.
— Você está adorável, Eve — ele ressaltou, um pouco antes de se sentar à frente dela e debruçar os cotovelos acima da mesa de madeira. — Seus cabelos bagunçadinhos, eu gosto de ver eles assim.
Eve tossiu, tossiu tanto que precisou beber um copo de leite para disfarçar seu nervosismo. Depois, — porque não sabia como interpretar aquelas palavras que havia acabado de escutar — encheu a boca com as panquecas, para fugir do assunto.
Taehyung encostou a ponta do queixo no dorso de uma das mãos que estava apoiada na mesa, para observar Eve mais calmamente. Seus dois olhos brilhavam ao vê-la saborear de sua comida com gosto, pois sempre gostou de agradar as pessoas, especialmente pelo estômago.
Eve escolheu comer um pouquinho de cada prato preparado, pois se sentiria mal se fizesse desfeita. Cheio de orgulho, Taehyung achava que poderia voar só por vê-la encher a barriga. Mais que gratificante.
— Não vai comer? — Taehyung só saiu de sua pequena hipnose depois de ouvir a pergunta de Eve.
— Já estou satisfeito — ele respondeu, mas seus olhos ficaram concentrados na direção dos lábios de Eve, bem no cantinho, por causa de um resquício de comida grudado em sua pele. — Ervilhinha.
Quando esticou o polegar até o canto dos lábios de Eve, de um jeito tão natural que quase nem percebeu o que fazia, para tirar o pequeno pedaço de grão de ervilha ali preso, Taehyung acabou descobrindo um novo apelido para chamá-la.
Eve sentiu algo parecido com um choque elétrico percorrendo desde os seus ossos da espinha até a pontinha dos pés, assim que Taehyung lambeu o dedo que havia acabado de encostar em seus lábios. Ela, que estava super acostumada com as investidas escancaradas e cheias de duplo sentido de seu noivo, nunca havia imaginado que seu corpo reagiria de uma forma tão exagerada a um simples movimento inocente.
Taehyung se arrependeu imediatamente por ter feito aquilo de um jeito tão inconsciente — nem sabia explicar o motivo que o fez tomar uma atitude tão despreocupada. Não queria passar a impressão errada sobre seu excesso de atenciosidade, também porque não era o tipo de coisa que ele andava fazendo por aí.
Será que ainda dá tempo para pedir desculpas? Ele se perguntava, mordendo os lábios e espremendo os olhos.
— Seus pais... Seus pais ligaram mais cedo. — Optou por mudar de assunto, ainda arrependido. Eve levantou o olhar, mas não pronunciou qualquer palavra, parecia constrangida e pensativa ao mesmo tempo. — Disseram que provavelmente só voltarão hoje à noite, aconteceu alguns imprevistos no meio do caminho e...
Eve quase cuspiu o arroz que tinha na boca. Pois sabia que isso significava que teria que passar ainda mais tempo a sós com Kim Taehyung. Um dia inteiro. Mas, pelo jeito que suas batidas retumbavam fortes e a pulsação parecia totalmente desregulada, Eve não sabia mais se poderia manter a sanidade e autocontrole ao lado do belo rapaz.
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Era uma noite de temperatura amena, a atmosfera do restaurante transpassava um cheiro gostoso e perfumado, adornado pelas luzes externas de tonalidade amarela puxada para o laranja. Muito agradável. Embora as boas condições do ambiente sejam de alta classe, dentro do terno de gala, Jimin suava feito um pinguim na praia de Ipanema.
Que droga de roupa abafada, onde eu estava com a cabeça quando a vesti?
— Cara, você tá bem? — Hoseok perguntou, preocupado, analisando o rosto muito mais pálido que o normal de seu amigo.
Jimin bebericou o conteúdo da taça transparente. Era água. Mas seus nervos pareciam à flor da pele, como se pudessem explodir tipo uma bomba cronometrada. Ansioso e inquieto, observou o relógio de pulso, estava no horário. Ele sentiu o medo perturbando todos os seus sentidos excessivamente aguçados, as inseguranças voltaram.
E se ela não quisesse vê-lo? Pior, do jeito que Jimin estava perdido, ela poderia até confundi-lo com um stalker maluco. Ele sentiu as têmporas ardendo com a circulação aumentando além da conta, uma dor de cabeça infernal.
Definitivamente, Jimin, numa altura daquelas, já estava completamente arrependido da maldita ideia de ter um encontro com Yuna e Ryujin.
No calor do momento, quando Jimin mencionou por telefone o seu interesse por Ryujin, Yuna imediatamente sugeriu um encontro de duplas, cheia de interesses, com a única condição que Jimin arranjasse um amigo bonitão para ficar com ela também. Tudo pareceu ainda mais perfeito quando Hoseok concordou em ser apresentado a uma nova garota. A princípio, Jimin achou que tudo seria perfeito.
Entretanto, as meninas nem haviam chegado ainda e o loiro, suando como um cuscuz no fogão, já havia repensado e mudado completamente de ideia. Tarde demais. No meio do restaurante chiquérrimo que selecionou a fio, Jimin transpirava e tremia, cheio de pensamentos ruins.
Acima de tudo, tinha medo de parecer intrusivo. Do seu interesse ser confundido com obsessão. Além disso, a possibilidade de o encontro sair bem e de ficar mais próximo de Ryujin, de certa forma, também o assustava. Não havia sequer uma possibilidade boa rondando por sua cabeça paranoica naquele momento.
E se Jimin e Ryujin realmente ficassem muito próximos? Será que ele estava disposto a enfrentar isso tudo mais uma vez?
Pareço um infeliz de um masoquista. Por que inventei de me meter nessa história, se conheço bem como ela termina?
Hoseok falou alguma coisa ao fundo, que Jimin não foi capaz de entender, mergulhado em pensamentos e recordações desagradáveis. O loiro só percebeu a chegada de Yuna quando ela já estava na borda da mesa. Jung Hoseok levantou quase que imediatamente para cumprimentá-la, Jimin, por outro lado, ficou ainda mais nervoso.
— Ryujin acabou se atrasando um pouco e então eu vim na frente... — Yuna chegou tagarela e sorridente, mas sua boa postura mudou assim que reconheceu quem a aguardava na mesa. — É esse o amigo que queria me apresentar? O Jung Hoseok? — cruzando os braços e fazendo uma careta de desgosto, Yuna reclamou incrédula e desgostosa.
— Não acredito que a garota de quem me falou era ela, Park Jimin! — do mesmo modo, Hoseok não pareceu nem um pingo contente com a descoberta de quem seria a sua acompanhante da noite.
Os dois tinham a cara enfezada. Por outro lado, alheio às más vontades, Jimin achou que aquela seria a oportunidade perfeita para desaparecer antes de acontecer uma verdadeira tragédia.
— Ele tá bem? — Yuna perguntou assim que Jimin descolou a bunda da cadeia, muito indiferente ao que se sucedia em sua volta.
Com os olhos nervosos, Jimin mal deu satisfações aos dois quando velozmente checou o relógio pela última vez e falou:
— Eu sinto muito, Yuna, isso não vai rolar. Diz pra Ryujin que peço desculpas por hoje, vou deixar meu cartão de crédito com vocês, peçam o que quiserem, e divirtam-se. — Jimin foi breve e não esperou por respostas quando saiu andando restaurante à fora, com a extensão do corpo toda rígida. Yuna e Hoseok, que antes pareciam desgostar da presença um do outro, se juntaram à mesa para discutir qual seria o provável problema de Jimin, pois nenhum dos dois foi capaz de entender seu comportamento estranho.
Isso, foge de novo como o covarde que é! Jimin se torturava em pensamentos, tinha a respiração desregulada, mas aquele terno justo não facilitava a sua vida também. Por isso, enquanto andava até o estacionamento, Jimin desatou a gravata cor de azul índigo e desabotoou os três primeiros botões de sua camisa social clara.
Passando a mão pelos cabelos, ele tentava se convencer de que estava tomando a decisão certa, até porque mal conhecia Ryujin, embora desconfiasse que ela poderia ser mais reconhecível do que parecia. De toda forma, a garota nunca entenderia os motivos de Jimin para se aproximar dela, por mais bem-intencionados que fossem — então, seja lá o que Jimin estivesse pensando que poderia fazer depois que se acercasse de Ryujin, tinha altíssimas chances de fracassar.
Só tirou o paletó quando já estava fora do estabelecimento. Depois de sair, Jimin riu de si mesmo, do papelão que estava disposto a fazer naquela noite se tivesse levado aquela ideia de encontro adiante. Riu das roupas exageradamente caras que vestia, riu também da fachada luxuosa de um dos restaurantes mais renomados da cidade de Seul.
Estava querendo provar o quê? O quão podre de rico era? O quão mimado poderia ser? — Não era a intenção de Jimin se comportar de tal maneira, mas, só de pensar nas situações dolorosas que viveu, todas as lembranças frescas e traumáticas, ao mesmo tempo em que sentia a extrema necessidade de intervir para impedir o pior, ele também criava milhões de artimanhas para se preservar. Porque Jimin nunca soube como lidar com aquele sentimento. Vazio, imponente, covarde, era assim que ele se sentia desde que ignorou todos os sinais de alerta. Tudo parecia se repetir. — Não fez por mal, mesmo que acabasse executando tudo de um jeito avesso, mas Jimin sabia que Ryujin não seria capaz de compreender nada daquilo, pelo contrário, ela facilmente poderia odiá-lo.
Jimin se detestou por ter feito tudo errado, desde o início. Detestou-se porque não sabia como se aproximar de Ryujin sem parecer muito estranho ou duvidoso. Por todos os motivos, decidiu desistir daquela história quando ainda mantinha um pouco de sua dignidade e condições mentais, antes também que Ryujin tivesse a chance de rejeitá-lo de maneira ainda mais sofrida.
Tudo parecia melhor assim, ele finalmente se convenceu e esvaziou todo o pulmão de ar, para depois respirar bem fundo. No estacionamento ao ar livre, Jimin estava tão afoito que esqueceu de pedir as chaves de seu carro ao manobrista.
Soprou forte, em seguida apoiou o terno e a gravata na superfície lustrada e traseira do carro. Enfiou as mãos no bolso e caminhou lentamente até a entrada do restaurante mais uma vez, tentando exalar todo o sentimento ruim que o atormentava e substituí-lo por bons pensamentos.
Jimin estava disposto a nunca mais procurar saber de Ryujin.
Entretanto, enquanto caminhava, uma confusão que se intensificava na rua roubou a atenção do rapaz. De longe, um homem gritava feito louco, xingamentos eram as únicas palavras inteligíveis das quais proferia. Porém, outra voz, menos alta que a primeira, poderia ser captada por ouvidos mais atentos, dando indícios de uma briga corporal.
Jimin não conteve sua curiosidade e desviou o caminho até a rua perto do restaurante no qual estava. Quando começou a se aproximar, foi capaz de identificar melhor a segunda voz da discussão. Era aguda, semelhante à de uma mulher.
Assim que enfiou a cabeça para fora, observando a avenida, notou que a discussão acontecia no passeio do lado direito. As pessoas da rua pareciam indiferentes à gritaria e quase ninguém se incomodou a tentar dissuadir a briga. Todavia, dentre tantas pessoas no mundo, Jimin ficou boquiaberto ao constatar quem de fato era a portadora da segunda voz metida no trágico espetáculo.
Ryujin puxava a bolsa de alça longa dos dedos de um estranho gordinho. Ele tinha braços fortes e passou a atazaná-la desde que a reconheceu ao sair do táxi. De início, ela pensou que ignorá-lo resolveria o problema, mas, quando os xingamentos ultrapassaram a barreira para empurrões e contato físico, Ryujin percebeu que não se livraria dele tão facilmente.
— Cadê o dinheiro que seu pai me deve, vadia? — Se a bolsa de Ryujin não estivesse pendurada na lateral de seu pescoço, certamente o estranho já poderia tê-la levado com seus braços rechonchudos e insistentes. — Você é idêntica a ele, uma vaca, foi por isso que ele a abandonou.
A última gota d'água. Ryujin viu a sua mão voar impulsivamente contra o rosto de seu agressor por pura falta de paciência, ela bateu com tanta força que, instantes depois, sentiu a palma formigar e logo ficar de uma coloração próxima à cor de uma rosa vermelha.
O indivíduo até virou o rosto com choque, sua bochecha ficou automaticamente mais vermelha no local atingido e os dedos de Ryujin ficaram impressos e bem delineados em seu rosto. Sua expressão foi tomada pelo ódio em questão de segundos — se é que antes possuía algum controle, agora, parecia completamente possesso de raiva.
Como se nada estivesse acontecendo, ninguém que presenciou aquela cena no meio da rua se propôs a socorrê-la. O homem que não soltou a bolsa de Ryujin, puxou o objeto com tanta força que a garota se desequilibrou e caiu de bunda no chão, ele estava prestes a ministrar uma série de chutes violentos em seu corpo encolhido quando foi atingido.
Um soco bem dado se chocou com o único lado do rosto no qual ainda não havia sido agredido, foi um golpe tão forte que o homem gordinho foi parar no chão em questão de segundos. Ryujin, que estava de olhos fechados, só percebeu que seu defensor em boa hora fora Park Jimin quando o indivíduo já havia sido devidamente escorraçado e estava correndo para bem longe.
Mesmo ofegante e alterado, quando lhe estendeu a mão, Jimin percebeu de cara, ao fitar os olhos escuros e aveludados de Ryujin, todo o medo e o monte de sentimentos obscuros que eles carregavam por trás. Ela mal tinha condições de agradecer, estava com toda a estrutura abalada e alguns arranhões pelo corpo quando aceitou a ajuda dele para se levantar. Vulnerável. Foi da pior forma que Park Jimin descobriu que a sua decisão preventiva de não interferir mais nos problemas de Ryujin teria que ser, imediatamente, prorrogada por tempo indeterminado.
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Uma brisa refrescante inundava a entrada da casa de praia. Eve estava esfregando as mãos umas nas outras, enquanto se encolhia no banco de madeira que ficava localizado bem abaixo de uma das janelas e próximo à churrasqueira, num lugar externo e enfeitado com tijolinhos vermelhos — parecido com uma varanda.
Ela olhava ansiosa para a entrada forrada de gramíneas e, especialmente, para as portas de baixa estatura que davam acesso à casa. Taehyung havia saído há algumas horas com o pretexto de que precisava de mais ingredientes para fazer um jantar especial para receber os pais de Eve quando retornassem. Porém, ela descobriu que Taehyung estava armando alguma coisa muito suspeita quando, por acaso, encontrou um pernil assado escondido no forno.
Sozinha e cheia de curiosidade, resolveu esperar na entrada da casa pelo retorno de Taehyung, enquanto se perguntava quando foi que o rapaz encontrou tempo suficiente para preparar o jantar sem que ela desconfiasse.
Foi quando eu estava dormindo pela manhã? Supôs, em pensamentos.
A noite já havia tomado parte do dia há algumas horas, mas Eve não precisou passar muitos minutos de frio, antes que Taehyung surgisse de volta com a aparência de criança sapeca. Nas mãos, ele tinha um embrulho ensacado.
Eve se levantou de onde estava sentada, abraçando os próprios braços e tremendo o corpo de frio. Taehyung comprimiu os lábios quando notou os pelinhos eriçados ao longo da clavícula e da extremidade do pescoço da garota, então um olhar diferente surgiu dos seus olhos castanhos.
— Por que ficou aqui fora? Eve, você tá gelada...
— O que tem aí? — ela não deixou de perguntar, repleta de curiosidade, ficando nas pontas dos pés e se esticando para bisbilhotar o embrulho misterioso que Taehyung levava nas mãos.
— É, simplesmente, o jeito ideal de passar este frio! — orgulhoso, conclamou com voz satisfeita. — Vamos assar marshmallows na fogueira.
Quando Eve, sem entender como Taehyung teve aquela ideia maluca, encolheu o nariz e contraiu os lábios, ele apontou com os dedos compridos e certeiros para um pouco além do terreno da casa. Eve ficou ainda mais assustada com a proficiência de Taehyung quando andou e descobriu que ele havia montado uma fogueira na beirada da praia, em frente à casa de seus pais.
— Foi por isso que você mentiu? — Com um sorriso estampado no rosto, perguntou. Eve não conseguia mais negar que estava cedendo aos infindáveis encantos de Kim Taehyung. Afinal, ele parecia como uma caixinha de surpresas agradáveis.
— Foi uma mentirinha bem-intencionada — Taehyung se defendeu, estendendo os braços para ajudar Eve a se acomodar no tronco caído que ele improvisou como banquinho.
Assaram juntos alguns marshmallows e Eve pensou, por momentos, que estava num filme clichê. Taehyung fazia questão de não a deixar fazer nenhum esforço, nem sequer chegar perto demais da fogueira para que não se queimasse. Eve brigava e dizia que ele não precisava ser tão antiquado, só que, bem lá no fundo, ela estava amando cada detalhe daquele final de semana. Não estava acostumada a ser mimada como uma verdadeira rainha, mas, sem muitos esforços, poderia tentar se acostumar com tudo isso.
As redondezas estavam vazias e só as chamas da fogueira eram capazes de iluminar o ambiente, o que permitiu com que os brilhos das estrelas fossem cinco vezes mais notáveis na ocasião, aquela imagem trazia boas lembranças e aquecia o coração de Eve. Olhando ao redor, a visão da casa de família na beira da praia resgatou imagens felizes e tranquilas, de quando a vida era bem mais simples e menos desgastante. De quando Eve ainda poderia se permitir flutuar e sonhar alto, sem ter os pés fincados no chão áspero da realidade adulta.
— Sabia que, quando menor, eu gostava de vir aqui, na beirada da praia, só para cantar aquela musiquinha que diz sobre estrelas para os meus pais? — ela comentou quando suas lembranças pareceram importantes demais para se manterem resguardadas.
— Musiquinha sobre estrelas? — Taehyung tinha o rosto sujo de marshmallow quando fez uma cara propositalmente desentendida e perguntou, arregalando a boca e os olhos.
— É. Aquela: "Brilha, brilha estrelinha". — Eve citou, mas Taehyung continuou negando e dizendo que nunca tinha ouvido alguma música com esse nome.
— Canta pra mim, ervilhinha — Mesmo que Eve desconfiasse que Taehyung estivesse mentindo especialmente para fazê-la cantar, alguma coisa indescritível e irritantemente incontrolável amoleceu seus protestos quando ouviu aquele novo apelido. O suficiente para fazê-la ceder.
— Eu não acredito que você vai mesmo me fazer cantar.
Embora a relutância inicial, pela primeira vez em muito tempo, Eve soltou a voz e cantou. Primeiro de um jeito tímido e acanhado, depois foi intensificando a gravidade da voz quando a insegurança se esvaiu e deu espaço para um sentimento quentinho e gostoso que há muito havia sido esquecido. Cantou com os olhos fechados porque tinha medo de desafinar ao olhar para Taehyung. Todavia, quando ele começou a cantar junto, ela foi obrigada a observá-lo também.
— Você canta muito bem, Eve. De verdade, se eu não te conhecesse, podia jurar que era cantora. Você nunca pensou em ser? — Taehyung foi o primeiro a falar, assim que a cantoria acabou, no rosto possuía a expressão impressionada e terna.
— Eu pensava em ser cantora, mas era um sonho de criança, e nada mais... — Desviou o olhar com nervosismo e observou o chão, encolhendo os braços ao longo do corpo. Eve não gostava de alimentar sonhos impossíveis, como ser cantora, porque começava a se sentir pequena, como se voltasse a ser criança.
— Você pode ser tudo o que quiser — sem desgrudar os olhos dela, Taehyung falou. Embora ela sempre houvesse achado uma frase como aquela parte de uma coleção de citações clichês, por algum motivo, quando voltou a encarar os dois olhos firmes e serenos de Kim Taehyung, alguma faísca de esperança juvenil tomou resquício no seu peito.
— Não finja que você não mentiu só pra me fazer cantar — Eve mudou de assunto quando ficou sem estoque de respostas, porque simplesmente se negava a verbalizar que talvez, apenas hipoteticamente, uma pequena e não tão esquecida parte de seu ser ainda não houvesse desistido daquele sonho de criança. Ela suspirou, dobrando as pernas. Taehyung entendia um pouco do que se passava no interior da garota, sobre ter trilhado uma vida diferente do que algum dia sonhou, e por isso decidiu no silêncio que não estenderia aquele assunto.
A fogueira estava cada vez mais fraca com o transcorrer do tempo e a temperatura do ambiente estava ficando cada vez mais fria. Lado a lado, Taehyung notou que Eve estava encolhendo os ombros e entrelaçando as pernas por causa da brisa gelada que dançava entre eles, então, sem aviso, somente a abraçou. De primeira, Eve tentou se esquivar, mas depois deixou ser rodeada pelos braços compridos dele. Colocando a cabeça sutilmente em seu peito, ela podia escutar seus batimentos. Taehyung acomodou o queixo acima da cabeça de Eve.
— Ou era isso, ou teria que te dar meu moletom — Taehyung não deixou de se justificar em voz baixa, ainda que Eve tivesse consentido o abraço. — Você quer meu moletom? É só o que tenho no corpo, além da calça.
— Não! — imaginando como Taehyung ficaria ainda mais perigosamente atraente com o peitoral descoberto e abanando a cabeça para afastar os pensamentos indiscretos, Eve negou com o rosto todo corado. — Digo, assim está bom — reafirmou, circulando a cintura de Taehyung para retribuir o abraço quentinho.
Uma proximidade arriscada.
Mesmo que conhecessem bem quais seriam as consequências, por algum motivo, nenhum dos dois pareceu interessado em se distanciar.
— Obrigada — ela agradeceu. — Pelo final de semana incrível.
Quando falou, Eve levantou o rosto na direção de Taehyung para observá-lo. Por um instante, ele permaneceu em silêncio enquanto não tinha palavras para definir seus sentimentos. Entretanto, ao abaixar o queixo e conseguir se conectar ao olhar de Eve concentrado em sua direção, Taehyung percebeu que aquele não parecia ser um sentimento simples.
Não era como se ele não tivesse feito aquele jogo de sedução outras dezenas de vezes — também tinha pouco a ver com a mísera aposta que houvera feito com seu amigo Jimin. A sensação que fez a pulsação de Taehyung acelerar loucamente, impulsionando seus dedos a apertarem o contato que fazia na cintura de Eve, só para que desse modo a trouxesse mais para perto, era inovadora demais para que ele pudesse distinguir.
Taehyung achava que conhecia todos os tipos de sentimentos do mundo — principalmente os mais dolorosos e solitários —, só que aquele era tão peculiarmente adverso que sua mente embaçou, perdendo a capacidade de separar suas vontades dos seus objetivos, o que ocasionou numa respiração densa e acelerada em seu corpo pulsante.
Eve, por outro lado, sentiu a pele inteira formigar quando as pontinhas dos dedos dele passaram a fazer mais contato com a região de sua barriga e não relutou em juntar ainda mais o seu corpo ao dele. Ainda com a cabeça pressionada na região do seu peitoral, ela foi capaz de ouvir os golpes de bombeamento de sangue tomando ainda mais frequência no corpo dele. Taehyung estava ficando mais quente com o tempo.
Conhecida durante a vida toda por ser uma das pessoas mais controladas do mundo, Eve se viu perdendo o controle. Quando o errado não mais parecia tão errado assim; o certo, também, já não mais parecia certo. Talvez pudesse culpar aquela pequena e bendita chama que se acendeu naquela noite, ao se lembrar de como a vida era melhor quando ainda não estava atolada de trabalho e problemas na empresa para resolver, antes de estar se cansando constantemente. Eve poderia culpar a quem quisesse, até a Daewon, por nunca fazer questão de conhecer os seus pais formalmente ou comparecer nos encontros de família. Independentemente de quem fosse o dono da culpa, por pequenos instantes, ela desejou traçar um rumo diferente do que estava seguindo.
Ouvir a respiração irregular de Taehyung foi insuportável, porque a fez perceber de uma vez por todas que ele parecia desejar igualmente a ela. Em todo o tempo, Eve estava se contendo a cada investida. Todavia, quando Taehyung apertou os próprios olhos com força, como se controlasse seus impulsos, ela percebeu que não poderia deixar aquela oportunidade passar. Porque era além de uma simples aposta, a partir do momento em que eles compartilharam uma conexão recíproca demais para ser ignorada.
Pouco tempo durou até que Taehyung confessasse os seus desejos, com a entonação grave e sofrida, por estar resistindo àquilo tanto quanto ela. Mas Eve não pôde compreendê-lo logo, pois antes que desse por si, ele finalmente havia unido seus lábios num beijo cheio de desejos suprimidos.
Eve percebeu sua consciência moral perdendo o senso de direção quando levou as duas mãos até cada um dos lados do rosto de Taehyung. Com as duas palmas descansadas sobre as orelhas dele, ela deixou seus dedos entrelaçando e roçando o couro cabeludo liso e negro. Taehyung aprofundou o beijo, o que a incentivou a enlaçar as pernas em torno de seu corpo esbelto. Eve deixou escapar um leve suspiro de prazer.
Como uma bola de neve, nenhum dos dois percebeu que suas apostas ambiciosas haviam tomado uma proporção além do domínio, até quando o preço da diligência se manifestou alto demais a ser pago. Eve só conseguiu retornar à racionalidade e se separar da textura sedutora dos lábios mornos e macios de Kim Taehyung, quando já estava praticamente montada nele, no pior momento do mundo: assim que ouviu uma buzina aguda e trêmula que ecoava ao lado à casa dos pais.
Alguém havia chegado.
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