Capítulo 11°
— Claro que ele não pode dormir no meu quarto, mãe! — Eve sussurrou e bateu os pés com força no piso de madeira listrada, no meio do corredor que separava os dois únicos quartos que existiam na casa de veraneio de seus pais.
— Fofuchinha, não seja tão egoísta... — Gayoon manteve o tom baixo na voz enquanto repreendia a filha. — Não é como se vocês fossem dividir a mesma cama, Taehyung vai ficar no colchonete de ar.
— Por que ele não pode ficar na sala? — retrucou e cruzou os braços abaixo do busto, contraindo a feição e parecendo ainda mais desgostosa do que antes, enquanto agitava a sola dos pés descalços contra o chão morno.
— Você sabe que não tem espaço para encher o colchonete e colocá-lo na sala...
— Então ele que fique com o sofá! — A voz de Eve soou alterada e mais alta do que deveria, o que fez a garota levar as mãos até a própria boca assim que percebeu que Taehyung poderia estar ouvindo tudo.
Gayoon soprou e rodopiou os olhos, depois deixou os ombros caírem quando percebeu que não poderia vencer a filha naquela guerra de argumentos, uma vez que Eve parecia irredutível demais para ceder.
— Coitadinho, vai passar uma noite de aperto e desconforto! — Gayoon lamentou em tom amargo. — Pelo menos pegue alguns edredons para forrar aquele sofá minúsculo, viu?
Em seguida, a mãe de Eve entrou no quarto e fechou a porta, abstendo-se de qualquer responsabilidade e deixando a sua filha plantada no meio do corredor como um coqueiro murcho. Eve suspirou com força quando compreendeu que Gayoon havia passado para ela a terrível tarefa de arranjar um lugar para que Taehyung passasse a noite em uma casa tão pequena e humilde.
Recordou-se de como o apartamento de Taehyung era mais requintado e espaçoso do que a casa no litoral de sua família e logo imaginou que ele estava acostumado a dormir em uma bela cama espaçosa e confortável. Então, dormir no sofá certamente traria algumas dores ao rapaz, mas naquele instante Eve não quis saber, afinal, a culpa foi dele por ter aceitado o convite para passar o fim de semana inteirinho na praia.
— Ele que lute! — Eve mergulhou em seu quarto e procurou edredons, cobertores e travesseiros enquanto tentava se convencer que dois dias não eram grandes coisas. Torcia para que o fim de semana passasse tão rápido quanto um avião em modo turbo, sem saber o que esperar de uma situação inusitada como aquela.
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O final do expediente ficou com gosto de coma alcoólico assim que Ryujin descobriu quem era a pessoa que a aguardava na saída do prédio da empresa na qual trabalhava.
Ela torceu os dedos uns nos outros com força o suficiente para deslocar as juntas dos ossos, mas Ryujin não enxergava outra maneira de conter tamanha raiva interna, principalmente quando pousou a visão no homem de cabelos grisalhos e roupas esportivas, que a encarava com um sorrisinho desavergonhado no rosto.
— Eu pensei que tivesse deixado claro que não quero você aqui. — Esticou os braços na direção vertical, como se fossem duas varas de bambu, e endureceu todos os músculos. A fala de Ryujin saiu apertada pelos dentes pressionados uns nos outros.
— Querida, não seja tão dura, eu estava com saudades! — O homem de bermuda tactel azul e blusa com estampa florida se justificou com voz de mansidão e conforto, ele encolhia as pálpebras e abria mais os olhos enrugados para enxergar a menina enfurecida com mais clareza.
— Pra você eu não sou querida, e pra mim você não significa nada. — Ryujin respondeu batendo o salto de agulha do sapato preto reluzente que tinha nos pés, repetidas vezes, sem um pingo de paciência. — É tão difícil de entender?
— Eu sou o seu pai! — Mas ele logo rebateu e não parecia disposto a ceder, embora o evidente mau humor de sua filha. — Mereço visitar a minha filhinha no trabalho de vez em quando, não acha?
Ryujin ergueu tanto as sobrancelhas que elas quase invadiram o território de seu couro cabeludo, completamente incrédula, observando, dos pés à cabeça, o homem insistente a sua frente. O pai de Ryujin era um figurão, pois conservara bem a sua pinta descolada e jovial, embora os anos houvessem passado e ele não fosse mais nenhum garanhão.
— Eu sei bem porquê está aqui. — Ryujin revirou os olhos com força e abriu a sua bolsa de couro sintético de cor amendoada, revirando suas coisas dentro do compartimento até encontrar a carteira. — Toma, tá aqui. Não me procure mais, essa é a última vez que te dou dinheiro.
A garota de cabelos azulados saiu pisando fundo e com a respiração alterada pela ira. Ryujin sabia que sua figura paterna nunca passaria de um irresponsável que abandonou a própria família, mas ele fazia questão de voltar a atazanar e mostrar a sua irritante existência quando estava sem dinheiro para torrar na vida fácil e alucinada que fez tanto esforço para sustentar durante a vida.
— Você é uma filha incrível. A melhor! — Ele respondeu com um sorriso contente estampado de lado a lado no rosto, apalpando os papéis amassados que foram lançados em seu peito antes que caíssem no chão. E ele até estava pronto para reclamar da quantia que mal dava para comprar cinco garrafas de bebida, mas Ryujin se afastou tão rapidamente que o homem perdeu a oportunidade.
Por outro lado, Ryujin caminhou tão arrasada para o ponto de ônibus, localizado na lateral do prédio da empresa, que mal conseguia enxergar direito por culpa das vistas embaçadas pelas lágrimas salgadas que ela lutava para conter. Ao chegar, esticou uma das mãos para chamar a atenção de algum táxi que a tirasse daquele momento desconfortável o mais rápido possível.
Por que eu me importo tanto? Ryujin detestava o fato de que sempre ficava muito abalada quando encontrava o pai que não fez nenhuma questão de acompanhar o crescimento de sua única filha, até que ela ficasse adulta e a relação entre os dois se tornasse estritamente bancária. Como se Ryujin estivesse em uma espécie de dívida eterna com o homem que lhe originou a vida, mas não fez nenhum esforço para cultivá-la.
Ser filha de mãe solteira não era uma realidade fácil, ainda mais quando se é pobre numa sociedade tão conservadora e mesquinha. Por isso Ryujin sentiu o peso do abandono paterno desde cedo e, consequentemente, na adolescência adquiriu um sério distúrbio com remédios e bebidas fortes com o único objetivo de esquecer dos problemas e, ao menos, conseguir dormir.
Naquela noite desastrosa e fria, Ryujin pretendia se enfiar no bar mais próximo assim que o primeiro taxista atendesse ao seu chamado, mas foi interrompida quando um rapaz loiro de lábios chamativos roubou a sua atenção no meio da pista.
— Com licença, acha que pode me aju... — Jimin havia ensaiado bem sobre como faria o convite para levar Ryujin, a garota que tanto o fascinou numa noite regada a apostas e bebidas, num encontro que de despretensioso não tinha nem o convite. O rapaz tinha até um roteiro na cabeça que surgiu com as falas e milhões de possibilidades, assim que descobriu o horário que ela costumava deixar o trabalho na Nari Cosmetics porque, assim como o seu amigo Taehyung, ele também se considerava um mestre da conquista. — Espera, você tá bem? — Mas Jimin teve todas as expectativas quebradas quando vislumbrou o rosto choroso e abalado que ela tinha estampado.
Ryujin fungou e limpou as lágrimas que já escorriam por seus olhos, também se esforçou para identificar o estranho rapaz de rosto bonito e ar de milionário, que estava levemente recostado na beirada de seu automóvel luxuoso, mas assim que observou a garota se afastou veículo para se achegar a ela, envolvido por um ar de preocupação e cuidado atípico.
— Se não estiver bem, eu posso ajudá-la e... — Jimin apoiou sutilmente uma das mãos no final das costas da garota que possuía o corpo todo amolecido e envergado, enquanto falava preocupado. — Posso dar uma carona até sua casa, se preferir. Digo, você não é a amiga da Yuna?... Nos conhecemos outro dia e...
— Pra quê? Pra você me levar pra cama como mais uma de suas conquistas? — Não se importou de soar grosseira e despretensiosa, mas quando Ryujin espremeu os olhos mais uma gota salgada de lágrima escorreu ao longo do canto de sua bochecha. Lembrar-se de como conheceu Jimin a fez trazer à memória o sorriso galanteador que ele imprimiu no rosto na noite em que foram apresentados, um daqueles sorrisos sacanas que gritam a desleixo e irresponsabilidade, e Ryujin possuía um faro muito apurado para detectar homens do tipo.
— Não! — Jimin replicou assustado quando a viu se afastar cambaleante de seu toque. — Eu jamais pensei em me aproveitar de seu estado e...
Todavia, antes que ele pudesse se explicar, um táxi estacionou ao lado, respondendo ao chamado de Ryujin, que logo abriu a porta do automóvel amarelo para desaparecer esbaforida e nem se deu ao trabalho de olhar na direção do rapaz bonito e bem-vestido que ela havia abandonado ao lado de sua Range Rover vermelha degradê.
— Homens, por que tão supérfluos? — Ryujin perguntou retoricamente e em voz tão baixa que até soou meio incongruente aos ouvidos alheios, assim que mergulhou a cabeça no estofado plastificado do carro e um pouco antes do taxista dar partida no veículo e fugir de todo o resto como se fosse um pesadelo ou uma piada de muito mal gosto.
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Abraçada aos cobertores e travesseiros, Eve ultrapassou a divisória mais alta, como um degrau, que dividia o corredor entre os quartos e o banheiro da sala-de-estar. Ela se assemelhava a um coala pendurado nos galhos de uma árvore.
Assim que chegou no cômodo, observou Taehyung sentado em um dos sofás preto de couro da sala com o olhar cabisbaixo e conformado, seus joelhos eram erguidos e não encostavam no assento baixo por culpa do grande comprimento dos ossos de suas canelas. De alguma maneira, parecia que ele já sabia de seu tortuoso e solitário destino noturno no sofá escuro e estreito.
Eve parou de andar somente quando observou que o móvel estofado era apenas um pouco maior que o comprimento das pernas do jovem e se compadeceu. Taehyung passaria uma péssima noite em um sofá tão pequeno, sem contar que o couro que o revestia o daria uma sensação horrorosa de calor sufocante.
Uff! Por que ele tem que ser tão alto? Ela pensou e apertou os lábios em um bico.
Taehyung, ainda sentado, esticou os dois braços para frente no intuito de receber os lençóis e travesseiros para começar a acomodá-los no sofá no qual passaria a noite. Entretanto, Eve permaneceu com eles grudados ao corpo, enquanto ficava dividida entre seus pensamentos, sem entregá-los ao rapaz.
De jeito nenhum. É uma péssima ideia levá-lo pro meu quarto!
— Senhori... — Confuso, Taehyung começou a falar quando capturou os olhos dispersos da garota e levantou o corpo o suficiente para encará-la numa altura melhor. — Eve? — Depois ele corrigiu o hábito de chamá-la de "senhorita" com um leve ar de satisfação. Era um alívio saber que já haviam passado dessa fase.
Mas seria uma maldade deixá-lo no sofá...
Eve encarou os dois olhos pidões de Taehyung repleta de compaixão. Embora ele parecesse decidido e disposto a não protestar, suas íris castanhas diziam o oposto ao cintilarem de forma tão melancólica que ela até conseguia ouvir seu clamor.
A não ser que...
— Espera um instante... Eu já volto! — Comunicou e logo desapareceu com agilidade. Taehyung viu Eve partir ainda abraçada aos diversos panos e enchimentos de travesseiro que pareciam maiores e mais volumosos que a própria garota que os levava. Ela saiu balançando o corpo de um jeito cômico e tão apressada que quase se espatifou quando embolou os pés no degrau do corredor.
— É mesmo uma fofuchinha. — Ele resmungou com os lábios levemente esticados num sorriso travesso, concordando com o apelido íntimo entre Eve e seus pais.
Sua partida não se estendeu por muitos minutos, porque Eve logo voltou para a sala em alta velocidade e com a respiração ofegante, mas dessa vez tinha as mãos vazias. Taehyung sorriu largo demais e tentou enfiar as mãos no bolso da calça feita de malha para completar a postura despojada, mas notou tarde demais que o pijama emprestado não possuía bolsos e divisórias.
Ela pareceu um foguete desgovernado quando tomou uma das mãos desajeitadas de Taehyung e entrelaçou na sua, antes de puxá-lo com afoito para que a acompanhasse. Uma atitude que para Eve parecia completamente singela e inocente acabou acarretando dois soluços que escaparam de Taehyung pela surpresa.
— A-aonde está me levando? — Ele gaguejou e elevou as duas sobrancelhas antes de terminar a pergunta. Foi a primeira vez que o galanteador com tamanha experiência se sentiu tão mexido e sem jeito com um contato sutil entre mãos.
— Pro... Meu... — Eve não gaguejou, mas alongou as palavras demasiadamente e ficou tão vermelha quanto cerejas maduras, porque parecia mil vezes mais fácil arrastá-lo de uma vez do que ser obrigada a verbalizar algo que nem ela acreditava estar disposta a fazer. — Quarto.
Mais uma vez Taehyung foi incapaz de conter o sorriso sorrateiro que tomou o seu rosto e, brevemente, fez questão de engolir os outros soluços que desejavam escapulir de sua garganta, mas não foi tão difícil assim. Na verdade, ele ficou tão contente por estar progredindo em seus objetivos e com a aposta que o sentimento de vergonha se esvaiu por completo ao encarar o rosto corado da garota ao lado.
Muito emocionado, Taehyung tomou a dianteira no percurso e caminhou na direção do quarto de Eve, sendo a sua vez de puxá-la pela mão. Porque nenhum cenário seria tão favorável quanto uma noite inteirinha ao lado dela, ainda por cima, no mesmo quarto, para se certificar completamente de tê-la enfeitiçado com todo o seu charme e talento.
Todavia, os devaneios floridos de Taehyung foram completamente arruinados quando os seus olhos encararam o quarto pequeno cor-de-rosa, todo estampado com unicórnios e arco-íris nos quatro cantos das paredes. Posteriormente, o sorriso triunfante foi o segundo a murchar de decepção.
— Isso é uma... — Embora a decoração exagerada, um detalhe específico roubou a atenção de Taehyung especialmente. — Uma muralha de travesseiros?
Ele ergueu uma sobrancelha e torceu um lado dos lábios quando apontou para a série de objetos, roupas, travesseiros e velharias enfileirados uns nos outros, formando uma espécie de muro na altura dos joelhos que separava o quarto em dois compartimentos.
— Este daqui é meu lado e esse é o seu. — Eve desprendeu o toque das mãos dos dele e respondeu com os lábios comprimidos, estabelecendo espaço. Ela entrou na parte mais afastada e sentou na única cama de solteiro que havia no quarto para indicar qual seria o seu território exclusivo. — Não ultrapasse a barreira!
Taehyung fraquejou os ombros quando percebeu que a noite não seria tão divertida quanto esperava. Porém, o que mais o decepcionou foi a falta de confiança da secretária beijoqueira.
— Isso é bobagem, Eve. Você acha que eu obrigaria você a fazer alguma coisa que não quer? — Com um bico chateado nos lábios, ele perguntou. — Não precisa dessa barreira, eu não pretendo invadir o seu espaço.
Taehyung garantiu com o rosto nitidamente ressentido, cruzando os braços e apertando os olhos ao encarar a imagem sem jeito dela.
— Eu só me sinto confortável assim. Se quiser dormir aqui no quarto, é assim que vai ser. — Incasquetável, Eve rebateu sem nem pestanejar. — Ou, se preferir, pode ficar no sofá...
— Não! Tá bom assim. — Taehyung pareceu satisfeito quando respondeu, embora se revirasse com pensamentos descontentes. — Obrigado por me permitir dormir aqui. Só de estar no mesmo cômodo, aposto que terei uma excelente noite de sono!
Enquanto Taehyung fazia milhões de esclarecimentos fajutos para que não aparentasse ingratidão, Eve se desconectou da conversa em questão de milésimos de segundo ao voltar os pensamentos ao seu namorado.
Será que ele já chegou em casa? Já está dormindo? Ele se alimentou direitinho? Eve se encheu de questionamentos preocupados quando percebeu que havia se esquecido de Daewon durante grande parte de seu dia e notou o quão perigosa a sua aposta estava se tornando. Afinal, a partir do momento que resolveu incluir Taehyung em seus planos, a vida havia se tornado mais confusa e imprevisível o suficiente para fazer Eve se desconectar da pessoa a qual ela considerava como a mais importante para o seu futuro feliz.
— Hey... — Taehyung esticou o corpo e abanou as mãos grandes bem na direção das vistas de Eve, mas fez questão de não ultrapassar a barreira embora o sufoco excessivo para chamar a sua atenção sem se aproximar muito.
— Hum? — Eve piscou duas vezes quando voltou para a realidade e focou os olhos no causador de seus maiores problemas.
— Como é que monta isso? — Coçando o topo da cabeça, Taehyung indagou enquanto observava o colchonete de ar murcho e estirado no chão do quarto. Como resposta, Eve suspirou e ultrapassou a barreira do quarto, sem cerimônia, para ajudá-lo a encher e ajustar o seu cantinho para dormir.
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— Sim, baby, eu estou bem e me alimentei direitinho. — Pouco depois dos primeiros raios de sol de sábado aparecerem no horizonte, Daewon conversava no telefone com uma Eve extremamente preocupada do outro lado da linha.
— Tem certeza? — Sem acreditar, Eve replicava ainda mais consternada. — Você não pulou nenhuma refeição, né?
— Nenhuma.
— É que... É que meus pais chegaram ontem de viagem e eu só volto pra casa na segunda. Você vai ficar bem? — Ainda temerosa, Eve dizia.
— Não se preocupe comigo, baby. Manda um beijo pros seus pais e diz que nos conhecemos numa próxima, quando...
— Sim, eu sei. Quando você resolver seus problemas com o seu pai e assumir a empresa! — Ela completou a fala do namorado, conhecendo bem o seu discurso.
— Agora preciso desligar, estou numa reunião de trabalho.
Sem esperar por uma resposta do outro lado da linha, Daewon encerrou a chamada de telefone e guardou o celular no bolso, antes de voltar os olhos esticados na direção da mulher de negócios sentada à sua frente.
— Baby?! Então é assim que você atende uma chamada no meio de uma reunião de trabalho, Dae? — Nari tinha os lábios vermelhos afunilados num sorriso sarcástico, uma das sobrancelhas levantadas e os dedos cruzados uns nos outros quando indagou.
— Eu avisei que seria muito mais divertido se fôssemos pro golfe! — Daewon reclamou desgostoso e um tantinho revoltado, fazendo uma careta ao contrair a testa e reduzi-la em diversas dobrinhas, pouco antes de ajustar o terno escuro e bebericar levemente o conteúdo viçoso de sua taça de vinho tinto, revirando levemente os olhos de prazer ao deixar o sabor percorrer seu paladar.
Como resposta, Nari apenas deixou o sorriso duas vezes mais escancarado no rosto, enquanto notava a feição desinteressada que Daewon sempre exprimia quando o assunto era trabalho, papeladas ou contratos. Que o Blikis não gostava de trabalhar, ela já sabia, por isso só precisava continuar usando aquela característica a seu favor, e logo logo alcançaria seus quereres maliciosos.
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Taehyung andou na direção do barco com movimentos engraçados de quem não coube direito nas roupas largas e emprestadas de Paul. O chapéu de ponta fina era a peça mais desajustada, de tão grande, e cobria as sobrancelhas inteiras do rapaz, tanto que ele precisava erguer o queixo para conseguir enxergar.
— Não, não, não. A gente vai ter que entrar nessa coisa?
A coisa da qual Taehyung se referia era o fino barco motorizado, mas sem cobertura que Eve estava depositando os materiais de pescaria, em repouso na beirada das águas litorâneas e salgadas.
— Você achou que fôssemos pescar como?
— Ninguém me falou nada sobre pescar! — Reclamou e automaticamente encolheu os lábios de um jeito revoltado. — A gente só tem que voltar com o peixe do almoço. Não é mais fácil comprar?
— É o menos divertido. — Eve não deu ouvidos ao falatório e por isso continuou o percurso até pisar no barco feito de madeira e começar a desamarrá-lo da bainha que o prendia na beirada do mar.
— Mas é que... — Taehyung permaneceu com olhos esbugalhados e medrosos, sem nenhuma coragem de entrar no barco que balançava calmamente com o movimento das águas. — Eu não sei nadar.
Eve inclinou o olhar na direção do rapaz e percebeu que ele estava verdadeiramente assustado. Era difícil de explicar, mas Taehyung tinha um olhar sincero demais que sempre denunciava seus sentimentos mais profundos e, nesse caso, o medo estava estampado nas íris castanhas e tão perceptíveis quanto a transparência das águas salinas.
— Não precisa ficar com medo. — Eve esticou uma mão na direção dele para demonstrar apoio e olhou para ele com toda a atenção do mundo. — Eu vou ficar do seu lado o tempo todo e vou protegê-lo se precisar.
— O que você me pede com esses dois olhinhos brilhantes e eu não faço chorando, hein? — Taehyung aceitou a mão estendida enquanto ainda reclamava. Todavia, assim que entrou no barco o peso de seu corpo fez o veículo balançar e, por esse motivo, o rapaz contraiu todos os músculos do corpo e se agarrou totalmente em Eve enquanto berrava. — A gente vai morrer!
A garota começou a rir descontroladamente, enquanto Taehyung esperneava, mas eles permaneceram abraçados até que o movimento do barco cessou e Eve notou que estava com a cabeça recostada bem na direção do coração acelerado de Taehyung, sentindo o corpo pulsante contra o seu ouvido. Dava até para escutar a circulação acelerada dele. Como resultado, ela foi a primeira a se distanciar, mas foi ele quem acabou pigarreando de vergonha.
— Você tem mais alguma fraqueza que eu deva saber, Kim Taehyung? — Eve se acomodou no barco, sentando e desembolando as linhas translúcidas da vara de pescar.
— Não saber nadar é minha única fraqueza. — Entretanto, Taehyung já havia recuperado a sua postura erguida e confiante quando respondeu e se sentou de frente para ela. Ele mentiu, porque não queria compartilhar as suas maiores fraquezas, embora um nó tenha se formado bem no início de sua garganta para exigir que ele desembuchasse de uma vez, afinal, Eve parecia atenciosa o suficiente para escutar e compreender seus maiores problemas.
— Isso é o que vamos ver. — Ela não o confrontou, mesmo que não estivesse convencida.
— E você? Posso fazer uma pergunta também? — Embora a vontade louca e estranha de se confessar, Taehyung optou pela possibilidade mais fácil: esquivar-se.
— O que quer saber? — Eve continuou desembaraçando o emaranhado de cordas e prendendo os anzóis nas linhas de pesca, mas levantou o rosto para observar a face interesseira de Taehyung.
— Por acaso... Aquele namorado que sua mãe mencionou ontem, é o Daewon Blikis? Quero dizer, o diretor da empresa Blikis? — Taehyung se fez de desentendido, enquanto perguntou, mas Eve nem notou suas segundas intenções porque sentiu o sangue do corpo gelar no mesmo instante.
— Claro que não! — Praticamente gritou, nervosa, as mãos suavam frio. — É Taewon, não Daewon. Um namoradinho da época da faculdade... Minha mãe deve ter confundido porque estava na Alemanha quando comuniquei o término do namoro. — Se o rosto de Eve não estivesse completamente incriminado pelos olhos grandes e bochechas rosadas, aquela até seria uma boa desculpa.
— Entendi. — Taehyung ouviu a mentira dela sentindo como companhia um belo aperto no peito, que revirou suas entranhas num calafrio devastador. Ele rapidamente se lembrou porque não poderia confiar em mulheres, principalmente quando elas eram tão bonitas e independentes quanto Eve. Ainda que, no fundo, ele acreditasse de algum jeito que Eve era diferente. — Sorte a minha que está solteira.
Ele falou justo no momento em que Eve lhe entregou a vara que havia acabado de preparar com linha, anzol, molinete, isca e tudo mais. Ela, por outro lado, não conseguiu sustentar o olhar por muito tempo, por isso abaixou a cabeça mais uma vez enquanto continuava a preparar a próxima vara de pescar. A consciência de Eve pesava mais de uma tonelada.
— Por que não estou pegando nada? — Taehyung perguntou depois de algum tempo parado com as mãos distendidas e isca na água, cortando o silêncio que havia prevalecido desde a conversa ter se esfriado tanto quanto um picolé no polo norte.
Eve levantou o rosto em sua direção apenas depois de ouvir a sua pergunta.
— É que você jogou do lado errado, olha. — Ela pegou a vara que havia acabado de preparar e lançou na direção da água onde tinha certeza de ver um cardume. — Tem que lançar a isca no meio do movimento das águas pra dar certo, porque os peixes só andam em grupo.
Poucos segundos depois de jogar a linha de pesca, Eve pegou o seu primeiro peixe e Taehyung ficou de boca aberta. Depois ele refez o lance e trocou de isca antes de tentar a sorte mais uma vez, colocando-a na água novamente, seguindo os conselhos de Eve.
— Se cansar os braços você pode apoiar no suporte para a vara, às vezes demora mesmo. — Eve lançou a linha de pesca mais uma vez e esperou pelo próximo peixe. — O segredo da pesca é ter paciência, porque no momento certo o peixe vai até você.
Depois de usar o suporte de vara para descansar os braços, Taehyung virou o olhar na direção de Eve e observou o jeito sutil que a brisa matinal levantava alguns de seus fios de cabelo e também notou a forma curiosa na qual toda a composição deixava aquela imagem bonita semelhante a uma pintura renascentista.
Taehyung sentiu uma alegria estranha que fez seus lábios involuntariamente se destacarem mais nos cantos e ficou feliz pelo progresso contínuo na relação com Eve. Porque ele sabia que, assim como um peixe fisgado, ele a teria no momento certo. Taehyung só não conseguia distinguir se aquele sentimento confiante que o superabundou era uma premonição ou era o seu lado sentimental falando mais alto.
— O mais importante na pescaria é aproveitar a paisagem. — Ela ainda completou, com o olhar preso no horizonte iluminado pelo sol rasteiro da manhã, antes de fechar os olhos e aproveitar o ar puro e revigorante, desconectando-se de tudo e respirando fundo.
Taehyung, por outro lado, tinha os dois olhos atentos e fissurados unicamente na garota com uma vara de pescar nas mãos, boné azul e de bochechas manchadas de protetor solar, quando concordou:
— É deslumbrante.
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