O trágico amor
Manhã: **** a.C.
Em algum lugar na Grécia.
Apolo sentou-se no prado verde. As gotas de orvalho tocavam seus pés ao mesmo tempo em que a luz banhava sua pele angelical. Com a lira em mãos, o deus tocava belíssimas melodias. Todas dedicadas a seu amado, Jacinto.
O belo humano Jacinto deitou-se na grama, apoiando a cabeça no colo do deus de personalidade atrevida. O jovem riu ao ver ao ver seu parceiro brilhando magicamente, o que acontece sempre que a divindade sente emoções em excesso. Jacinto amava tal acontecimento e em seu interior sabia que isso era algo mais: era alegria por tê-lo próximo a si.
"Eu desejo um beijo de teus lábios", disse Apolo, quebrando o silêncio.
"Seu desejo é uma ordem, deus do sol", disse Jacinto com alegria.
Ele realizou o desejo, beijando a criatura alada. Os lábios carnosos do humano envolveram os lábios do deus cintilante. Suas línguas se entrelaçaram e Jacinto pôde sentir o doce sabor da boca de um deus. Era mágico! Era divino! E então, naquele momento, a pele branca de Apolo tornou-se dourada e brilhante. Os raios de luz tocaram a pele bronzeada de Jacinto e ao mesmo tempo a esquentaram.
Acima de ambos, uma nuvem passava, sendo empurrado pelo vento fresco. Esse, tomando forma humana, pousou sobre a nuvem. Ele possuía pele pálida, vestes e cabelos brancos, um rosto encantador e possuía uma marca no formato da letra "o" em sua bochecha, a qual indicava quem ele era: Zéfiro, o vento do oeste.
"Maldito seja Apolo por roubar o meu amado. Maldito seja Jacinto por não me amar como ama o deus do sol", proferiu Zéfiro em voz baixa. Tomado de raiva e ciúmes, ele continuou a observar o casal enquanto retornava a sua forma gasosa.
"Vamos, meu amado, levante-se. Desejo jogar alguma coisa", disse Apolo.
"Que tal jogarmos com o disco de ouro?", disse Jacinto com um grande sorriso no rosto.
Apolo concordou. Eles levantaram-se e se posicionaram. A divindade solar estalou os dedos e, com isso, um disco dourado surgiu, flutuando em sua mão.
"Tu podes ser o primeiro, meu amado", disse Apolo enquanto girava o disco em suas mãos.
Jacinto respondeu com um aceno positivo de cabeça. O deus do sol utilizou magia de modo que o disco flutuasse até o humano. O jovem agarrou o disco e se preparou para jogá-lo. Ele era forte, seus músculos eram levemente definidos devido ao trabalho braçal que realizava na vila, o que permitiu que ele lançasse o disco pesado a grande altitude.
O disco brilhava com a luz do sol e, com apenas um pulo, Apolo pôde agarrá-lo. Devido a seu êxtase, o deus não percebeu onde estava pousando e, para evitar que fosse esmagado, Jacinto teve que se jogar para o lado. O impacto da queda do ser mítico formou uma pequena cratera e fez pequenos fragmentos de terra voarem pelo ar.
Jacinto encarou Apolo. Apolo encarou Jacinto. Eles riram, ignorando as consequências que o descuido divino poderia ter causado. Era nítida a falta de maturidade de ambos.
Tudo era observado pelo deus do vento com o coração apertado e cheio de ódio. As lágrimas rolaram por sua face pálida e ele sentia como se seu coração estivesse sendo triturado pelos dentes de um impiedoso titã. Então, uma terrível ideia passou pela sua cabeça.
"Se tu não podes ser meu, não serás de ninguém", falou Zéfiro cheio de ódio.
Sua pele tornava-se translúcida como o ar. Ele não sentia a paz e a calmaria de suas transformações anteriores, mas podia sentir o ódio e a vontade de destruição de uma violenta tempestade. Agora, na forma de ar, bastava a ele apenas esperar pela ocasião perfeita.
Apolo e Jacinto haviam retornado a suas devidas posições de jogo. Era a vez de Apolo lançar o objeto. Ele jogou o disco que passou a mais de dois metros acima de Jacinto. O humano correu em direção ao objeto dourado. Era o momento que Zéfiro esperava, a ocasião perfeita.
Em sua forma elementar, o deus do vento se enroscou em torno do disco, o que era imperceptível aos olhos de todos. O vento do oeste lançou o disco em direção ao jovem humano, fazendo parecer que o disco havia mudado a trajetória espontaneamente.
O golpe foi certeiro, atingindo a cabeça de Jacinto e perfurando seu frágil crânio. Sua cabeça, seguida de seu corpo, tombaram para trás. As gotículas escarlates de sangue caíam lentamente em direção ao solo. Apolo nada pôde fazer, apenas observar enquanto o corpo de seu amado chegava ao chão.
"Jacinto!", gritou o pobre deus em desespero.
Ele se lançou com força em direção ao humano, assim atingindo uma velocidade descontrolada. A única forma de parar, encontrada pelo deus, foi pressionar suas asas ao solo, causando um grande estrago a elas. Ignorando a dor, ele se levantou, se aproximou de Jacinto e segurou a cabeça do jovem com as duas mãos.
Apolo olhou nos olhos do amado. Estavam abertos, mas não tinham o mesmo brilho de antes e estavam fixos olhando em direção ao nada. O disco estava cravado diagonalmente na parte superior da cabeça de jacinto, coberto de sangue. Naquele momento, o deus teve uma ideia e, então, tocou o peitoral do humano com sua cabeça. Ele conseguiu sentir o bater ritmado do coração de Jacinto, mas não a chama da vida que habitava em seu interior.
"Não. Não. Não. Novamente não!", Apolo gritava em desespero. "Por favor..."
O deus alado tocou a folha de loureiro que sempre carregava consigo em sua cabeça. Deixou que as lágrimas escorressem pelo seu rosto e banhassem o dorso nu de Jacinto. Não havia dúvidas, nem volta. O humano estava morto. O impacto provocou morte instantânea. Não houve tempo para dor alguma.
Nos céus, o assassino observava em sua forma elementar. Com a confirmação da morte, coube a ele apenas ir para longe daquele lugar, daquela situação, de seu crime hediondo.
"Eu o assassinei. Eu assassinei meu amado. Que meu pai, Zeus, me castigue com seus impiedosos raios", Apolo gritou para os céus. "Maldita seja a minha imortalidade! Do que ela basta, se verei todos aqueles que amo morrerem?"
O sangue de Jacinto manchava a grama verde e a deixava com um tom escarlate. Apolo encarava aquele líquido avermelhado e o corpo em seus braços. Então, seus cabelos flutuaram e seus olhos brilharam intensamente.
"Com essas palavras torno nosso amor eterno: Que em meio a vegetação manchada com tua alma germine a mais bela flor, o símbolo do nosso amor. Ela terá teu nome, o nome de meu amado. Floresça jacinto!"
E desta forma aconteceu: Uma flor de cor roxa surgiu do solo. Nela estava gravado o sofrimento da divindade. A planta renasceria eternamente todas as primaveras, sempre carregando a angústia e a dor de Apolo.
"Deste dia em diante, minha lira cantará apenas a tua melodia, meu amado", prosseguiu o deus em voz alta. "Anseio que para onde quer que tua alma foi levada, tu possas me perdoar por tamanho erro."
O corpo de Jacinto tornou-se brilhante, seu cabelo negro converteu-se em branco. O cadáver do humano então se desfez, modificando-se em pequenas esferas de pura luz que se perderam na imensidão do céu.
As lágrimas de Apolo cessaram. Sua face tornou-se sombria e seu olhos, negros como as sombras da noite.
"Eu não sou um deus, nem uma gloriosa divindade e muito menos um anjo. Eu sou apenas um demônio. Uma aberração!"
E este era o destino da pobre divindade: ficar sozinho para toda a eternidade.
Nem tudo na vida ocorre da forma que planejamos. Tragédias acontecem, mas são parte da vida. Nós não temos a imortalidade. Então, não desperdice a sua vida com banalidades, medo, ódio ou rancor. Esses sentimentos só vão consumir você.
Vá até aquela pessoa que gosta e se declare. Perdoe aquela pessoa que te machucou ou perdoe a si mesmo. Apenas ame. Ame como...
Apolo amou Jacinto;
Eros amou Psiquê;
Orpheu amou Eurídice.
E é isso! Eu quis trazer aqui a minha visão do meu conto favorito. Espero que tenham gostado do conto e se gostaram, votem. Isso me motiva bastante.
Dicas, conselhos e críticas aqui.
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