A whole life | Charles Leclerc
MONTE CARLO — MÔNACO
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Charles ajustou o bebê canguru no corpo e beijou o topo da cabeça de Anne-Marie, que agitou os bracinhos e disse algo naquela língua que apenas os bebês entendiam. Ao passo que ela se agitava ali, presa a ele, Adrien dormia serenamente no carrinho, completamente à parte da movimentação ao seu redor.
Os "gêmeos" não apenas eram fisicamente idênticos, como também possuíam comportamentos semelhantes: eles eram agitados, ficavam quietos apenas quando estavam dormindo. Se bem que Anne-Marie se movimentava, rolava de um lado para o outro e mexia as mãozinhas gorduchas sem parar mesmo em sono profundo. Às vezes era até mais difícil contê-la do que conter Adrien, que gostava de observar tudo e todos com seus grandes olhos verdes.
E foi a consciência a respeito da semelhança entre eles que levou Charles a, naquela tarde, optar por passear com Anne-Marie no bebê canguru e Adrien no carrinho clássico — que, inclusive, era o favorito de Eleonor. Eles normalmente saíam juntos no carrinho duplo, mas como o garotinho estava cansado e não queria saber de mais nada que não fosse dormir, era melhor que fossem separados para que não houvesse confusão. Podia ser que a pequena Anne-Marie acabasse acordando o irmão com suas brincadeiras.
Conforme caminhava pela calçada, as pessoas olhavam na direção de Charles com sorrisos estampados em seus rostos. Quando estava com os gêmeos, ele nunca era o foco, mas de forma alguma isso o incomodava — desde que ninguém ficasse encostando demais neles, é claro. Era até engraçado ver os pedestres por quem passavam fazerem caras fofas, acenarem com entusiasmo e arregalarem os olhos como se aquela duplinha fosse a coisa mais fofa que já viram na vida.
O melhor de tudo era ver que a garotinha não recebia mais atenção que o garotinho apenas por ser uma bebê de colo e ele não.
— Vocês são mais famosos que eu, sabiam? — o piloto perguntou assim que uma moça que parara para brincar com Anne-Marie e Adrien se afastou. Charles deu um beijo estalado na bochecha da menina e virou o rosto para o lado a fim de observar o menino, que ainda dormia plácido. — Estou orgulhoso.
Voltando a caminhar, se perguntou se, quando chegassem na loja, Eleanor já estaria livre. Ela era a proprietária, sim, mas isso não a isentava das obrigações que tinha como profissional. E como era verão, Mônaco ficava uma loucura; havia mais pessoas do que o normal circulando pelas calçadas e praças, carros se enfileiravam nas ruas, as lojas, principalmente as de moda — como era o caso da de Eleanor —, ficavam abarrotadas de clientes.
Charles balançou os ombros e colocou de lado os próprios pensamentos. Não se importaria em andar mais devagar para evitar chegar lá antes da hora e, assim, não fazer a garota correr por achar que ele estava detestando esperar, muito embora não tivesse o menor problema com isso. Na verdade, Charles até gostava de ficar ali observando-a cuidar de tudo com extrema paixão e destreza.
Eleanor era a responsável máxima pela boutique desde sua fundação, encarregando-se da elaboração dos croquis — que na mão do restante da equipe eram transformados em elegantes peças de roupas — e também da administração, e sempre tratou de fazer seu trabalho com excelência, mas passou a se empenhar ainda mais quando sua mãe, que também era sua melhor amiga e sócia, faleceu — dando-lhe algumas incumbências. Ela decidiu que lhe daria mais orgulho mesmo que ela não pudesse ver.
Por essa e muitas outras razões Charles fazia o que fazia. Ela era sua família. Eles eram sua família.
Charles estava passando pela marina, a infinidade de iates luxuosos atracados nos cais e o mar azul reluzindo ao fundo, quando seu celular tocou. Ele travou os passos e tirou uma das mãos do punho do guia do carrinho para alcançar o celular, que estava no bolso da calça. No entanto, o cinto do bebê canguru, que envolvia sua lombar, dificultou um pouco as coisas.
Anne-Marie ameaçou chorar e babou em sua camisa. Uma droga ter esquecido o babador de ombro em casa, Charles pensou.
Ao pegar o aparelho, viu o nome de Pierre reluzir no ecrã. Ele abriu um sorriso e deslizou o dedo pelo botão verde, prendendo o celular entre a orelha e o ombro para limpar o queixo de Anne-Marie e sua própria camisa.
— Ei, dude — Pierre o cumprimentou do outro lado da linha. A julgar pelo barulho, estava no simulador. — Você está ocupado? Estava pensando em fazer uma live na Twitch.
— Estou fora de casa, mate. Passeando com Anne e Adrien — informou. Um Charles sorridente olhou para um, depois para outro. — Podemos fazer amanhã. O que você acha?
— Pode ser. Não tenho nada para fazer, mesmo. Como vão os super gêmeos? — o francês riu. Para Pierre, era engraçado chamá-los de gêmeos quando Anne-Marie era uma bebê de sete meses e Adrien uma criança de três anos.
O apelido surgira e se espalhara entre a família e os amigos porque eles realmente eram muito parecidos. É natural que irmãos tenham semelhanças, mas aqueles pequenos eram como gêmeos idênticos que tinham nascido com anos de diferença.
— Bem. Anne está conquistando todo mundo que passa na rua com o sorriso dela e Adrien está dormindo.
Charles olhou para os dois lados antes de atravessar a rua e empurrou o carrinho por uma rampa na calçada. Felizmente, todo o principado de Mônaco era acessível. Ninguém precisava se estressar ou se esforçar para subir uma calçada, porque sempre haviam rampas aqui e ali.
— Vamos encontrar a Els na loja — ele contou, a alegria deliciosamente presente em sua voz. — Depois vamos sair e fazer alguma coisa. Ela anda bastante ocupada.
— Como ela está?
— Levando. — Charles abriu um sorriso fraco e encarou o cenário em sua frente. Pedestres zanzando para todos os lados e falando alto, carros buzinando e vários tipos de música vindo de lojas e restaurantes. — Alguns dias são mais difíceis do que outros, mas ela está administrando tudo muito bem. E continua na terapia.
— Fico feliz, cara. Ela também tem você, as amigas, os gêmeos e o trabalho. — em sua casa na Itália, Pierre sorriu. Admirava Eleanor, gostava dela como uma irmã mais nova, era grato por tê-la conhecido; e também ajudado a uni-la a Charles. — Apesar de tudo, é uma garota de sorte.
O monegasco concordou com um murmúrio, mas disse a si mesmo que, se Eleanor era sortuda, ele era mais. Três anos atrás conhecera uma das mulheres mais fortes e excepcionais do planeta terra, o amor de sua vida, a pessoa que era capaz de alinhar seus pensamentos e sentimentos mais confusos e incompatíveis, que compartilhava de seus sonhos e afugentava suas dores. Eleanor era como uma âncora, um ponto de luz em meio a um nevoeiro em alto-mar.
— Você não está o tempo todo trancado em casa jogando no simulador não, certo? — ele mudou de assunto. Por mais que o ambiente em que se encontrava estivesse barulhento, reconheceu o silêncio na linha. — Caraca, Pierre. É verão! Vai fazer alguma coisa legal.
— Mate, se você não se lembra, eu moro em Faença, não em Mônaco. — soltou um riso sarcástico. — Não há muito o que fazer por aqui.
— Minha mãe costuma dizer que quem não tem o que fazer, inventa.
Os pilotos mergulharam em uma discussão acirrada sobre as possibilidades de se fazer algo legal no verão quando se mora em um lugar sem muitas atrações. Durante o trajeto até o entorno da área do Place du Casino, que era onde ficava a linda piazza que continha as lojas, os restaurantes e demais comércios mais procurados pelos turistas que visitavam o principado, Charles dividiu sua atenção entre o melhor amigo e as crianças. Parou algumas vezes para arrumar a postura de Anne-Marie no bebê canguru, ajeitar a roupa do pequeno Adrien e ajustar a capota do carrinho conforme a direção do sol escaldante.
A ligação foi encerrada alguns metros antes de onde a boutique ficava. Pierre precisou sair para pegar uma encomenda.
O monegasco parou o carrinho na frente da vitrine principal e estreitou os olhos para além dos manequins que ficavam expostos ali. A loja era enorme, repleta de cabideiros dourados, manequins bem vestidos e expositores chiques, portanto não era possível enxergar muito bem o que acontecia no fundo dela, mas a pessoa atrás do balcão com certeza era Eleanor.
Charles se direcionou até a porta vintage e a empurrou, entrando logo atrás. Havia uma senhora olhando alguns vestidos com o auxílio de Nerita, uma das atendentes, em um canto, e ele as cumprimentou. Fez o caminho principal da loja e quando ergueu os olhos, viu que Eleanor já havia os visto. Ela sorria feito uma criança que acabara de ganhar o presente que tanto queria.
— Vocês chegaram! — ela saiu de trás do balcão e foi até eles. Pôs a mão na lateral do rosto de Charles e o beijou. Com os olhos fechados, sentiu o corpo relaxar. Como estava com saudade dele. — Eu acabei de resolver as coisas. Só tenho que pegar minha bolsa no escritório e dar uma — gesticulou, as mãos na altura da face. — ajeitada no rosto.
— Você não precisa ajeitar nada, amor. Você está linda.
— Sim, claro, estou linda depois de passar a manhã inteira andando para lá e para cá recebendo encomendas — ironizou, tomando mais distância do namorado. Eleanor olhou para Anne-Marie e sorriu ainda mais. Beijou o topo de sua cabeça e deslizou a mão por aquele rostinho delicado. — Te deram muito trabalho?
— O mesmo de sempre — Charles riu e arqueou os ombros. Soltou a guia do carrinho para segurar as mãos da bebê e brincar com ela. — Adrien brincou que a manhã inteira. Mas ele dormiu depois do almoço e, bom…
Levantou as sobrancelhas e apontou para o carrinho, onde o garotinho ainda dormia. Eleanor deu risada e se abaixou na frente dele. Com a atenção voltada para aquele anjinho, deslizou as costas da mão esquerda por sua bochecha e se sentiu completa da cabeça aos pés.
— Dorminhoco. — ela murmurou, levantando-se.
— Acho que ele puxou a irmã. — Charles disse despretensiosamente entre um assobio e outro. — Tipo, só acho.
— Há, há, há. Muito engraçadinho você, Charles Leclerc. — a garota estreitou os olhos em sua direção e deu um sorriso ladino. — Já pensou em abandonar a carreira de piloto e tentar a vida como comediante?
Antes que Charles pudesse responder à altura, alguém irrompeu pela porta que dava acesso a área interna da loja e o barrou. Era Catharine, amiga de Eleanor e gerente da loja, e seus quase dois metros de altura. Ela detinha um sorriso brincalhão nos lábios e segurava uma caixa de papelão com detalhes em dourado.
— Vocês são tão amorosos. Uma meta de relacionamento — ironizou. Cat parou no balcão e colocou a caixa na superfície branca, também apoiando seu cotovelo nela. — Quanto tempo, Charles. Ou melhor, cunhado babão. Ou seria titio?
— Titio é melhor — Eleanor se pronunciou. — Mas pode chamar ele de babá também, se quiser. — ela piscou para a amiga.
— Você viu que ela me deu o aval. — a morena apontou para a outra, que passou por ela rindo e desapareceu na penumbra do corredor que começava na porta.
— Como se você precisasse disso para pegar no meu pé.
Cat fingiu pensar. Agarrou a caixa e foi caminhando lentamente pelo espaço central da loja. Parou na frente do piloto, e com um bico nos lábios, disse:
— É verdade. Não preciso. Foi bom te ver, Perceval. Volte sempre, mas não muito.
Charles rolou os olhos com tanta força que achou que eles não voltariam mais para o lugar. Seguiu Cat, que andava como se estivesse em uma passarela. Ela levava jeito como modelo — e como jogadora de vôlei.
— Péssimo te ver, Baudin.
Antes de passar pela porta, a garota se virou e piscou para ele.
— Você está uma gracinha hoje. Te ver assim com os super gêmeos não deve ser nada anticoncepcional para a Els. Pobre menina.
— Você não estava indo embora? — Charles franziu o cenho e soltou o ar pelo nariz.
— Não podia sair sem encher seu saco mais um pouco.
Então ela se retirou e bateu a porta. Charles caiu na risada e se sentou em um recamier baú que estava encostado em uma coluna que ia do chão ao teto. Ele ajeitou Anne-Marie em seu colo e trouxe o carrinho com Adrien mais para perto. O garoto se mexeu e aos poucos foi abrindo os olhos, até que, por fim, revelou suas íris esverdeadas. Charles curvou o corpo para a frente e, usando uma mão de apoio para as costas da bebê, ele brincou com Adrien — que ainda parecia desnorteado.
— Até que enfim você acordou, campeão. — ele disse com um sorriso. O garoto coçou os olhos com uma mão e deu um toque na mão de Charles com a outra. — Sabe onde estamos?
— Não. — praticamente murmurou. A voz baixa e arrastada denunciava seu sono.
Eleanor apareceu bem na hora, cedendo a Charles a chance de surpreender Adrien, que não a via desde a noite anterior. Ele virou o carrinho, e quando o garoto avistou a irmã, arregalou os olhos e sorriu. Eleanor fez um bico fofo e andou com pressa até o pequeno, tirando-o do carrinho e pegando-o no colo.
Charles assistiu a cena com o coração transbordando de felicidade. Ver a alegria irradiar pelo rosto da namorada fazia valer a pena todo o esforço que ele fazia.
Não ficava com os cunhados — que tratava como sobrinhos — todos os dias, mas tinha plena consciência de como era difícil cuidar de crianças. Anne-Marie e Adrien eram excepcionais, pequenos seres que faziam qualquer pessoa se apaixonar, mas eram como qualquer criança ou bebê ao redor da terra; tinham seus momentos e momentos. Apesar disso, para Charles era um prazer ficar com eles quando podia e Eleanor precisava.
A vida profissional dela estava uma loucura, e poder contar com o apoio das pessoas em quem ela confiava era importante.
E quando se tratava dos irmãos mais novos, a monegasca era muitíssimo cuidadosa. Não confiava os cuidados dele a qualquer um, esse sendo o principal motivo para as crianças não terem uma babá fixa. Ela sabia que era algo necessário, mas queria pensar nisso em outro momento — antes do encerramento das férias de verão e de Adrien voltar para a pré-escola, óbvio.
— E aí, Adi? Você deixou o tio Charles de cabelo em pé? — ela perguntou ao irmão, que brincou com o colar que estava preso ao seu pescoço e balançou a cabeça em uma resposta negativa. — Não? Que ótimo! Mas você sabe que poderia ter deixado, não sabe?
Charles semicerrou os olhos e parou na frente deles. Disse a Adrien que ele podia deixá-lo de cabelo em pé, desde que não exagerasse — porque ele tinha que manter sua posição no ranking de pilotos mais gatos do grid. Eleanor riu tanto que sua risada ecoou pela loja. Os olhos de Charles brilharam.
— Para onde você quer ir? — ele quis saber. Com cuidado puxou a bolsa mochila que estava na parte debaixo do carrinho e a abriu. Pegou um copo de transição lilás e o ofereceu a Anne-Marie. A bebê tentava beber a água sozinha, mas Charles não permitia. — Ouvi dizer que abriram uma gelateria nova perto do Palácio.
Os olhos de Eleanor se iluminaram no mesmo instante. Gelato era sua sobremesa favorita.
— E você ainda pergunta para onde eu quero ir? — ela juntou as sobrancelhas e riu soprado. Colocou Adrien de volta no carrinho e dirigiu-se até o namorado. — Sua coluna deve estar doendo. Vamos trocar. Você empurra o Adi e eu levo a Anne.
Charles não contestou; sua coluna estava mesmo doendo. Ele esticou o rosto e capturou os lábios de Eleanor em um beijo longo. Queria aproveitá-la o máximo possível, visto que ainda naquela semana tinha que partir para Maranello, onde ficava a fábrica mãe da Ferrari. Como todas as outras equipes do grid, a Ferrari estava aproveitando o intervalo de verão para fazer ajustes e melhorias nos carros. Não tinham muita esperança quanto a conseguir transformar o SF1000 em um foguete, mas fariam o melhor para, no mínimo, tirá-lo do patamar de carroça.
Eleanor seguiu os movimentos do namorado com atenção. Com uma das mãos apoiada nas costas da pequena Anne-Marie, ele a balançava com graça. Seus olhos estavam fixos nela, que tentava a todo custo pegar o copo para si. Sem contar que ele estava lindo: o cabelo um tanto desgrenhado, talvez por conta do vento, usando uma camisa branca da Givenchy, calça jeans chino de lavagem preta com as barras dobradas acima dos tornozelos e um par de tênis brancos com detalhes em preto na traseira. Tudo bem que aquele look era apenas o básico de Charles Leclerc, porque seu guarda-roupas era recheado de roupas extravagantes, mas Eleanor o achou belo.
O melhor é que ele não tinha achado que conseguiria combinar uma de suas bandanas com o look.
— Como foi seu dia? — Charles perguntou, com a ajuda da loira, se desfazendo do bebê canguru. Apoiou Anne-Marie no braço enquanto Eleanor prendia o carregador ao próprio corpo.
— Cheio de papéis, caixas, assinaturas e ligações. Ou seja, um porre. Você não vai querer saber.
— Isso é mentira. — ele replicou, entortando a boca. — Eu sempre quero ouvir. Gosto de te ouvir falar sobre seus dias tediosos, Els.
— Você não existe, Charles. — riu.
— Existo sim. E dê graças a Deus por isso.
— Dar trela para esse seu ego inflado é sempre um erro. — disse, sabendo mais do que ninguém que uma das coisas em Charles que havia a conquistado anos atrás fora sua autoconfiante. E, caramba, ela tinha mesmo que dar graças a Deus por ele existir.
Eleanor sempre pôde contar com a família e os amigos para tudo, mas quando tudo de pior acontecera em sua vida, o piloto esteve mais próximo dela do que pessoas que, na teoria, tinham tal obrigação. Quando seu pai se foi, um ano e três meses atrás, Charles estava lá. Quando foi a vez de sua mãe partir, sete meses atrás, durante o momento que deveria ficar marcado como um dos mais felizes de sua vida — o nascimento de Anne-Marie —, ele estava lá. E Charles continuava ali, sendo o namorado, o melhor amigo, o confidente que ela precisava e sempre sonhara em ter.
Depois de ambos os momentos de perda, todos os familiares e amigos voltaram para suas vidas estabilizadas e cotidianas, ao passo que a vida de Eleanor continuou de cabeça para baixo, meio esquisita, sem sentido. Charles permaneceu ali, partilhando de sua dor, respeitando seu luto, ajudando no que podia. De uma hora para a outra Eleanor tinha virado órfã de mãe também, tornando-se totalmente responsável pela vida e criação de dois seres preciosos — um dos quais ainda não entendia muito bem questões como a morte, e estava sentindo a falta da mãe de uma forma brutal.
Por mais que não fosse o namorado perfeito, pisasse na bola, tivesse falhas — como qualquer ser humano normal — e nem sempre acertasse, Charles Leclerc se doava, dava seu melhor. E ele fazia isso porque era recíproco. Porque sabia que ela não hesitaria em fazer o mesmo por ele. De novo. Eleanor o conheceu em uma época difícil, mas não se afastou, o respeitou, compreendeu e ajudou.
— Ei buddy — Charles tentou olhar para Adrien, que pressionava o próprio corpo contra a barra frontal e balançava os pezinhos fora do apoio. Após Eleanor se despedir da cliente e da colega, eles saíram da loja. O ar gelado deu lugar à temperatura quente da rua. — Está animado para tomar gelato?
O menino ergueu os braços e fez sinal de positivo com os polegares. Tanto Eleanor quanto Charles riram. A caminho da nova gelateria do pedaço, foram abordados diversas vezes. Algumas para que as pessoas pudessem dar um breve olá para as crianças fofas, outras para que Charles pudesse posar para uma foto com fãs de automobilismo, já outras para ouvir que eles formavam uma família linda. Sempre que escutavam aquilo, o casal sorria amarelo.
Não que não fossem uma família, porque eles eram, mas não do jeito que as pessoas imaginavam.
Quem conhecia o piloto sabia que ele não tinha filhos, as crianças com quem costumeiramente era visto ou fotografado andando pelas ruas de Mônaco eram suas cunhadas. Eleanor tinha uma vida relativamente privada, mas os que seguiam Charles nas redes sociais conheciam a ela e seus irmãos.
A designer e o piloto mantiveram-se tão ocupados entretendo Anne-Marie e Adrien que mal conversaram durante o trajeto. Interagiram mais quando se acomodaram em uma mesa na área externa da gelateria, que estava relativamente cheia. O garotinho se encontrava sentado em uma espécie de cadeirão, ao passo que a bebê se acomodava no colo de Charles.
Eleanor percorreu o olhar por tudo o que a cercava. O sol iluminava tudo na superfície do globo e o céu azul alimentava a confortabilidade da população. Os moradores de Mônaco misturavam-se aos turistas em um fluxo interminável de pessoas. Era como se uma artéria humana corresse pelo centro da piazza de Monte Carlo.
Ela voltou sua atenção para Charles, notando que era a primeira vez desde que se encontraram que ela estava tendo a oportunidade de afundar-se nos enigmas e na beleza do rosto dele. Sentiu vontade de enfiar o rosto em seu pescoço e não sair dali tão cedo.
— Um cliente falou que, mais tarde, vai ter uma mini competição de kart no kartódromo. Você quer ir?
Um garçom apareceu com os pedidos deles e colocou tudo na mesa. Antes de sair, perguntou a Charles se ele poderia lhe dar um autógrafo.
— Você quer ir? — ele devolveu a pergunta, sorrindo para o garçom quando ele agradeceu e se retirou. Charles encarou a namorada, que entregava o gelato de Adrien e lhe dava instruções sobre como usar a colherzinha. Em seguida ela ergueu os olhos para ele e entortou o nariz. Charles riu, sabendo que ela detestava que respondessem sua pergunta com outra pergunta. — Estou brincando, amor. Quero ir sim.
— Só não queira correr também. Tudo tem limites nessa vida.
— Estou fazendo um detox de carros nessas férias, querida. — ele informou, dando uma colherada em seu gelato.
Eleanor fez uma careta, depois um bico. Imaginava que esse suposto detox se devia ao fato de a primeira metade da temporada ter sido um fiasco.
— Você tem mantido contato com o pessoal da fábrica? Como vão as coisas por lá?
O piloto suspirou. Deu para ver os músculos de sua face ficarem tensos. Eleanor sentiu o coração arder, mas não de um jeito bom. A Ferrari estar indo tão mal era ruim não só para sua reputação na Fórmula 1, mas também para a autoconfiança dos pilotos — que tentavam fazer milagres na pista mas raramente eram bem sucedidos. Ela queria que a equipe italiana voltasse a ficar envolta pela glória do passado, e esperava por isso com sincera vontade. Charles e Sebastian mereciam. Os tifosis mereciam. Todos na Ferrari mereciam.
— Se eu te contar você chora — ele deixou escapar, balançando a cabeça minimamente. Alcançou os olhos de Eleanor com os seus e abriu um sorriso contido. — Mas não precisa se preocupar. A Ferrari vai voltar.
— É claro que vai. — ela também sorriu e soltou um beijo no ar. — Essere Ferrari!
— Essere Ferrari!
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Eles ficaram em uma parte afastada e vazia das arquibancadas, longe do tumulto e do barulho. Após o primeiro treino, Eleanor quis se sentar. Deixou Charles em pé na barreira com Adrien e foi com Anne-Marie para um dos degraus. A bebê estava bem menos agitada que antes, mas ainda assim não estava fácil entretê-la; os brinquedos que costumava deixar na bolsa de passeio para o caso de ela querer brincar não estavam mais sendo tão úteis. Eleanor imaginou que talvez precisasse trocá-los.
Do outro lado, Charles parecia ter facilidade em divertir o garotinho. Com ele sentado na barra de proteção e tendo o corpo envolvido por seu braço para que não acabasse caindo, o piloto falava sem parar — e Adrien correspondia, mesmo não tendo um vocabulário realmente extenso. Vez ou outra ele ria e sua risada contagiante se espalhava pelo ar.
— O que você quer fazer amanhã e depois de amanhã, buddy? — Charles quis saber. Passou os dedos por entre os fios do cabelo sedoso do pequeno e o fitou. Adrien se parecia muito com Eleanor, que era a cara do pai, mas se parecia ainda mais com a mãe. Os olhos verdes, o cabelo loiro médio e até o formato das sobrancelhas eram de Joanne. Adrien era um garoto fofo de bochechas apertáveis, sorriso levado e curiosidade aguçada.
— Eu não sei — ele encolheu os ombros e ergueu as mãozinhas, virando o rosto para Charles. — Por que, tio Charles? — da forma mais natural possível, Adrien mudou do francês para o monegasco, fazendo o piloto sorrir. Ele se atirou para cima dele e segurou seu rosto com suas mãos cheias de dobras. — Você vai embora?
— Tenho que viajar esse final de semana, carinha — Adrien era um garoto esperto para a idade. Àquela altura já tinha compreendido que Charles perguntar o que ele queria fazer na semana significava que ele iria embora depois. — Mas eu vou voltar.
— Antes das aulas da minha escolinha? — foi passando os dedos por toda a extensão do rosto do homem em sua frente, divertindo-se com as cócegas que a barba por fazer produzia em suas mãos.
— Sim, antes das aulas da sua escolinha. Bem antes, na verdade.
Charles deixou que Adrien explorasse seu rosto e desse risada toda vez que olhava para as mãos, sentindo cócegas. Quando ele começou a fazer um barulho engraçado com a boca, o garoto riu de jogar a cabeça para trás — dando-lhe a chance de dar beijos estalados em seu pescoço. Ele continuou fazendo isso por minutos seguidos, impedindo Adrien de parar de gargalhar. Quando Charles bem se cansou, o menino estava vermelho.
— Você quer voltar para a escola ou quer viajar comigo por aí?
— Ir para a escola — o garoto respondeu sem hesitar, lançando-se no piloto e envolvendo seu pescoço com os braços. Ele apoiou o pequeno rosto em seu ombro e olhou para a irmã, que brincava com Anne-Marie de esconder o rosto. — Tem um menino legal na minha sala. Ele gosta de super-heróis igual a mim. Ele também gosta de carros — fez uma pausa para respirar. Adrien falava rápido e costumava ficar sem fôlego por isso, além de se atrapalhar nas palavras. — e uma vez disse que queria te ver correr.
O monegasco levantou as sobrancelhas. Correu o olhar pela pista de kart, onde quinze crianças se aqueciam separadamente. Os karts estavam nos colchetes, esperando pelo instante em que voltariam a ser usados. Adultos caminhavam por trás das barreiras, alguns conversando entre si, outros calados, outros tirando fotos ou filmando. Todo aquele cenário evocava lembranças de sua infância, das tantas vezes em que participara de competições de kart com o irmão mais velho, Jules e o pai.
— É? E vocês são amigos?
— Acho que sim — disse em meio a um bocejo. Então se afastou do ombro de Charles e olhou para a pista, o dedo indicador apontado para um garoto vestido em um macacão verde no meio dela. — É aquele ali.
Adrien falou mais sobre o coleguinha de sala e perguntou se ele poderia dar alguma coisa da Ferrari para ele quando eles se vissem novamente. Charles concordou, prometendo que conseguiria algo bem legal da equipe. Ficara feliz com o relato, uma vez que, na faixa etária em que estava, ter amigos era muito importante. Além do mais, ele vinha passando por momentos difíceis desde a perda do pai, que ocorrera logo que a mãe descobriu que estava grávida. Então, quando Anne-Marie chegou, Joanne, seu porto-seguro, se foi.
Charles acompanhou e esteve presente em ambas as perdas. Se não foi fácil para ele, como teria sido fácil para um menino de meros três anos que era apegado aos pais mais do a qualquer outro ser humano na face da terra?
Assim como a irmã mais velha, Adrien recebeu o apoio de todos. Também passou a ter auxílio de um psicólogo infantil para que o sofrimento não prejudicasse seu desenvolvimento e para que ele soubesse lidar com o luto, apesar de pequeno. Adrien era uma criança, não sabia administrar bem as próprias emoções, ao contrário de Eleanor; ela era uma adulta com emocional desenvolvido e mais estável, que entendia a morte em sua totalidade, já tinha sofrido perdas significativas ao longo da vida.
O garoto se agitou mais onde estava sentado e pediu para descer, passando a correr e a dar pulinhos pela área plana que havia entre a barreira e as arquibancadas. Quem passava por ali não dava muita trela, afinal de contas, era uma criança.
— Já imaginou que um dia pode ser o Adrien correndo ali? — Charles perguntou a Eleanor quando ela se levantou e foi até ele. Anne-Marie estava com a cabeça apoiada em seu peito, brincando com um mordedor amarelo. — Ou então nossos filhos.
A designer arregalou os olhos sem perceber, os batimentos cardíacos ganhando velocidade.
— Nossos filhos? — aquelas eram as únicas palavras que ecoavam em sua mente. Ela desviou o olhar de Charles para o irmão, depois tornou a encarar o namorado. — Vamos ter filhos?
Como quem não queria nada, ele deu de ombros. Pelo canto do olho fitou a namorada, que estava com a boca entreaberta e as sobrancelhas elevadas.
— Se você quiser, vamos — e por mais que parecesse brincadeira, Charles estava falando sério, sendo sincero. Esperava que Eleanor compreendesse isso. Claro que era estranho levantar tal assunto enquanto estavam no kartódromo, mas ele quis falar. Não lhe arrancaria nem mesmo um pedaço. — Depois que a gente se casar.
Eleanor arregalou os olhos mais ainda e tombou a cabeça. Segurou as costas da irmã, que agora brincava de se atirar para trás. Ao longo de três anos ela e Charles já tinham sentado e conversado sobre seus planos como casal, e cerca de um ano atrás passaram a falar de casamento com mais frequência, mas naquele momento tudo parecia mais novo do que realmente era, uma espécie de novidade. O piloto tinha dito aquilo do nada, em um contexto totalmente aleatório, mas havia um tom de seriedade em sua voz.
Bom, Charles Leclerc podia ser um cara engraçado e por vezes metido a palhaço, mas não era de brincar com assuntos como aquele — assuntos que envolviam sentimentos.
— E nós vamos mesmo nos casar?
— Por mim, sim. Você não quer se casar comigo? — Charles a olhou com um misto de esperança e apreensão, uma curiosidade contida nas orbes claras. Soltou um risinho nasal e esboçou um sorriso ladino. — Se você não quiser, tudo bem. Eu posso viver com o coração partido pelo resto da vida.
— O quê? Coração partido? — ela rolou os olhos e desferiu um tapa no peitoral do namorado. — Não seja idiota, Charles. É claro que eu quero me casar com você.
O piloto se deleitou na sensação de alívio que o preencheu.
— Mas, e aí? Isso foi um pedido? — um sorriso brincalhão permeou o rosto de Eleanor.
Charles semicerrou os olhos e aproximou o rosto do dela. Tocou-o com uma das mãos e manteve os olhos atentos nos seus, permitindo que um rompante de encanto misturado com a forma mais pura de amor o atravessasse. Ele beijou os lábios de Eleanor com ternura.
Podia enxergar seu futuro cintilando como um diamante precioso no fundo dos olhos dela.
— Se você quiser que tenha sido um pedido, sim. — sussurrou. A garota sorriu e só não o abraçou porque estava com Anne-Marie nos braços. — Eu só preciso comprar um anel para oficializar. — ele piscou.
Adrien foi até eles naquele instante, dando pulinhos. Agarrou a ponta da camisa de Charles e atraiu a atenção dele para si. Charles se abaixou e o levantou do chão sem muito esforço, jogando-o para cima logo após. Com Adrien seguro em seus braços, perguntou o que ele desejava.
— Ali — o pequeno apontou para a pista, onde os garotos procuravam por seus respectivos karts. O monegasco franziu o cenho. — Quero ir lá.
— Você quer ir na pista?
Com prontidão, Adrien concordou em um balançar de cabeça animado.
— Vamos assistir lá embaixo. Posso entrar em um carrinho desses depois? — perguntou em um monegasco embolado.
O casal se encarou de olhos arregalados, o garotinho balançando-se no colo de Charles e implorando para descerem logo. Eles estavam impressionados. Adrien nunca tinha demonstrado qualquer tipo de interesse em coisas relacionadas a corridas até então. Sua verdadeira praia eram os super-heróis e o futebol.
— É claro que pode, querido — Eleanor tomou a frente, apertando as bochechas coradas do irmão. — Quer tirar fotos?
— Aham. E correr. Como eles estão fazendo. — voltou a apontar para a pista. Agora todos os meninos estavam dentro de seus karts.
— É você quem manda, campeão. — Charles assobiou. Sabia que Adrien não correria de verdade por conta da idade, mas era legal observar o interesse dele. Eleanor, no entanto, tinha certeza que, de alguma ou inúmeras formas, ele sentiria algo pelo automobilismo. Mesmo sem saber ou querer, Charles exerceria influência em suas preferências. — Então, vamos descer?
— Vamos!
Eleanor sustentou contato visual com o namorado, que perguntou se ela também queria ficar nas imediações da pista com ele. Ela negou, afirmando que o barulho incomodaria a menina, e disse que ficaria ali mesmo. Charles concordou e lhe deu um beijo estalado antes de colocar Adrien sentado nos ombros e se retirar.
Ela acompanhou-o descer a escada e deslocar-se pela massa de pessoas até as barreiras da pista. Ele foi recebido com olhares curiosos, acenos, alguns gritos e sorrisos.
Ocorreu a Eleanor que perder Charles seria um declínio e tanto em sua vida. Não porque ele era um piloto famoso ou a ajudava com os irmãos, e sim porque o amava de verdade e ele a amava de verdade. Por mais que não fosse de dizer "eu te amo" a cada meio segundo, ele fazia questão de, por outros meios, deixar seus sentimentos claros. E o amor dele era valioso. Uma das coisas que ela mais apreciava na vida.
Qualquer dia ao lado de Charles se tornava o melhor dia de sua vida, o dia que ela queria aproveitar, não se cansar, viver e guardar para todo sempre. Eleanor temia fechar os olhos e, ao abri-los novamente, ver que ele tinha desaparecido como fumaça, então ficava grata e feliz quando abria e fechava os olhos e o encontrava no mesmo lugar, normalmente encarando-a com tanta paixão que fazia o enorme espaço reservado para ele em seu coração ficar pequeno demais.
Ele a fazia agir como uma boba, sentir o melhor tipo de amor: o amor louco, estúpido e bobo.
Eleanor acreditava que Deus havia respondido as orações que fizera anos atrás, pedindo por um cara que merecesse seu amor, que a amasse tanto quanto ela o amaria. De que outra forma Charles poderia existir?
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Após passarem o restante da tarde no kartódromo, Charles e Eleanor andaram pelo centro de Mônaco com os gêmeos. Jantaram em um restaurante italiano próximo à marina e partiram para a residência da designer, Adrien e Anne-Marie igualmente cansados — ela no bebê canguru e ele no carrinho.
A primeira coisa que Eleanor fez ao chegar no apartamento foi despachar o irmão para o banho, muito embora ele quisesse dormir como estava. Para agilizar o processo, Charles se prontificou a dar banho nele enquanto a namorada dava banho na pequena Anne — e assim fizeram. Coincidentemente, terminaram os banhos ao mesmo tempo.
— Você está todo molhado, por Deus. — Eleanor observou o namorado, cuja camisa branca estava completamente molhada. Ela riu.
— Nós fizemos um trato sobre evitar esguichos de água dessa vez, mas esse mocinho não obedeceu — ele apertou os olhos e encarou Adrien, que estava com as mãos em ambos os lados do rosto fingindo surpresa. Charles deu um passo à frente e o pegou no colo com tudo, fazendo-o gritar. — Ahá!
Eleanor adentrou o quarto de Anne-Marie e Charles o de Adrien. Depois de ajudar o garoto a se vestir, o piloto foi com ele para a cozinha. Sua namorada apareceu minutos depois com a bebê nos braços.
— Dinâmica de trocas? — ele perguntou, abrindo um sorriso brincalhão.
— Dinâmica de trocas.
A dinâmica de trocas nada mais era do que a troca de tarefas que faziam assim que chegavam na casa de Eleanor após uma tarde de passeio com as crianças: ela ficava na cozinha — já que os dotes culinários de Charles não eram os melhores — para fazer algo leve para Adrien comer, porque ele sempre chegava em casa com fome, e ele dava mamadeira para Anne-Marie. Às vezes, quando dava sorte, Charles também conseguia colocá-la para dormir.
— Mas, antes disso, eu posso tomar banho? — ele bagunçou o cabelo e soltou uma lufada de ar. — Essa roupa molhada está me deixando maluco.
A garota caiu na risada e balançou a cabeça. Charles não morava com ela, ele tinha sua própria casa nas redondezas, mas possuía passe-livre para usar as coisas como se morasse.
— Que pergunta boba, é claro que sim.
— Obrigada, sujinha. — ele a provocou com um sorriso e desapareceu em um corredor.
Eleanor ligou a televisão, que podia ser vista da cozinha pois não havia nenhuma parede dividindo os cômodos, e se distraiu com os irmãos enquanto esperava o namorado sair do banho. Os gêmeos ainda estavam cansados, mas de algum modo não tanto quanto antes.
Ao ressurgir na cozinha outra vez, agora sentindo-se um ser humano digno — trajando um conjunto moletom azul-bebê e cinza —, Charles pegou Anne-Marie. Costumeiramente, a mamadeira da menina era preparada antes de saírem para que não tivessem tanto trabalho ao voltarem para casa.
Os minutos correram.
Eleanor colocou o prato com o lanche na frente de Adrien e o esperou dar a primeira mordida e aprovar o sabor para então beijar o topo de sua cabeça e pedir licença por alguns minutos. Ela se esgueirou pelo corredor dos quartos e chegou ao quarto da irmãzinha, deparando-se com o namorado na frente do berço, ainda com ela no colo. Ao que parecia, a pequena Anne dormia serenamente no embalo dos braços e do cantarolar de Charles. Ela entrou no cômodo na ponta dos pés e parou ao lado dele, olhando para a bebê e sentindo que parte dela podia relaxar.
Era sempre um alívio quando chegava a hora de dormir e Eleanor via a irmã bem, inteira, sem nenhum arranhão.
— Acho que hoje é um dia de sorte — Charles sussurrou, se curvando com cuidado sobre o berço para deitar a pequena Anne. — Ela nunca dorme comigo. Estava começando a achar que era péssimo ninando bebês.
Eleanor riu baixinho. Deu um abraço lateral no namorado e sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Apesar da vontade de chorar, se conteve. Não queria que Charles achasse que havia algo errado, e ela estava tão cansada que não seria capaz de explicar que estava tudo bem, que ela estava chorando por ter terminado mais um dia bem, por ser grata mas ao mesmo tempo ter vergonha de ele fazer coisas que iam além de suas obrigações como namorado.
— Sejamos sinceros, amor: você é meio ruim ninando bebês — brincou, recebendo um olhar atravessado do piloto. Eles deram mais uma olhada em Anne-Marie, apagaram a luz, ativaram a babá eletrônica e saíram do quarto. — Mas está melhorando bastante.
— Não estou? — Charles sorriu com orgulho e beijou sua têmpora.
O casal voltou para a cozinha, onde um certo garotinho loiro terminava seu lanche sem pressa alguma. Eles se sentaram à mesa, cada um de um lado, e ficaram ali até que Adrien acabasse. Eleanor deu as costas para o namorado e o irmão para levar a louça suja até a pia e lavá-la, e quando voltou-se para eles novamente, viu que não estavam mais lá. Ela franziu o cenho e soltou uma risadinha fraca.
Se dirigiu até o quarto, e como esperado, encontrou a dupla imbatível jogada em sua cama. Charles estava com o celular em mãos e resolveu abrir a câmara para tirar fotos deles fazendo caretas.
— Vai tomar banho, sujinha — os olhos dele caíram sobre ela, atentos aos seus movimentos pelo quarto. Eleanor parou de andar e encarou de cara feia. — Vou colocar ele para dormir também.
— Você vai gastar toda a sorte da sua vida só hoje. — meneou a cabeça, ao mesmo tempo prendendo o cabelo em um rabo de cavalo alto. — E se você me chamar de sujinha mais uma vez eu te expulso daqui.
Charles fez bico.
— Desculpe, sujinha.
Eleanor não disse nada, se limitou a atirar no namorado uma almofada que estava em uma poltrona ao lado de sua penteadeira. Pegou no closet tudo o que precisava e entrou no banheiro. Enquanto a água quente escorria por seu corpo e relaxava os músculos tensos, sua mente vagava por uma infinidade de pensamentos. As coisas realmente andavam uma loucura, mas dias como aquele faziam tudo valer a pena e parecer menos complicado.
Mas, ainda que não estivesse acostumada a ter uma rotina tão bagunçada, ela era grata por ter tudo o que tinha — porque sabia que podia ter muito menos. E Eleanor estava disposta a colocar as coisas nos trilhos e se manter forte por todos: sua mãe, seu pai, Anne-Marie, Adrien, Charles, Veronique — sua melhor amiga —, todas as pessoas que amava. Incluindo ela mesma. Eleanor tinha plena noção de que deveria se incluir na lista de prioridades e de pessoas pelas quais lutava todos os dias.
Ela saiu do banho vestida em um pijama estampado com rosas vermelhas, o cabelo enrolado em uma toalha. Abriu a porta pronta para cantarolar uma música que surgira em sua cabeça segundos antes, mas a cena que seus olhos capturaram a impediu. Eleanor ficou parada, estática na porta do banheiro e sem esboçar reação alguma por alguns segundos. Quando voltou para a realidade, os cantos de seus lábios foram se erguendo e deram formato a um sorriso que ia de um lado ao outro do rosto.
Charles e Adrien ainda estavam em sua cama, mas sem tirar fotos, rir ou se mover; eles pareciam dormir tão bem, mas ao mesmo tempo estarem em um sono tão leve, que Eleanor temeu suspirar e acordá-los. Adrien estava em posição fetal, apoiado no braço estirado de Charles, que se encontrava na mesma posição que ele. A outra mão do piloto, no entanto, repousava sobre o corpo do garotinho, gesto que o impedia de rolar demais no colchão.
Eleanor mordiscou o lábio inferior sem parar e se dirigiu até a cama. Subiu nela com cuidado e se sentou. Manteve os olhos fixos em seus dois garotos por bastante tempo. Deslizou uma mão pelo cabelo de um, depois pelo cabelo do outro. Não tinha coragem de acordá-los, então teria que deixá-los onde estavam. Pegaria um edredom no closet, os cobriria e desejaria que tivessem uma ótima noite de sono.
O problema era que ela queria agradecer a Charles pela companhia, pela disponibilidade, pelo cuidado. Mesmo que ele não quisesse ouvir e repetisse, talvez pela milésima vez, que não era preciso agradecer, ela agradeceria. Porque sabia que era preciso sim. E porque mesmo que não fosse, ela sempre seria grata do mesmo jeito.
Eleanor pensou, pensou, pensou e pensou. Secando o cabelo com a toalha na frente do espelho, reparando nos dorminhocos em sua cama através do reflexo e atenta à babá eletrônica, deu de ombros.
Podia lhe agradecer e encher de beijos, abraços e carícias no dia seguinte ou em qualquer outro dia ou momento.
Porque sabia que Charles sempre estaria ali: ela ainda tinha toda uma vida ao seu lado.
IL PREDESTINATO VINCE IL GRAN PREMIO DEL BAHRAIN E OTTIENE UN RACCONTO MOLTO CARINO IN APEX!
monegatas, sei que esse conto não tem nada a ver com o gp do bahrein, mas ficou fofinho, vai! escrevi ele com bastante carinho e espero que vocês tenham gostado do charles em sua versão titio-cunhado babão. pra quem achou que o charles era o pai das crianças, perdão pelo tombo 🙏🏻
o conto ia ser outro, um totalmente diferente, mas aí eu vi uma foto dele com um bebê e joguei o outro pro alto KKKKKKKKKKKKKK mas tava (tá) legal também.
parabéns pro charles, pra ferrari e pra vocês, monegatinhas e tifosis! até quem é de outra torcida fica bobinho vendo a ferrari ir bem depois de tanto sufoco hahahahahaha.
por favor, não esqueçam de me contar o que acharam do conto! os comentários de vocês, leitores, são essenciais — um incentivo e tanto — pra que nós escritores continuemos escrevendo nossas histórias.
sigam a conta do mundinho e leiam os contos disponíveis aqui em APEX e nos outros livros disponíveis no perfil! de vez em quando a gente posta um continho aqui ou em Gol de Placa (que é voltado para o futebol) pra tirar a poeira hehehehehe.
bom, é isso! obrigada por lerem até aqui. beijos, beijos, beijos! ♡
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