Capítulo 51
Dentro do Uber há silêncio, exceto pelos meus soluços.
- Não quero ir pra casa. –Declaro. Não aguentaria ficar naquele apartamento, relembrando todo o carnaval.
Anna Raylla me abraça.
- Pode dormir na minha casa hoje.
- Thomas...
- Eu ligo para ele.
Assinto.
Akin suspira, e Chul permanece quieto no banco da frente.
- Desculpa, gente.
- Para ser bem sincero, Ty, uma hora ou outra eu também ia acabar fazendo aquilo. –Akin comenta. –Desculpa não estar lá por você.
- Onde vocês três estavam?
Anna Raylla não diz nada, mas encara Akin e cora.
Ah, bom.
Olho para Chul, mas ele finge que não ouviu. Está de olhos fechados.
Suspiro.
- Que merda. Fomos péssimos amigos hoje, Ty. Sério.
Não falo que está tudo bem. Não vou mentir. Estou chateado.
- Achei que vocês iam me odiar também.
- Não, Ty. Jamais.
- É. Jamais. –Chul fala com a voz arrastada, entrando no sétimo sono.
Não conversamos mais o caminho todo, porque é demais para mim. Só consigo chorar e concentrar todas as minhas forças em respirar.
Respirar nunca pareceu tão difícil com as cenas vindo em flashes na minha cabeça.
- Alô? Thomas?... É, é, Anna Raylla... Simmm, tá tudo bem com o Tyler. Só liguei para avisar que ele vai dormir lá em casa hoje...você quer falar com ele? –Minha amiga me encara como se pedindo permissão, eu nego. Não ia conseguir falar com meu irmão nem a pau sem cair aos prantos. –Ele está meio mal para falar agora, na verdade... Não! Ele não está bêbado, é só que, ele e o Rafa brigaram. Não quer ir para a casa, entende?
Silêncio. Imagino se meu irmão está dando um sermão em Anna ou em mim.
- Tudo bem, vou passar o contato dos meus pais para você, assim que chegarmos ele te manda uma mensagem. Beijos, tchau!
Agradeço aos céus por ter uma amiga sensata como Anna Raylla nesses momentos.
***
- Mas que merda! –Minha amiga joga o colchão na sala, tentando não fazer barulho, mas com brutalidade.
- Seus pais estão dormindo?
Ela confirma.
- Tem certeza que não tem problema eu ficar aqui?
Anna nega com a cabeça.
- Eles são super de boa, e adoram você e o Thomas.
- Não quero incomodar...
- Tyler.
- Tá bom, vou parar. –Me arrasto até o colchão e me enrolo nas cobertas.
Anna vai até o banheiro e volta com um kit de primeiros socorros, e começa a limpar meu nariz e minha boca que estavam manchadas com sangue seco.
- Temos que cobrir o máximo, porque isso meus pais não ficariam de boa.
Abafo um riso de compadecimento por mim mesmo.
- Mais algum lugar?
Mostro meu cotovelo, que está um pouco ralado e vermelho, provavelmente porque eu cai no chão. Eu mesmo pego o algodão e limpo. Anna passa o antisséptico depois.
- E aí?? Mais alguma cicatriz de guerra?
- Nada que as roupas não cubram. –Levanto minha blusa e vejo alguns roxos aqui e ali no abdômen.
- Caralho, Tyler. Eu não gosto nem de pensar no que levou vocês dois a fazerem isso... -Anna fica com os olhos marejados, e com a boca escancarada. –E o que foi que deu em vocês dois?
Penso por um momento longo demais.
- Eu dei o primeiro soco.
Ela ergue as sobrancelhas em choque.
Respiro.
- Odeio ser agressivo, você sabe o porquê, se Thomas me ver desse jeito... –Cubro o rosto com minhas mãos, que também estão doendo em todas as juntas.
- Ei. –Ela encosta no meu ombro. –Isso você resolve depois. Thomas é compreensivo.
- Eu sei. –Suspiro. –Cara, Anna, ele foi tão babaca comigo. Mas tanto. Parecia que outra pessoa havia assumido o corpo dele, de tanta merda que ele falou.
- Eu imagino. Eu sabia que Rafa poderia ser insensível às vezes, mas caramba...
- Eu só dei o primeiro soco porque ele citou minha família, i-isso foi muito in-in-justo. –Deixo escapar um soluço solitário. Anna se levanta e trás um copo de água com açúcar para mim, o qual vou bebendo em poucos goles. –Eu nunca faria isso com ele, usar esse argumento contra ele. Foi muito baixo.
Minha amiga assente, escutando meu desabafo.
- Nem quando ele começou a se gabar por conta de seguidores eu perditanto o controle, e olha, que eu poderia ter perdido ali mesmo. Fizemos essa estúpida promessa no carnaval de que se um dia agíssemos de forma escrota por isso, poderíamos sair no soco...
- Homens... –Anna não se segura e revira os olhos, com um sorriso bobo no rosto.
- Foi tudo na brincadeira, só para você ter uma ideia. Nem parecia que isso realmente ia acontecer, estávamos apenas zoando. Mas agora quando eu lembro disso, parecia um aviso prévio do destino.
Ela fica em silêncio, pelos próximos minutos. Apenas deitada no sofá, encarando o teto.
É, eu também não saberia o que dizer nessa situação.
- E você e Akin hoje, sumiram hein...-Falei em tom provocativo. Não queria acusá-la por não estar na briga e me defender.
Ela se vira para mim, com um sorriso de orelha a orelha e cheias de suspiros apaixonados.
- É, a gente meio que sumiu, né... –E cheias de risadinhas nervosas.
- Foi bom, pelo menos?
Anna hesita por um momento, medindo, porque Akin também é muito meu amigo. No fim, ela se anima e começar a me contar, se dando por vencida.
- Não chegamos lá ainda. Tipo, eu não sou virgem e ele sabe disso. E ele é. E sinto que ele quer muito isso, mas estou tentando ir de boa, para Akin não ficar muito afoito na hora, entende?
Eu rio, de verdade.
- Tadinho, Anna! O garoto está na palma da sua mão.
- Eu sei! Mas eu também estou na dele. –Ela olha para mim, e vejo minha amiga apaixonada, e finalmente se entregando de novo. Fico feliz. É genuíno. – E também não deixei ele na mão hoje, sabe... Você entende...
- Safada! -Jogo uma almofada nela.
Ela ri e se defende, também jogando outra almofada em mim.
- Como se você já não conhecesse meu jeitinho...
Anna Raylla tira uns bons sorrisos de mim nesse fim de noite, que por mais que tenha sido traumática, eu poderia contar com a amizade da minha melhor amiga. Era tudo o que eu precisava.
***
Acordo assim que o sol nasce. Há muita claridade na sala de estar de Anna e as cortinas dormiram abertas.
Permaneço assim, agradecido por não ter sido acordado com a movimentação matinal da família dela.
Vou até o banheiro, jogo uma água no rosto e mando mensagem para Thomas vir me buscar.
Até passaria o fim de semana lá, porém preciso de um banho e roupas limpas. Me sinto sujo e dolorido. Foi exaustivo demais ontem.
Quando Thomas estaciona o carro, já sei que ele não está feliz. Mas quando ele finalmente me vê e me lança aquele olhar arregalado e depois mortal, sei que estou ferrado.
Entro no carro. Ele não dá partida.
- Achei que você tinha apenas discutido com Rafael.
- É, por aí.
- Tyler. –Sua voz é firme, e estou com medo de ter cruzado a linha entre deixar meu irmão com muita raiva.
Respiro fundo, para tentar anular a dor que vai se instalar no meu peito pelo resto do fim de semana por culpa.
- Eu posso explicar...
- Não. –Thomas liga o carro. –Primeiro, vamos para casa, você vai tomar um banho, escovar a porra dos seus dentes porque estou sentindo o cheiro de vodka daqui, se alimentar e só depois a gente conversa.
Assinto. Não há outra opção melhor.
Chegando em casa coloco meu celular para a carregar e corro para o banheiro. Demoro mais do que normal, tentando adiar aquela conversa e ensaiando as palavras certas. Pisei na bola com ele, isso eu sei.
Enquanto eu como, Tom se enfurna dentro do estúdio. Não consigo ouvir nada, mas imagino que esteja desabafando com Lily no celular. Espero que ela dê credibilidade a mim.
Quando acabo de escovar os dentes e me sinto preparado, bato na porta e meu irmão a abre.
- Senta aí.
Eu sento no sofá, esperando um sermão mas ele não vem. Tom está de braços cruzados, olhando para mim.
- Vai se explicar ou não?
- Ah, é. Bom, achei que você queria falar algo antes.
- Estou te dando a chance de contar sua versão para eu ficar menos irado e preocupado.
- Ok. Bem, eu bebi para caramba na última noite. O que foi errado e irresponsável.
- Só isso? Esses seus hematomas no braço e na boca surgiram do nada? –Ele estala os dedos.
- Não... É que Rafael não estava agindo como ele mesmo, estava muito, muito esquisito, deixando não só eu de lado, mas Anna, Akin e Chul. Ele começou até andar com Lucas, e eu estava magoado para caralho. Brigamos feio ontem, falei coisas das quais me arrependo, me declarei para ele, ele me desprezou, e ainda zombou de mim e do canal junto com os babacas da escola. O que, eu aguento! Um pouco de bullying na vida de Tyler não é novidade, porém ele falou da mamãe e do papai e isso... Ah, Thomas, caralho, foi a gota d'água para mim. Eu dei o primeiro soco, fui errado, e ele revidou também, ele é mais forte que eu, e foda-se, fiz uma grande burrada e perdi meu melhor amigo. Acontece. Essa é a vida.
Minha vontade era de soluçar ali mesmo, no entanto, deixo o nó preso na garganta e falo tudo com firmeza. Cansei de chorar.
Thomas suaviza a expressão, e se senta ao meu lado. Ele fica encarando o chão por um tempo, e me sinto cada vez mais apreensivo.
- Isso é muita, muita coisa para absorver. Até para mim.
- É.
- Anna, Akin e Chul podem confirmar sua história?
Reflito por uns instantes.
- Boa parte dela. Rafael estava sendo estranho com todos nós, e excluindo a gente. Na hora da briga, eles não estavam, chegaram só no final, e Akin que nos separou.
Meu irmão encara o chão por mais de um minuto.
Acho que estou até segurando o ar, e não apenas o choro.
- Tyler, não quero falar sobre o Rafael hoje, ok?
Fico confuso, mas não reclamo.
- Ok.
- Eu preciso que você entenda uma coisa. Eu consigo lidar com você. Eu te amo. Sei lidar com suas crises, suas manias, suas raivas, suas insônias, suas notas baixas, porque sou seu irmão e quero cuidar de você. Sei lidar com você beijando garotos ou quem você quiser, sei lidar com você transando, porque sei que você sabe se cuidar. Sei lidar até com você consumindo álcool...porra, até com drogas, eu ficaria numa boa. Também fui adolescente, sabe? Isso tudo é conversa. Só não quero que esconda essas coisas de mim, porque se você esconder, eu não posso cuidar de você, caso algo saia do controle, entende? –Assinto, com a compreensão de meu irmão. –O que eu não consigo lidar, é com violência.
A dor que meu irmão transmite com o peso dessa fala faz meu coração gritar ainda mais, querendo sair do meu peito e fugir para as colinas.
- Me desculpa, mesmo. Eu perdi o controle ontem a noite.
- Você sabe porque eu odeio violência, você sabe.
- Eu sei.
Agora nós dois estamos chorando.
- Vem cá. –Ele me chama e eu me aninho nos braços do meu irmão.
- Eu nunca quis te decepcionar.
- Você não me decepcionou, Ty. Nunca. Eu te amo.
- Também te amo.
- Só me prometa que nunca mais vai agir assim novamente, nunca?
- Nunca. Eu nunca vou ser igual a ele. Prometo.
- Eu também prometo. –Thomas aperta meus ombros e dá um sorriso encorajador. –Também prometa para mim que vai conversar com a Dr. Lúcia sobre isso? Não esconda os detalhes.
- Prometo. Vou falar tudo.
- Inclusive que você anda bebendo.
- Tudo bem. É o certo.
- E vai caber a mim ir conversar com a Raquel.
- Ah, não, Thomas!
- Tyler, você sabe que eu preciso.
- Vai parecer que eu e o Rafa temos 5 anos de idade!
- E vocês não tem? Para brigar desse jeito?
Fico emburrado. Mas se já está ruim para mim, eu não gostaria de estar na pele de Rafael.
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