Capítulo 50
Desço as escadas, sentindo tudo girar com o álcool e minha fúria. Viro a primeira bebida que vejo pela frente. Deixo a vodka pura queimar meu corpo todo, nem tremo.
Encho meu copo e vasculho o local à procura dos meus amigos.
Chul conversava com Samuel e seu grupinho. Ele não se vira para mim, porém o ruivo me vê, dá uma piscadinha e levanta seu copo como um "brinde".
Minha vontade era ir lá e beijá-lo na frente de todos. Na frente de Rafael. Tudo por vingança e ciúmes. Porém não o faço.
Mais porque não aguento o Samuel agora do que qualquer outra coisa.
Akin e Anna estão se beijando contra a parede, perto de onde as luzes não alcançam e o pessoal dança. Vislumbro uma mão boba ali, e fico impressionado com meu amigo, que sempre fora certinho.
Sem nada para fazer, continuo bebendo em velocidade recorde, mas me policiando para não passar mal, apenas para ficar tão embriagado a ponto de esquecer meu nome.
Não. Melhor.
A ponto de esquecer ele.
Continuo perto do bar, vendo as pessoas passarem. Algumas meninas da minha sala conversam comigo por um tempo, tentando puxar assunto, vendo que estou sozinho. Mas fico sem rodeios e não rendo o papo. Não estou no clima. Estou puto. Tenho sangue em meus olhos e chateação no meu coração.
Anna vem até mim, quando se desgruda de Akin, e percebe minha solidão.
- Encontrou o Rafa?
Assinto.
- E onde ele tá?
- Estava na piscina.
- Aconteceu alguma coisa? –Anna nota minha rigidez, olhando para os meus ombros tensos.
- Só ele sendo o pior amigo do mundo. –Dou um sorriso cênico e meus olhos marejam sem eu nem ter tempo de pensar.
- Ty...
- Não, foi... péssimo. A pior conversa do mundo. Ele não está sendo ele mesmo, e eu, ah... Anna, eu não sei como, mas eu o amo, e o odeio.
Ela sorri e me abraça.
- Acho que isso faz parte do processo. –Ela cochicha em meu ouvido.
- Não sabia que ia doer tanto. –Me deixo soluçar no seu ombro.
- É tudo muito intenso. Vocês se conhecem desde sempre.
Não sei mais o que falar. Ela mesma parece não ter mais conselhos para minha situação. Depois de um bom minuto me lamentando, me recomponho.
- Pode ir lá curtir a festa. Preciso ficar um pouco sozinho.
- Tem certeza?
- Sim, vou só tomar um ar e ficarei bem.
- Ok. Bebe uma água. Você não deve nem estar conseguindo falar paralelepípedo.
Nego com a cabeça, porém não consigo mesmo falar essa palavra.
Caminho em direção a área aberta da casa, perto da grama. Entretanto, antes que eu pudesse chegar lá, vindo na direção oposta, Lucas entrelaça seu braço em meu pescoço.
- Qual é, Ty Ty? Curtindo a festa?
Me afasto dele, com cara de desdém.
- Mais ou menos.
- Ué, não gosta que eu te toque, não. –Ele tenta colocar as mãos nos meus ombros, mas eu dou um pulo.
- Não. Valeu.
- Rá. Quer dizer que não me pegaria?
- Nem por um milhão de reais.
Ele ri e olha para cima, botando as mãos na cintura e morde a língua. Está sem camisa e meio úmido pelos mergulhos na piscina.
- Você consegue ser um pé no saco do Albuquerque, às vezes, sabia?
- Como é que é?
- Você empaca a vida do Rafael. Todo mundo sabe que você é caidinho por ele, porém ele não gosta de homens.
Eu quase rio. Mas não dou a ele o que ele quer. Não mesmo.
- Já acabou? Porque olha, Lucas. Você é uma perda do meu tempo.
Ele suspira, com aquela soberba estampada em seu rosto.
- Já, já sim.
Ele vai em direção a pista de dança, e eu me viro para ir ao gramado. Assim que me sento em um canto isolado, a música para e há algumas vaias em protesto.
Acho que é um problema no som, mas não.
Meu coração dá um salto ao reconhecer minha voz saindo dos alto-falantes.
- Oi pessoal, aqui é o Tyler, e o hoje, o ASMR...
Corro para a pista de dança, para impedir seja lá o que estiver acontecendo. Todos me encaram correr, e quando chego na sala, Lucas está com o celular dele na mão, com um grupinho vendo meu vídeo e rindo.
Ouço cochichos a minha volta, não sei onde estão meus amigos, as luzes me cegam e os barulhos repetitivos feitos por mim rompem meus ouvidos.
- Caralho, Lucas. Tira isso! Porra!
Enquanto todos tiram sarro do meu vídeo, Rafael desce as escadas, e olha de mim para Lucas, e de Lucas para mim.
Tento implorar por ajuda, mas só consigo transmitir ódio em meu olhar. É culpa dele. Todo o meu ser entra em pane entre querer que ele impeça aquilo e querer gritar com ele.
- O que tá rolando aqui? –Rafael grita das escadas, fazendo todos na sala o encararem. É hora do show.
- Vem ver, Albuquerque, o que o Tyler tem feito na internet.
- Vídeos para excitar as pessoas. Falando baixinho... -Um rapaz fala.
- Seduzindo os sugar daddys por aí! –Mais alguém grita.
- Vê se cresce, caralho. –É a voz de Samuel.
- Virou namorado dele agora, Samuka?
- E se eu fosse? Teria algum problema, Lucas?
- Longe de mim. –A risada continua debochada. –E você Albuquerque, desce aqui. Vem ver o vídeo do seu namorado.
Rafael solta a maior gargalhada do mundo.
- Mesmo que eu fosse bicha, eu jamais namoraria alguém que pagasse um mico desses na internet.
Todo mundo ri.
Não acredito no que ele acabou de dizer.
Todos os meus pesadelos se concretizaram.
- O que você acabou de dizer? -Eu questiono.
- Eu não vou repetir. –Ele desce as escadas, lentamente, fazendo uma cena, que ele adora. Sinto o sorriso diabólico de Lucas atrás de mim.
- Não tem culhão para repetir, né?
- Chega disso, gente, o canal do Tyler é ótimo! –Uma das garotas da minha sala me defende, e me sinto mal por não ter feito questão da nossa conversa mais cedo.
- É, ele tem quase 100 mil inscritos! –Outra grita.
É bom ter alguém te defendendo. Seria melhor ainda se fossem meus amigos que eu não sei onde estão!!!
- 100 mil? Só? Diz aí, subcelebridade, quantos você tem no Instagram?
- Responde, porra! –Outro garoto grita.
- 20 mil, por aí. –Digo baixinho, quase sussurrando.
- Grande coisa, eu tenho 100 mil no Instagram. –Rafael comenta, agora já cara a cara comigo, do lado de Lucas e companhia.
- Que merda é essa, Rafael? –Pergunto.
- Só estamos conversando, ué.
- Eu chamo isso de uma cena, você ama uma cena. Não consegue ficar sem atenção, né?
- Eu que sou carente de atenção? Você não desgruda de mim um segundo, garoto! Não me deixa respirar. É saudades da sua mãe, por acaso? Ou do seu pai?
Quando ele diz isso, vejo arrependimento por um milésimo de segundo em seu rosto, percebendo que falou a coisa mais errada possível e que ali acabava tudo o que tínhamos. Para sempre.
Não percebo quando minha mão levanta, para dar um tapa, porém meu punho se fecha no último instante e dou um soco em seu maxilar.
Ele revida me empurrando e batendo em minhas costelas, não ao ponto de impedir o golpe, pois sinto uma dor excruciante em meu punho. Eu tropeço em alguma coisa, e levo Rafael junto. Rolamos no chão enquanto as pessoas clamavam "BRIGA! BRIGA! BRIGA!".
Não sei onde estou socando, onde estou chutando, onde estou puxando. Só sei que está tudo doendo e sinto gosto de sangue na minha boca.
Puxo sua camisa, num impulso de raiva depois de um golpe no nariz, e estou pronto para enforcá-lo, quando sinto outra pessoa puxar minha blusa, me tirando de cima dele.
- PERDEU A CABEÇA, CARALHO? –Akin berra nos meus ouvidos, mas escuto tudo como se tivesse debaixo d'água. Agora que os golpes pararam me sinto todo mole.
- VOCÊS! PARA A CASA AGORA! –João Pedro segura Rafael, que me encara como um serial killer e cospe sangue no chão. –A FESTA ACABOU! TODOS PARA A CASA!!!
O garoto estava desesperado, olhava de mim para Rafael, com medo de dar problema para ele.
- Akin, avisa o João que vai ficar tudo bem. –Falo meio bêbado e confuso.
- Vamos sair daqui, Ty.
Nos viramos e vejo Anna chorando nos braços de Chul, e Chul com o seu olhar de maior decepção no rosto. Estou todo quebrado.
Não sei se perdi mais de um amigo hoje.
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