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Capítulo 38


- Olha, eu sinceramente estou ficando meio chateado porque ser heterossexual está me fazendo ficar excluído no grupo. –Akin comenta enquanto se aproxima dos dois. Eu apenas fico de olhos arregalados. Dessa vez, a minha mente dá pane.

Rafael sorri e levanta os braços, e joga o cabelo para trás com a mão.

- Emudeceu, Ty?

Não respondo.

- Vai se foder. –Na verdade, eu respondo. Mas eu não deixei. Meu cérebro perdeu o filtro.

Rafael ergue as sobrancelhas, porém não diz nada.

- Tudo beeem... Estou muito perdido agora porque tá uma tensão estranha que eu sinceramente desconhecia aqui. –Akin comenta tentando quebrar o gelo, no entanto, ele troca olhares com Chul e no fundo ele sabe de tudo. 

Ele é observador o suficiente para saber de todo o transtorno que está acontecendo.

E estou embriagado e não estou nem aí.

- Preciso ir no banheiro. Já volto.

Não espero a resposta de nenhum deles.

Sigo para os banheiros que estão só alguns metros a frente. Não me preocupo em me perder. Nem está tão cheio.

Quando entro na fila, me dou conta de que nem queria ir ao banheiro e não sei o que faço ali.

Alguém cutuca meu ombro e me viro para trás.

- Ty? –O garoto com cabelo acobreado me encara meio incerto.

- Samuel?

Eu encaro o meu colega de classe, meio ruivo, e vestido de anjinho, em contraste com sua personalidade de satanáries.

- Caralho, nem sabia que você era do tipo que curtia carnaval. – O ruivo me abraça e eu retribuo.

- Quem não curte. –Falo de forma dissimulada, como se fosse meu quinquagésimo carnaval.

- Você tá gostoso demais, sem camisa, assim. –Ele não me solta e seus braços pousam tranquilamente na minha cintura, abaixando um pouco meus shorts e deixando a mostra minha cueca preta.

- Você também. –Digo, sem nem pensar se acho mesmo isso.

Porque estou com raiva de Rafael.

Estou chateado com Chul.

E decepcionado comigo mesmo.

Então beijo Samuel para compensar isso de alguma forma, mas o beijo é molhado demais. Bêbado demais.

Quero que acabe.

Me afasto dele, calmamente e arrumo uma desculpa para sair da fila do banheiro que teoricamente eu estava esperando para usar.

Volto para a barraquinha em que os meninos estavam. Mas eles não estão lá.

Vou para um canto e me curvo, tomando cuidado ao pegar o celular para mandar uma mensagem no nosso grupo.

Porém o celular não liga.

Descarregado.

Tento manter a calma.

Volto para a entrada, onde Anna estava com as garotas, porém não há ninguém lá.

Quero morrer porque como eu pude ser tão burro e não ter carregado o celular ontem a noite? COMO?

Me amaldiçoo com mil nomes diferentes, e choro por Thomas estar certo. O carnaval era aterrorizante! Só deu problema desde que resolvi botar os meus pés para fora de casa!

Inspiro uma boa quantidade de ar e me esforço para usar um pouco da minha racionalidade.

Aqui era um lugar fechado. A avenida era reta.

Em algum momento eu deveria esbarrar neles.

Ando para lá e para cá, olho para os cantos, para os lados. Vou até o final da avenida, onde o trio nem chegara ainda e nada.

Até que uma garota fantasiada de onça me chama atenção.

A garota que Akin ficara.

Corro até lá para conversar e nem sei se ela me reconhece.

- Ei, meu amigo, que estava com os peitos cobertos por fita isolante preta, ficou com você! Você tem o número dele ou...?

A garota me abraça e me dá um beijo molhado na bochecha. Percebo que ela é mais velha, deve ter em torno de uns 22 anos.

- Você é uma graça! Perdeu dos seus amigos?

Assinto, já com os olhos marejados de desespero.

A garota acaricia meu rosto e suspira.

- Infelizmente seu amigo não quis me dar o número dele. Uma pena.

Uma lágrima solitária cai pelo lado direito e eu murcho.

- Mas você pode ficar comigo e com minha turma se quiser, até achar eles.

Olho para ela e o grupo em volta.

Por que não?

- É carnaval, né? –Falo, mas sem muita animação.

- É carnaval, bebê!

Ela grita, levanta a latinha de Skol Beats e me oferece, eu bebo, mesmo sabendo que não deveria.

Quando percebo já estou dançando Medley da Gaiola com a garota-onça que eu nem sei o nome, aprendendo a fazer quadradinho e rebolar a raba sem parecer um completo travado.

Rimos muito e me permiti curtir sem preocupações, porque de que adiantaria eu ficar chorando pelos cantos no caos e na confusão que era o carnaval? Acho que esse era o ambiente mais apropriado para aprender a sobreviver em sociedade e se adaptar as situações inusitadas que a vida te joga.

- Aqui, gracinha. –A garota-onça tocou meu ombro e chegou mais perto do meu ouvido. Percebi que ela me chamava assim porque ela não sabia meu nome também. –Meu amigo, ali, de cabelo preto quer ficar com você.

- OI? Qual deles? –Porque sinceramente, todo mundo na roda tinha cabelo escuro, inclusive eu.

- O com asas de anjo.

Encaro o menino. Que mais parecia um homem. Ou um garoto. Ao mesmo tempo que ele não era mais adolescente, não tinha aparência de adulto. Era universitário, claramente, nos auge dos seus 20 e poucos anos. O corpo era belo, definido, o maxilar marcado, e ele parecia despreocupado com a garrafa de cerveja na mão.

Aquele cara queria me pegar?

Caralho.

- Tranquilo. Eu quero.

Ela sorri com cumplicidade e vai falar com o segundo anjo que eu beijaria naquele dia.

O garoto me fita e eu o observo de volta. O contato visual foi o suficiente. 

Ele se aproxima devagar, perguntando com o corpo se pode chegar mais perto. Enlaço minha mão atrás da sua nuca e aproximo seu rosto do meu, sentindo o gosto de suor, cerveja e excitação.

Seu beijo foi firme, gostoso e dedicado. Puxo seu cabelo e solto um suspiro quando ele se afasta com um selinho.

- Qual seu nome? –Ele pergunta, delicadamente, com a voz grave.

- Tyler. –Me sinto envergonhado pela minha voz fina e me sinto uma criança.

- Prazer em te conhecer, Tyler.

O garoto anjo se afasta e some na multidão, e fico frustrado porque não perguntei seu nome. Mas eu supero.

A garota onça também sumiu.

Estou sozinho de novo.

Droga.

Continuo a minha caçada pelos meus amigos, querendo desistir a cada quarteirão. Vou no banheiro umas três vezes nesse meio tempo, minha bexiga clamando por misericórdia enquanto meu fígado chorava.

Quando eu começo a sentir fome novamente, e a dormência vibrante e eufórica que o corote havia me proporcionado vai se esvaindo, é que quero realmente desistir e ir para casa.

Mas fico com medo de ir embora sem avisar os garotos, que também deviam estar preocupados.

Entretanto, eu de mãos vazias para a comunicação só me restava torcer pelo melhor.

Fui me encaminhando para a saída, quando vejo um garoto dando PT e vomitando na calçada.

Eu devia ter deixado para lá, mas aquele cabelo castanho-avermelhado não me era estranho. As asas de anjo uma vez que foram brancas já estavam amareladas, e a auréola que devia estar na cabeça provável que estava a muito perdida por aí.

Chego mais perto e reconheço alguns garotos da minha escola e pergunto.

- É o Samuel? Ele tá bem?

- Tá. Só botando um pouco para fora. – Um menino com calção vermelho sangue e orelhas pisca-pisca do demônio diz para mim.

- Ah, sim... Samuka, é o Tyler, aqui!

O garoto levanta a cabeça, tentando focalizar em mim.

- Ty?

- Isso! Faz um favor para mim?

- Claro, lindo.

Ele não estava nada bem.

- Me empresta seu celular?

Ele levanta os braços em rendição e resmunga algo que não entendo.

O garoto ao meu lado vestido de diabinho me estende o celular dele.

- Tá comigo. Ele não está em condições.

- Obrigado. Só vou ver se ele tem o número de algum amigo meu.

Ele assente e me observa. Caço os nomes de Rafa, Akin, Chul e Anna. Mas nada. Entro nos grupos, mas não tem nenhum da escola porque as aulas ainda não começaram e ele saiu dos do ano passado.

- QUE INFERNO!!! –Grito, e não consigo nem chorar mais, de tanto raiva que estou sentindo. Só quero chutar algo.

- Amigo, tá tudo bem? Só não quebra o celular, por favor. –O amigo de Samuel ria de mim, e eu devolvo o celular.

- Ele não tem o contato de ninguém que estava comigo, ninguém!

- Com quem você estava, talvez eu conheça?

- Você é da nossa escola?

- Já fui. – O garoto tragava um cigarro despreocupadamente. –Talvez eu conheça.

- Tá bom. É... –Me esforço para lembrar os sobrenomes dos meus amigos. -Rafael Albuquerque, um loirinho. Anna Raylla Torres Almeida, ela entrou tem só dois anos, talvez você não conheça. Akin Edson Silvera e Chul Pereira Park. –Falo mais para mim mesmo, nervoso. –Ah! Também estávamos com duas garotos, Ana Carolina e Isadora, mas não sei os sobrenomes.

- Calma, cara. Fica tranquilo. –Ele traga o cigarro mais uma vez, e sua tranquilidade, assim como a de Samuel, me é irritante. Ainda mais agora que estou em prantos. –O loirinho é famoso no Insta? Acho que sigo ele. Posso mandar uma mensagem.

- Sim! Caralho! Como não pensei nisso. Sim, faz isso, por favor. Fala que o Tyler está bem e que está indo para a casa. Explica que meu celular descarregou e eu me perdi. Manda ele ir para a minha casa também, por favor.

Eu fico atento ao garoto enquanto ele digita a mensagem.

- Prontinho.

- Muito, muito obrigado!

- Nada. E aqui, esse Akin que você falou, ele joga futebol, ou algo assim?

- Sim, por quê?

- É esse aqui? – Ele me mostra a foto de perfil de Akin no Whatsapp. Sua clássica foto no espelho com uma camisa de time antes de qualquer rolê.

- O próprio. Você tem o contato dele??

- Sim, mas para mim ele é o Edson. Por isso fiquei confuso. A galera que jogava futebol lá no campinho perto da escola chamava ele assim.

- Ahhh sim! Agora tudo faz sentido. –Mesmo não fazendo sentindo nenhum. –Pode mandar mensagem para ele também? Só para garantir.

- Claro. –Ele copia e cola a mesma mensagem da DM de Rafael. –Pronto.

- Você salvou a minha vida. Obrigado. Nem sei como agradecer.

- Imagina. –Ele dá de ombros. –Ainda tem gente legal no mundo.

- Amém!

Sorrio e me despeço do garoto, que na verdade se chama Gabriel.

Ele poderia até estar vestido de capeta, em par com a fantasia de Samuel, mas ele era o terceiro anjo do dia, que dessa vez eu não beijei, mas sim salvou a minha vida e o meu carnaval.

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