Capítulo 13
Quando chego da escola, nesse mesmo dia, encontro Thomas mexendo em seu notebook na sala. Talvez editando algo para o canal, ou respondendo e-mails. Não importa. Esqueci que deveria estar furioso com ele por ontem. Eu ainda estou. E ele está comigo.
Ele me encara quando entra pela porta da frente e finge indiferença.
- Vai ter que esquentar a comida no micro-ondas.
- Tudo bem.
Tom arqueia as sobrancelhas para mim. Ele definitivamente não estava esperando uma resposta amistosa, vindo de mim. Quando eu ficava com raiva, eu tendia a ser um pouco rancoroso. Talvez uma greve de silêncio por uns poucos dias. Mas agora minha voz saia suave e leve, hasteando uma bandeira branca entre nós, apenas para eu manchá-la com sangue de traição depois.
Figuradamente, é claro.
- Preciso falar com você. –Digo por fim, depois de comer. Prioridades.
- Não está furioso porque coloquei um pouco de lucidez na sua cabeça ontem?
- Não é sobre isso. –Respondo, me segurando para não parecer grosso, mas sem negar a verdade. Estou chateado ainda.
Droga, eu sou tão respondão assim? Eu devo ser um saco.
- Diga.
Respiro fundo, tentando controlar meus batidos cardíacos. Estou prestes a entrar na toca do lobo e receoso de não sair de lá vivo.
- Querovisitaropapai.
- O quê? Fala direito, Tyler. Nós já aprendemos isso. Respiração. Pensar antes de falar. Dicção.
Respiro fundo, mais uma vez.
- Quero ver o papai.
- Como? –Ele pergunta mais uma vez, e sei que ele ouviu, mas deseja ter ouvido errado.
- Preciso ver o nosso pai. Quero agendar uma visita.
Thomas está me olhando como se não me conhecesse agora. Como se eu fosse um completo estranho que entrara no apartamento.
- Por quê?
- Faz muito tempo.
Ele se encosta no sofá, agora com a cara fechada e braços cruzados. Eu nunca o vi tão bravo. Seu rosto pálido estava escarlate.
Thomas não me encara mais. Fica em silêncio.
- Tem muito tempo que não o vemos, Tom. –Explico melhor. –Talvez algo tenha mudado. Ele não tem ninguém além de nós dois e, tenho certeza que...
- Você tem alguma ideia, de tudo o que eu fiz para você não morrer nas mãos dele? Você tem ideia, de quantas noites eu deixei de dormir? Quantos socos e chicotadas eu levei para te proteger? –Agora Thomas me encarava com o rosto cheio de lágrimas, vermelho, e estava furioso. –Você tem ideia de que aquele homem nunca sequer nos amou? Que ele nunca amou ninguém além de si mesmo e a cachaça. Que ele maltratou nossa mãe até os últimos dias da sua vida? VOCÊ NÃO FAZ A MÍNIMA IDEIA, TYLER! Porque eu te mimei! Eu dei tudo o que você queria! Eu dei todo o meu tempo e amor, e mais! Minha juventude!
- Tom, eu não, eu não me esqueci dessas coisas, só que...
Eu queria poder me encolher até não existir mais.
- SÓ QUE O QUÊ, TYLER? PORRA! ELE PREFERIA QUE VOCÊ ESTIVESSE MORTO! ELE DISSE TODAS ESSAS COISAS PARA VOCÊ NAQUELE MALDITO NATAL EM QUE FUGIMOS DE CASA PORQUE IRÍAMOS MORRER ESPANCADOS!
- THOMAS! Isso foi há 6 anos, merda! Talvez ele tenha mudado, n-n-não sei, pelo menos nós ainda temos um pai! –Tento contra argumentar, pensando no Rafa, que nem pai tem.
- ELE ODEIA QUEM VOCÊ É! ELE FEZ TODA ESSA MERDA PORQUE VOCÊ ERA INOCENTE DEMAIS PARA SABER QUE SER GAY ERA O MAIOR DOS PECADOS PARA ELE! E VOCÊ AINDA É INGÊNUO DEMAIS, TYLER, PARA NÃO VER QUE QUEM TE AMA DE VERDADE ESTÁ BEM AQUI, MAS VOCÊ NÃO DÁ UM PINGO DE VALOR PARA ISSO! VOCÊ AINDA GUARDA TODO O SEU AMOR POR ALGUÉM QUE NÃO ESTÁ NEM AI PARA VOCÊ! PELO AMOR DE DEUS, SE AME UM POUCO MAIS TYLER! VOCÊ SÓ GOSTA DAS PESSOAS ERRADAS!
As palavras entram em mim como facas. Sei que isso também se refere ao Rafa.
Chega de jogar levemente. Vou ser baixo dessa vez.
- VOCÊ, LOGO VOCÊ, THOMAS, QUER FALAR SOBRE AMOR PRÓPRIO COMIGO? ME FAÇA UM FAVOR, VAI SE TRATAR! PORQUE VOCÊ É DANIFICADO! NOSSO PAI TE DANIFICOU E VOCÊ NÃO PROCURA A MÍNIMA AJUDA. ACHA QUE EU NÃO OUÇO SEUS GRITOS QUANDO ADORMECE E TAMBÉM TEM PESADELOS? ACHA QUE EU NÃO VEJO SUAS OLHEIRAS POR FICAR DIAS SEM DORMIR? ACHA QUE EU NÃO SEI QUE VOCÊ É A DROGA DE UM VICIADO EM CIGARROS? VOCÊ ESTÁ VAZIO, THOMAS! SE NÃO FOSSE POR MIM E A LILIAN VOCÊ JÁ TERIA SE MATADO. E AGORA QUER ME DAR A DROGA DE UMA LIÇÃO SOBRE AMOR PRÓPRIO? VOCÊ NÃO SE CUIDA! VOCÊ NUNCA PROCUROU AJUDA DEPOIS DAQUELE NATAL E PERMANECE QUEBRADO DESDE ENTÃO. Merda.
A última palavra pronunciada sai da minha boca em um sussurro, porque é isso que eu fiz. Fiz merda, e acho que agora nunca vou consertá-la. O que eu disse foi imperdoável.
O semblante de Thomas não é mais furioso. Ele, por um momento, me olha confuso como se não reconhecesse mais nada. Eu, nosso apartamento, ele mesmo. Ele respira fundo, e outra. Fecha os olhos.
Quando ele os abre, vejo aqueles buracos negros de raiva sumirem e tudo que há neles é a dor da traição. Como um chute no meu estômago, Thomas fala calmamente mas percebo seu maxilar travado.
- Vou conversar com a mãe da Lily hoje. Amanhã iremos até a Dr. Lúcia.
- Obrigado. –Sussurro.
Quando Thomas passa por mim, eu me encolho, com medo dele fazer alguma coisa. Ele para e me encara, e parece que meu irmão envelheceu 10 anos em 10 segundos. Olhos cansados e tristes. Thomas está completamente perdido e fora de si.
- Eu jamais te machucaria, Ty. Não importa o quão ruim for a briga. Nunca.
Engulo em seco e assinto.
Vou para o meu quarto e me tranco lá.
Ouço um soluço abafado e sei que Thomas está chorando descontroladamente no banheiro. Às vezes esqueço que ele tem só 23 anos.
Me encolho na cama e enfio minha cara no travesseiro e choro também. Espero ficar lá até o fim da minha vida porque sinto que destruí a minha família por completo.
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