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Capítulo 1 sem título

     Em uma escola pública num bairro pobre da periferia de Belo Horizonte, um garoto chamado Pietro, de apenas 5 anos, esperava seu pai. Verão, época quente e movimentada, rua da frente da escola repleta de crianças na hora da saída... As famílias, em sua maioria carentes, vinham buscá-los de bicicleta ou ônibus e outras poucas, entre elas a de Pietro, tinham um carro velho para buscar o filhão.

     Cada dia, uma das "tias" era escalada para acompanhar a saída dos meninos e assegurar que nenhuma criança saísse do portão principal da escola desacompanhada. Aquele era o dia da Letícia, uma garota de 19 anos que tinha começado a trabalhar na escola fazia uma semana. Era usuária de drogas e insistiu pelo emprego para sustentar seu vício.

     Aquele entardecer nauseante, talvez nostálgico, que trazia uma sensação de insegurança e esquisitice, foi o momento ápice para Letícia, pois seu organismo estava em plena abstinência, desesperado por um pouco de cocaína. Pietro a importunava puxando seu vestido, perguntando pelo pai, que já demorava um pouco mais que o normal; ele morava longe, na zona rural.

        Impaciente, a garota irresponsável e já reincidente em maus tratos verbais com as crianças gritou com o menino:

– Sai daqui, sua praga nojenta! Vai procurar o que fazer, pirralho! Senta lá na escada e não me encha mais a porra do saco.

      O garoto encheu os olhos de lágrimas e saiu correndo para fora da escola, passando pelo portão principal. Ele ainda pode ouvir o sermão da "tia" da escola:

– Isso! Corre bastante na rua pro carro te atropelar!

     O menino, inconsolado, sentou-se no chão, no lado de fora do muro, no outro lado do quarteirão. Minutos depois o pai chegou à porta da escola na sua Brasília 1992, esperou alguns segundos, desceu do carro e veio perguntar sobre seu filho para Letícia:

– Moça, ondé que tá meu fiu, o Pietro?

– Ah, ele estava chorando e saiu correndo por aí, dobrou o quarteirão à direita.

– Mar comé que tu me far um negócio desse, gente do céu??? Vo atrás desse meu fiu que é a única coisa que a bebida ainda não me tirô!

      Entrou desesperadamente no carro para procurá-lo, dobrou à direita e viu Pietro entrar em um carro de luxo preto, de vidros fumês. Assim que o menino embarcou, o veículo acelerou rapidamente, tomando distância do trânsito que havia na frente do Sr. Francisco, pai do menino. Desesperado, o homem cortou o trânsito pela contramão, atravessou um sinal vermelho e foi atingido por um caminhão que vinha no cruzamento. Como a batida não fora muito forte, Francisco retomou o caminho com o seu para-choque pendurado e continuou seguindo o carro.

      Os dois costuraram as ruas de Belo Horizonte, pegaram uma via expressa e saíram da área urbana da cidade. Logo a Mercedes tomou a direita e entrou no luxuoso hospital Pinto Moreira, por onde passavam as pessoas de alta renda doentes. Francisco chegou cerca de dois minutos depois e teve de se identificar na cancela do hospital. A atendente custou a liberar sua passagem, perguntando se ele já tinha cadastro e, em seguida pedindo que lhe anotassem a placa do carro.

       Enquanto isso, ele podia ver a Mercedes estacionando em uma vaga privativa e desembarcar três homens vestidos de terno e gravata, dois deles carregavam um saco preto de lona para dentro do hospital. Nessa hora, Francisco já não suportava mais esperar e desistiu de explicar que seu filho tinha sido sequestrado. Furioso, passou à primeira, rompeu a cancela, parou o carro no meio de duas vagas e desceu com sua espingarda de caça na mão. Dois seguranças vieram e mais que depressa foram mortos por Francisco.

      O sistema de segurança do hospital foi acionado com uma sirene e luzes vermelhas piscando por toda parte; já era noite. Francisco tentou entrar pela porta para onde vira seu filho ser carregado, mas estava trancada e não havia tempo para arrombá-la, pois mais seguranças corriam em sua direção. Pulou, então, uma cerca lateral e foi ao fundo do hospital, no local de descarte de lixo hospitalar e, por lá, conseguiu adentrar a construção, chegando à área de serviços.

     Cruzou com diversos funcionários responsáveis pela limpeza, que o olharam assustados por ele estar com uma arma nas mãos. Francisco estava enlouquecido e faria o que precisasse para encontrar seu filho. Subiu as escadas de serviço até o penúltimo andar, por onde teve acesso a algumas salas de procedimentos cirúrgicos. Com a sorte de não encontrar ninguém no caminho, verificou três salas, que estavam destrancadas, mas vazias. Na última delas apanhou um jaleco branco, máscara de médico, luvas e esfiou dois ou três aparelhos cirúrgicos, entre eles um bisturi. A arma enfiou por dentro da calça, deixando com que o jaleco cobrisse a coronha. Não era aquele tipo de ação de agentes secretos especialistas em disfarce, tinha mais o aspecto de um alcoólatra enfurecido, capaz de fazer qualquer coisa para encontrar a criança.

      Suado, com os olhos ardendo em raiva e desespero, desceu pelo elevador indo ao andar de baixo, onde encontrou outras salas, todas de leitos para repouso. Desceu mais um andar e seguiu o corredor, desta vez andando lentamente para não levantar suspeita. Cruzou por alguns enfermeiros que o olhavam estranhamente, pois o jaleco escondia sua camisa rasgada, mas não a calça jeans surrada. Chegava a ser paradoxal um médico sujo, barbudo e mal encarado.

     Ignorando os olhares desconfiados, dobrou a direita e observou uma placa que dizia "Acesso restrito, urgência cirúrgica". Ele não sabia ler, mas decidiu seguir por ali, pois a cor vermelha do letreiro lhe chamou a atenção. Lá transpassou mais alguns enfermeiros e médicos e todos o olhavam de forma estranha, um deles chegou a segurar seu braço, mas ele ignorou e continuou andando rapidamente em direção a uma sala no final do corredor.

      Empurrou a porta de aba dupla e teve acesso a outra porta, com uma pequena janela de vidro. Olhou rapidamente e viu seu filho desacordado sobre uma mesa, pronto para ser operado. Antes que pudesse pensar em alguma coisa, seguranças vestidos de terno preto o seguraram pelos braços, tamparam sua boca e o arrastaram a força pelos corredores do hospital. Levaram-no para o elevador e lá ele entrou em briga corporal e cortou a garganta de um dos seguranças com o bisturi. O outro sacou uma pistola e tentou lhe acertar com um tiro, mas errou o alvo e atingiu o sistema elétrico do elevador, fazendo-o parar e perder a iluminação.

      Com as luzes do elevador piscando e faíscas saindo do painel eletrônico, Francisco conseguiu tirar a arma da mão do segurança e esmurrá-lo, depois sacou sua espingarda e atirou na cabeça dele, fazendo explodir o crânio. Desesperado, Francisco tentou bater com a arma na porta e nas laterais do elevador, mas ele havia parado entre dois andares. Então ele largou a arma e com as mãos conseguiu abrir uma brecha na porta. Em seguida, pendurou-se em um suporte e foi descendo pela parte interna da parede, bem abaixo da cabine do elevador quebrado.

       Pisando euforicamente sobre canos e fios, ele escorregou e caiu até o térreo, tendo a queda amortecida pelos encanamentos que ele quebrou com o peso do corpo. Sobreviveu, mas teve uma perna quebrada e saiu mancado por uma portinha de refrigeração na parede. Teve acesso então a um depósito de lixo interno. Ele procurou um latão de lixo grande e cheio de sacolas e se escondeu, mas dentro de algumas sacolas haviam seringas usadas e uma delas continha vestígios de anestésicos. Após se furar não aguentou permanecer lúcido e desmaiou.

       Esteve lá durante horas e acordou no meio da madrugada, quando ouviu ruídos de porta fechando. Lentamente, observou o ambiente e saiu da lata de lixo. Viu então que uma nova caçamba de lixo havia chegado ao galpão. Aproximou-se e encontrou lá uma série de sacolas plásticas. Revirando-as, descobriu que era um descarte de peças humanas, membros apodrecidos, resíduos corporais de amputações e sacos com vísceras. Não por acaso, o corpo de seu filho estava lá, atirado dentro de um saco preto.

       Ele tirou o corpo do filho do latão e o agarrou nos braços, chorando desesperadamente. A criança tinha o peito costurado, pois tinham arrancado-lhe o coração para um transplante em um garotinho de nove anos, filho de um poderoso empresário da cidade.

       Revoltado, ele encontrou uma saída e, não se sabe como, levou o corpo do filho sem ser visto, pulando a cerca do hospital, indo a um grande campo pastoral. Era madrugada e o que restou a ele foi enterrar seu filho em uma pequena floresta afastada. De alguma forma, ele foi embora, levando consigo apenas um facão de cortar cana, que encontrou próximo a uma garagem da fazenda.

      No dia seguinte, na hora da saída da escola, Letícia saia às pressas pelo portão principal, mas se deparou com Francisco, que a recebeu com facadas sobre os punhos e a face. A garota morreu na hora e teve uma mão decepada e o rosto desfigurado antes que a polícia chegasse. Francisco foi preso e levado a um presídio de segurança máxima. No dia seguinte, saiu no jornal mais popular da cidade: "Psicopata mata jovem de 19 anos na porta da escola!". Na última página do jornal, havia um apelo à doação de órgãos com fotos de exemplos de doação, entre elas, a figura do menino que recebeu o coração de Pietro.

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