00. Ground zero
“Ai, eu me perdi de novo
Me perdi e não me encontro em lugar nenhum”
— Breathe me; Sia
OITO MESES ATRÁS
Bip… Bip… Bip…
O ruído agudo soa em meus ouvidos causando desconforto, tento tapá-los para aliviar a sensação, mas não adianta. Ainda consigo escutar nitidamente o som que parece ecoar na minha mente.
Olho ao redor tentando procurar sua origem, mas tudo o que encontro é o puro breu. Não existem objetos ou pessoas ao meu redor, parece um vazio sem fim que é preenchido pelo agudo constante. É assustador. O que é isso? Onde estou? Será que morri?
Bip… Bip… Bip…
A cada momento o som fica mais alto, e mesmo que me deixe agoniada pelo tom, ele é o guia que me orienta nesse espaço vazio e confuso. Em cada passo dado, oscilo em meus pés com medo de pisar em falso e cair. O que vai acontecer se eu deixar que isso ocorra?
Franzo o cenho com a minha percepção. Não estou sentindo dor ou tontura, parece que estou reaprendendo a andar com meu corpo, mesmo sendo uma ação cotidiana.
Então é isso o que chamam de recomeço? De segunda chance?
Bip… Bip… Bip…
Tento abrir os olhos, mas minhas pálpebras parecem pesadas demais e difíceis de erguer, como se estivessem coladas. Uso toda a minha força para executar o movimento e me arrependo da decisão imediatamente. A luz intensa deixa minha visão turva e faz meus olhos arderem. Então os fecho novamente, tentando aliviar a sensação.
Mas duas certeza se concretizam nesses poucos segundos: esse não é o meu quarto e eu estou viva.
— Como estão seus sinais vitais?
Eu me assusto com a voz que surge de repente, mas não manifesto minha reação. Supus desde o início que estava sozinha no local, onde quer que seja, mas pelo visto me enganei. Então, por segurança e até conseguir mais informações, tomo a decisão de ficar quieta e com os olhos fechados, fingindo estar dormindo.
Com os anos, fui melhorando minhas habilidades de atuação, então parecer estar dormindo quando estou totalmente acordada é tão fácil quanto respirar.
— Houve uma queda na pressão arterial durante a madrugada, mas desde o episódio ela está estabilizada e ainda repousando.
A voz possui o tom baixo, acredito que para evitar que eu acorde, e feminino. Porém, percebo uma firmeza impressionante em cada palavra dita. Mentalmente, respiro fundo aliviada ao perceber que se trata de uma pessoa desconhecida. Antes ela do que a minha mãe, o pensamento surge de repente na minha mente.
Quero franzir o cenho com suas palavras. Tudo parece uma bagunça na minha mente e as perguntas não param de surgir a cada instante. O que aconteceu? Onde estou? Quem são essas pessoas?
— Qualquer alteração em seu quadro me bipe, estarei conversando com os agentes na minha sala.
Os passos se afastam e o som de uma porta abrindo e fechando ecoa no local, dando a entender que se foram. Mais desperta, sinto algo gelado percorrer meu braço direito e tremo com o frio que me causa. O que estão fazendo comigo?
Com a força renovada, faço uma nova tentativa de abrir os olhos, dessa vez, devagar, evitando que a luz me fira novamente.
Quando minha visão entra em foco, a primeira coisa que vejo é o teto branco. Tombo minha cabeça para o lado, confusa com o ambiente. Na casa da mamãe não tem nenhuma superfície dessa cor. Ela acha vazia e que destoa da decoração que escolheu.
Aproveito que a luz já não é um incômodo para minha vista e decido procurar a origem do barulho irritante que me acordou. Seguindo o som, meus olhos encontram um monitor cardíaco, sua tela está virada em minha direção, mostrando as ondas subindo e descendo.
Então entendo que os bipes agudos e constantes que me orientaram dentro daquele lugar vazio são os meus batimentos.
Eu estou em um hospital.
Quero gritar com a percepção, mas minha língua parece uma massa pesada dentro da boca e minha garganta está seca. Preciso de água e de alguém que possa dizer a razão para eu estar aqui.
— Bom dia, senhorita. Como está se sentindo?
Encaro a mulher vestida de branco parada em frente a porta. Seus cabelos castanhos estão amarrados em um coque e sua face tem uma expressão tranquila e de alguém bem vivido. Reconheço sua voz como a responsável por passar as informações a quem eu acredito ser a médica.
Sua pergunta que carrega uma nota de preocupação é o suficiente para me quebrar. Sinto as lágrimas escorrerem pelo meu rosto enquanto tudo o que guardei nesses últimos quatro anos transborda para fora de mim de maneira impiedosa.
O cansaço, a dor, a solidão, a perda…
Cada lembrança que aparece em minha mente aumenta o meu choro. Porque eu? Será que cometi tantos erros assim para merecer isso? Nada do que fiz foi o suficiente? Isso é culpa minha, como sempre… não é?
— Senhorita, preciso que se acalme ou os pontos podem romper. Consegue me acompanhar?
As mãos da enfermeira seguram meus ombros de maneira firme. Sua voz é calma, mas o tom firme guia meus olhos até os dela de forma automática, tornando-se o meu foco.
— Inspire devagar pelo nariz e expire pela boca. — Orienta-me mostrando como fazer.
Mesmo com a respiração oscilando, tento repetir o ato. Inspirando o que consigo e liberando aos poucos pela boca. Repito algumas vezes o ato até me sentir mais calma.
— Entendo que é uma situação complicada e que precisa repousar, mas precisamos de seu nome e idade para prosseguirmos com o cadastro de sua ficha no sistema.
Aceno com a cabeça deixando claro que entendi sua instrução, mas antes que consiga falar qualquer coisa, aponto para minha garganta tentando mostrar que estou com sede.
— Certo, só um instante.
Ela se afasta do meu leito e vai em direção a um balcão que fica na parede oposta de onde estou. Puxa um copo plástico do suporte e o coloca no filtro, enchendo-o.
Eu aproveito que seu foco está em outra atividade e finalmente reúno coragem o suficiente para encarar meu corpo. No braço direito está o acesso venoso, por onde o soro com medicação passa deixando um rastro gelado e desconfortável que me faz ter vontade de arrancá-lo.
Minha cabeça está posicionada sobre um travesseiro confortável e percebo que o tecido macio que está em contato com minha pele mantendo-a quente é um cobertor e, ao levantá-lo, percebo que a bata hospitalar que estou usando não está colocada corretamente.
Olho ao redor procurando qualquer indício das roupas que estava usando antes de chegar ao hospital, mas logo a enfermeira retorna com o copo em mãos.
— Aqui está, senhorita. Ajudarei a se levantar para que possa beber a água.
Ela mexe em alguns botões e sinto o leito se ajustar em uma posição que me deixa mais erguida, aumentando o campo de visão que tenho do quarto.
Tento colocar força para me sentar adequadamente sem depender do apoio criado, mas a enfermeira coloca a mão sobre meu ombro e me orienta através do seu toque como devo agir.
— Seu corpo está em processo de recuperação, não pode colocar tanta força em seu abdômen.
Ela me entrega o copo com água e tomo tudo rapidamente, percebendo o quanto eu estava precisando do líquido. Devolvo para ela que o enche novamente e traz até mim.
— Sei que a situação é delicada e está tentando processar os acontecimentos, mas preciso que informe seu nome completo e idade para fazermos o cadastro e seguirmos com o protocolo do hospital.
Aceno com a cabeça deixando claro que entendi suas instruções e limpo minha garganta para finalmente poder falar.
— Em…
Minha voz sai áspera, irreconhecível até para os meus próprios ouvidos. Sinto a região arder e massageio o pescoço com minha mão esquerda numa tentativa de aliviar a dor, mas sei que não é por estar seca.
— Emma…
Falo meu nome com dificuldade. Engulo saliva tentando me preparar psicologicamente para a sensação horrível que vai cruzar minha laringe inflamada.
— García.
Pisco os olhos algumas vezes sentindo as poucas lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Consegui falar o mais importante que é o meu nome, mas ainda falta a minha idade.
— De…
Penso em mentir, mas sei que ao puxar meu sobrenome aparecerá várias informações sobre mim. Um ponto negativo ao ser conhecida na mídia, só que existia um mínimo de esperança de que talvez minha mãe não fosse alertada a respeito da minha situação.
— Dezesseis… — Completo hesitante.
— Agradeço pela informação, senhorita García. Volto em um instante.
Vejo-a sair do quarto me deixando sozinha no local.
Sei que são alguns minutos, mas estar em um ambiente que não é meu e em completo silêncio me deixa agoniada. Quero tentar lembrar o motivo pelo qual cheguei aqui, mas estou com tanto medo do que pode acontecer que isso é a última coisa que passa na minha mente.
O monitor cardíaco apita indicando que meu ritmo está alterando, tento respirar fundo para que se estabilize como da última vez, só que não tenho sucesso.
Sinto meu corpo tremer e olho ao redor buscando qualquer coisa que possa me ancorar na realidade. Só que aqui não existe minha lapiseira favorita ou as mangas do meu casaco para me proteger. Estou num lugar desconhecido, sozinha.
Mal escuto quando a porta do meu quarto é aberta e a enfermeira entra, a sensação pungente que penetra em meu corpo tira qualquer percepção que tenho da realidade.
— Emergência no leito 5! Código azul! A paciente está sofrendo uma parada cardiorrespiratória!
É a última coisa que escuto antes de fechar os olhos.
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