02| Capítulo Dois
Era meu aniversário de seis anos, eu queria uma festa e meus pais organizaram tudo para me agradar, convidaram meus amigos da escola e nossos parentes próximos. Tinha um presente que eu queria muito, e meus pais sabiam disso, pois eu sempre pedia para eles, e foi naquele dia que eles me entregaram meu primeiro kit de médica, a partir de então eu passava horas e horas brincando e imaginando se um dia eu poderia ser uma médica de verdade.
Me lembro de ter pergutado a minha mãe se isso seria possível e ela me respondeu com um sorriso que eu poderia ser o que eu quissesse.
Esse comentário me deixou muito alegre e cheia de esperanças.
Mas não tem sido nada fácil estudar para o vestibular da UFV - Universidade Federal de Vasconcellos, uma cidade à vários quilometros de Paradise.
Meu maior sonho é cursar medicina lá. No segundo ano do ensino médio fomos visitar essa universidade e eu fiquei profudamente apaixonada, foi naquele dia que eu decidi que era ali que queria fazer medicina.
Mas sem condições de estar pagando um cursinho eu tenho que estudar por conta própria. Meus pais seguem me apoiando e incentivando, e isso é minha maior fonte de motivação.
E tudo o que eu mais quero e poder ajudá-los e lhes dar orgulho.
A situação aqui em casa se complicou um pouco desde que a padaria que meus pais são responsáveis entrou em crise, eles estão passando um apuro para pagar os aluguéis atrasados para o dono do imovél.
E eu tento ajudá-los trabalhando na Lanchonte Darius, mas as dívidas nunca acabam, ficam nos perseguindo e as vezes se tornam cada vez maiores e assustadoras.
O pouco que me sobra do salário tento guardar caso precise para a faculdade.
E assim a gente vai tentando levar a vida, sempre na esperança de que as coisas possam melhorar um dia.
Me pergunto o que meus pais achariam se soubessem que havia ido parar na detenção. Com certeza bem chateados, porém eles ouviriam minhas razões, ao contrário do professor Horácio.
Mandei mensagem para minha mãe dizendo que teria que ficar até mais tarde no colégio e que não iria passar para o almoço, iria direto para o trabalho na Darius, qualquer coisa comeria algo por lá.
Eu nunca tinha ido para detenção, então não sabia como funcionava aqui no colégio. Entrei com um pouco de receio na sala com a placa escrito detenção em letras de forma na cor preta logo em cima da porta. Eu já havia passado várias vezes por ela, mas não imaginava uma situação que viria parar aqui.
— Sarah? O que faz aqui? — Cristine a bibliotecária me pergunta com o rosto em espanto quando me vê entrar dentro da sala.
— Cheguei atrasada as aulas do professor Horácio, ele me mandou para cá — digo me aproximando da mesa onde estava.
— Ah, aquele velho é um pé no saco — ela fala posicionando uma das mãos perto da boca, sua voz sai em um tom baixo só para mim ouvir. — Preciso que você assine aqui — com a mão que antes estava próximo aos lábios ela puxa uma folha perto da borda da mesa. Era lista com os nomes dos alunos que vieram parar na detenção por alguma razão.
Assino no lugar que ela indica com a minha melhor caligrafia.
— Pode escolher um lugar para se sentar — ela me diz por fim.
Olho os lugares a minha frente. Havia três alunos na sala, Tommy Jones que havia estudado comigo no segundo e primeiro ano, ele adorava dormir nas aulas, Amanda Stanley, que adorava matar a quarta aula para ficar com os meninos atrás das arquibancadas depois do intervalo e Peter Jackson que vendia trabalhos de matemática e química. Cada um sentado em um canto da sala, Amanda lixava as unhas, Tommy parecia lutar para não dormir, e Peter estava escrevendo alguma coisa em um caderno.
— Você pode pegar um livro para ler ou fazer qualquer outra coisa, meio dia e cinquenta eu libero vocês — Cristine diz e eu assinto.
Pego o primeiro livro da pilha disposta em frente de Cristine e me sento em um lugar bem no meio da sala.
Um passo para amar, era o nome do livro que tinha pego. Me concentro em ler a sinopse. Mas eu não estava nem um pouco relaxada para ler. Na verdade eu estava inquieta queria dar o fora logo daqui. Olho para Cristine ela parecia concentrada em algum romance clichê.
É então que vejo ele entrar.
Itan Smith. Todo despreocupado.
— Você já deveria estar aqui, senhor Smith — Cristine diz arrumando os óculos de corrente.
— Desculpe, mas eu estou aqui agora — ele responde sorrindo fechado ao final. Itan vestia uma calça despojada preta, com uma blusa de mangas igualmente preta com uma estampa em cinza de uma cidade cercada de prédios, em seus pés ele calçava um vans, seus cabelos negros como a noite estavam bagunçados, o rosto denunciava que estava um pouco cansado. Ele estava bem diferente de quando eu havia visto mais cedo com roupas de esporte durante a aula de Educação física.
Itan era bem atraente. Seu rosto com traços harmoniosos, o queixo bem marcado, os olhos pretos intensos e um sorriso bem desenhado. Itan era de tirar o fôlego de qualquer garota.
Noto que não sou a única a olhar. Amanda estava quase babando com os olhos fixos nele.
— Deixe aqui sua assinatura e escolha um lugar para se sentar e se quiser...
— Já estou sabendo — ele diz, mas sorri ao final, sem querer parecer rude, Cristine ajeita mais uma vez seus óculos.
Itan mais do que depressa assina a lista e passa os olhos pela sala. Rapidamente olho para meu livro, temendo que ele note que eu estava o observando.
Prendo a respiração quando pelo canto do olho vejo ele se sentar ao meu lado.
Viro o rosto devagar, ele estava pegando alguma coisa na mochila que estava trazendo junto consigo.
Retorno minha atenção ao meu livro e olho o relógio azul de couro em meu pulso, marcava meio dia e meia.
Suspiro.
Eu tinha lido duas páginas quando decidi deixar a história de Um passo para amar para depois, eu não estava conseguindo absorver nada.
Pelo canto do meu olho pude notar Itan desenhando em um caderno. Inclinei meu rosto para tentar ver do que se tratava, parecia ser um foguete, lua e estrelas. Tudo em grafite.
Estava tão encantada olhando seu desenho que nem percebi que ele me encarava. Quando meus olhos encontraram os seus eu virei o rosto de imediato constrangida.
Droga!
Tentei controlar minha respiração, meu coração havia acelerado no peito pelo susto de ter sido pega espiando.
— O quê uma garota como você faz aqui? — ouço o garoto ao meu lado perguntar baixo para mim.
Me viro para Itan que se encontrava virado em minha direção, seu olhar era curioso. Olho para Cristine que parecia estar viajando em sua leitura.
— Uma garota como eu? — indago para ele sem entender.
— É, toda certinha, o quê fez para vir parar na detenção? — ele pergunta parecendo realmente interessado em saber.
— As pessoas são muito mais do quê os olhos podem ver, Itan — sussurro para ele, temendo que Cristine chamasse nossa atenção por estarmos conversando.
— Profundo, gostei — Itan responde após um mero segundo de silêncio e ao final solta um sorriso de canto, exalando charme.
Eu apenas reviro os olhos.
— Mas então o quê a trouxe aqui? — ele insistiu.
— Eu cheguei atrasada nas aulas de Biologia e você? — pergunto a ele também.
Ele se remexe na cadeira antes de me responder.
— Fui pego colando na prova de Linguagem.
— Linguagem? — indago. — As provas sempre são fácies — digo, sabia porquê tínhamos a mesma professora.
— Diga por você — Itan responde me olhando uma última vez antes de voltar sua atenção para o seu desenho.
Olhei meu relógio de pulso. Meio dia e quarenta e cinco, quase na hora de sair.
— Você desenha bem — resolvo elogiar. Ele parecia ter ficado chateado por ter dito sobre as provas serem fácies, mas eu não tinha intenção de zombar dele.
Porém, tudo se amenizou quando ele virou seu rosto para mim e me lançou um pequeno sorriso.
— Obrigado! — ele sussurrou.
Eu sorri de volta, com meu coração um pouco mais acelerado no peito.
— Tudo bem, estão liberados! — Cristine exclama alto. E eu já trato de pegar minha bolsa, tinha que ir rápido para Darius.
Os outros alunos já alcançavam a porta da frente, menos Itan que guardava seu caderno na bolsa.
Me levanto indo em direção a mesa de Cristine para colocar o livro de volta, Itan vindo logo atrás de mim.
— Tchau, Cristine — olho para ela antes de sair e aceno com a mão.
Ela acena de volta.
— Até a próxima, Cristine! — ouço Itan falar, após atravessar a porta vejo o garoto caminhar ao meu lado.
Seguro minha bolsa pelas alças assim como Itan estava segurando só que de nervosismo.
— Então, Sarah, desculpa por mais cedo quase te acertar com a bola na Educação física — ele comenta.
— Ah! — exclamo me lembrando. — Tudo bem, a bola não gosta muito de mim mesmo — digo rindo e ele me acompanha.
Seu sorriso era contagiante.
Não podia acreditar que estava conversando com Itan Smith. Era estranho. Ele sempre me pareceu inalcançável, pode-se dizer assim.
Não me via em alguma situação dialogando-o com ele.
Mas eu já o havia visto várias vezes pelo colégio e inclusive na Darius, local que ele e seus amigos costumavam ir. Porém jamais pensei que pudéssemos ter qualquer interação, que jamais ele quisesse ter uma interação.
Estava surpresa.
Ele era ainda mais bonito de perto, agora entendia porquê a maioria das garotas morria de amores por ele.
E o pior de tudo era que não tinha como não ficar sem jeito próximo a Itan Smith.
Me sentia estranhamente nervosa.
Mas para minha felicidade o caminho até o estacionamento foi tranquilo. Ao chegarmos, só se encontravam o meu carro, o de Cristine, o do diretor e a moto de Itan lá.
— Esse é seu carro? — o menino dos cabelos levemente bagunçados me pergunta quando me aproximo do meu carro. — Que ano ele é? — ele repousa suas mãos nos bolsos da calça jeans enquanto me observa tentar abrir a porta do velho Corcel.
— Mil novecentos e alguma coisa, era do meu avô, não venha zombar de mim e me ajuda aqui — digo olhando para ele que estava a alguns passos da onde eu estava.
— Não ia zombar. É uma relíquia — ele diz tentando segurar o riso. E se aproxima para puxar a porta.
Dou espaço para ele, que com algumas tentativas consegue abrir.
— Aqui está, madame — ele me diz em tom brincalhão.
— Obrigada! — digo agradecendo com um leve sorriso e na sequência entrando no carro.
— Por nada, Sarah, a gente se vê por aí — Itan diz me olhando pela janela antes de ir até sua moto.
Sorrio uma última vez para ele e vejo-o se afastar.
Pego meu celular para avisar a David que já estava a caminho e para ele preparar um lanche para mim.
Quando termino de enviar a mensagem e ia ligar o carro, tenho um sobressalto, ao perceber Itan parado ao meu lado na janela.
— Que susto, pensei que já tinha ido — digo olhando para o garoto que se encontrava apoiado ao teto do meu carro.
— Desculpa por isso, mas é que eu lembrei de uma coisa — ele diz calmamente.
— O quê? — pergunto confusa.
— Final de semana eu vou dar uma festa, seria legal se você aparecesse por lá — ele fala meio sem jeito. — Claro se você quiser e puder... — ele complementa.
Fico surpresa pelo convite, que nem sabia como reagir.
— Eai, você topa? — ele indaga meio receoso ao ver que não havia falado nada.
— Claro, seria um prazer ir em uma festa sua — digo por fim, forçando um sorriso.
— Você sabe onde é minha casa? — ele pergunta.
Assinto.
— Pode aparecer a partir das nove — Itan sorri. — Te espero lá!
Sorrio fechado para ele.
Itan Smith acena antes de se afastar e eu retribuo. Eu havia sido chamada para uma festa do Itan, mal podia acreditar. E eu havia aceitado mesmo sem saber se poderia ir e se realmente queria ir.
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