Visita à Lady Amélia
Mesmo dia
A visão de Chest
Para viajar da floresta de Amaranto até as aldeias humanas do reino dura da manhã até a tarde, ou duraria, se estivesse correndo como um gato comum. Admito que quando viajo com Oust, corria no ritmo dele, mas quando estou desacompanhado, posso usar meus poderes e correr tão rápido quanto uma flecha, isso sempre foi útil para entregar mensagens aos líderes de clãs, e agora usaria isso para chegar à aldeia em pouquíssimo tempo, e seguiria para a fazenda de lady Amélia, um lugar também distante, mas não seria problema para mim. Contudo, chegaria até Amélia logo e nada mais; por meus cálculos, estaria com ela no meio do dia de hoje.
Parti da floresta esta manhã, e com minha velocidade dobrada, cheguei nas aldeias em poucos minutos. As aldeias do reino ficam bem perto da floresta de Amaranto, a aproximação dos humanos me aborrecia, era grato por Ruger estar lá para expulsar entrusos caso apareçam.
Enfim, como já dito, não havia mais gatos em Claira (além de mim, claro) por isso os humanos se atordoavam quando eu passava; eles se afastavam temerosos, mulheres com seus filhos se apartavam conforme passava correndo; homens me encaravam com ódio e alguns objetos nas mãos, um deles até me lançou um forcado e me chamou de "gato do demônio" mas sorri olhando nos olhos do miserável, "passou longe" pensei.
Eu não posso andar livremente pelas aldeias, ou eu corro antes que me acertem, ou me esgueiro entre carroças e qualquer coisa que impeça que me vejam; eu prefiro a primeira opção, gosto de correr por eles e assustá-los, pois me esconder é mediocre. Os humanos eram corrompidos por autoridades que ensinam uma justiça distorcida como meio para obter poder, mais ainda assim, eles tinham mais medo de mim do que do próprio rei ou o clero, acredito que eles me temeriam muito mais se eles me ouvissem pronunciar algo a mais que um simples "miau", mas eu preferia que apenas algumas pessoas soubéssem que posso falar com humanos.
Lady Amélia é uma dessas pessoas.
Enquanto continuava meu caminho, olhava para alguns animais que viviam na aldeia: cavalos puxando carroças, galinhas sendo vendidas para consumo, porcos e bois com cordas amarradas ao pescoço sendo levados para açougues. Somente animais mágicos possuem a capacidade de falar com humanos, mas eu podia entendê-los sendo mágicos ou não, eu podia ouvir os gemidos dos cavalos exaustos por puxarem peso, os pedidos das galinhas implorando para sair das gaiolas e o choro insuportável dos porcos e bois, sabendo que seriam cruélmente abatidos como um condenado, caminhando em direção ao seu fim.
Na floresta de Amaranto, quando os carnívoros caçam, eles o fazem para a sobrevivência, matam sua presa rápido para que não sofram muito, mas o que os humanos fazem aos animais das aldeias, lá na floresta de Amaranto até os carnívoros achariam abominável, uma tortura do pior tipo, criar os animais para que eles saibam que nunca terão a liberdade.
E o pior é que não dá pra impedir isso; todo navio que ancora em Claira vem com mais animais para comércio.
Ao longe, observei soldados pelas ruas, muitos para ser uma simples visita à taberna ou uma ronda matinal, mas não busquei dar muita atenção para isso, já tinha muitos problemas.
Continuava a correr pelas ruas da aldeia, não via a hora de sair daquele lugar e chegar na fazenda de Amélia, aproveitaria para ler as novas cartas que Josh lhe escreveu, da última vez, fiquei sabendo que Lena e Cléber se casaram, fiquei tão feliz por minha Lena, ela merecia ser feliz e ter alguém que cuide dela em minha ausência.
Neste momento deixei os humanos da rua principal e entrei em uma rua pequena, onde um garotinho segurando um pedaço de pano, brincava de cabo de guerra com seu...
Cão!
Era um vira lata canela e branco, que ao me avistar, largou a ponta do tecido que puxava e veio em minha direção latindo irritantemente, por extinto ou implicância, não sei e não me importo em saber, apenas parei de correr e esperei o cão se aproximar o suficiente para olhá-lo diretamente e sussurrar:
- Acalme-se.
O cão se calou e ficou imóvel no mesmo instante, em ocasiões como esta, meu dom da percepção é meu melhor trunfo. Segui adiante e deixei o cão com seu "dono" como os humanos gostam de se autointitular. Até mesmo com os cães - os quais eles chamam de melhores amigos - até com os cães os humanos gostam de ser os donos.
Os cães deixaram a floresta de Amaranto para se juntarem aos humanos primeiro que os gatos, e eles merecem respeito por isso.
Ah, não contei sobre o clã dos cães? Bem, esta é uma outra história.
Deixar a maldita aldeia foi um alívio, pensar naqueles humanos perdidos faz perder o meu tempo, esforcei as patas em direção ao caminho da fazenda de lady Amélia, é a maior fazenda do reino, terras com muitas plantações: videiras, milharais, cerejeiras, maçieiras e muitos outros; todos rendiam bem e eram exportados pelos 3 navios que Amélia herdou de seu marido, mas dentre todos os produtos que a viúva do velho general fabricava através dos frutos de suas terras, o maior negócio dela era a exportação de vinho, e embora não esteja na época da colheita, lady Amélia não me negaria uma viajem em um de seus navios para o reino de Arcai, eu sei muito bem como persuadi-la para que ela me ceda este favor, talvez ela até queira partir comigo por amor à Josh, seu filho.
Ora, persuadi-la é apenas uma opção, afinal, devo estar preparado para qualquer tipo de imprevisto.
De preferência eu pediria a águia do mar, este é o navio mais rápido que ela possui, tem mais velas, a ponta mais longa e estreita, viajaria mais rápido nesse navio. Já avistava o campo extenso da propriedade de Amélia, a fazenda possuia um lindo jardin pouco antes de chegar em sua grande casa. Empregadas de vestidos tom de bordô estendidos até as panturrilhas, cobertas por meias compridas e aventais brancos rendados nas bordas regavam as flores, e jardineiros trajados com uniformes de cor semelhante ao das mulheres podavam as plantas, algumas crianças - filhos dos empregados - brincavam felizes em um charmoso coreto branco que simpatiza com a cor da casa de dois andares, era um cenário bonito.
Diferente dos habitantes da aldeia próxima da floresta de Amaranto, os empregados da fazenda eram mais pacíficos, alguns até tentavam me acariciar ou me dar petiscos, mas eu sempre os ignorei, faço o mesmo com as crianças, não gosto que me toquem, não sou uma criatura carinhosa, tampouco estimável.
Passei pelos empregados monótonos e driblei as crianças eufóricas, rodeei a casa e entrei pela porta dos fundos, não podia entrar pela frente, devo agir de forma discreta, as pessoas daqui sabem apenas o que eu mostro para elas, ninguém na casa além de lady Amélia sabe quem eu realmente sou.
A porta do lado de trás da casa estava sempre aberta para a circulação das crianças - para não sujarem o salão de entrada - a entrada dava na dispensa, sempre havia três ou quatro cozinheiras lá, duas delas triravam bolos do forno, enquanto outras duas enchiam vários copos com leite, "a refeição dos empregados" presumi, ainda era de manhã e não costumava visitar lady Amélia neste período do dia.
As cozinheiras, ocupdas com seus afazeres, nem me notaram passar para o outro cômodo, o salão de entrada; chegando lá, subi as escadas que levam ao andar de cima, o primeiro lugar o qual procuraria Amélia seria em seu quarto, e lá a encontrei com uma criada dando os últimos retoques no vestido que usava: era verde claro com mangas curtas e decote comportado coberto de lantejoulas por toda a frote da parte superior do vestido até o quadril, onde se iniciava uma camada de rendas florais sobre a saia volumosa que se estendiam até o chão; seu cabelo louro, com duas finas mechas grisalhas, estavam arrumados para trás com o objetivo de realçar os brincos e colar de cor esverdeados que usava; não sabia se era esmeralda ou jade, não tenho especialidade no assunto, mas as pedras brilhavam como um toque final ao contato da luz a qual a janela aberta permitia entrar.
Encarei Amélia por um breve tempo, ela logo me percebeu por conta da minha imagem refletida no grande espelho onde se admirava da cabeça aos pés. Assim que ela notou minha presença, agradeceu à empregada e pediu para que a deixasse. A empregada mal se vira em direção à saída e leva um susto ao me ver, pede desculpas e depois sai do quarto se esgueirando para evitar ao máximo chegar perto de mim - mais um humano assustadinho - e então quando ela finalmente se vai, lady Amélia me encara intrigada.
- Você não veio mês passado, pensei que alguma coisa de ruim aconteceu com você - ela falou como se estivesse preocupada comigo.
- E aconteceu - respondi aproximando-me dela - algo muito grave aconteceu na floresta de Amarantos, e a senhora é a única que pode ajudar, milady.
- Ajudar como? - a mulher semicerrou o olhar curiosa, inclinou-se um pouco para mim e se manteve atenta à uma explicação.
- Milady, a senhora deve ter visto o sol sendo coberto pela lua dias atrás - indaguei em seriedade.
- Todo o reino viu e se amedrontou - Amélia concentiu.
- Não há motivos para temer, o próximo acontecerá no século seguinte - expliquei - o assunto na verdade, é sobre a fênix.
Lady Amélia mudou sua expressão preocupada para confusa.
- Sol, lua e agora fênix? Eu não estou entendendo.
- A fênix saiu do eclipse, e está entre nós - afirmei fitando seus olhos com a cabeça erguida, era incômodo olhá-la em um ângulo baixo então resolvi subir em sua cama - para renovar a magia dos amarantos.
- Imortalidade? - ela seguiu e se sentou com dificuldade sobre o veludo da cama, sabia que aquelas roupas bonitas a sufocavam e imobilizavam devido o espartilho, a crinolina e várias camadas de tules.
- A magia dos amarantos serve apenas para curar, mas essa magia corre risco de não mais existir - afirmei sentado de frente para ela - pois o vento desviou o voo da fênix e a mandou para longe.
- Para onde?
Ela vai entalar quando soubér.
- Foi revelado ao guardião seu paradeiro, e eu fui escolhido para ir ate onde ela está e trazê-la de volta, para restaurar a magia.
- Isso deve ter sido uma honra para você - lady Amélia sorriu como se estivesse me parabenizando.
- Sim, e isso ajudará a nós dois - proferi e ela se mostrou curiosa às minhas palavras - o lugar onde a fênix está, é o reino de Arcai.
Amélia em estado perplexo, deixa o lábio inferio cair.
- Arcai? - ela repete em choque e eu confirmo acenando a cabeça.
- Eu preciso que me ajude a viajar para Arcai, milady. Por favor, me conceda um de seus navios - pedi educadamente e ela continuou a me fitar boquiaberta - a senhora poderia ir comigo, se formos a bordo da águia do mar chegaríamos mais rápido, eu reencontraria Lena e a milady reencontraria...
- Meu filho - ela me interrompeu em um sussurro nostáugico.
Usar esse argumento era mais do que óbvio.
Lady Amélia concentiria a águia do mar sem dúvidas, poderia ver isso nos olhos dela, mas diferente de toda a alegria que esperava, o semblante de Amélia tornou-se tristonho, como se estivésse se lamentando a si mesma e me pedindo desculpas.
- Eu não posso...
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