Eu preciso de um Amaranto
Quando eu era filhote, não sabia controlar o dom da percepção como agora, que sou adulto. Eu via a lembrança mais marcante de alguém logo na primeira vez que olhava a janela de sua alma, mas... se pudesse olhar para mim mesmo, o que eu veria?
Ele ergueu a espada, desta vez, não haveria como errar, eu era um alvo muito fácil.
"Mãe, fuja!" gritei na esperança de vê-la a salvo.
Também não era tão forte como sou hoje, mas me esforcei muito para me aperfeiçoar e continuo treinando até hoje. Mas... se eu me perguntásse por que quero ser forte...
"Chest..." escutei meu nome em um gemido sofrido, embora a voz ainda fosse bela; logo dei-me em conta que esta era a voz de minha...
"Mãe?!"
- Eu preciso de uma flor de amaranto para curar minha mãe - a princesa reafirmou enquanto as lembranças pertubavam minha cabeça - Lady Amélia me disse que eu nunca conseguiria passar da velha cabana da floresta, mas com você, eu conseguiria um - ela prosseguiu com um olhar esperançoso, e então me recordei daquela noite novamente...
O sangue dela escorria pela lâmina que lhe atravessara o abdômem; milhares de gotas corriam pela ponta da espada e caía sobre mim, que não conseguia acreditar no que via, não conseguia entender o por quê de tudo aquilo estar acontecendo com alguém tão gentil e meiga.
"Chest" mamãe disse com dificuldade "eu preciso de um amaranto" não compreendi suas palavras, mesmo assim tentei alcançar uma das flores, mesmo que em vão.
Eles estavam muito distantes.
- Como disse antes, humanos não podem se aventurar na floresta de Amaranto. Mas sendo guiada por você, Chest, a princesa terá chance de conseguir - lady Amélia reformulou a frase da princesa em um tom simpático.
Naquele mesmo instante me senti completamente inerte, senti o vazio, a tristeza, o arrependimento...
Me senti voltar para aquela noite.
- Mãe... - deixei o lamento escapar diante a situação, e minhas duas amigas ficaram confusas.
- Há algo errado, Chest? - lady Amélia passou a mão por trás de mim e mesmo não transparecendo, não estava mais em clima de permitir carícias.
Saí de cima das pernas da princesa, pulei da cama ao chão e fiquei de costas para elas, no momento não conseguia manter o foco em algo além daquela lembrança.
- Mãe, eu... - fechei os olhos com força, vizualizei a imagem dela mentalmente, seu pelo branco e macio, seus olhos azuis admiráveis, sua voz gentil, seu jeito sereno e sua firmeza - Eu queria ter alcançado um amaranto aquela noite.
- Chest... - a princesa chamou-me temerosa - você vai me ajudar, não vai?
A voz de minha mãe ainda me pedia o amaranto quando a princesa me chamou. Virei um pouco a cabeça, a olhei de canto sério, naquele momento, percebi que a minha intuição estava opinando, e meu coração implorando. A situação em questão estava me tocando de modo que nada mais importava para mim do que dar a resposta:
- Sim.
Estávamos na sala principal, a princesa prendia os cabelos para trás e eu permanecia sobre o limiar de uma janela com vista para o jardim na entrada da propriedade. Michele trocou a camisola de tafetá por uma camisa seda de gola alta azul claro simples e calça preta solta, que foi ajeitada dentro de botas da mesma cor, novamente eram roupas emprestadas de lady Amélia, que por sua vez, entrou carregando um cantil com água, uma bolsa de couro e uma capa com capuz cinza consigo, e entregou-os para a princesa.
- Um desfarce e suprimentos para a viajem - a lady explicou.
- Muito brigada, lady Amélia, eu nem sei como agradecer - a princesa sorriu e a abraçou em gratidão.
- Ainda acho que chegariam mais rápido na floresta de Amaranto com um cavalo - Amélia proferiu preocupada.
- Se formos com um cavalo, chamaremos mais atenção - exclareci descendo do limiar - a aldeia está cheia de guardas e uma moça encapuzada em cima de um cavalo não passaria despercebida - recordei-me dos guardas nas ruas, consegui entender o motivo dessa agitação até encontrar a princesa fugitiva.
- Há guardas procurando por mim? - a princesa perguntou surpresa, como se o que disse lhe fosse estranho.
- Parece que o seu pai quer encontrá-la - respondi com certeza, e o semblante da jovem mudou.
- Se eles me encontrarem, vão me levar de volta ao castelo - ela disse alarmada.
- Agora entende porque devemos ser discretos - encarei seu rosto sério - devemos ir rápido, ainda tenho uma outra missão para comprir.
- Que missão? - a prinvesa demonstrou curiosidade.
- É uma longa história, alteza - respondi já próximo à ela e à lady - resumindo, temos que ir logo, antes que a magia dos amarantos se acabe - mal mencionei e ela vestil a capa e pendurou a bolsa e o cantil no ombro.
- Então vamos de uma vez - ela disse em firmeza e prontidão - mais uma vez, obrigada lady Amélia - a lady acenou sorridente - vamos, Chest.
Caminhamos em direção a porta, mas nos primeiros passos, a grande porta da casa se abriu com um empurrão inesperado. A princesa soltou um grito de susto com a agressividade da porta, ao bater na parede; lad Amélia se aroximou de nós confusa com o que aconteceu; uma criatura adentrou em fortes trotes na casa, alguns empregados chegaram para impedir o cavalo agitado que lutava com coices e relinchos para não ser pego pelos humanos.
- Desculpe senhora, ele veio do nada - um dos homens disse para Amélia enquanto tentava controlar o garanhão alvo com manchas negras e com uma sela de couro frouxa presa no abdômem.
- Maldito - murmurei encarando o ginete, não esperava em hipótese alguma que encontraria o alasão tão cedo - Oust?
- Só agora percebe?! - o cavalo continuava a se sacudir e relinchar para que os empregados não o tocassem, no processo esalhava a terra de seus cascos sujos - Ande logo, me ajude!
- Primeiro se acalme, pare de se mexer! - exclamei em um grito, mas todos os humanos escutaram apenas um "miau" alto, pois estava falando no dialeto de um animal comum com Oust.
Oust fez o que disse e parou, os empregados o pegaram mas sussurrei para Amélia que o deixasse livre e que era um amigo, a mulher não precisou me ouvir para pedir que não o levassem, ela reconheceu imediatamente o cavalo favorito de seu filho. Logo ela dispensou os empregados e ficamos apenas nós quatro.
- Quem é esse cavalo Chest? - a princesa perguntou.
- O nome dele é Oust, ele é um animal comum, não pode falar com humanos - respondi, então desferi toda minha reprovação ao malhado - O que faz aqui, Oust?
- Eu vim assim que soube onde você estava - o corcel explicou caminhando ao meu encontro - o guardião da floresta...
- Ruger? Como assim Ruger?!- o interrompi indignado assim que ouvi falar de meu padrinho, que provavelmente bancou o pai super protetor - Ruger te mandou para me vigiar, não foi? Não confiava que pudesse comprir a missão sozinho e mandou você, não é mesmo?!
- Não! Não foi nada disso! - Oust rebateu em defesa - ele não me deixou te seguir, mas eu vim assim mesmo.
- Você enlouqueceu?! - minha indignação aumentou - não só desobedeceu o líder, como também saiu da floresta de Amaranto sem permissão!
- Desculpe, eu não entendo. O que está acontecendo aqui? - lady Amélia me perguntou - o cavalo do meu filho estava na floresta de Amaranto?
- Sim milady - respondi impaciente - e ele não deveria ter saído de lá. Nenhum de vocês dois.
Oust ficou confuso.
- "Vocês dois?" - ele repetiu como se não entendesse nada.
- Sim, VOCÊS DOIS. Sinto a presença de mais alguém por aqui - falei desconfiado enquanto procurava o dono da quinta presença, olhando por cada canto do salão - onde ele está? - sabia que havia alguém às espreitas e segui a sensação em busca de encontrar o escondidinho.
A sensação da presença estava vindo de Oust e achei tudo muito estranho. Ao me aproximar do corcel, senti um cheiro diferente vindo do bolso de sua sela, com certeza está escondido lá, pensei.
- Sei que está escondido aí dentro - afirmei com impiedade - Saia de uma vez.
De início, estava enfurecido por Oust haver me seguido, mas quando a criatura se revelou, quando aquelas pequenas orelhas negras saíram lentamente de dentro do bolso da cela, um nariz rosado e olhos castanhos se revelaram envergonhados, me aterrorizei completamente.
- Pelo Deus dos humanos...
O coelho preto.
- Você trouxe ele com você?! - o terror me invadiu por completo - um filhote? Você trouxe um filhote?! - agora gritava novamente infurecido.
- E-eu estou chocado tanto quanto você! - Ous respondeu com voz trêmula - Eu não faço ideia de como ele veio parar aqui... - o cavalo arregalou os olhos, em seguida direcionou-os ao filhote preto - quando você me perguntou se podia ir junto e eu disse não... você não me deu ouvidos, não foi?
- E você deu ouvidos ao guardião? - o coelho largou sua timidez e respondeu de imediato ao ginete.
- Basta com essa discussão! - os interrompi - Vocês não percebem o problema que me causaram? - continuava perplexo - coelho, você continua agindo inconsequentemente; e Oust, você não deveria ter permitido que esse filhote se escondesse na sua cela.
- Assim como não deveria ter permitido você? - o cavalo rebateu, me calei diante suas palavras, mesmo estando furioso, pois acabara de perceber o quanto o destino é travesso.
O coelho fez o mesmo que eu. E com o mesmo cavalo.
- Maldito! - resmunguei novamente, em minha típica ofensa, quando desejo falar coisas horríveis mas me controlo, resumindo tudo em apenas uma palavra - Não tenho tempo para lidar com vocês agora, mas para a sorte de vocês há uma oportunidade de reverter esse erro, enquanto ainda há tempo - continuei a caminhar em direção à porta e a princesa me seguiu.
- Do que está falando? Aonde vão? - o coelhinho perguntou, sua voz infantil era doce e suave.
- Para a floresta de Amaranto - a princesa respondeu antes que assim o fizesse, e de imediato os meus olhos se arregalaram em grande admiração.
A princesa entendeu o que o coelho falou?!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro