Decisões
Quando entro na biblioteca, a primeira coisa que vejo é a grande mesa central, repleta de canetas, réguas, pincéis e mais mil outros materiais organizados com perfeição. Sozinha, ali no centro do grande ambiente, com a luz direcionada a ela se sobrepondo ao restante da iluminação, mais parece um palco, onde um dia estrelas e obras incríveis tiveram seus dias de glória, mas agora, completamente abandonado, persiste de pé por pura teimosia e orgulho de toda a mágica que já aconteceu ali.
Olho para as duas cadeiras altas uma do lado da outra - uma dele, a outra minha - e sinto um aperto no coração ao me lembrar das horas que já passamos juntos nessa mesma mesa. Meu pai criando, projetando, sendo o arquiteto do caramba que ele é, fazendo o que ele mais amava. Eu, do seu lado, observando tudo com o máximo de atenção enquanto conversávamos sobre, literalmente, tudo.
Inspiro fundo e afasto as lágrimas idiotas. Elas não precisam ficar aparecendo toda vez que me lembro dos momentos que passei com meu pai. Eu não preciso dele.
Ainda repetindo a última frase na cabeça, passo os olhos pela sala e encontro minha mãe no seu lugar de costume, sentada com as pernas encolhidas em sua chase long perto das estantes com um livro nas mãos. Ela nem percebe quando me aproximo e me sento aos seus pés.
— Oi, mãe.
— Oi, querida! — Apesar do sobressalto, ela sorri docemente ao me ver - Carmem disse que você queria falar comigo. Está tudo bem?
— Sim, está. Mais ou menos, na verdade. — Digo, suspirando. Ela marca a página de seu livro antes de colocá-lo sobre a mesinha ao lado e volta sua atenção para mim, pegando minhas mãos com as suas — O papai foi ao banco hoje de manhã e cancelou as minhas contas. Você sabe de alguma coisa sobre isso?
Minha mãe franze o cenho.
— Que estranho, tem certeza disso? — Ela pergunta.
— Sim. Fui fazer compras com a Jess hoje á tarde, e quando todos os meus cartões estavam sendo recusados, liguei para o senhor Omar. Foi ele quem me contou sobre as contas.
— Não, não sabia de nada, filha. Mas provavelmente tem a ver com seu trabalho na Vega.
— É, foi o que eu pensei. Mas isso é ridículo! Acho que ele está exagerando um pouco, você não acha? Eu não vou mudar de ideia só porque ele cortou os meus cartões.
A minha mãe não é o tipo de mãe que fica te falando o que fazer com a sua vida - ela sempre respeitou e apoiou todas as minhas decisões e eu sempre admirei muito essa sua qualidade. Mas quando ela inspira profundamente e te olha nos olhos, é porque tem alguma coisa incomodando tanto ela, que vai acabar corroendo suas entranhas se não pôr pra fora.
— Alice, você passou a vida toda se preparando e esperando por esse momento. Não consigo entender o motivo da sua relutância. É o que você sempre quis fazer, desde pequena!
— Não quero falar sobre isso de novo, mãe. Você sabe meus motivos. — Viro o rosto e retiro as minhas mãos das dela.
— Conheço seus motivos, só não acho que eles são bons o suficiente para tomar uma decisão como essa, filha. — Ela insiste, e como não digo nada, ela toma novamente minhas mãos nas suas e continua.
— Querida, é a sua carreira, o seu futuro e a sua paixão que está em jogo. Você não pode deixar essa guerra fria entre você e seu pai impedi-la de seguir em frente com seus sonhos. Você sempre foi tão dedicada a isso.... Seria uma pena se você não aceitasse essa oportunidade. Tudo pelo que você trabalhou por todos esses anos terá sido em vão.
Cruzo os braços na frente do peito e continuo evitando o olhar da minha mãe, porque sei que ela está coberta de razão.
— Não seja tão teimosa, Alice. Aceite o convite do seu pai e vá trabalhar com o que você ama. Mostre seu talento para o mundo. Tenho certeza que seu pai ficará muito orgulhoso de você. — Ela segura meu queixo e vira meu rosto com delicadeza para que eu olhe em seus olhos. — Mais do que ele já é.
~
Acordo sentindo a claridade da manhã nos meus olhos. Adormeci antes de fechar as cortinas ontem á noite e a luz do sol preenche o quarto inteiro. Olho no relógio. São seis e quarenta e cinco da manhã. Levanto da cama e começo a me alongar antes de ir me preparar para minha corrida. Quando já estou pronta, desço até a cozinha, pego uma fruta, água, e saio.
Aproveito o tempo da corrida para pensar em tudo o que aconteceu ontem, e penso também no que a mamãe e Júlia me disseram. Será que estou mesmo sendo tão irracional em bater o pé em relação a ir trabalhar com meu pai? Sei dos meus motivos, mas, no fundo, acho que essa minha "rebeldia" é uma maneira inconsciente e desesperada de tentar chamar a atenção dele. Não vou desistir de trabalhar como arquiteta para sempre; só por um tempo, para mostrar meu argumento, né?
Fico confusa com tudo isso e tenho medo de me perder no processo de mostrar para o meu pai que eu posso ignorá-lo tanto quanto ele nos ignora. Não sei se vale a pena adiar, ou até mesmo destruir minha carreira por causa de um atrito com meu pai.
E a mamãe realmente está certa, sempre me dediquei a isso, não posso jogar tudo fora agora.
Uma hora depois, estou de volta em casa, e já tomei a minha decisão. Subo até o meu quarto para tomar um banho e, quando termino, entro no meu closet e tiro um vestido tubinho preto do armário, pois é o que vou usar no meu primeiro dia de trabalho na Vega.
*
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro