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Ícaro

Assim como qualquer outra cidade ao redor do mundo, Sexto Paraíso também tem suas próprias histórias para contar. Um lugar de aparência tão comum como qualquer outro por aí, porém, essa cidade possui coisas que nenhuma outra tem. Histórias fantasiosas, de origens inexplicáveis para quem não acredita no impossível, mas ainda mais diferente do que isso, Sexto Paraíso possui um certo habitante:

Angela Sousa, professora de Geografia para o Ensino Médio, 35 anos, 12 de carreira e com um gosto bastante peculiar em comer pão com goiabada. De longe, ela parece apenas uma mulher como qualquer outra e de certo modo, ela de fato é, mas assim como Sexto Paraíso, a história dela não será tão simples.

Angela jamais desejou se tornar professora, nem viver em Sexto Paraíso e nem ao menos em comprar aquele vestido roxo que estava em promoção. A vida dela sempre foi dirigida e produzida por seus pais, até mesmo quando ela saiu da casa deles. "Uma garota obediente, sempre será uma garota obediente".

- Não acredito que terei que assistir essa série só porque meus pais acham legal... - Angela disse clicando no primeiro episódio de uma série sobre dragões. - Os outros professores também me indicaram ela, seria maldade eu não assistir o que me recomendam.

- Querida, as pessoas fazem isso o TEMPO TODO. - Disse Marcela, amiga de infância de Angela. - Só diz que você estava "sem tempo, irmão" e ninguém vai se importar... Todo mundo já passou por isso hoje em dia.

- Mas não comigo, eu não posso decepcionar esse pessoal. - Angela não parecia acreditar muito no que acabara de dizer, mas Marcela sabia que essa incerteza não mudaria nada.

Assim como uma orquestra depende do maestro para acontecer, tal era a vida de Angela. A vida toda ela fez algo pelos outros. Vez ou outra, ela percebe o quão errado é viver a própria vida assim, mas assim que alguém diz "relaxa, isso é coisa da sua cabeça", ela só abaixa a cabeça e acredita no que acabou de ouvir.

- E é por isso que ainda está namorando aquele lix... Aquele cara, não é? - Marcela disse deixando bem claro o desgosto em falar do namorado de Angela. - Você faz tudo que ele quer, mesmo sendo algo estúpido como parar de assistir Aquaman só porque você estava olhando para o Jason Momoa.

- Mas é claro! - Angela parecia determinada em se defender. - Olhar para ele daquele jeito seria como trair meu namorado!

- Para de ser idiota, seu namorado já fez coisas muito piores com outras mulheres... E elas não estavam dentro de uma TV. - Marcela não tinha provas ou nem mesmo certeza do que havia dito, mas mesmo assim ela não economizou palavras. - Ele só está com você porque você é, literalmente, um brinquedinho que se pode mandar fazer qualquer coisa. Acredita em mim, eu te conheço desde que você mijava na cama... Você está sendo feita de otária.

As palavras de Marcela acertaram um ponto crítico no coração de Angela, mas aquilo não a derrubaria. Não por amor ao namorado nem nada do tipo, mas uma semana atrás ela havia visto uma aliança guardada em uma gaveta no local de trabalho do namorado dela. Ela sabia que seria pedida em casamento em breve. Para ela, isso era o maior modo de mostrar confiança no relacionamento deles.

- Por favor... Saia da minha casa. - Angela disse cabisbaixa. - Eu vou assistir essa série sozinha, então por favor, vá para sua casa.

Marcela já havia visto Angela agir daquele modo um número considerável de vezes, então apenas se levantou do sofá e caminhou até a porta. Aquilo não machucaria a amizade delas, ambas estavam ciente daquilo, mas elas precisavam de espaço para que o machucado não se abrisse mais a ponto de não fechar mais.

Porém Marcela, que sempre entendeu Angela tão bem, deu um último conselho antes de sair.

- Você precisa de asas... Asas bem grandes para que possa voar sozinha para onde quiser... Quando quiser, sem que ninguém te impeça.

- Ah, claro, então me diz onde achar asas assim... - Angela tentou ser irônica, mas era claro que a voz dela estava um pouco trêmula.

- Tem um programa de compras que vai ao ar perto das 3 horas da manhã, quem sabe você não acha o que precisa lá. - Marcela abriu a porta, olhou para Angela e deu uma piscada de um olho só, coisa que ela sempre fazia quando ia embora. - Não esquece que eu te amo muito demais.

- Eu também te amo muito demais. - Angela disse, mas a porta já havia se fechado.

Não foi a primeira vez que Marcela falou sobre asas para Angela, é algo que ela diz desde criança, porém... Sexto Paraíso faz com que as coisas aconteçam conforme elas precisam acontecer.

Angela maratonou a série sobre dragões o máximo que pode, mesmo não gostando nada desde o primeiro episódio. Ela tentou ligar para o namorado entre o terceiro e quarto episódio, mas ele não atendeu. Ela tentou novamente a cada final de episódio, mas não conseguia nem ao menos uma mensagem dele. Não era a primeira vez que ele sumia, então Angela não estava preocupada, só estava chateada em não poder falar mal da série para ele.

Já era o oitavo episódio, supostamente era quando o ápice da temporada começaria, seria ali que os dragões de gelo apareceriam para invadir o vilarejo onde a história se passava, mas nem mesmo isso mudou a opinião de Angela sobre a série. Ela queria ver tudo aquilo de uma só vez para que o sofrimento fosse menor, mas não importa o quão focada ela estava em terminar aquela temporada, ela acabou se cansando.

Na geladeira havia um pedaço de bolo de morango que uma aluna pediu que ela experimentasse. Angela odiava bolos de morango, mas mesmo assim comprou o bolo na confeitaria mais cara da cidade. De acordo com a aluna: "Só a de lá que é perfeita!"

- Eu tenho que pelo menos fazer o dinheiro gasto valer a pena. - Angela disse pegando o pedaço de bolo.

Enquanto ela voltava para a sala, ela percebeu as luzes vermelhas no display do micro-ondas. Talvez naquele momento as luzes pareciam mais claras do que o normal, ou era sempre daquele jeito? Angela não tinha certeza, mas enquanto pensava, percebeu o horário: 3:01 da madrugada.

- Ainda está tão cedo assim? Essa série é tão chata que eu achei que já estaria amanhecendo. - Antes que Angela pudesse voltar para sua série, o relógio chamou sua atenção mais uma vez. - Esse horário... Não é o horário do programa de compras que Marcela falou sobre?

Por mais que Angela lembrou do que Marcela havia dito, ela ignorou o horário e resolveu só continuar assistindo a série, mas como dito antes... Sexto Paraíso faz com que as coisas aconteçam conforme elas precisam acontecer.

Enquanto entrava na sala, Angela tropeçou no tapete e quase deixou o prato com o bolo cair no chão, mas ela conseguiu se mover rápido o suficiente para evitar a tragédia, mas com isso, ela acabou esbarrando no controle remoto da TV. Quando o controle caiu no chão, a TV mudou de canal de imediato. Ao invés de dragões, a imagem mostrava algo muito mais comum agora, uma mulher sentada atrás de uma mesa pronta para apresentar algum produto para venda.

O horário era 3:03, o momento exato em que A Loja de Necessidades começou a ser transmitido.

- Uma ótima noite para você, nossa cliente da noite. - A moça da TV mostrava um imenso e sincero sorriso. - O programa de hoje da Loja de Necessidades trás um item perfeito e essencial para que sua vida se torne mais completa e no caso da nossa cliente de hoje... Mais liberta.

- Então esse é o programa que Marcela disse? Nunca ouvi falar dele... E porque essa mulher fala sobre apenas uma cliente? - Angela sentou na frente da TV enquanto ficava confusa com o que estava assistindo. - Não me espanta que esse programa é da madrugada.

A apresentadora então se levantou e andou até um pouco ao lado, onde o maravilhoso item do dia se encontrava.

- E o item de hoje é esse lindo par de asas! - O olhar da apresentadora penetravam nos olhos de Angela. - Me diga se esse não é o item perfeito para você, senhorita Angela?

Angela estava congelada em um misto de pânico e confusão. Aquilo era mesmo real ou ela só estava dormindo por já estar tão tarde? Mas e se aquilo fosse real? E se esse programa estivesse realmente falando diretamente com ela? E a maior dúvida que pairava sobre a cabeça dela era... "E se essas asas forem reais?"

- Essas asas são perfeitas para quem quer se libertar de seus limites e suas próprias correntes. - A apresentadora chegava mais próxima da câmera a cada palavra que dizia. - Não são perfeitas para você, Angela? Você finalmente poderá ir para onde quiser sem que ninguém te impeça ou te faça fazer outra coisa... Com essas asas, o sol é o limite.

- Isso... Isso não pode ser... Não pode ser real... Não tem como isso ser verdade. - Angela começou a tremer, mas não conseguia desviar o olhar daquelas asas.

- Será que isso é mesmo real? - Dizia a apresentadora se aproximando ainda mais. - Essas asas, a habilidade de voar e ir para onde quiser, ser LIVRE, será que é real mesmo? Se não for, que mal tem dizer que quer essas asas? Mas e se for real...

O pânico de Angela se tornou pavor quando ela começou a ver a apresentadora saindo da TV, como em algum filme de terror. Angela estava paralisada, ela não sabia se era por causa do medo ou se a apresentadora havia feito aquilo com ela. A apresentadora se aproximava cada vez mais do rosto de Angela, até que ela colocou a mão no queixo de Angela e disse:

- Se for real... Você aceita ter essas asas?

Para a própria surpresa naquela situação, Angela disse quase que imediatamente:

- Sim...

Em um piscar de olhos, a apresentadora estava dentro da TV de novo. Angela não sabia se ela sempre esteve ali e ela estava apenas alucinando, ou se aquilo realmente aconteceu. Por mais que tudo aquilo parecia tão impossível, Angela sabia que aquele toque no queixo parecia real demais.

- Obrigado fazer negócio conosco, Angela. - A apresentadora mudou o sorriso agora. Continuava sincero, mas parecia ter uma ponta de macabro nele. - Não se preocupe com dinheiro nem nada do tipo, as asas serão como se fosse um presente nosso... Afinal, elas foram feitas para você.

Nesse momento, a televisão desligou sem que Angela precisasse esbarrar no controle mais uma vez. Os olhos de Angela estavam tão escuros quanto a própria tela da televisão, mas bem diferente dos olhos, a mente de Angela estava bastante ativa.

A maior pergunta que pairava na mente de Angela era: "É real?". Nem ao menos ela sabia se aquela pergunta se tratava das asas, da apresentadora ou do fato dela ter dito "sim" em uma situação daquelas. Porém, mesmo ela ainda tão confusa sobre aquilo, Sexto Paraíso não a deu tempo de se indagar ainda mais.

A campainha tocou, tirando Angela de seu transe pessoal. Mais uma vez, ela quase derrubou o pedaço de bolo com o susto que ela tomou, mas ela finalmente estava de volta à esse mundo - mesmo ela ainda não sabendo se ele era realmente real ou não. Quando Angela se levantou, parecia que ela havia quase esquecido de como andar. Sua cabeça era como um jogo de tetris naquele momento, eram inúmeras peças de formatos estranhos que tentavam se encaixar uma na outra, a diferença entre a cabeça dela e o jogo, é que as peças na cabeça dela não se encaixavam nunca.

Depois de conseguir chegar até a porta, Angela conferiu quem estaria tocando a campainha naquele horário da madrugada, mas como ela esperava... Não havia ninguém. Ela mesma já havia considerado que talvez fosse só a cabeça dela brincando com sua própria cognição. Quando ela se virou de costas para a porta, ela viu logo em frente de si mesma uma caixa.

Angela tentou mentir para si mesma várias vezes em um espaço de alguns segundos - ou talvez minutos - sobre aquela caixa já estar lá desde antes de tudo isso acontecer. Aquela poderia ter sido a caixa em que o namorado de Angela devolveu as coisas dela do apartamento dele, ou quem sabe era a caixa da onde veio o bolo de morango... Mesmo ele não tendo vindo numa caixa.

Não havia meias verdades sobre aquela caixa. Ela surgiu ali naquele momento e Angela decidiu aceitar isso. Ela já havia desistido sobre entender o que era real ou não, afinal, e se fosse tudo um sonho? Eram tantas possibilidades que Angela simplesmente decidiu seguir com aquilo.

- Angela, não pergunte demais sobre tudo, você vai irritar as pessoas assim e elas vão te odiar. - Foi o que a mãe de Angela disse quando Angela a interrogou após tê-la pego traindo o marido com o psicólogo da família.

Então sem mais perguntas, foi o que Angela havia decidido para si mesma. Ela se aproximou da caixa com certo receio, mas percebeu um pequeno pedaço de papel em cima da caixa. Ela o pegou tão rápido quanto uma criança pegaria um presente de natal e se prontificou à lê-lo.

"Quando estiver usando as asas, você estará liberta, mas se fechar suas asas para voar com as asas de outra pessoa... Nunca mais será livre".

O bilhete era bem direto e deixou claro o que havia dentro daquela caixa.

- Aqui está... As asas? - Angela se perguntou em voz alta.

Ela finalmente havia criado coragem para abrir a caixa, mas quando ela tentou se aproximar mais ainda da caixa, as peças de tetris em sua cabeça mais uma vez falharam em se encaixar e ela mais uma vez tropeçou em seu tapete, mas dessa vez ela realmente caiu. Angela bateu a cabeça e acabou desmaiando, apenas acordando horas depois. Não havia sido nada grave, ela acabou adormecendo a noite toda mais pelo cansaço de tudo que estava acontecendo do que pela batida na cabeça.

A luz do sol que atravessava a sala e chegava próximo da porta entrou pela janela e acertou diretamente no rosto de Angela, a acordando de imediato. Ela precisou de alguns segundos para lembrar o porque havia adormecido no chão, mas a dor na parte de trás da cabeça dela a ajudou a lembrar o que havia acontecido.

Após ver a caixa em sua frente, Angela percebeu que tudo aquilo não era mesmo um sonho, era real e ela teria que lidar com aquilo de algum modo. Na caixa realmente havia as asas que ela havia conseguido naquele programa da madrugada? A curiosidade estava à matando mais rápido do que a dor em sua cabeça.

Não demorou para que Angela decidisse voltar onde tinha parado. Ela continuava um pouco tonta, mas nada que a impedisse mais uma vez de abrir aquela caixa.

Sendo um pouco decepcionante para Angela, havia de fato asas dentro da caixa, mas era um par de asas minúsculo, como aqueles encontrados em fantasias. Angela acabou rindo, um misto entre nervosismo, raiva, decepção e uma pequena pitada de humor real.

- Não é possível que tudo isso foi um trote, não é? - Angela disse gaguejando e ainda rindo. - Essa droga dessa caixa entrou aqui de alguma maneira que não seria possível, eu não a trouxe aqui, não é possível que tudo isso foi por causa de uma fantasia!

Então Angela lembrou de quem sempre falou sobre asas com ela. Marcela. Ela havia ido na casa de Angela na noite anterior, então talvez foi um presente que ela trouxe e Angela não havia percebido.

- Só pode ser isso! - Angela disse ainda nervosa. - Talvez ela quis me dar um presente depois de tantos que a dei... Sim... É isso com certeza.

Essa era a nova realidade que Angela havia criado em sua própria cabeça. Aquilo talvez ficaria em sua cabeça para sempre, mas em breve ela perceberia que as coisas nem sempre são tão simples em Sexto Paraíso.

Angela decidiu começar seu dia como qualquer outro. Ela escovou os dentes, tomou um banho e foi até a cozinha finalmente comer aquele bolo de morango, mas a caixa continuava ali, aos poucos à seduzindo, à convidando para ser vista mais uma vez. Angela batia os pés no chão e arranhava o próprio dedo polegar devido ao nervosismo, até então ceder e ir finalmente pegar aquelas "asas" de fantasia.

- Acho que não custa eu experimentá-las, assim a Marcela ficará mais feliz quando nos vermos e eu dizer o que achei. - Angela disse enquanto se dirigia ao banheiro para se ver com as asas.

Assim que ela colocou as asas em suas costas, ela teve outro caso de peças não se encaixando no tetris de sua própria cabeça. As asas agora estavam imensas, como se fossem as de um anjo. Aquilo era real, Angela sentia que era real, ela sentia as asas como se fossem dela, não como uma fantasia. Naquele momento, as asas faziam parte do corpo dela, ela podia sentir isso... Entre o pavor que ela sentia ali, um sentimento bom surgiu e prevaleceu no coração dela... Era liberdade.

Antes que a ficha de Angela caísse de que aquilo era real, ela se assustou mais uma vez ao perceber que ela não tinha reflexo no espelho. Não havia ninguém no espelho, nem ao menos suas asas, ela podia ver claramente o shampoo para cabelos ondulados que ela havia comprado dois dias atrás que estava atrás dela, mas não podia se ver. Porém, mesmo sem ver as asas no espelho, ela podia vê-las ali ao seu lado. Elas eram lindas, a coisa mais linda que Angela já viu em toda sua vida.

Ela entendeu que aquela caixa não foi dada pela Marcela, aquilo era realmente fruto de algo fantasioso, de algo maravilhoso que ela havia presenciado na madrugada passada. Aquilo era algo que deveria ser irreal, para Angela aquilo era algo que a humanidade jamais havia tido conhecimento. Ela se sentia especial, mas também bastante assustada e confusa. Por um certo tempo, Angela se perguntou se tudo aquilo não era coisa da cabeça dela, já que ela havia acabado de bater a cabeça, mas então ela disse pra si mesma:

- Que se dane se for coisa da minha cabeça, isso é incrível!

As asas não batiam em nada de sua casa, era como se as asas nem sequer estavam ali, mas Angela não precisava de mais provas do que ela sentia em seu próprio corpo. Ela queria mais do que tudo poder ir experimentar essas asas. Ela queria fazer o que sempre quis... Ser livre e fazer algo que só ela pudesse fazer, quando quisesse e sem se importar com mais ninguém.

Angela estava tão empolgada em finalmente experimentar seu próprio tipo de liberdade, que saiu de seu apartamento e acabou esquecendo de trancar a porta, deixando o bolo de morango disponível para qualquer um que entrasse.

A cobertura do prédio onde Angela morava não era difícil de ser acessada, difícil seria ela não ser vista por ninguém, o que foi que aconteceu meros dois minutos depois dela sair de casa. Um de seus vizinhos, o senhor Geraldo, um homem de meia idade viciado em apostas alternativas estava saindo de seu apartamento quando viu Angela correndo pelo corredor. Ele havia acabado de acordar, então ficou bastante confuso sobre o que estava vendo. Ele morava ali há mais tempo do que Angela, então ele a conhece desde que ela chegou ali e ele havia certeza que nunca tinha visto aquilo antes. Era a primeira vez que ele via a doce e quieta Angela, uma professora comportada e um pouco reservada daquele modo logo cedo. Geraldo nunca havia visto Angela correndo daquele jeito por aí, ele não esperava aquela falta de educação de uma professora. Sobre as asas, Geraldo não as viu, elas eram invisíveis para qualquer outra pessoa que não fossem Angela.

Chegando na cobertura, Angela sentiu suas asas sendo balançadas pelo vento, era como se as asas queriam acompanhar o vento e ir aonde quisessem... Assim também era o desejo de Angela.

De uma só vez, Angela conseguiu voar. Aquilo era como se fosse totalmente natural para ela. Como se ela tivesse feito aquilo a vida toda. Ela sentia como se as asas estavam dizendo para ela o que fazer e como fazer... E aquilo era totalmente conveniente.

Assim como as crianças da terra do nunca, Angela se sentia livre de qualquer tipo de preocupação enquanto estava no céu. Era muito mais do que um "sonho", coisa que ela considerou que estivesse tendo, aquilo era a pele dela desafiando qualquer regra imposta pela tão conhecida "realidade".

Aquilo era a melhor sensação que Angela já sentiu na vida. No céu, ela estava sozinha. Não havia ninguém lhe mandando fazer algo, não havia ninguém ditando a vida dela, era só ela, suas próprias asas e algum pássaro ou outro que passava por ali.

Enquanto Angela ficava apenas brincando com sua mais nova realidade, ela percebeu algo diferente no céu. Um ponto negro. Era como se fosse uma estrela, mas completamente negra no céu. Aquilo nunca esteve ali antes, ao menos não que Angela tivesse percebido antes. Ela considerou voar até esse ponto, mas ela logo percebeu que aquele ponto estava muito mais longe do que as asas dela - ou qualquer outra coisa criada por humanos - conseguiria alcançar. Mal sabia Angela que assim como ela mesma, mais nenhuma pessoa via aquele ponto negro... E nem mesmo viam ela enquanto ela estivesse voando.

Sexto Paraíso faz com que as coisas aconteçam conforme elas precisam acontecer. Nem todos são escolhidos para experimentarem esse novo tipo de "realidade".

Por enquanto, Angela apenas voava em volta do próprio quarteirão. Ela ainda estava com muito medo de ir para mais longe e talvez cair por qualquer motivo, mas aos poucos ela foi se abrindo... E suas asas pareciam aumentar. As asas de Angela estavam ligadas diretamente com o psicológico dela, quanto mais ela se sentisse livre de tudo, mais as asas cresciam, dando ainda mais liberdade para ela como recompensa.

Angela finalmente decidiu sair completamente de sua zona de conforte e decidiu voar para mais longe, o tamanho das asas refletia sua própria confiança. O primeiro destino dela foi a escola onde ela dá aula. Ela não parava de se perguntar como poderia voltar para aquela rotina de professora depois de vivenciar algo tão incrível como voar.

"Professora, como foi seu dia?" perguntaria um aluno, enquanto Angela teria que responder "Nada demais aconteceu". Aquilo era algo que ela não poderia compartilhar com seus alunos e isso à destruiu um pouco por dentro. Ela queria poder dizer isso para as pessoas ao redor dela, ela queria poder mostrar para outras pessoas o quanto ela era livre agora.

Angela não percebia, mas quanto mais ela pensava nisso, suas asas voltavam a diminuir. Ficar presa à opiniões alheias ia totalmente contra o propósito das asas.

- Eu posso contar isso para alguém que confio. - Angela disse enquanto fazia manobras enquanto voava. - Posso contar para o meu namorado, ele com certeza vai ficar maluco quando ver isso!

O novo destino de Angela havia sido decidido, mas como Sexto Paraíso nunca erra, havia outra coisa diferente no mundo em que Angela começou a vier. Não apenas o ponto negro apareceu, mas também uma torre de relógio estava no centro da cidade. Angela nunca havia visto aquela torre antes, mesmo passando por aquele lugar centenas de vezes, mas ela já havia ouvido falar daquela torre antes.

Um de seus alunos havia falado para ela sobre uma história que citava uma torre de relógio em Sexto Paraíso, mesmo a mesma não existindo mais há anos. Pelo o que a história dizia, a torre teve que ser demolida por causa de algum tipo de emergência. Aquela torre não devia existir mais, mas mesmo assim, ela estava na frente de Angela agora. A teoria de ser um sonho voltou para a cabeça de Angela, mas antes que ela perdesse mais tempo pensando nisso, ela viu de relance seu namorado um pouco à frente daquela torre.

Não seria seguro ela parar o próprio namorado no meio da rua desse modo, então Angela decidiu ir até a casa dele e o esperar lá. Já havia meses que Angela não ia na casa do próprio namorado, ele havia a proibido de ir lá de repente e sem dar um motivo válido, Angela então apenas acatou a decisão do namorado e nunca mais tocou no assunto, mas agora ela podia ir fazer uma surpresa, uma que ele jamais esperaria.

Após pouco tempo esperando nos fundas da casa dele, o namorado de Angela finalmente chegou em casa. Angela estava esperando no quintal dos fundos onde havia um bom espaço aberto para que ela pudesse mostrar suas asas, seria a maior revelação do namoro dos dois. "Talvez ele me peça em casamento hoje mesmo!" foi o que passou pela cabeça de Angela.

Outra voz podia ser ouvida junto da voz do namorado de Angela. Ela havia certeza de que ele havia chegado sozinho, então aquela voz só podia vir de alguém que já estava dentro da casa... E pensar que Angela podia ter sido pega por aquela pessoa, mas Sexto Paraíso não a decepcionaria. Angela ouviu o passo e a voz das duas pessoas chegando perto, então ela abriu voo e decidiu esperar de um ponto quase que cego para quem fosse da casa. Ela só queria se revelar para o namorado e para ninguém mais.

Quem apareceu de dentro de casa junto com o namorado de Angela, era outra mulher. Ela aparentava ser um pouco mais nova que Angela, o cabelo castanho dela parecia brilhar junto com a luz do sol, sua pele morena parecia ainda mais bela naquela camisola branca que ela vestia e sorriso dela era imenso toda vez que ela olhava para o namorado que Angela achava que era dela. Angela nunca havia visto aquela mulher na vida, mas ela conseguiu perceber pelo o que estava acontecendo que ela havia dormido ali.

- Talvez... Talvez sejam parentes... Quem sabe são primos. - Angela repetiu várias vezes na própria cabeça.

Na mão do namorado de Angela, havia uma pequena caixa vermelha, uma caixa que Angela conhecia bem, pois pensava nela em quase todas as noites. Era onde a aliança que ele usaria para a pedir em casamento estava.

Ele ajoalhou para a mulher em sua frente e a pediu em casamento. Angela viu tudo, mas não enxergou nada, ela havia desligado do presente e vários flashbacks passaram na sua cabeça, flashbacks esses que ela havia apagado para sua própria sanidade.

Há alguns meses, o namorado dela havia terminado com Angela porque ele havia ficado entediado com ela e com a falta de personalidade dela. Angela sabia que aquilo era verdade, mas ainda assim não queria ficar sem o namorado, então ela tentou pedir para que ele ficasse. A tentativa dela foi sem sucesso, mas poucos dias depois ele voltou para ela, mas não como um namorado. Ele deixou claro que o objetivo dele havia deixado de ser amoroso, mas que se ela quisesse continuar com ele, ela teria que aceitar isso. Eles não seriam mais namorados. Eles estavam mais para usuário e objeto. Angela não conseguiu recusar e por todos esses meses ela foi usada. Financeiramente, emocionalmente, sexualmente... Assim como Marcela havia dito para ela, Angela não passava de um brinquedo nas mãos dos "namorado". Por mais que ele nunca houvesse levantado a mão contra ela, a tortura psicológica e emocional se tornou forte demais a ponto de fazer com que Angela se forçasse a esquecer sobre aquilo. Ela criou uma ilusão em sua cabeça de que aquele sempre foi o tipo de namoro que eles tinham... E que aquilo era perfeito. A ilusão se tornou real na cabeça dela, mas nunca na cabeça dele.

Nesse meio tempo, o namorado de Angela arrumou uma namorada real para ele. Uma mulher de seu círculo social com quem ele já havia tido relações enquanto ele namorava com Angela. Mesmo não sabendo da parte sexual, essa mulher sabia do que o próprio fazia com Angela, mas ela nunca ousou ir contra, afinal, até ela conseguia um pouco de dinheiro por causa dessa tortura.

Antes mesmo da mulher responder o pedido de casamento, Angela voou para longe dali o mais rápido possível. Suas asas haviam diminuído consideravelmente. Em seu consciente ela estava arrasada por ter que desistir daquele homem que a usou por tanto tempo. Era um maestro à menos em sua vida. Angela começou a entrar em pânico enquanto voava. Ela não sabia o que fazer a partir dali... Era aquele homem que ela achava que confiaria sua vida toda, mas ele agiu como uma criança mimada quando desiste de um brinquedo velho para brincar com um novo.

O relógio da torre começou a tocar enquanto Angela voava ao seu lado. Não era a virada de nenhuma hora, mas o sino tocou na hora certa. Era a hora da Angela. Era o momento dela de finalmente se livrar de tudo e todos e poder voar com suas próprias asas, sem ninguém colocar um selim nas costas dela.

Infelizmente, Angela decidiu correr para mais alguém que ela confiava, Marcela. Suas asas diminuíram ainda mais, mas isso não a impediu de voar rápido até o apartamento onde sua melhor amiga vivia. Ela sabia que mesmo depois da briga de ontem, Marcela iria abraça-lá e dar um caminho para onde Angela poderia ir depois de ter despertado daquele relacionamento de um lado só que ela tinha.

Marcela vivia em um apartamento pobre, daqueles com apenas dois cômodos e um banheiro. Era quase que um albergue, com vários outros apartamentos um dos lado do outro, então seria mais difícil para Angela achar um local para pousar sem que ninguém à visse, mas antes mesmo que ela pudesse se preocupar com isso, Angela viu Marcela sair de seu apartamento com um homem que ela nunca havia visto antes. Ele parecia bem mais velho, mas ele tinha um sorriso grande no rosto e bastante dinheiro em mãos, ele não havia medo de mostrar aquela quantidade em público. Ele não parecia ser gente boa, Angela olhou rapidamente para o sorriso dele e sentiu um calafrio. Antes que Angela pudesse se preocupar mais, viu que Marcela também tinha um sorriso no rosto, mas nada tão sinistro quanto o do homem com quem ela estava.

Sexto Paraíso faz com que as coisas aconteçam conforme elas precisam acontecer. Angela chegar exatamente naquele momento foi tudo obra da própria cidade, para que Angela passasse pela maior provação de si mesma. Para que ela pudesse tocar a vida por si própria.

Dali de longe, por algum motivo Angela conseguia ouvir a conversa dos dois como se ela estivesse ali com eles. Tudo isso foi graças à Sexto Paraíso, mas Angela nunca soube isso.

- Fico feliz que conseguiu o dinheiro com facilidade. - Disse o homem com um sorriso ainda mais sinistro. - Eu não queria ter que fazer nada de ruim para você, Marcelinha... Mas você sabe que meu trabalho requer esse tipo de coisa.

- Eu sei bem, mas a gente já tá viciado em usar essas coisas há tanto tempo que não tem o que fazer, né? Hahaha. - Marcela disse com um sorriso um pouco envergonhado, como se ela estivesse um pouco triste pelo o que disse.

- Ainda bem que você tem aquela sua amiga endinheirada, se não você não teria mais como manter seu vício. - O homem disse falando claramente de Angela. - Sem o dinheiro dela, eu teria que pedir por... outras coisas de você.

- Nem pense nisso, eu vou sempre conseguir dinheiro com ela quando for necessário... - Marcela ficou um pouco séria. - Eu ouço ela reclamando das mesmas coisas e não fazendo nada sobre elas e ela me dá dinheiro. Acho que amigas são para isso, não é?

- Se você se considera uma "amiga", eu nem quero saber o que você considera "inimiga".

Na cabeça de Angela o termo "amiga" já havia perdido o sentido por completo. Ela nunca havia percebido que Marcela a usava apenas para conseguir dinheiro para comprar drogas. Um dia, Angela perguntou para Marcela o porque ela sempre precisava de tanto dinheiro, mas após Marcela dizer para Angela esquecer aquilo... Ela simplesmente ignorou aquilo e continuou dando dinheiro sempre que Marcela pedia.

Angela mal conseguia voar para longe dali. Ela queria fugir para o mais longe possível, queria ir para longe daquela cidade, longe daquelas pessoas... Angela queria ir para longe daquela vida. Quem sabe ir até o sol e ter suas asas derretidas assim como Ícaro. Angela começou a achar que aquelas asas ao invés de serem uma dádiva, eram uma maldição para si mesma. Ao invés delas mostrarem um mundo novo para ela, elas mostraram um mundo cruel cheio de mentiras...

Mas Sexto Paraíso sempre soube de tudo aquilo e pelo contrário de tudo que estava na cabeça de Angela aquele momento, as asas mostraram a verdade para ela. Aquele nunca foi "outro mundo", aquilo era o que acontecia com Angela todos os dias quando ela não estava vendo... Quando ela fechava os olhos. Sem mais aceitar o que todos diziam, sem mais ser uma escrava de todos ao seu redor, sem mais ter sua vida sendo conduzida por pessoas oportunidades e aproveitadoras. Esse era o momento que Sexto Paraíso preparou para Angela. Agora ela estava por conta própria. Suas asas representavam o quanto ela estava livre da influência de todas as outras.

E então ela caiu.

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Mais tarde naquele dia, um entregador de jornais conhecido pela vizinhança percebeu que a porta da professora de Geografia que morava ali estava aberta. Para a surpresa dele, a professora estava caída no chão imóvel. Havia sangue abaixo da cabeça dela, provavelmente aquela foi a causa da morte dela, foi o que os primeiros peritos deduziram só de olhar para a cena.

Angela havia morrido quando tropeçou no tapete enquanto se aproximava da caixa onde estavam suas asas. Ela nunca chegou a acordar naquele dia, nem mesmo com a luz do sol batendo em sua cara e nem mesmo com o bando de homens de preto invadindo sua casa para pegar a caixa com as asas sem que ninguém os visse.

Mas Angela viveu tudo aquilo. Para ela, ela realmente saiu voando pelos céus de Sexto Paraíso, assim como ela também viu o quão podre eram as pessoas ao seu redor. Tudo que ela viu sobre Marcela ou seu namorado eram reais no mundo real, tudo que ela presenciou enquanto voava era real... Menos a sua própria vida.

Diferente de Ícaros, Angela desistiu de se arriscar e voar próximo do sol, ao invés disso, decidiu ficar debaixo dos cuidados de alguém. As asas vieram com um bilhete que dizia: "Quando estiver usando as asas, você estará liberta, mas se fechar suas asas para voar com as asas de outra pessoa... Nunca mais será livre". Agora mais do que em qualquer outra vez, Angela está presa. Presa em um mundo onde ela não existe.

Presa em Sexto Paraíso.

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