Capítulo 5 - Parte III
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A sala da irmã Freya ficava no último andar. Era uma sala de grande importância, extensa. Normalmente a freira só era vista nos dias especiais. Parecia que nem vivia no orfanato assim como os outros, mas ainda assim usava seu hábito e andava pelos corredores, de modo a manter a ordem. Denis engoliu seco quando finalmente chegou em sua porta. Infelizmente, percebeu que ela estava sentada em sua cadeira, olhando entre a pequena janela da porta. Então, ele bateu três vezes. A freira logo se levantou para abrir.
— Denis! Que surpresa o ver aqui!
Não era de se esperar que Freya também o conhecesse. Denis sorriu um pouco sem-graça, entrando em sua sala.
— Por favor, sente-se. — ela arrasta uma cadeira de escritório para ele, que se senta e se coloca a frente de sua mesa de trabalho. — Pois não, em que posso ajudá-lo?
Denis pondera por alguns segundos. Não sabia se poderia ser direto. Nunca havia conversado muito com ela, só quando a mesma lhe pedia favores, mas talvez por todos os seus serviços prestados, Freya lhe daria uma chance.
— Vim te pedir uma coisa. — ele entrelaça as próprias mãos apoiadas em sua coxa com nervosismo.
Ela sorri desentendida. — Denis Humbert, me pedindo um favor... E eu achei que esse dia nunca chegaria. — ela cruza os braços sorrindo, ajeitando o óculos torto. — O que você precisa?
— Eu queria ter uma permissão para poder sair daqui.
Ela arqueou uma das sobrancelhas. — Não me diga... O que houve? — ela parecia, por incrível que pareça, genuinamente preocupada.
— Bom, só queria passear.
Ela dá pequenas risadas. — Mas porque não disse logo?
Ela abre as gavetas e pega algumas folhas, documentos e vai os folheando para achar o que precisava. Denis não supôs que seria tão fácil e simples assim, porque senão, ele mesmo já teria vindo lhe pedir para dar uma volta, várias e várias vezes.
— Aqui está Denis, preciso que você preencha este papel, primeiro.
Na folha, em seu primeiro verso, Denis preencheu seu nome e sua data de nascimento. Abaixo, teria que escrever aonde gostaria de ir, em que horário, e se iria acompanhado. Ele não sabia ao certo se poderia escrever o nome de Lola, pois se escrevesse, talvez a freira não o deixaria ir. Tinha que ser extremamente específico para determinar um horário e data. Tudo isso, ele pensou, tinha que coincidir com Lola. Aliás, vai que ela por acaso teria algum compromisso no orfanato para comparecer e depois todos percebessem que ela saiu sem permissão? Denis ponderou e balançou a caneta que Freya lhe dera, pois, não sabia ao certo o que escrever.
Freya limpou a garganta e perguntou: — Tem algum problema para preencher a ficha? Você precisa de ajuda?
— Ahn, é que... Que... Eu não sei qual praia eu vou poder ir. Não conheço nenhuma.
— Praia... — a irmã levou uma mão ao queixo e cruzou os braços, ponderando. — Uma boa escolha, Denis. Contudo, a praia mais próxima que temos no orfanato se chama Praia do Mosteiro, em Carmel. O ruim é que você teria que pegar um táxi, ou ir de ônibus. Até de bicicleta, porém, é uma viagem de 30 minutos no mínimo.
— Uma viagem de 30 minutos com uma bicicleta? — ele pergunta, um pouco inocente demais.
— Sim.
— Quanto tempo daria se eu fosse de táxi?
— Tirando o trânsito, talvez uns vinte minutos, no máximo. Seria mais rápido se você fosse de bicicleta, é o que lhe digo. Há muitos turistas andando para lá e para cá. — a irmã explica.
Denis pensou e provavelmente pegaria o táxi, não iria deixar que Lola andasse na garupa, pois seria um pouco arriscado e perigoso.
— Está bem, vou anotar aqui.
Freya levantou-se um pouco de sua cadeira para conferir o que Denis escreveu.
Logo depois, teve que anotar o dia e o horário. Então, ele perguntou:
— Irmã Freya, que dia todos voltam a seus respectivos horários esse ano?
— Dia 15 de janeiro, Denis, por quê?
— Vou aproveitar esse período de férias e conhecer a praia.
— Uma boa ideia, Denis. Tenho certeza de que irá gostar. Você não planeja levar ninguém consigo, não é? Porque se for, deverá escrever com quem.
— Não, vou sozinho.
Ela o encarou por alguns segundos, abaixando seus óculos.
— Olhe, Denis, só lhe deixo ir porque sei que você não seria louco o suficiente de desaparecer ou tentar um suicídio.
Denis se lembrou do porquê nunca via lhe pedir algo. Ela era muito áspera com as palavras. Ele assentiu, e ela retribuiu.
— É só isso? — perguntou, lhe entregando o papel.
— Sim, mas não vá se animando. Este papel que você escreveu, terei passá-lo a um supervisor, para fazermos uma verificação.
— Verificação?
— Sim. Devemos fazer uma investigação e você terá que passar pelo psicólogo antes de poder sair, para evitar quaisquer situações, e se for aprovado terá que assinar outro papel. Este será um documento importante.
— Em quanto tempo vou receber a resposta?
— Amanhã já te informo.
Denis soltou um suspiro de alívio.
— Está bem, obrigado irmã Freya.
— De nada, Denis.
Enquanto saía da sala, a irmã já mandava seu papel pelo fax, até o supervisor do orfanato. Este homem, Denis nunca conhecera, mas também não era de grande importância.
Denis voltou ao andar de seu dormitório e pensou duas vezes antes de entrar em seu quarto e ficar sentado o dia todo, sem fazer nada. Foi até a frente de sua porta, e viu correspondências no chão. Era assim que recebia as cartas no orfanato. Pegou-as e levou-as para dentro.
Folheou jornais e anúncios, oferecendo empregos e cursos. Listou os mais importantes, como de costume. Uma carta estava escondida entre o monte de papel, e esta não tinha nenhum nome de endereço ou sequer um nome de remetente.
Deitou em sua cama e abriu a carta. Tinha uma caligrafia feminina. Nela, estava escrito:
Poderia me encontrar hoje na biblioteca às 15:00?
Gostaria de conversar com você.
Sem assinaturas, sem nada. Quem quer que fosse, deixou Denis conturbado e nervoso. Era ansiedade, e ele sabia que só de pensar que talvez fosse Lola, seu estômago iria embrulhar. O orgulho também bateu forte. Não iria se encontrar com Lola e se submeter às desculpas dela. Se ela por acaso gostaria de se desculpar, Denis pensava que ela teria que vir até ele, mas na realidade, com certeza seria outra pessoa.
Depois que almoçou, Denis foi para a biblioteca ler e esperar o relógio bater às 15:00. Todavia, nem sinal de alguém que sentasse ao seu lado ou ao menos fizesse barulho ao abrir a porta. Não conseguia se concentrar ao ler Geometria III. Estava um pouco nervoso demais, talvez; mas de repente, quando o relógio apontou dez minutos para às 15:00, a porta atrás dele se abriu e entraram cinco pessoas de uma vez só. De repente, uma cesta de roupas foi posta sob à mesa, a mesma que vira no bazar de roupas. Quando olhou para cima, ainda sentado, viu Emily.
— Olá, Emily, como você está?
Denis sentiu-se aliviado, e ao mesmo tempo, um pouco decepcionado.
— Oi Denis, que bom ver você aqui! Eu sei que você disse que não queria roupas novas, mas acho que você vai gostar dessas aqui. — ela enfiou suas mãos dentro da cesta, e de dentro, puxou várias roupas de inverno; acessórios como: cachecol, luvas, toucas e outros.
Denis animou-se. Era uma atitude muito amigável, e aquilo fez seu dia. Experimentou as luvas, o gorro e a toca, se sentindo pronto para sair do orfanato. Couberam nele perfeitamente.
— Ficou ótimo em você! — Emily disse, dando-lhe um pequeno sorriso.
— Obrigado, mesmo.
— Então, o que está fazendo?
— Ah, só lendo esse livro aqui, por enquanto. — ele lhe mostra o livro erguendo o mesmo.
Ela assente e coloca as mãos no bolso.
— Bom, se precisar conversar, por qualquer coisa, você pode me procurar. Vou estar aqui editando fotos também. — ela lhe dá um sorriso, pegando um assento próximo a ele, ligando um monitor de computador.
Denis estranhou quietamente. "Não era ela que havia deixado um bilhete em minha porta?" — perguntou-se. Assim que ele se virou para perguntá-la, avistou Lola entrando na sala da biblioteca e dirigindo-se em direção a ele. Denis tentou disfarçar, mas cedeu, a olhando prontamente.
— Oi Denis! — Lola lhe disse com um sorriso simpático.
Denis não podia estar de melhor humor. "Ah, agora ela está feliz?" — pensou, ironicamente.
— Oi, Lola. — ele respondeu, com lábios cerrados.
— Então, não sei se você notou, mas eu lhe deixei um bilhete...
— Sim, eu sei. — Denis disse rispidamente.
Lola ficou sem jeito. Puxou a cadeira a sua frente, sentando nela. Encurvou-se um pouco para lhe dizer:
— Precisava conversar com você.
Agora Denis estava curioso, mas mesmo assim, respondeu com um pouco de indiferença em sua tonalidade de voz:
— O que foi?
— Bom, sobre algumas coisas pessoais.
Denis assentiu e balançou o corpo, juntamente com a cadeira. — Quer ir para algum lugar?
Lola olha para os lados. Na sala, apenas haviam mais cinco pessoas, espalhadas pelos cantos. Emily era a pessoa mais próxima que escutava sussurros.
— Sim, por favor.
— Aonde?
— Que tal para o pátio? — ela ergueu os ombros e os braços.
— Pode ser.
Então Denis guardou o livro de volta para a estante, pegou o cesto de roupas que havia ganhado de Emily e se dirigiu com Lola até a saída.
— Vejo que você pegou roupas novas... — ela lhe dá um sorriso, enquanto caminha pela frente.
— Não, essas aqui eu ganhei.
— Ah... — ela fala baixinho, como se perdesse um pouco a vontade de conversar, mesmo assim diminui a velocidade de andar, esperando que Denis a acompanhasse. Ao invés disso, ele lhe disse:
— Então, vamos passar para o meu quarto... Vou deixar estas roupas novas lá, e daí podemos ir, ok?
— Ok... — ela respondeu.
Chegaram até o elevador, onde um silêncio pregou-se no ar e ficou até que Denis guardasse as roupas no seu quarto. Por sorte, nenhuma freira andava por lá para dar um daqueles sermões: "Meninos e meninas não podem andar juntos no corredor dos quartos!". Saíram furtivamente de seu quarto de volta para o elevador.
Assim que chegaram até o pátio, os dois pareciam acanhados. Caminharam até o centro, sem dizer absolutamente nada — perto do chafariz — onde haviam se conhecido pela primeira vez. Denis deixou a raiva passar e ir embora, esquecendo o motivo pelo qual havia se irritado para começo de conversa. Era como se ela lhe fizesse bem, de alguma forma. Por mais que tentasse se irritar ao seu lado, não conseguia.
— Foi aqui que nos conhecemos... — ela disse, olhando-lhe com o rosto semi-virado, agora, sentando-se no mesmo lugar em que chorava pela primeira vez em que ele a viu.
— Sim... — ele disse, sentando perto dela.
O coração de Lola acelerava-se. Entrelaçou os próprios dedos e teve coragem de dizer:
— Desculpe por hoje cedo.
Ele a olhou duvidoso.
— Eu estava saindo da sala de Claire, o olhei, e nem o cumprimentei. Me senti descontente...
— Não precisa se importar com isso... O que quer que tenha acontecido, todos nós temos dias ruins.
— Não, não é isso. — ela o olhou. — Eu não tenho dias ruins. Eu tenho...
— O quê? — ele quis saber.
— Eu tenho... — ela resmungou e olhou para as próprias coxas.
Denis esperaria o tempo que fosse para ela dizer o que tinha.
— Fui diagnosticada com bipolaridade. — disse de uma só vez.
Denis espantou-se, sem palavras para dizer o quanto se sentia mal ao ouvir aquilo. Seu coração se apertou, como se alguém estivesse apertando-o com as mãos.
Lola não conseguia nem ao menos olhá-lo. Pensou em pegar sua mão, para poder se sentir apoiada, protegida; mas eram apenas pensamentos que vieram dentro de si, informando que agora se sentia sozinha. "Talvez seja o efeito dos remédios." — pensou, mas sabia que não queria perder uma provável amizade com Denis. Lola sentia que ele era uma boa pessoa de alma, e faria de tudo para não perder o sentimento que tinha quando estava ao lado dele.
Então Denis abriu os lábios lentamente e se pôs a falar, respirando uma boa quantidade de ar primeiro.
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