• capítulo 2 •
Presente
Arlo
Boston, Setembro de 2025
— Você tem a festa de lançamento da temporada amanhã, cara, não atrase essa porra — grunhiu Kyle, meu melhor amigo, do outro lado da linha.
— Eu sei, merda. Mas essa reunião é importante.
Eu pude ouvir seu sorriso do outro lado.
— E você acha que eu não sei disso? Uma linha de tênis pela Jordan Brand? Porra, mano, eu estou muito orgulhoso.
Sorri, mesmo que ele não pudesse ver.
Eu tinha conquistado algum dos maiores sonhos que todo jogador do basquete profissional deseja. Nos últimos dois anos, eu tinha garantido dois dos meus três anéis da Liga da Associação Nacional de Basquete. Tinha dois títulos de MVP (Jogador Mais Valioso) nestes cinco anos na temporada. E agora, estava voando para uma reunião com a Jordan Brand.
A porra da subsidiária da Nike, especializada em calçados, roupas e acessórios esportivos, especialmente conhecidos pelos tênis de basquete com o nome de Michael Jordan.
A. Porra. Do. Jordan.
Encostei a parte de trás da cabeça no banco do aeroporto e encarei a multidão, tentando entender por que eu ainda sentia essa merda de vazio, mesmo quando tudo estava dando tão certo na minha carreira.
Encarei o teto do Aeroporto Internacional de Logan, ainda segurando o telefone e ouvindo Kyle tagarelar, até o som infantil preencher o microfone de forma muito sutil.
— Papai!
Sorri.
— Ah cara, fui pego por uma garotinha — gritou Kyle, e o som de Azarah rindo no fundo me fez sorrir — Ela está me dando uma surra de beijos e abraços, me ajude Arlo!
— Tiiiiiio Arlo! — gritou Azarah, sua voz mais próxima — Quando você vai vir tomar banho de piscina comigo? Papai comprou um escorrega pra mim e para o meu irmãozinho!
— Já te disse que ele é muito pequeno para o escorregador, sunshine.
— Eu sei, pai — ela resmungou, parecendo tão aborrecida como uma criança de quatro anos conseguia ser — Então, tio? Quando você vem?
— O mais rápido que conseguir, mas primeiro precisamos esperar a temporada fria terminar, ein? — respondi, com sinceridade, observando que o embarque do avião estava começando — Ei, garotinha, que tal eu te trazer uma lembrança de Nova Iorque se você me deixar falar com o seu papai agora?
— Tudo bem, tio. Eu gosto de presentes. E da cor roxa. E glitter. Muito glitter. Tchaaaaau — gritou, me fazendo afastar o telefone da orelha por um minuto antes de rir mais uma vez — Toma, papai. Tio Arlo que falar com você.
Finalmente, Kyle pegou o telefone de novo, e pude ouvir os gritos de Azarah para longe, como se tivesse saído da sala que meu amigo estava.
— Cara, estou tão ferrado com essa menina — Kyle falou o óbvio, bufando em seguida — O que Azélia tem de tranquilidade e simplicidade, essa aí tem de exagerada.
Azélia e Kyle estavam juntos desde o ensino médio.
— Não fale assim da minha menina — falei, parecendo aborrecido — Sou o padrinho, meu dever é defender ela. Mesmo que seja do seu pai reclamão do caralho — expliquei, ganhando uma risada grave.
Kyle era meu novato no Celtics. Estava no time há três anos. Ele tinha apenas vinte e dois anos e uma energia intensa. Nas quadras, a minha posição comumente era de ala, responsável principalmente pelos pontos e algumas defesas. No entanto, Kyle era o meu armador número um, tático e rápido nas decisões. Isso o fez ganhar o MVP do ano passado, e eu tinha muito orgulho daquele moleque. Que agora, também tinha o título de melhor amigo.
— A merda do embarque começou — falei para Kyle, concentrado nos últimos passageiros entrando no finger e a funcionária da companhia anunciando no microfone que o vôo estava em sua última chamada — Prometo que chegarei a tempo da festa.
— Merda, Arlo, um temporal está previsto para Nova Iorque. Tente um voo cedo, cara.
— Entendido, mamãe — zombei — Até mais.
— Até.
Desliguei a chamada e acessei a passagem no meu telefone, levantando do assento. Ajustei os óculos escuros e o boné, mesmo que o pôr do sol estivesse terminando e a noite tomando o céu de Boston. Não podia correr o risco de ser conhecido no aeroporto de Boston, ou seria uma grande bagunça de fotos e autógrafos.
Ainda estava terminando as negociações para comprar um avião particular, mas a merda realmente era burocrática. E com a iminente demissão da minha assistente, Jessica, eu estava em um limbo com a maior parte das porcarias burocráticas da minha vida.
Eu não queria pensar sobre a necessidade de uma nova assistente naquele momento, porque era uma chateação do caralho sempre que eu tentava me concentrar nisso.
Usei de todo o meu conhecimento de merda em persuasão para fazer Jessica ficar, mas a garota estava decidida em abandonar o cargo de cinco anos. Pelo menos ela disse que treinaria uma nova funcionária. O que eu precisava, era encontrar a merda da nova assistente.
Alonguei meu pescoço quando parei na frente do balcão da companhia e estendi o telefone e a minha habilitação de motorista para a funcionária do balcão. Ela segurou o documento, e seus olhos se arregalaram. Lentamente, a menina me encarou, os olhos arregalados e os lábios se partindo por um instante.
— Arlo... Arlo Orion?
Sorri para ela.
— Isso mesmo.
— Ah meu Deus... — ela ficou nervosa, bipando a minha passagem com as mãos trêmulas — E-eu... eu sou uma grande fã sua — parou por um instante, enquanto olhava ao redor. Só estávamos os dois ali — Meu pai é alucinado por basquete, ele não vai acreditar que eu encontrei você!
A garota parecia muito nervosa. Isso me fez sorrir mais, porque ser famoso era uma merda estranha. As pessoas te viam como deuses na maior parte das vezes, e eu me sentia um cara normal, com um trabalho para fazer e uma vida para levar.
— Você quer que eu assine algo para você levar para ele?
— Ah, é claro! — ela pegou uma prancheta e começou a vasculhar os papéis ali, encontrando um pedaço em branco e me entregou com uma caneta — O nome dele é Arthur.
Assinei o papel e entreguei para ela.
— Tenha uma boa noite — ela disse, e bem baixinho, disse — Vamos Celtics!
Apertei meus lábios e acenei para ela, abaixando a cabeça e caminhando para o avião com as mãos dentro do moletom. Meus olhos deslizaram pelo finger, pousando por um instante na área espelhada. O céu estava laranja, o sol quase indo embora e escurecendo tudo, quando meus olhos pousaram no luar.
Eu mantive meu olhar lá, concentrando-me na busca pela constelação que eu comumente conseguia ver nas noites de lua cheia. Apesar da busca, não encontrei. O ar escapou pelos meus pulmões em uma respiração derrotada.
Na Georgia, longe da poluição da cidade grande, era fácil encontrar qualquer aglomerado de estrelas no céu. No entanto, algo ainda me fazia buscar por elas. Talvez, por isso que a casa eu tinha comprado no ano anterior, era no ponto mais alto de Boston.
Eu gostava de ficar lá, sentado por horas. Principalmente nos dias difíceis.
Algo sobre buscar respostas no céu, me dava esperança em conseguir gerir os conflitos e as faltas que eu tinha na minha vida. Era como voltar para casa, de certa forma.
O conceito de casa, no entanto, era um pouco complexo para mim. Eu gostava de pensar em casa como a melhor época da minha vida. Não me leve a mal, talvez eu pareça um pouco mesquinho falando na melhor época da minha vida como outro momento, mas não era. Por mais que eu tivesse todo o conforto do mundo agora, com a minha carreira disparando e contratos sendo selados, a minha casa foi aquela pequena cabana de madeira que meus pais adquiriram no interior da Georgia, quando eu tinha apenas oito anos.
Era uma época que não havia pressão, problemas e sentimentos ruins guardados no meu peito.
Eu gostava de lembrar de como minha mãe sorria para o meu pai e eles dançavam no jardim. Como a casa cheirava a bolo e floresta. E de como eu amava correr descalço na grama até o trapiche de madeira no pequeno lago nos fundos da casa.
Logo, aquele peso apareceu no meu peito e eu bloqueei a bagunça que eu costumava ficar quando lembrava. Engoli a minha merda e desviei os olhos do fim da tarde, resmungando comigo mesmo enquanto marchava para o avião.
Meus dedos buscaram, em automático, a tatuagem no meu pulso. Era a constelação de Escorpião, mas eu nunca dissera isso a ninguém. Para todos, parecia um monte de linhas ligadas por pequenos pontos. Esfreguei a pele e neguei com a cabeça , irritado comigo mesmo.
Quando entrei no avião, poucos passageiros estavam organizando as malas. Minha poltrona estava na primeira fila, na janela. Por sorte, uma mulher com uma garotinha estavam ao meu lado, e não pareceram muito curiosas sobre um homem de boné e óculos sentar ao lado delas.
Me acomodei no assento, colocando o cinto e abri a janela, tentando olhar mais uma vez para o luar. O ângulo se tornou impossível para mim, então, busquei pelos meus AirPods e meus dedos deslizaram pelas músicas no Deezer.
Talvez tenham sido as memórias repentinas, mas parei em uma música que me fazia pensar muito sobre o que eu tinha acabado de pensar.
A musica "Somewhere Only We Know" da banda Keane começou a tocar, abafando-me do mundo exterior, onde os procedimentos de decolagem eram ditos pelo piloto e alguma aeromoça explicava sobre procedimentos de segurança.
A música tocava suavemente nos meus ouvidos, e a letra começou a ressoar com meus próprios pensamentos. Era como se eu estivesse atravessando um vazio, buscando algo que não encontrava mais. Quando a música dizia "somewhere only we know", eu me via tentando encontrar esse "lugar" perdido, um refúgio que só eu conhecia, onde as coisas faziam sentido.
A letra falava sobre pertencimento, sobre encontrar um lugar onde nos sentimos em casa. Eu percebia que esse "lugar" era algo que eu não tinha mais em minha vida agitada, apesar de todas as conquistas.
Resolvi mudar a música, porque não era um momento bom para ficar na merda. Eu estava indo para Nova Iorque, caramba. Busquei entre os meus contatos, o nome de Amos, um dos jogadores do Knicks para saber se ele tinha algo para fazer naquela noite. A viagem demoraria apenas uma hora, afinal de contas.
Por um momento, pensei sobre o que Kyle disse. O risco de temporal foi o que me fez desistir de fazer a viagem de carro e apelar para o avião. A chuva começou a bater contra os vidros do avião. Encostei a cabeça ali e fechei meus olhos, os ouvidos massacrados por Tupac enquanto eu tentava pensar sobre a merda da chuva foder meu cronograma.
Devo ter cochilado, porque quando abri meus olhos, não foi a chuva que encontrei. Era o silêncio da aeronave, apenas preenchido pelo som das turbinas e conversas dentro do voo.
Olhei para trás do banco, observando o serviço de bordo se desenrolar, do meio do corredor do avião para as pontas. Isso significava que possivelmente o voo estava na metade.
Me distraí, acessando as mensagens do telefone e recebendo uma resposta de Amos, que me convidara para uma festa do time. Pelo visto, a apresentação do time para a temporada estava acontecendo hoje, e como todas as outras apresentações de início de temporada, era o momento para festejar antes do negócio ficar realmente sério.
Além dos treinos intensivos, que envolviam trabalho físico, tático e técnico, a alimentação também desempenha um papel importante nos resultados em quadra. E não é só o treino físico que exigia disciplina: as horas de descanso e a preparação mental para a temporada também eram essenciais.
— O que essa garotinha linda deseja? Salgado ou doce? — ouvi a aeromoça perguntar para a garotinha sentada no corredor.
Por um pequeno instante, meus dedos congelaram. E acho que eu esqueci de respirar. Meus olhos perderam o foco por completo, enquanto meu coração começou a bater tão rápido quanto o fim do segundo quarto de jogo.
— Por favor, eu quero doce! — a garotinha respondeu, com a voz doce como uma criança pequena poderia ter, mas não consegui me concentrar nisso.
Levantei o rosto, sentindo um peso no peito, como se cada segundo estivesse me apertando. Com um esforço que quase me quebrou, minha mão se moveu — lentamente, como se o ar ao redor fosse denso demais — até os óculos, retirando-os com um gesto quase automático, mas carregado de uma dor que não conseguia entender.
E então, meus olhos a silhueta dela.
Foi como um choque, uma descarga elétrica. Ela estava ali, a aeromoça, ajoelhada diante da garotinha, entregando-lhe um pacote de biscoitos com um sorriso tão doce, tão genuíno, que fez meu coração bater de uma forma desesperada, como ao fim de uma partida decisiva de playoffs. O mundo ao meu redor se desfez em borrões. Eu congelei. O ar desapareceu.
Naquela fração de segundo, o tempo pareceu parar.
E lá estava ela. A mesma garota. A que tinha arrancado meu coração há cinco anos e levado com ela, sem sequer saber o que deixava para trás. Ela estava diante de mim, mais real do que nunca, e a dor que eu havia escondido durante todos esses anos, como se fosse possível esquecer o impossível, explodiu em meu peito.
Eu não sabia o que fazer, congelado no meu lugar. Só sabia que ela estava ali, diante de mim, com aquele sorriso que me destruiu no passado e agora parecia me consumir de novo.
E quando ela começou a se levantar, foi que aconteceu.
Nossos olhares se cruzaram, e acho que nenhum de nós estava pronto para isso.
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