(🏁) . capitulo vinte e dois.
Marli Mancini.
modelo.
Interlagos, 1991. O dia estava abafado, com o céu limpo e um clima de expectativa no ar. Eu já estava de volta ao Brasil havia alguns meses, mas aquele momento era especial. Papai sempre sonhou em ver toda a família junta em um grande prêmio como aquele, e mesmo depois de sua partida, parecia que sua vontade ainda unia todos nós.
Estávamos todos lá, meus irmãos, suas esposas, os netos correndo de um lado para o outro com bandeiras do Brasil nas mãos. Até mamãe, que nunca foi uma grande fã de Fórmula 1, fazia questão de estar presente. Ela disse algo como, seu pai ficaria feliz de ver a gente aqui, e isso foi suficiente para me fazer sorrir e ao mesmo tempo apertar o peito.
O autódromo estava lotado, com uma energia única. A cada menção do nome do Ayrton pelos alto-falantes, o público vibrava. Era impossível não sentir a emoção no ar, mas para mim, aquele dia era mais do que uma simples corrida.
Eu não via Ayrton desde que voltara ao Brasil. Havia tantos sentimentos misturados – saudade, nervosismo, curiosidade. Ele ainda era o Beco para mim, mesmo que nossa história tivesse terminado há tempos.
Ficamos em um camarote reservado para as famílias dos pilotos e convidados especiais. Era surreal assistir àquela multidão tão envolvida. As pessoas tinham cartazes, camisetas, tudo para apoiar Ayrton. Eu observei em silêncio, tentando absorver tudo aquilo e ao mesmo tempo evitar ser consumida pelas lembranças.
Mamãe segurava a mão de um dos netos — Alberto, o mais novo de Carlos — explicando algo sobre a corrida como se entendesse tudo. Carlos estava ao meu lado, comentando sobre os treinos e o desempenho de Ayrton. Eu apenas acenei com a cabeça, mas minha atenção estava na pista. Não sabia exatamente o que esperar, mas não conseguia desviar os olhos.
Quando os carros começaram a alinhar no grid de largada, senti meu coração acelerar junto com os motores. Eu não sabia se era pela corrida ou pela ideia de, talvez, vê-lo de novo.
Depois de um ano longe das pistas, pisar novamente em Interlagos me trouxe uma sensação única. Eu havia passado cinco meses em estádios de futebol, imersa em uma rotina completamente diferente, onde o barulho da torcida se misturava ao som das chuteiras batendo na bola. Mas nada, absolutamente nada, se comparava ao rugido dos motores e à vibração do público em uma pista de corrida.
Caminhar pelo paddock era como voltar para casa.
——— Parece que a vitória em casa tá garantida para Ayrton Senna!
Voltar a assistir o Ayrton correr era como abrir um portal para o passado. Ver aquele capacete amarelo rasgando a pista com a mesma intensidade de sempre me trouxe uma avalanche de sentimentos.
Por um instante, enquanto ele fazia uma manobra impecável, senti como se o tempo tivesse recuado. Como se nada tivesse mudado entre nós, como se eu ainda fosse dele. Não importava a distância, os meses sem nos falarmos ou os caminhos diferentes que havíamos trilhado.
Naquele momento, vendo-o lutar pela vitória com a mesma determinação de sempre, era como se eu fosse novamente a garota que ele chamava de amor da minha vida.
——— Diminui à diferença, entre Senna e Patrese. A gente não sabe se o brasileiro está poupando o carro, ou é algum problema mecânico na Mclaren.
Ângelo e Carlos se entreolharam, preocupados, como se tivessem entendido tudo sem precisar de uma palavra sequer.
Sem hesitar, os dois se levantaram rapidamente e saíram pela porta do camarote, deixando um silêncio pesado no ar. Mamãe perguntou algo baixinho para Malthus, mas ele apenas deu de ombros, tentando disfarçar a própria inquietação. Eu fiquei ali, com os olhos vidrados na pista, tentando afastar o pior dos pensamentos.
——— Começou a chover aqui na Interlagos, agora é a hora!
A chuva começou a cair, fina e traiçoeira, transformando a pista em um cenário ainda mais desafiador. Enquanto todos ao meu redor murmuravam preocupados, eu cruzei os dedos, com uma única certeza no coração: Ayrton sempre foi imbatível na chuva.
Cada volta parecia uma eternidade, o som dos motores sendo abafado pelas gotas incessantes. Meu coração apertava a cada curva perigosa, mas minha esperança se recusava a desaparecer. Ayrton sempre dava um jeito, não importava o quão impossível parecesse.
Então, no instante em que ele cruzou a linha de chegada, vencendo mais uma vez, meu sorriso se abriu como não acontecia há muito tempo. Eu me levantei, aplaudindo e gritando junto com o resto da arquibancada.
Mesmo de longe, sentia o orgulho e a felicidade dele como se fossem meus. Por um breve momento, toda a tensão, o desgaste e a distância desapareceram. Ele havia vencido. E, de alguma forma, eu também.
——— Ayrton Senna do Brasil!
Todos nós gritávamos, aplaudíamos e nos abraçávamos. Era como se toda a tensão acumulada nos últimos minutos tivesse se dissipado em um instante. Ângelo levantou Carlos do chão em um abraço apertado, enquanto minha mãe, mesmo sem entender muito da corrida, sorriu emocionada ao ver a alegria de todos.
Os netos menores, no entanto, estavam visivelmente confusos. Eles olhavam ao redor com olhos arregalados, sem entender o motivo de tanta gritaria, alguns até se encolhendo perto dos pais. Minha sobrinha mais nova, Angelia, puxou a barra da saia da mamãe, perguntando baixinho.
——— Por que todo mundo tá gritando, vovó?
Minha mãe riu e a pegou no colo, apontando para a pista. ——— Porque o tio Beco ganhou, querida.
Eu observava a cena com o coração aquecido. Por um momento, todas as dores e dificuldades pareciam pequenas diante daquela celebração. Estávamos todos juntos, celebrando mais do que uma vitória; celebrando um momento raro de união e felicidade que o Ayrton havia nos dado.
( . . . )
Enquanto Ayrton comemorava no pódio, com o champanhe jorrando e a multidão vibrando, eu me mantive mais afastada, observando de longe. Ele estava radiante, o sorriso iluminando o rosto enquanto segurava o troféu com dificuldade. Era como se toda a tensão da corrida tivesse desaparecido naquele momento de glória.
Senti a aproximação de Ângelo antes mesmo de ele tocar meu braço com delicadeza. Ele me conhecia bem demais para não perceber o turbilhão de emoções no meu rosto.
——— Você quer falar com ele? ——— perguntou, a voz baixa para não invadir meus pensamentos.
Demorei alguns segundos antes de responder, o olhar ainda preso em Ayrton. Ele estava tão feliz, tão envolvido com a celebração, que não parecia haver espaço para mais nada. Respirei fundo, tentando ignorar o aperto no peito.
——— Não... hoje não ——— respondi, minha voz quase um sussurro.
Ângelo não insistiu.
Quando a euforia da vitória começou a se dispersar e a multidão se diluiu, decidimos que era hora de ir. Todos pareciam mais leves, animados pela conquista de Ayrton. Os netos pequenos já cochilavam no colo de alguns irmãos, exaustos pela agitação do dia, enquanto o restante da família comentava sobre a corrida durante o caminho para os carros.
Mamãe estava sorridente, algo raro de se ver. Papai teria amado estar ali, pensei, observando meus irmãos discutindo sobre cada detalhe da corrida, como se estivessem revivendo cada volta.
Papai teria amado ver um brasileiro ganhar em casa.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro