(🏁) . capitulo vinte.
Marli Mancini.
modelo.
Sentei-me na poltrona elegante que haviam preparado para mim, as luzes quentes dos refletores iluminando cada detalhe. O ambiente era sofisticado, repleto de câmeras e um pequeno grupo de produção ao fundo. À minha frente, a repórter, impecável e confiante, ajeitava os papéis sobre o colo.
Era a minha primeira entrevista pessoalmente, um marco na minha carreira. Eu, agora, era considerada uma das modelos mais bem pagas do mundo. Um ícone da moda, diziam. Mas, naquele instante, enquanto ajustava meu vestido impecavelmente alinhado e encarava os olhos curiosos da entrevistadora, percebi que o peso desse título era mais profundo do que os flashes podiam capturar.
A repórter sorriu gentilmente, tentando criar uma conexão antes mesmo de começarmos.
——— Marli Mancini, ícone da moda e musa global, como é estar no auge da carreira? —–— começou, cruzando as mãos e me olhando com genuíno interesse.
Sorri de volta, ajustando-me na poltrona e pensando nas palavras certas. Meu coração estava acelerado, mas mantive a compostura. Essa era uma oportunidade de mostrar mais do que apenas a imagem que todos viam.
——— É gratificante, sem dúvidas, mas também... intenso. Acho que as pessoas olham para o glamour e não percebem o trabalho e os sacrifícios que vêm com isso.
Ela inclinou a cabeça, interessada.
——— Sacrifícios?
Eu respirei fundo, olhando para as luzes por um momento antes de responder.
——— Estar no topo exige dedicação, disciplina... e muitas vezes significa deixar partes importantes da sua vida para trás. Seja uma casa, uma rotina, ou até mesmo pessoas que você ama.
Havia sinceridade na minha voz, e eu sabia que aquele comentário despertaria mais perguntas. Mas essa era a verdade que eu estava pronta para contar ao mundo, mesmo que as palavras ainda trouxessem uma pontada de dor.
——— Então você diria que sacrificou o bicampeão de fórmula1, Ayrton Senna?
A pergunta pairou no ar como um golpe inesperado. Por um momento, senti o ar sair dos meus pulmões, mas mantive o rosto sereno, sem deixar transparecer a agitação interna. Meus olhos se desviaram levemente, encarando um ponto qualquer no chão, enquanto organizava meus pensamentos.
O nome dele sempre teve um peso especial, uma memória que nunca deixou de existir em algum canto do meu coração.
Fiquei em silêncio por alguns instantes, mas a repórter insistiu, preenchendo o vazio.
——— Você tem algo a dizer sobre Ayrton Senna?
Levantei o olhar, agora fixando o dela. A serenidade no meu tom contrastava com a tempestade de lembranças que a pergunta havia provocado.
——— Ayrton sempre foi um homem extraordinário. Não apenas pelo talento que o mundo inteiro conheceu, mas pelo coração dele. Ele é... ——— pausei, corrigindo a frase com cuidado ——— Foi uma parte importante da minha vida, e eu nunca vou negar isso.
A repórter se inclinou levemente para frente, interessada em continuar a linha de perguntas.
——— Mas vocês se distanciaram, certo?
Dei um pequeno sorriso, triste, quase imperceptível.
——— Às vezes, a vida exige que a gente tome decisões difíceis. Decisões que não têm certo ou errado, mas que definem quem somos e onde queremos chegar. Ayrton e eu... seguimos caminhos diferentes. Não porque faltasse amor, mas porque, às vezes, amar também significa deixar ir.
A sala ficou em silêncio por um instante. Eu sabia que minhas palavras estavam sendo analisadas com atenção, mas não me arrependi de nada do que disse. Era a verdade, nua e crua. Uma verdade que, até aquele momento, eu nunca havia verbalizado.
Minha voz saiu firme, mesmo que meu coração estivesse acelerado. ——— Eu não quero mais falar do Beco... do Ayrton. Vamos falar do meu trabalho.
Cruzei as pernas, ajustando a postura para sinalizar que o assunto estava encerrado. A repórter tentou disfarçar sua surpresa, mas era evidente que ela esperava explorar mais sobre nós dois. No entanto, eu sabia que, se permitisse, aquela conversa poderia me consumir.
Ela pigarreou, olhando para suas anotações, buscando retomar o rumo.
——— Claro, vamos falar sobre sua carreira. Você é considerada um ícone da moda e recentemente se tornou uma das modelos mais bem pagas do mundo. Como você lida com essa responsabilidade?
Sorri levemente, aliviada por mudar o foco.
——— É um privilégio, mas também um desafio. Não é só sobre desfiles e campanhas. É sobre representar algo maior, inspirar outras mulheres, mostrar que podemos alcançar o que quisermos com trabalho duro e paixão.
As perguntas continuaram, mas parte de mim ainda sentia o peso do nome dele no ar, como uma sombra que nunca realmente se afastava.
( . . . )
Segurei o telefone com uma das mãos enquanto a outra apoiava-se na porta de vidro da sacada. A vista da Argentina era deslumbrante, mas naquele momento parecia distante, quase sem vida.
——— Mãe, eu queria, mas não sei se consigo agora. Estou cheia de compromissos, sessões de fotos, reuniões...
Do outro lado da linha, a voz da minha mãe soava tão acolhedora quanto eu lembrava.
——— Marli, às vezes a gente precisa de uma pausa, minha filha. Seus irmãos estão com saudade, eu estou com saudade. Que tal vir pro Brasil? Ficar um pouco aqui em casa?
Respirei fundo, sentindo o peso das palavras dela. Era tentador, quase irresistível. Talvez um pouco de casa fosse o que eu precisava.
——— Vou pensar, mãe. De verdade. Prometo que ligo quando decidir, tá bom?
Ela suspirou, mas concordou.
——— Tá certo, meu amor. Só não esquece que aqui é seu lugar também.
——— Mãe... sabe alguma coisa do Beco? —— a pergunta saiu sem que eu conseguisse controlar.
Ela demorou um momento para responder, e quando falou, a suavidade da voz me tocou de forma inesperada.
——— Ah, querida... ele ainda manda flores e presentes toda vez que você desfila. Hoje, depois do desfile na Argentina, ele mandou flores de novo.
Senti um aperto no peito, uma mistura de emoção e dor. As flores. Ele sempre soube o que fazer, como me tocar, mesmo à distância.
Eu respirei fundo, tentando me manter firme.
——— Ele... ainda manda flores?
——— Sempre, piccola. Ele não esqueceu. Não é fácil para ele também.
Aquelas palavras, leves e suaves, me atingiram como uma onda. O amor não se apagava, mesmo que o tempo passasse e as circunstâncias mudassem. Mas será que ainda existia algo entre nós?
Desliguei o telefone e encarei o horizonte mais uma vez. O desejo de voltar ao Brasil esbarrava no medo de encarar o que havia deixado para trás, mas talvez fosse hora de enfrentar tudo.
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