(🏁) . capitulo trinta e três.
Marli Mancini.
modelo.
A varanda estava iluminada apenas pela luz suave da lua e das estrelas, mas a atmosfera era pesada. O vento fresco da noite mal conseguia afastar a tensão que pairava sobre nós. Eu estava apoiada no parapeito, olhando para o nada, enquanto os sons da televisão ecoavam pela sala.
Os jornais e os programas de TV não falavam de outra coisa: a morte de Roland Ratzenberger. As imagens da batida eram repetidas incessantemente, acompanhadas de análises, opiniões e especulações. Meu estômago se revirava cada vez que ouvia.
Na mesa próxima à porta da varanda, Galvão e Ayrton estavam sentados, compartilhando uma bebida. Era raro termos momentos assim — uma reunião simples para conversar —, mas nem mesmo isso conseguia aliviar o peso do que todos sentíamos.
A voz da minha agente do outro lado da linha soou profissional, mas eu podia perceber a surpresa em seu tom. Era raro eu recusar uma oportunidade de trabalho, ainda mais com desfiles importantes já agendados. No entanto, meu coração estava em outro lugar, e esse lugar era com Ayrton.
——— Sua passagem pra Lisboa já está comprada para amanhã, temos três desfiles marcados.
Eu olhei para o telefone, pensando por um momento. Respirei fundo, decidida a falar a verdade, mesmo sabendo o quanto isso poderia soar estranho para ela.
——— Vai ter que cancelar a passagem. Eu não vou.
Houve uma pausa do outro lado, e quando a agente voltou a falar, sua voz estava mais suave, mas ainda carregada de profissionalismo.
——— Algum problema?
——— Meu marido vai correr, eu vou ficar.
Não houve mais palavras. A agente compreendeu o que eu estava dizendo, e, apesar da desaprovação silenciosa, sabia que nada poderia mudar minha decisão.
Eu fiquei ali, no corredor, ouvindo a conversa entre Galvão e Ayrton, a voz dele carregada de uma honestidade que só ele sabia exprimir. O som das palavras ecoava na minha mente, enquanto o peso da realidade começava a se instalar.
——— Ela tá preocupada. Tava assim desde o acidente do Rubinho, agora então, ela mal dorme.
Ele tinha razão. Eu não conseguia mais dormir direito, a tensão sempre a acompanhando. Cada corrida, cada curva que ele fazia na pista, meu coração disparava, e, após a morte de Ratzenberger, a ansiedade só se intensificou.
——— E você? Vai correr amanhã? ——— Eu podia perceber a hesitação na voz de Galvão, um amigo preocupado, mas também compreendendo o compromisso de Ayrton com a pista.
——— Tô com 34 anos, Galvão. Não sou mais garoto e não dá mais pra abaixar a cabeça e fingir que não aconteceu.
Eu sabia o que ele queria dizer. A idade, a experiência, a dor acumulada ao longo dos anos de corrida... Ele já não era mais aquele jovem impulsivo, mas um homem que tinha visto demais e ainda sentia o peso de cada corrida.
——— Você nunca abaixou a cabeça.
Galvão estava certo. Ayrton nunca foi de se deixar vencer por nada. Mas o que ele não sabia, talvez, era que a preocupação dele comigo, com a nossa família, estava ali, sempre presente, mais intensa do que qualquer vitória.
Ele podia correr amanhã, mas o que eu temia era o que aconteceria depois.
Eu me aproximei deles, sentando ao lado de Ayrton, e nossa troca de olhares foi instantânea. O que ele disse a seguir me fez sorrir, mas também me deixou ansiosa.
——— Papagaio, a gente tem uma proposta pra você.
Galvão, ainda com um olhar confuso, tomou um gole da bebida, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Eu estava nervosa, mas também feliz com a ideia que eu sabia que iria mudar nossas vidas para sempre.
——— Você quer ser padrinho do nosso filho?
Galvão olhou para Ayrton, buscando confirmação, e o sorriso no rosto de Ayrton foi a resposta que ele precisava. Ayrton simplesmente confirmou com a cabeça, e foi o suficiente. Então, Galvão, surpreso e animado, bateu no ombro de Ayrton com uma alegria que só ele sabia transmitir.
——— Eu não acredito, um mini Senna!
Foi uma alegria contagiante. A ideia de estarmos criando uma vida, algo nosso, trouxe uma leveza ao ambiente. Para Ayrton e para mim, a ideia de formar uma família finalmente estava tomando forma.
Era engraçado pensar no futuro, num mini Senna, mas naquele momento, com tudo o que passamos, um sorriso sincero de Galvão fez todo o peso da ansiedade e das dificuldades desaparecerem, nem que fosse por um instante.
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