(🏁) . capitulo três.
Marli Mancini.
modelo.
O que mais existe no mundo são pessoas que nunca vão se conhecer. É estranho pensar nisso, mas é verdade. Por ironia do destino, suas histórias jamais vão se cruzar, seus olhares nunca vão se encontrar, e elas continuarão vivendo como se a outra nunca tivesse existido. Mas, de vez em quando, existem pessoas que estão destinadas a conhecer a outra. Não importa o tempo, o lugar, ou as circunstâncias — de alguma forma, suas histórias vão se encontrar, suas vidas vão se entrelaçar.
Acho que era isso que aconteceu comigo e com o Ayrton. Estávamos destinados a nos conhecer. Mesmo antes de saber que ele existia, mesmo antes de ele saber de mim, havia algo no universo que já estava nos unindo. Era como se nossas vidas estivessem sendo guiadas por fios invisíveis, se aproximando devagar, até o momento certo.
Eu me lembro de ouvir o nome dele pela primeira vez, como um sussurro distante. Era apenas um piloto, alguém que corria naquelas pistas que eu tanto evitava. Não era o tipo de homem que eu imaginava para mim, porque eu não imaginava ninguém para mim naquela época.
Estávamos todos almoçando juntos. Malthus estava lá, o irmão mais velho, com a esposa ao lado e o pequeno Pietro no colo, o primeiro neto da família. O querido Pietro Mancini, a mais nova joia dos nossos pais. Mamãe não tirava os olhos dele.
Marcello não estava presente. Ele tinha ficado no Brasil, ocupado com os preparativos do casamento com a noiva, mas era como se ainda estivéssemos todos juntos, porque seu nome não parava de surgir nas conversas. Ângelo e Carlos, como sempre, se perderam em discussões acaloradas com o papai sobre Fórmula 1. Era engraçado assistir. Papai gesticulava como se estivesse no comando de uma escuderia, cheio de ideias e teorias.
Carlos ria, mas concordava com quase tudo, enquanto Ângelo jogava perguntas que só um engenheiro faria, como se estivesse desmontando um carro peça por peça, até entender exatamente como funcionava.
Papai pousou a taça de vinho na mesa com cuidado, e anunciou, com aquele tom seguro que sempre usava quando tratava de negócios.
——— Eu tenho viagem para Mônaco na semana que vem. Gala de Mônaco.
Os olhos se voltaram para ele. Mônaco, com todo o seu glamour e sua aura de prestígio, não era apenas mais um destino para a família Mancini; era quase como um altar para o automobilismo, o lugar onde sonhos ganhavam vida nas curvas da pista.
Ângelo, sempre analítico, inclinou ligeiramente para frente, os cotovelos apoiados na mesa. ——— Vai mesmo fechar com a McLaren?
Houve um breve silêncio, quebrado apenas pelo som de Pietro balbuciando no colo do Malthus. Papai sorriu de canto, como se estivesse esperando por essa pergunta, como se já tivesse o discurso preparado.
——— O Alain Prost é o momento ——— disse ele, com uma convicção que fazia até o mais cético acreditar. ——— Eu vou trabalhar nesse menino.
Ângelo recostou-se na cadeira, parecendo avaliar as palavras do nosso pai, enquanto Carlos, mais entusiasmado, sorriu, já visualizando os próximos capítulos dessa história.
( . . . )
Eu gostava quando viajávamos só eu e o papai. Papai amava os cinco filhos de maneira igual — disso eu nunca tive dúvidas. Mas todo mundo notava, ainda que não comentassem abertamente, que a princesinha Mancini tinha um privilégio um pouco maior.
Quando entramos no salão, meu braço entrelaçado no de papai, senti o peso dos olhares que nos seguiam. Não eram para mim, claro. Os olhares eram para ele. Papai era famoso, um dos grandes nomes por trás da McLaren, e ali, naquele espaço repleto de elegância e prestígio, sua presença era reconhecida.
Um champanhe após o outro, a noite passava quente e cheia de gente. Mas havia algo que eu não percebi de imediato. Do alto do salão, onde apenas os mais atentos se davam ao trabalho de erguer os olhos, um par específico de olhos me acompanhava. Prince Rainier III, a realeza de Mônaco, estava ali, sua presença imponente pairando acima de todos, como o próprio símbolo daquele reino de luxo e tradição.
E, enquanto todos olhavam para cima para admirar sua postura imponente, ele olhava para baixo. Procurava algo — ou melhor, alguém. Entre a multidão, seus olhos me encontraram. Eu não sabia disso naquela noite, mas, mais tarde, fui contada sobre a curiosidade do príncipe, seu interesse velado, sua insistência em saber quem era a jovem ao lado do homem da McLaren.
Naquele momento, eu era apenas a filha de um homem ambicioso, carregando o título de princesinha dentro da minha família. Mas, por uma noite, em um salão onde todos eram figuras importantes, a verdadeira realeza de Mônaco me encontrou na multidão. E, por um instante, talvez tenha sido eu quem se sentiu como realeza.
——— Papai, eu vou ao banheiro ——— sussurrei para ele, tentando soar casual enquanto me afastava.
Subi as escadas com passos ligeiros, o som do meu salto ecoava contra a tapeçaria que revestia os degraus, cada clique parecendo uma nota cristalina em meio à melodia abafada do salão. Mas então, num momento desajeitado, senti o salto escapar do meu pé e pousar no degrau abaixo.
——— A Cinderela esqueceu o sapato.
Ele estava lá. Naquele momento, apenas um piloto de Fórmula 1, um rosto conhecido entre as rodas de conversa, mas ainda distante do brilho que o mundo associaria ao seu nome no futuro. Ayrton Senna.
Ele se abaixou com a mesma facilidade com que conduzia um carro na pista, segurando o salto na mão enquanto eu permanecia ali, estática, com a mão firmemente apoiada no corrimão dourado.
Estendeu o sapato no chão com delicadeza. Sem hesitar, ofereci meu pé, e ele, com um cuidado inesperado, calçou o salto, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Anos depois, Ayrton me disse que, naquela noite, não havia mulher mais linda do que eu naquele salão. Ele me confessou que, naquele momento, o desejo não era apenas de me calçar o salto — queria ter tirado minhas roupas, de tão intenso e imediato era o desejo que sentiu.
——— Obrigada ———— agradeci, ainda com o calor da vergonha no rosto, enquanto ele ajustava o salto com uma delicadeza que só ele sabia ter.
———— Brasileira? ———— ele perguntou, os olhos brilhando com uma curiosidade genuína.
———— Às vezes, sim. Às vezes, italiana. Posso até mesmo ser francesa.
Ele riu.
——— É um talento e tanto saber tantas línguas ——— ele comentou, com um sorriso enigmático, como se tivesse capturado algo mais do que apenas minha habilidade de falar várias línguas.
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