(🏁) . capitulo dezenove.
Marli Mancini.
modelo.
O ano que se seguiu ao término com Ayrton foi o mais horrível que já vivi. Por um lado, eu me joguei de cabeça no trabalho, mais do que nunca. Aceitava todos os contratos que apareciam, desfiles, campanhas, eventos em diferentes fusos horários. Era como se eu quisesse preencher cada segundo com algo que me distraísse. A agenda apertada era meu refúgio, um jeito de não lidar com o vazio que ele havia deixado.
Por outro lado, a verdade era que, quando as luzes apagavam e eu estava sozinha no quarto do hotel, longe de casa, sem ninguém para compartilhar minhas vitórias ou ouvir minhas frustrações, eu me sentia perdida. A solidão me engolia. Não havia mais aquelas chamadas rápidas, nem o som da risada dele para aliviar o peso de um dia difícil. Não havia mais Beco do outro lado da linha.
Houve momentos em que eu quase liguei para ele, mas a insegurança me travava. Ele também não ligou. Era como se ambos soubéssemos que, por mais que a gente se amasse, aquilo não seria suficiente para mudar a realidade que vivíamos.
Ainda assim, a dor era imensa. Ver o rosto dele nas revistas, ouvir seu nome na TV... Era um lembrete constante do que eu havia perdido. E, mesmo mergulhada no trabalho, mesmo com todas as distrações do mundo, eu sabia que estava sozinha.
Enquanto arrumava minhas coisas no camarim, uma das colegas da agência se aproximou, animada.
——— Marli, vamos ao bar hoje? Beber um pouco, relaxar... Você quer vir?
Olhei para o relógio no celular. Faltavam apenas vinte minutos para o início da corrida. Suspirei, já decidida.
——— Não, obrigada... Eu tenho compromisso. Hoje tem Fórmula 1.
Saí antes que elas pudessem insistir, mas, ao virar o corredor, ainda consegui ouvir a conversa entre elas, abafada, mas clara o suficiente para me atingir.
——— Não sabia que a Marli era fã de Fórmula 1.
——— Ela não é. O ex dela é piloto.
Aquela frase me acertou como uma flecha. Segui andando, fingindo que não tinha ouvido nada, mas a verdade era que, de certa forma, elas estavam certas. Eu nunca tinha sido fã de corridas antes do Ayrton. A Fórmula 1 entrou na minha vida por causa dele, e mesmo agora, meses depois de termos nos separado, ela continuava sendo um elo.
Cheguei ao quarto, liguei a TV e me sentei no sofá, abraçando uma almofada enquanto os motores já rugiam no fundo. Não era mais pelo esporte, nem por uma paixão nova.
Era por ele.
Porque, de alguma forma, assistir às corridas era a única maneira que eu tinha de me sentir próxima de Ayrton. Mesmo que ele não soubesse disso, mesmo que nunca soubesse.
( . . . )
O clima no box da McLaren em Suzuka era intenso, como sempre acontecia antes de uma corrida decisiva. Ayrton estava sentado, focado, enquanto enrolava esparadrapo nos dedos com precisão. Era um ritual quase mecânico, mas cada movimento tinha propósito. Ele precisava daquela firmeza no volante, principalmente em uma pista como Suzuka.
Ao lado dele, Gerhard Berger ajustava suas luvas, mas não perdeu a oportunidade de provocar, com um sorriso meio debochado.
——— Não vai vacilar hoje, hein, Senna.
Ayrton levantou os olhos por um momento, sem deixar de enrolar o esparadrapo no dedo indicador. Respondeu com a voz calma, mas carregada de determinação:
——— Já me fudi várias vezes por causa do sistema, mas hoje não.
O tom não era de brincadeira. Ele estava falando sério. Depois de tudo o que tinha enfrentado naquela temporada — os problemas com o carro, as decisões políticas que muitas vezes o prejudicaram, e até mesmo as disputas internas na equipe — Ayrton sabia que aquele era o momento de virar o jogo.
Berger, já de pé, preparava-se para sair e aproveitou para lançar mais uma provocação, virando-se antes de cruzar a porta.
——— Só não vai perder a cabeça hoje, porque eu não quero que aquele merda vença na Ferrari um ano depois que eu saí.
Ayrton não reagiu. Continuou em silêncio, ajustando os esparadrapos e focado em sua preparação mental. Berger deu uma risada, talvez por hábito, talvez para aliviar a própria tensão, e começou a caminhar para fora. Porém, antes de sair completamente, parou na porta e se virou mais uma vez.
——— Sabe, eu gostava mais quando você namorava a modelinho de biquíni. Você era mais sorridente naquela época.
Ayrton finalmente ergueu os olhos, encarando Gerhard com um misto de irritação e nostalgia. Não disse nada, mas sua expressão já entregava o que ele estava pensando. Berger sorriu de canto, como quem sabia que tinha atingido um ponto sensível, e saiu, deixando Ayrton sozinho novamente.
O silêncio no box era preenchido apenas pelo som dos mecânicos trabalhando no carro. Ayrton abaixou a cabeça, respirou fundo e voltou ao que estava fazendo. Era verdade. Ele sabia disso. Mas naquele momento, o único lugar onde ele podia estar completamente presente era na pista. O resto, por mais importante que fosse, precisava esperar.
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