1. retaliação
A primavera se espalhava pelo país, um clima agradável, dias ensolarados e flores desabrochando por todo o lugar. Uma flor em especial que desabrochou nessa época foi Hayun. Seu aniversário de cinco anos chegou, e como presente, pediu para ir ao templo dos Erotes.
O templo era localizado na capital, sendo um monumento e tanto. Era conhecido por sua beleza e pelas festas ostensivas que os deuses organizavam.
— Pa-pai! Papai! – Chamou, assim que levantou da cama, mostrando seu cabelo bagunçado e olhos ainda inchados. — Tô com cinco anos! – Levantou sua mão, indicando o número. — Já posso ver os deuses?
Kim Taehyung detestava os tais deuses.
Não tinha o menor interesse sobre eles, não procurava saber, não queria saber. Tinha certa noção de como eles chegaram ao mundo, e para não dizer que não sabia de nada, conhecia os nomes e os poderes de cada um, só.
Ah, tinha certeza que o tal templo parecia bem mais um bordel.
A Coreia gostava de retratá-los como celebridades, estampava o rosto deles em diversas publicidades, e o dia de São Valentim era a data mais importante do ano, e não sendo suficiente, a comemoração do amor era feita todo dia 14 de um jeito diferente, uma forma de agradecer aos Erotes por seus poderes.
Os quatro tinham asas, mas não usavam. Seria estranho um ser que parece humano sobrevoando um prédio com suas lindas asas cintilantes.
O problema foi quando Hayun viu um deles.
Taehyung sabia que tinha um certo deus entre os Erotes que não ligava para os acordos discutidos entre eles, e usava as asas algumas vezes. Hayun, antes de dormir, parou em frente à sua janela e de longe viu as asas vermelhas de Anteros, achando a coisa mais bonita do mundo.
Desde então, pedia incessantemente aos pais para visitá-los e poder ver as asas de perto.
— Feliz aniversário, minha princesa! – Taehyung a pegou no braço, alternando beijos entre a testa e a bochecha. — Tem certeza que é isso que você quer de presente? Papai pode dar qualquer outra coisa.
— Eu quero ver os deuses! – Respondeu após rir com as cócegas provocadas pelos beijos. — Quero muito, papai! Desse tanto aqui, ó! – Abriu os braços, bem esticados.
Revirando os olhos internamente, Taehyung sorriu para a filha.
Deixou Hayun no chão e mostrou o café da manhã que havia preparado para ela, com direito a um pequeno bolo surpresa. Taehyung era um pai dedicado, sempre teve o sonho de ter uma filha, e desde que Hayun estava na barriga, a mimava. Sabia que não havia exagerado em nada na criação dela, Hayun era educada e simpática, completamente extrovertida. Por ter sido criada com tanto amor e afeição, ao ver o bolo preparado pelo seu pai, o abraçou forte.
— Eu te amo, papai! Te amo muito, bem do fundo do meu coração!
As pequenas declarações dela salvavam os dias de Taehyung. O tempo passava um tanto rápido demais, ele mal acompanhou esse processo em que Hayun começou a falar sem parar e ter seus gostos. Ainda não sabia ler, mas estava aprendendo com revistas e livros, a maioria sobre os deuses. Ela achava incrível ter figuras divinas tão perto deles, passou meses e meses aprendendo e decorando o nome de cada um, treinando para o dia que os veria de perto.
Era admirável esse esforço dela, Taehyung admitia. Como pai e filha, eles eram parecidos. Mesmos olhos, boca e nariz. Não se limitava só a aparência física, Hayun era tão determinada quanto o pai.
A sua preocupação era o que aconteceria no templo. Hayun estava com muita expectativa, e tinha medo de decepcioná-la, não sabia o que esperar dos deuses por nunca ter esbarrado com nenhum deles, a fama dos Erotes não era uma das melhores.
De qualquer forma, o templo era aberto à visitação, justamente por saber disso que Hayun pedia frequentemente para ir.
— Eu te amo mais, minha princesa! – apertou as bochechas dela. — Quer que o papai faça um penteado bem bonito em você?
— Quero, sim! Faz duas cobrinhas, papai! Uma de cada lado!
As duas “cobrinhas” era o cabelo dividido ao meio, preso em cada lado. Taehyung amarrava e enrolava em seu dedo, para fazer uma espécie de cacho, o que Hayun chamava de cobrinha. A franja dela ficava solta, sendo o toque final para o penteado preferido dela. Simples, mas ela adorava.
— Bom dia, querido! – Jieun apareceu na sala, dando um beijo demorado em Taehyung e chamando Hayun para seus braços. — Que cabelo lindo, meu amor! Quantos anos minha bebê está fazendo hoje, hum?
— Cinco! – Hayun gritou. — Me leva no templo, mamãe?!
— Ela ainda quer isso? – Direcionou a pergunta para Taehyung, recebendo um aceno em resposta. — Por que quer tanto ir até lá, meu amor?
— Quero ver as asas! E quero pedir… – Não completou a frase, preferiu desviar o assunto e aproveitar seu café da manhã.
Isso preocupava Taehyung. Nunca foi até os deuses, mas alguns conhecidos sim, sabia dos pedidos negados, só não sabia em quais circunstâncias.
Geralmente, casais que começaram a namorar ou recém-casados, iam até os deuses para pedir uma benção. Queriam amor eterno, e os Erotes zombavam do pedido, afirmando ser impossível esse amor existir entre os humanos.
Almas gêmeas existiam, mas eram raras.
Taehyung não foi com Jieun. O que era estranho, visto que eram conhecidos entre os amigos por serem o casal mais apaixonado. Jieun sugeriu algumas vezes, e recebia respostas vagas de Taehyung, que dizia que aquela benção não era necessária, o amor deles era suficiente.
— Não acho que seja uma boa ideia ir. – Taehyung pontuou, sentando à mesa — Podemos ir para qualquer lugar, não precisa ser lá.
Jieun não deixaria aquela oportunidade passar.
— Ela quer muito, querido. Não vai fazer mal, se não nos receberem, vamos embora. – Sentou entre os dois na mesa — Acho que vai ser bom a gente ir... – Afirmou, fazendo um carinho em Hayun e Taehyung. — Sinto que nossa família vai ser abençoada.
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O trajeto até o templo não foi silencioso, pois Hayun não conteve sua animação. Tagarelou sem parar, dizendo como os imaginava, se eles gostariam dela, se conseguiria ver o que tanto queria. Jieun foi contagiada pela animação da filha, também ficando ansiosa com o momento, mas sabia que seus motivos eram bem diferentes dos da pequena Hayun.
Foi Jieun quem ensinou sobre os poderes dos Erotes, ela quem disse a Hayun que eles podiam conceder bençãos para os casais. Sua esperança era o pedido de Hayun ser esse.
Taehyung ficou calado. Estava tenso e nem sabia o motivo, queria estar animado como a filha, porém a preocupação não abandonava sua mente.
Tinha um mau pressentimento.
Ao descerem do carro, Hayun correu em disparada, não se importando em deixar os pais para trás. A enorme porta do templo se abriu sozinha, permitindo que ela entrasse.
Surpreendentemente, estava vazio. Talvez fosse o dia, ou o horário, mas Taehyung sabia que estava sempre cheio. Algo não estava certo.
Jieun correu atrás de Hayun, e Taehyung paralisou na entrada. O templo exalava poder, com certeza digno dos deuses do amor. Uma grande estrutura com diversas peças douradas, esculturas, quadros artísticos pendurados nas paredes e flores em todos os lugares. Parecia um tanto irreal de tão bonito e majestoso, se sentiu intimidado. A porta se fechou assim que todos entraram, fazendo Taehyung se assustar um pouco.
Ainda correndo, Hayun acabou tropeçando em um degrau. Esperou o momento que cairia bem de cara no chão, mas ele não veio.
— Você deveria ter mais cuidado, não?
O próprio deus Eros a segurou. Hayun o olhou assustada, mas ainda maravilhada.
Eros tinha o cabelo vermelho e uma beleza que poderia causar até desconforto de tão absurda. Suas roupas pareciam simples, porém elegantes. A camisa e a calça de seda em um ajuste perfeito no corpo, mostrando toda a imponência do deus do amor.
A aparência não transparecia o que as lendas diziam. Eros era o amor inconsequente, sua maior preocupação consistia na união de casais, independente da situação. Porém, sua face mostrava alguém sério, como um líder.
— Eu peço desculpas! – Jieun os alcançou, curvando-se para o deus — Ela estava muito animada para entrar, correu muito rápido…
— Não tem problema. – Sorriu, gentil — Você está bem, mocinha?
— S-sim… – Abaixou a cabeça, indo para trás de Jieun. — D-desculpa, Eros…
Por ser um nome diferente, Hayun pronunciou de um jeito embolado, torcendo para ter acertado qual deus ele era, pois a figura que viu condizia com o que estava em suas revistas. As ações da pequena fez o deus sorrir mais uma vez.
— Vejo que é muito esperta, me reconheceu e sabe meu nome. Pode me chamar de Seokjin, ou só Jin. – estendeu a mão para Hayun, querendo um cumprimento. A pequena apertou, e isso pareceu ter sido suficiente para ela se soltar e voltar a ficar animada. — Qual o seu nome?
— Kim Hayun! – Respondeu bem alto, ressoando pelo templo.
— Não é comum ver crianças aqui… – outro deus se aproximou. — Acho que os pais pensam que não somos boa influência, não é, irmão? – Riu, com um tom de deboche. — Aliás, é um prazer, pequena Hayun.
— Hi-... – Hayun se interrompeu, lembrando da pronúncia. — Himeros…
— Oh, que adorável! – Gargalhou, agachando na frente de Hayun. — Pode me chamar de Jimin.
Himeros era tão bonito quanto Eros. Seu cabelo com um tom rosado combinava perfeitamente com seu rosto, especificamente com o sorriso. Por ser o deus do desejo sexual, as pessoas esperavam ver uma figura promíscua, porém Himeros era o mais calmo entre os irmãos, exercendo seu poder só quando necessário.
Sorrindo ainda mais, Hayun se aproximou do deus, apertando a mão dele também.
— Não sabia que teríamos uma visita tão especial hoje. – Mais um deus se aproximou, observando as humanas à sua frente e estendendo a mão para um cumprimento — O seu nome diz muito sobre você…
— Você… você é o Pothos! – apertou a mão dele, dando um pulinho animado. — Gostou do meu nome? – perguntou, um tanto envergonhada.
— Sim… Hayun, brilhante como o sol. Como seu vestido também. – brincou, pois a roupa que ela usava era cheia de glitter.
Jieun mal conseguia formular nenhum pensamento ou frase. Pensou que a visita seria um completo fiasco, mas ali estava ela diante de figuras divinas, onde todos eles pareciam felizes com a presença de Hayun.
— Já o meu nome é bem estranho, não é? – Pothos voltou a falar e sorriu vendo Hayun acenar positivamente. — Pode me chamar de Yoongi.
Pothos era um dos Erotes mais requisitados. Ser o deus da paixão fazia os casais o procurarem constantemente, seja para conselho, benção, ou implorando por uma de suas flechas. Seu cabelo era loiro, com uma pele bem pálida, talvez a face mais angelical entre os irmãos.
— Eu não sabia que vocês tinham nomes coreanos… – Jieun soltou e logo se arrependeu. Dizer isso era deixar explícito que não conhecia a história toda deles.
— Por mais que não tenhamos nascido de pais humanos e coreanos, crescemos aqui e achamos justo ter o nome. – Eros explicou, não parecendo se importar por ela não saber.
Tudo parecia diferente demais. Jieun ainda procurava aquelas figuras arrogantes e prepotentes como os boatos diziam.
— Não somos o que dizem por aí? – Himeros perguntou e soltou um riso soprado com a expressão de choque que a humana fez. — Não se assuste, é normal percebermos os sentimentos alheios.
— Oh… eu não sabia. – Ficou constrangida. — Espalham muitas coisas, nunca acreditei em tudo. Mas… – Sentiu que precisava dizer o que pensava. — Vocês estão sendo mais receptivos do que eu esperava.
— Nós adoramos crianças. – Pothos respondeu. — Para nós, são as criaturas mais puras, que sentem e veem o amor como ele é.
Taehyung ainda observava de longe. Esperou encontrar todo o cenário devasso que as pessoas costumavam falar e não viu nada parecido.
Sua preocupação foi diminuindo à medida que via os sorrisos direcionados à sua filha. Assim, conseguiu se aproximar, olhando os deuses de perto e fazendo uma curta reverência, segurando na mão de Jieun ao final.
— Deduzo que são os pais dela. – Eros alternou o olhar entre Taehyung e Jieun. — Estão aqui para pedir alguma benção?
— Não! – Taehyung se apressou em responder. — É o aniversário de cinco anos dela… como presente ela pediu para vir aqui falar com vocês.
Os Erotes ficaram genuinamente surpresos e felizes com a informação. Cada um fez questão de desejar os parabéns para a pequena.
— Deveríamos dar um presente! – Himeros deu a ideia. — O que você quer, Hayun?
Só então Hayun deu uma boa olhada ao redor, finalmente percebendo que faltava uma coisa. Um alguém, na verdade.
— Cadê…? – olhou de novo ao redor e olhou bem cada um dos deuses. — Anteros?
Um silêncio se instalou enquanto os Erotes se encaravam. Pareciam curiosos.
— Ela viu Anteros voando. – Taehyung novamente se apressou em explicar. — Queria vê-lo de perto.
— Como soube que era ele? – Eros questionou.
— As asas! – Hayun abriu um grande sorriso. — As asas dele são as mais bonitas do mundo todo!
Eros sorriu, porém foi um sorriso triste.
— Ele não fica no templo como nós, Hayun... – suspirou, não queria frustrar as expectativas dela. — Costuma sair muito. Acredito que não vai ter como vê-lo agora…
Sua fala foi cortada por um estrondo na porta principal do templo.
Taehyung foi o único que não se virou, mas também foi o único que sentiu um frio percorrer seu corpo por inteiro.
Anteros era parecido com Eros. Um cabelo vermelho vivo, longo, na altura do pescoço. Lendas diziam que ambos eram gêmeos, e Anteros era o que o nome sugeria, uma antítese de Eros.
Diferente dos irmãos, que vestiam roupas leves, Anteros parecia estar pronto para um combate, com roupas pretas que cobriam seu corpo quase por inteiro, cheio de acessórios, o arco dourado em suas costas.
Seus passos não vacilaram, andou diretamente até seus irmãos e os humanos, como se estivesse… irado.
Os demais Erotes estranharam a presença dele. Anteros mal aparecia no templo, tinha o mínimo de contato possível com os humanos, eles temeram qual atitude ele tomaria, então um deles se adiantou.
— Tem uma criança querendo fazer um pedido para você. – Pothos conhecia seus irmãos como ninguém. Sabia da aversão de Anteros pela humanidade, mas conhecia seus pontos fracos. — Não é, Hayun?
Anteros parou e movida pela própria expectativa e curiosidade, Hayun correu até parar de frente a ele.
— Oi…
Era engraçado como a altura de Hayun chegava perto da cintura do deus, porém não se intimidava facilmente.
Tirando o arco das costas e colocando no chão, Anteros a encarou, intrigado.
— Oi. – respondeu, alternando o olhar entre a menina e os pais dela.
Jieun ficou paralisada. Os deuses eram todos bonitos, isso não era uma surpresa. Entretanto, Anteros era um pouco mais, se isso era possível. Taehyung ainda se recusava a olhá-lo, preferindo encarar o chão.
— Hoje é o aniversário da Hayun, está fazendo cinco anos. – Pothos voltou a falar. — Como presente, ela queria ver suas asas de perto.
Ter ciência daquilo pareceu desarmar o deus. Ele abaixou, ficando cara a cara com Hayun, observando-a de perto.
— É mesmo? – A menina balançou a cabeça positivamente. — Por quê?
— Eu vi você lá no céu! – Apontou para cima. — Suas asas são muito, muito, muito bonitas! Anteros tem as asas mais bonitas!
O deus esboçou um pequeno sorriso com a pronúncia dela.
— Jeongguk. – Anteros disse. — Me chame assim.
— Jo… guk? – Hayun tentou repetir. — Joguk!
Nem mesmo ele quis corrigi-la.
— Pode me mostrar, Joguk? As asas? – O encarou ansiosa.
Sem responder com palavras, Anteros levantou e deu alguns passos para trás, afastando-se dela. Como mágica, as asas apareceram, grandes e vermelhas, assim como Hayun lembrava.
Remetia as asas de borboleta, aprumadas e com um certo brilho. O tamanho ultrapassava o tronco do deus, o deixando mais divino do que já aparentava.
Os demais Erotes pensaram que ele levaria mais algum tempo para ceder ao pedido, ou até mesmo recusaria, mas entendiam por que não. Anteros era o que mais admirava as crianças, podia ser um deus vingador, porém era protetor, sentia a necessidade de proteger a inocência e amor de quem merecia.
A reação de Hayun o fez soltar mais um sorriso pequeno. Os olhos da menina brilhavam em admiração, as palavras fugiram da sua boca. O que conseguiu perguntar foi:
— Posso tocar, Joguk?
Anteros curvou o lado direito da asa na direção de Hayun, e ela tocou. Todos olharam, até mesmo Taehyung. Era realmente bonito. Não só as asas.
— Espero que tenha gostado. – Anteros afastou novamente e as asas sumiram. — Feliz aniversário, Hayun. Agora eu tenho que ir.
— Não vai, Joguk! – puxou a roupa dele. — Eu… – Olhou para os pais. — Eu queria pedir uma coisa!
— O quê?
Assim como aprendeu com sua mãe, Hayun sabia que Anteros era responsável pelo amor correspondido, ele e Eros abençoavam os casais mais duradouros.
— Eu quero que a mamãe e o papai fiquem juntos pra sempre! Pode fazer isso…?
Era um pedido inocente e genuíno. Hayun não compreendia que aquilo era um pedido de uma benção que teria uma consequência eterna, ela entendeu que os deuses realizavam desejos e pediu um.
— Hayun! – Jieun chamou alto, fingindo estar envergonhada — Não pode sair pedindo as coisas assim! – Foi atrás dela, segurando em sua mão. — Desculpe por isso, Anteros – curvou-se.
— Está tudo bem. – Eros quem a respondeu. — Não é um pedido incomum, podemos fazer isso, não é, Anteros?
Não só Hayun, mas Jieun também ansiava a resposta de Anteros. Pedir que não houvesse separação não significa que o casal não teria problemas, só mostraria a força do sentimento mútuo, não sendo afetado por qualquer adversidade.
Percebendo a inquietude de Jieun, Anteros encarou justamente quem estava quieto demais. Kim Taehyung.
O humano suava frio. Engoliu seco inúmeras vezes, suas mãos estavam geladas.
Anteros andou uns passos em direção à ele, como se estivesse o analisando minuciosamente, e Taehyung não foi capaz de sustentar o olhar. Parando de frente à ele, disse:
— Não posso.
Simples assim.
Hayun demorou para processar a resposta, Taehyung não pareceu surpreso, e Jieun quis chorar.
Sem dar explicações, estava prestes a se retirar da sala principal, quando em um ímpeto Jieun perguntou alto:
— Por quê? Estamos casados há anos, qual o problema?
— Eu sou o deus do amor correspondido, Anteros, o “contra-amor”. Não vou abençoar um amor que não é recíproco. – Sem levantar a voz, sem nem mesmo hesitar, Anteros respondeu.
— Por que está agindo assim, irmão? – Eros foi o primeiro a intervir, por mais que a vontade fosse a mesma entre os demais irmãos. — Eu posso abençoar, isso não é um problema.
— Não pode, não. – Anteros respondeu em um tom ameaçador. — Por mais que você seja ingênuo, eu não sou. Não tome decisões sem minha permissão.
— M-mas… – Hayun choramingou. — Mamãe ama o papai, por que Joguk diz que não? Por quê, mamãe? – Se rendeu ao choro.
Hayun não entendia bem o que eles debatiam, porém a postura do deus dizia tudo, ele negou e não voltaria atrás. Toda a felicidade por ter visto as asas sumiu, estava decepcionada.
O choro de Hayun pareceu despertar Taehyung, que finalmente conseguiu falar.
— Isso deve ser um engano, eu sei que é… – Falou ainda perdido em seus pensamentos, e olhou para Jieun. — Querida, não sei porque ele disse isso, não há motivo…
Um sorriso cínico rondou os lábios de Anteros.
— Você sabe muito bem qual é o motivo – Devagar, se aproximou do ouvido dele. — Não se atreva a fingir na minha frente.
Taehyung queria empurra-lo, queria agir. Não se preparou para essa situação, foi pego desprevenido com o pedido, e mesmo não querendo a benção, queria sua filha feliz. O choro de Hayun aumentou e Jieun deixou algumas lágrimas caírem. Himeros e Pothos se aproximaram delas, Taehyung não entendeu o que eles faziam, devia ser algum poder.
Eros estava de mãos atadas. Parou ao lado de Anteros apenas para evitar o pior, mas sem o consentimento de seu irmão, nada podia fazer.
— Por favor… – Taehyung, inesperadamente, sussurrou. — É o aniversário da minha filha, é um pedido dela, não a faça chorar desse jeito, por favor…
— A culpa foi sua de trazê-la aqui. – Anteros sussurrou de volta. – Não sou o culpado por negar, você é.
— Anteros! – Eros foi o único que escutou o diálogo por estar ao lado deles.
— O que eu preciso fazer? – Taehyung finalmente o encarou, a frustração o fazendo agir por impulso. — Preciso fazer uma reverência? Preciso me ajoelhar?
E foi o que o humano fez, se ajoelhou e se curvou, encostando a cabeça no chão. Uma reverência completa.
— Não precisa fazer isso, por favor, levante-se! – Eros parecia desesperado. — Anteros, diga alguma coisa!
Pela primeira vez, Anteros ponderou o que falaria. Seus irmãos tentaram a todo custo acalmar as humanas, principalmente Hayun, mas ela continuava a chorar e tentava sair do braço da mãe para ir até o pai.
— Himeros, Pothos. – Chamou os irmãos. — Acompanhem as duas até lá fora.
— Por que está fazendo isso? – Pothos perguntou, indignado.
— Vamos, Pothos. – Himeros interrompeu, segurando no ombro de Jieun, pedindo implicitamente que ela os seguisse.
Himeros sabia, assim como Jieun, que Hayun não merecia estar vendo ou ouvindo nada daquilo. A pequena se encolheu nos braços da mãe, escondendo o rosto no pescoço dela.
Taehyung esperou ouvir o som do portão se fechando para levantar, deixando seu temor de lado e olhando para os deuses com raiva.
— Isso é mentira… o que você está sugerindo sobre mim é mentira!
— Um deus do amor não é capaz de mentir. Achou que eu não iria perceber? Estava morrendo de medo de olhar nos meus olhos porque sabe que eu posso ver que o mentiroso é você.
— Anteros, você está se precipitando! – Eros não sabia mais o que dizer, não sabia como lidar com o irmão.
— Você acha que sabe tudo sobre mim? Ou sobre qualquer outra pessoa? – Taehyung apontou o dedo para o rosto de Anteros. — Você não sabe de nada! Você só quis estragar o aniversário da minha filha, e eu devo concordar com o que você disse, o erro foi meu de trazê-la aqui, eu nunca deveria colocá-la perto de alguém como você!
— Apelo nenhum mudaria o que há no seu coração. Nenhuma reverência, nenhum choro. Não somos capazes de abençoar o que não existe, e sua ira é por saber disso.
Taehyung sentiu o corpo ferver com a audácia do deus em afirmar tal coisa de uma forma tão tranquila.
— Pare de falar isso! – Eros o repreendeu. — Se você quiser, eu posso abençoar seu relacionamento, não seria algo tão duradouro, mas com certeza deixaria sua filha feliz!
— Não. Não quero benção alguma de nenhum de vocês. – Taehyung se aproximou mais. — Você vai retirar o que disse e vai se desculpar com elas.
— Você não está em posição de exigir nada. – Anteros desdenhou.
Eles estavam a centímetros de distância. Eros estava ao lado, tenso, temendo o pior. Podia sentir toda a fúria de Taehyung, o que lhe deixava calmo era perceber que seu irmão não estava com intenção de machucá-lo.
— Eu vou fazer você engolir essa soberba. – Taehyung falou lentamente, o intimando. — Deve se achar muito por ser um deus, não é? Pra mim, você não é nada. Diz que não é capaz de mentir, mas será que é capaz de sentir qualquer coisa?
Eros percebeu o quanto Anteros estava incomodado.
— Me pergunto se uma coisa como você tem um coração. – Taehyung forçou um sorriso sarcástico, finalmente se afastando. — Não deve ter a capacidade de amar ninguém.
Taehyung foi embora do templo. Porém, não foi embora dos pensamentos de Anteros, que nunca admitiria o quão afetado ficou por causa de um humano.
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