2- Ó B I C E -
[Sobre os empecilhos que o Destino decidiu pintar.]
Edimburgo possuía uma aura diferente, quase mágica, mesmo ali no aeroporto ela podia sentir como se fosse outro mundo, a forma das pessoas caminharem, mais calmas e despreocupadas, por um momento decidiu apenas parar ali e respirar, pensando em quanto sempre quis estar ali.
Só não nessas circunstâncias.
Logo ela estava dentro de um táxi, começando a se acostumar com o sotaque carregado dos escoceses e a forma mais bruta de agirem em algumas situações, nada com que já não estivesse preparada, já que seu pai sempre lhe contava sobre as pessoas que viviam por lá.
Pode ver no semblante do homem que dirigia certa compaixão quando disse seu destino, os Rosenrot eram conhecidos em toda Cidade de Edimburgo, e claro que a morte de seu filho mais velho teria repercutido ao menos na cidade velha, ela teria se divertido muito com isso, indo de canto a canto buscando por histórias de seus parentes já falecidos, mas agora que Edwin, seu pai, era um deles já não lhe encantava mais o pensamento.
As casas georgianas da nova cidade deram espaço aos campos verdes repletos de histórias de batalhas antigas e velhas árvores que provavelmente presenciaram milhares de mortes ao longo dos anos. Estavam se afastando até mesmo da velha cidade, onde os museus e o famoso castelo de Edimburgo fizeram os olhos de Claire brilharem com sua beleza.
— Ali está ela, senhorita, a mansão Rosenrot! — Anunciou o pequeno homem, seus olhos verdes acompanhando os de Claire ao finalmente enxergar a casa onde seu pai viveu toda sua infância.
Rodeada por grades repletas de trepadeiras quase como uma cerca viva lá estava ela, imponente e destacada naquela paisagem verde, seus tijolos de cor cinzenta se amontoavam para formar a maior e mais bela construção que já havia visto. A mansão era tudo que seu pai sempre descrevera. "Os Rosenrot jamais pensaram no quanto gastariam para que a beleza da casa ficasse visível para todos que saíssem da velha cidade, então eles a construíram para ser como uma gárgula sobre a cidade, quieta e bela."
Quando o táxi se afastou ela finalmente andou com suas malas até a entrada, rosas entalhadas no metal faziam uma fechadura bela se formar bem ao meio do portão, o R de sua família logo acima indicando a grandeza da família. Estou em casa, era o que seu interior gritava mesmo que as notas fossem tristes Claire sentia como se algo lhe abraçasse e lhe desse boas-vindas.
O jardim da mansão era repleto das mais diversas cores de lírios, cravos e papoulas islandesas, flores resistentes ao inverno rigoroso da Escócia, alguns bancos de pedra dispostos por todo o enorme terreno, árvores imensas plantadas em pontos estratégicos, que com certeza ao longo de um dia ensolarado concediam a mais bela sombra. Era de fato um lugar quase mágico, e a construção se erguia majestosa e silenciosa, com suas diversas janelas todas cobertas por cortinas negras, algo que não passou despercebido, seus olhos vagaram por cada uma das janelas que seus olhos podiam captar.
— A mansão está de luto. — Uma voz surgiu por trás de uma das árvores de tronco grosso e escuro, um homem de estatura baixa, com roupa de jardineiro e um saco de terra nos ombros, os olhos castanhos acompanharam os dela pelas janelas. — Assim como todos nós, sou Anton, e você é Claire com certeza.
Aquele homem parou ali ao seu lado e o silêncio os abraçou assim como o frio, Claire sentiu algo em seu peito se aquietar, como se algo ali dissesse que ficaria tudo bem logo após a tempestade que ela estava prestes a enfrentar.
— Esse jardim... — Ela o olhou e logo se demorou em cada uma das espécies de plantas, seu sorriso discreto dando ao homem um belo olá. — É magnífico.
— Faz com que pensemos no quão incrível é como a vida tende a ser bela nos mais difíceis cenários, não é? — Ele largou o saco de terra no chão, batendo as mãos nas calças bege cobertas de terra, as apoiou na cintura e girou nos calcanhares, olhando para tudo parando novamente em Claire. — Poucos entendem como elas podem florescer com a luz fria do sol, mas quem as conhece entende, e a senhorita parece ter um apreço enorme por essas pequenas formas de vida.
— São a minha vida!
[...]
A mansão era, de fato, imponente, suas torres laterais davam o ar de braços erguidos aos céus, sua porta central era grande e a madeira negra deixava com que os entalhes mais claros se destacassem, arabescos entrelaçados á rosas e suas pétalas. Mas por dentro, seu ar mudava, convidando Claire para um suspiro de alívio, um sentimento de paz invadiu seu peito, como aquele que sentimos ao chegar em casa após um dia cansativo.
Claire havia levado vinte e cinco anos para senti-lo, e o teria apreciado com um sorriso se o espaçoso hall decorado com uma tapeçaria bege e elegante que levava a um enorme relógio carrilhão, dando ao ambiente uma aura do século passado, não fosse a passagem para a pior parte de sua vida; atrás daquelas paredes estava seu pai, ou o que ele havia sido.
Suas malas estavam no chão e suas mãos suavam frio, pela primeira vez sentiu-se uma garotinha com medo, e ele a consumia aos poucos, às vezes conseguia dar dois ou três passos, mas seus pés pesavam como rochas, a mansão a observava esperançosa em sua coragem, mas chegar até ali tinha sido seu limite.
— Você deveria vê-lo enquanto a casa está vazia, sabe. — Uma voz a fez soltar uma nota de surpresa e seu coração pulou no peito, de uma das portas de acesso do hall saia um rapaz, aparentava ter a mesma idade que ela, seus cabelos negros caiam em seus olhos e carregava nos braços alguns livros. — A despedida sempre é dolorosa, e fazer isso sozinha pode ser assustador as vezes, mas fara com que se sinta melhor, ele vai sentir você lá...
A forma calma e concreta com que aquele homem falava sobre lhe causou estranhamento, ela não o conhecia e não queria dividir com ele nada sobre seu medo ou sua dor, não tinha espaço para ser cordial ou gentil naquele momento, mas algo nele não a permitiu abrir a boca para o repreender.
— Ele se foi no dia do meu aniversário, a ligação dele era a única coisa que eu esperava e o que recebi... — Suas mãos se fecharam e sentiu a carne doer, os olhos fechados e as palavras da mãe ecoando em sua cabeça mais uma vez. — Eu só não sei se consigo vê-lo deitado lá, sabendo que jamais o verei novamente.
Algo passou quase despercebido nos olhos do rapaz, quase como se ele soubesse que aquilo não era verdade, ele largou os livros em um pequeno aparador a sua esquerda e caminhou até a porta no final do hall, parando logo ao lado do relógio que fazia seu tic-tac com calma. Sua mão direita se ergueu no ar em direção a ela, alguns segundos se passaram até que ela tivesse coragem de finalmente dar mais um passo aceitando, sem saber muito bem o porquê, o gesto daquele que sequer sabia o nome.
Era uma sala principal com o pé direito alto, onde o teto era coberto por uma bela pintura delicada de ramos de flores, um lustre pendia tímido bem ao meio, nada extravagante, mas ainda sim belo. Os móveis estavam dispostos perto das paredes, e algumas cadeiras postas em filas dando caminho ao fundo da sala onde um caixão de madeira clara repousava.
O corpo dela gelou e seus dedos apertaram a mão do rapaz ao seu lado, ela não estava pronta, seus olhos buscaram os dele pedindo para que a tirasse dali.
— Você precisa disso. — Ele deu mais alguns passos a levando junto, quadros pintados a óleo de algumas pessoas que ela jamais havia conhecido estavam dispostos logo acima do caixão, como se o velassem.
— Não me disse seu nome. — A voz dela soou rouca, e seus olhos quase não piscavam, ele a olhou de relance fazendo com que ela desse mais alguns passos.
— Cassian, conheceu meu tio no jardim, cuidamos da mansão desde que eu consigo me lembrar. — Aquilo atraiu a atenção dela por um breve momento e seus pés apenas continuaram, algo nela gritava angustiado, como se um punhal perfurasse a alma a cada passo, Claire não queria aceitar a verdade por mais que ela estivesse ali naquela sala, observando de algum canto onde a luz dos diversos abajures não chegasse. — Precisa fazer isso sozinha agora...
Os dedos dele soltaram a mão dela, o calor sumiu de sua pele rápido demais, sentiu como se o mundo estagnasse naquele momento, a tampa aberta do caixão dava a visão do terno preto coberto por algumas pétalas de rosa de um vermelho puro, os dedos entrelaçados e a aliança que parecia ter perdido o brilho. Edwin Rosenrot jazia ali como em um sono profundo, a pele estava mais pálida que o normal, mas seu rosto estava sereno, era o que todos veriam.
Mas Claire via algo mais, como se soubesse que ele não deveria estar ali, não agora, não daquele jeito; sempre soube que Morte viria a tomar seu pai nos braços um dia, mas a ignorância de que o tempo corre lento e os anos se estenderiam como um tapete extenso confortavam o coração dela. E agora, o Destino havia decidido puxar aquele tapete e escancarar o maior medo de um filho diante da vida, a perda de um pai.
— Eu sinto muito pai... — A voz morreu em sua garganta e algo abraçou seu corpo, como uma presença invisível, não era desesperador, mas era gelado, e de alguma forma pequeno, mesmo que parecesse cobrir seu corpo todo, olhou ao redor focando Cassian sentado na última cadeira disposta perto da saída, estavam sozinhos. — Um dia, era só o que eu precisava para estar com você, só um dia!
E lá do fundo elas vieram, molhando a pele como alento, e seus braços se estenderam ao caixão, a madeira em contato com as mãos fizera os pelos se arrepiarem, a tristeza subiu por sua garganta a ecoou pela sala, ela se sentia sozinha, caindo em um vazio.
Então aquilo era a tristeza, confortando sua perda, abraçando-a com seus bracinhos pequenos, com sussurros de desculpas por estar ali, ela também sentia muito...
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